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ANÁLISE DO ROMANCE BENJAMIM

Davi Gabriel Soares1


RESUMO: O seguinte artigo tem como objetivo analisar os elementos do romance
Benjamim, escrito pelo cantor e escritor Chico Buarque de Hollanda, com base em teóricos
como Yves Reuter e Masaud Moisés e, também, com base nas aulas ministradas pelo doutor
Osvaldo Duarte.
PALAVRAS-CHAVE: Análise. Romance. Benjamim. Chico Buarque.

Benjamim é um romance que conta a história de um modelo que se apaixona por uma
garota chamada Ariela. Essa jovem moça aos olhos de Benjamim, se parece muito um antigo
amor do protagonista, Castana Beatriz. Tal semelhança leva o personagem a pensar que Ariela
é filha da, então falecida, Castana.
O protagonista da história é Benjamim Zambraia, um ex modelo que vive com um
dinheiro que possui no banco e de alguns trabalhos que ainda faz. Algumas de suas
características físicas são apresentadas no primeiro capítulo do romance: “Se uma câmera
focalizasse Benjamim na hora do almoço, captaria um homem longilíneo, um pouco curvado,
com vestígios de atletismo, de cabelos brancos mas bastos, prejudicado por uma barba de sete
dias […]” (BUARQUE. p.10. 1995).
Benjamim tem uma forte relação com o passado e isso influencia no desenvolvimento
do personagem. O autor cita inúmeras vezes uma namorada antiga de Benjamim que se chama
Castana Beatriz e o estopim para essas memórias é Ariela Masé, uma moça que Benjamim
conhece em um restaurante. A aparência de Ariela Masé é tão semelhante a de Castana, que
Benjamim pensa que Ariela é filha de Castana. O momento é narrado pelo autor da seguinte
maneira: “E quando ela acaba de passar, o sorriso não é mais dela, é de outra mulher que
Benjamim fica aflito para recordar, como uma palavra que temos na ponta da língua e nos
escapa.” (BUARQUE, p. 15. 1995).
Esse momento de reminscência do personagem determina o conflito principal do
protagonista. Banjamim, por achar que Ariela é filha de um amor que acredita estar morto, se
encontra, muitas vezes, em momentos de aflição. Um trecho que mostra esse tipo de
comportamento pode ser encontrado no capítulo cinco:

“Empolgado, ele disse que se sentia sem graça, que vivia trancado no quarto, que só
ia ao cinema para rever filmes antigos, e mais, disse que não se lembrava da ultima
vez que beijara uma mulher, sem contar as putas. Ariela repetia ‘não faz mal’, ‘não

1 Discente do 2º Período do Curso de Letras da Universidade Federal de Rondônia – Campus Vilhena


faz mal’, ‘não faz mal’, o que suscitava em Benjamim uma arrogância de desejar
rebaixar-se mais e mais. Agora mesmo, ao ouvir dela: ‘Esta noite eu sonhei contigo’,
por pouco ele não declarara com deleite: ‘Eu sou um desgraçado’. Mas se ainda
assim ela falasse ‘não faz mal’, Benjamim num arroubo seria capaz de completar:
‘Eu matei a tua mãe’.” (BUARQUE, p 102. 1995).

O autor trabalha mais o aspecto psicológico do personagem de Benjamim do que


qualquer outro. Segundo Moisés, quando as coisas se passam dentro delas e não a elas, trata-
se de um personagem de característica redonda (1967).
Outra personagem primária da diegese é Ariela Masé, uma corretora de imóveis que
chama a atenção de Benjamin desde a primeira vez que é vista pelo protagonista:

“Na sua mesa encontrara um pires om azeitona e uma tulipa de chope cuja espuma
cedeu, e que parece sobra de outro freguês. […] Interessa-se pelo casal que toma
café três mesas adiante, ele olhando para a fronte dela e ela para dentro da xícara.
[…] Não o impressionam os lábios nem a língua e os dentes que mal se vêem, mas a
lacuna, o vão o abismo dentro daquela boca, que completa a superfície do rosto pela
sua negação, como uma pausa no meio da música.” (BUARQUE. P 13 – 15. 1995).

No fragmento apresentado, é possível notar que a boca de Ariela chamou muito a


atenção de Benjamim. Além do detalhe da boca, é possível notar, ainda nessa parte do livro,
algumas características físicas da personagem:

“Em seguida ele diz alguma coisa que faz a mulher soltar uma gargalhada, jogando
para trás a cabeça cheia de cachos castanhos. Sempre rindo, ela sonda sua bolsa que
é quase uma mochila e exibe-lhe de longe, sublinhando com a unha, um segredo na
sua identidade, por exemplo o nome exdrúxulo do pai, a cidadezinha natal ou a
verdadeira idade (vinte e cinco anos, vinte e quatro, vinte e seis) […] Quando eles se
levantam, a estatura da moça surpreende Benjamim: dona de coxas muito longas, ela
sobrepuja amigo em meio palmo.” (BUARQUE. p.14, 15.1995).

