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RESENHA: DOM CASMURRO – MACHADO DE ASSIS

RESENHA BASE 1:
Dividido em cento e quarenta e oito capítulos curtos, Dom Casmurro é uma das
grandes obras de seu autor, Machado de Assis. Esse romance é narrado por
Bento Santiago, ou, como é narrado já no início do livro, Dom Casmurro, cujo
nome  por conveniência se tornou o título da obra:
       “Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles
lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom
veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. Também não achei melhor
título para minha narração; se não tiver outro daqui até o fim do livro, vai este
mesmo. ”
   A história contada pelos olhos de Bento tem um teor jurídico, vendo que
nosso protagonista já era formado em direito na época em que escreveu.
Dessa forma, ele se usa de artifícios para colocar em pauta sua insegurança e
ciúme relacionados a sua amiga de infância, Capitu. Assim, desenvolve desde
o início do livro, a pergunta que só iria fazer em sua última página, e na qual
ronda os pensamentos de Dom Casmurro.
       “Como vês, Capitu, aos catorze anos, tinha já ideias atrevidas, muito
menos que outras que lhe vieram depois; mas eram só atrevidas em si, na
prática faziam-se hábeis, sinuosas, surdas, e alcançavam o fim proposto, não
de salto, mas aos saltinhos. ”
   Ao iniciarmos o livro, somos apresentados por Bento a sua mãe e viúva,
Dona Glória; e a sua promessa de tornar seu filho um padre, a qual mais tarde,
leva o narrador protagonista a frequentar o seminário e lá conhecer Escobar
(desde então seu melhor amigo). Entretanto, existem também diversos outros
personagens que já no início nos são apresentados, e se tornam importantes
para desenvolver o pensamento de nosso narrador no momento em que ele
escreveria o livro. Um deles é José Dias, que descreve os olhos de Capitu
como sendo de “cigana oblíqua e dissimulada”, característica que vemos citada
por Bento em outros momentos ao decorrer da trama.
   Em suma, não darei mais informações sobre a história, apesar desta ser
muito comentada e seu dilema final percorrer a literatura nos intrigando
verdadeiramente (afinal, não há resposta para este). Acho melhor nesta
resenha apenas cultivar a vontade de ler e saber mais sobre como Dom
Casmurro consegue ser articuloso e usar dos artifícios com quais descreveu
Capitu em suas ideias atrevidas; dessa forma, de saltinhos, objetivando nos
convencer que sua insegurança e pensamentos a respeito de sua mulher e seu
melhor amigo estavam corretos.
   Esse livro não é só uma experiência literária, acredito que seja também uma
experiência reflexiva sobre como uma história pode ter versões diferentes se
contada por pessoas diferentes. Bento, acredita fielmente em sua versão,
chegando a levar esse problema até mesmo para a relação com seu filho e
para o resto de sua vida. Todavia, só poderíamos saber como as coisas
realmente se sucederam, se tivéssemos também a versão de Capitu e de
Escobar. 
   A todos que se interessaram por essa obra sensacional, desejo uma ótima
leitura. E para aqueles que já tiveram essa experiência literária comentem
conosco o que acham sobre o dilema deixado para nós por Machado de Assis.
RESENHA BASE 2:
Quando eu li “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, pela primeira vez, eu
tinha a idade de 17 anos, ou menos, não me lembro bem. E isso foi no início da
década de 1970. Quando acabei de ler (e isso havia sido uma leitura
obrigatória no colégio), o grande debate era: afinal, o filho era ou não era de
Bentinho? Lembro-me que no calor do debate eu disse: “Claro! Capitu traiu
Bentinho”. E nunca mais reli “