O relacionamento de Ariela com Benjamin varia no decorrer da narrativa. Na metade


da história, Benjamim chega a chamar Ariela pra morar com ele, em seu apartamento. A partir
desse fato, é possível dizer que Ariela é uma personagem esférica, por apresentar uma
mudança interior mais de uma vez durante a narrativa.
Aliandro é um dos personagens secundários da trama. Aliandro Esgarate é um
persoagem plano, pois possui é possível encontrar uma virtude ou vício e sua única ambição é
ser eleito. (MOISÉS, 1967).
É possível notar que o autor usa algumas variações do nome da personagem. Uma hora
ele é referido como Aliandro Esgarate, outra, Alyandro Sgaratti, e ainda, em um momento
particular, a personagem é chamada de Ali. Ao refletir um pouco sobre a escrita, é possível
perceber que cada variação do nome é usada sob uma situação específica.
O autor usa a primeira variação do nome, o nome verdadeiro do personagem, Aliandro
Esgarate, quando este se encontra em uma ocasião normal. Pode se tomar como exemplo,
quando Aliandro encontra Ariela no trabalho dela, no segundo capítulo: “Ariela antecipa-se,
abre a porta e ganha a sala na rasteira do chinês. Enquanto o doutor Cantagalo contorna a
mesa para recebê-lo, o doutor Aliandro Esgarate levanta-se e beija a mão de Ariela numa
mesura exagerada.” (BUARQUE. p. 32. 1995).
A segunda variação do nome da personagem, Alyandro Sgaratti, é usada quando o
personagem assume uma posição de candidato eleitoral. Um bom exemplo em que isso
acontece é um momento da narrativa que narra um comício, apresentado no primeiro
parágrafo do capítulo quatro: “‘Meu nome é Diógenes Halofonte,sou professor e cientista
social. Conheço Alyandro Sgaratti e posso confiar: ele é o companheiro xifópago do
cidadão.’” (BUARQUE. p. 77. 1995).
A terceira variação aparece em apenas uma ocasião, quando o narrador conta uma
história de quando Aliandro era mais novo: “Leodoro esquadrinha a agenda, mas não arranja
espaço para enxertar a visita a um astrólogo. Pelo retrovisor, tem a impressão de ver a cara
marota do menino Ali quando o convidava para conhecer sua cidade […]” (BUARQUE. P
126. 1995).
Existem ainda, outros personagens na narrativa, mas estes não exercem tanta
influência na narrativa como o doutor Cantagalo, chefe de Ariela, Jarbas Franciscote, Um
farmcêutico que aparece no capítulo três, G. Gâmbolo, um velho amigo de Benjamim, Zorza,
um namorado de Ariela e Jeovan, um antigo companheiro de Ariela.
O autor usa muitas analepses na digese e é possível perceber tal uso do recurso logo no
primeiro parágrafo do romance, pois o romance se inicia com uma analepse. O final da obra é
apresentado no início da diegese. É possível deduzir essa afirmação ao ler o fragmento a
seguir:

“O pelotão estava em forma, a voz do comando foi enérgica e a fuzilaria prouziu um


único estrondo. […] Cego, identificaria cada fuzil e diria de que cano partiria cada
um dos projéteis que agora o atingiam no peito, no pecoço e na cara. […] Naquele
instante Venjamim assistiu ao que já esperava: sua existência projetou-se do início
ao fim, tal qual um filme, na venda dos olhos. […] E súbito se surpreenderia a
caminhar simultaneamente em todas as direções, e tudo alcançaria de um só olhar, e
tudo o que ele percebesse jamais cessaria, e mesmo a infinitude caberia numa bolha
no interior do sonho de um homem como Benjamim Zambraia, que não se lembra de
alguma vez ter morrido em sonho.” (BUARQUE, p. 9, 10. 1995)

Depois dessa útima parte, a narrativa se transforma em uma extensa analepse, que
dura o romance inteiro até o final, que culmina, justamente no evento que inicia o livro.
Segundo Yves Reuter, esse tipo de narrativa é chamada de narração ulterio, pois o narrador
expõe o que acontece anteriormente , num passado mais ou menos longínquo (2004).
Além desse recurso, o autor utiliza mais analepses durante a diegese com o intuito de
traçar um paralelo entre o que está acontecendo naquele momento e o passado do
personagens. O fragmento a seguir mostra como isso acontece na diegese:

“Ariela Masé já saiu com Zorza uma dúzia de ocasiões, mas esta é a primeira vez em
que o observa de perfil. Conheceu-o há três meses, quando entrou numa agência de
carros para espairecer, e encantou-se com um modelo japonês. Zorza apresentou-se
como gerente de vendas e, mesmo avisado de que ela nem sonhava possuir um carro
zero-quilômetro, dispôs-se a atendê-la como a um cliente vip, nas palavras dele. […]
Não viu malícia ou galanteio na solicitude de Zorza, embora admitisse que ele lhe
era simpático havia algum tempo, pois a bem da verdade já o conhecia através da
vitrine. Mas Ariela ainda se recuperava de uma perda recente, muito dolorosa, e
mesmo aceitando o convite de Zorza para um almoço, excluiu qualquer perigo de
novo envolvimento afetivo. No dia seguinte Zorza mal tocou no estrogonofe de
camarão, consagrado que estava a Ariela. No segundo almoço Zorza ofereceu a
Ariela um relógio com corrente de lápis-lazúli. Não permitiu que ela lhe
agradecesse, porque era uma mera lembrancinha; tocou seu braço e, encarando-a,
contou quanto tirava por mês na agência de automóveis” (BUARQUE, p. 43, 44.
1995).

O trecho é apresentado antes de uma narração de um evento que estava acontecendo


entre Zorza e Ariela. Zorza não tinha sido apresentado na narrativa e o leitor, até então, não
tem conhecimento da situação amorosa dos dois personagens. A analepse possui, nesse caso, a
função de contextualizar o leitor sobre o estado dos personagens na diegese.
O narrador do romance é heterodiegético, pois não participa da hisória e, por isso,
apresenta os fatos em terceira pessoa. Uma classificação mais precisa que pode ser aplicada a
esse narrador é a de narrador onisciente interpretativo. Carvalho explica muito bem essa
classificação criada por Friedman: “Voltando a tratar da onisciência interpretativa, explica
Friedman que os autor usa esse método quando intervém no discurso a narração, para
manifestar opiniões suas, pertinentes ou não ao assunto tratado.” (p. 10. 1981).
Vários são os momentos em que o narrador faz algum tipo de comentário. Um
exemplo interessante pode ser retirado do seguinte trecho:

“E Ariela habituou-se a baixar os olhos na presença de Zorza, visto que o silêncio


não sustenta o peso de longos olhares recíprocos, exceto nos filmes de amor, e nem
mesmo nos filmes de amor porque ali, quando cessa o diálogo, o diretor sempre
coloca uma música.” (BUARQUE, p. 44. 1995)

Nesse trecho, é possível perceber que a narração dos fatos foi interrompida. O
narrador deixa de expor os fatos da diagese por um breve momento pra comentar sobre o que
estava acontecendo, quando ele diz “exceto nos filmes de amor, e nem sempre mesmo nos
filmes de amor porque ali, quando cessa o diálogo, o diretor sempre coloca uma música.”
No romance, é possível destacar alguns espaços onde acontece mais de um evento, ou
é utilizado mais de uma vez na narrativa. O apartamento de Benjamim é o espaço que mais se
destaca no romance. É possível dizer que o apartamento é um espaço atópico, pois, na maioria
das vezes, os personagens vivem eventos no mínimo desconfortáveis. O fragmento a seguir
mostra um desses momentos:

“quando Castana Beatriz entrou pela primeira vez no apartamento, olhou a Pedra a
poucos metros da janela e achou aquilo horroroso; disse que a sala era escura,
abafada, úmida, disse que o quarto dele era bolorento, disse que não ficaria ali por
nada neste mundo e, por falar essas coisas em tom esganiçado, ainda se irritou com a
própria voz, que a Pedra reverberava.” (BUARQUE, p 58. 1995)

Além do apartamento, o trabalho de Ariela é um espaço que é citado algumas vezes. É


possível dizer que esse espaço é um espaço tópico, pois ao invés de causar desconforto, na
maioria das vezes, o que se sente é uma sensação de conforto da parte dos personagens.

REFERÊNCIAS

BUARQUE, Chico. Benjamim. Ed Companhia das Letras, 1995.


CARVALHO, Alfredo Leme Coelho de. Foco narrativo e fluxo da consciência. São
Paulo: Pioneira, 1932.
MOISES, Massaud. A criação lietrária, prosa I. 8 ed. São Paulo: Cultrix, 1967
REUTER, Yves. Introdução à analise do romance. São Paulo: Martins Fontes. 2004

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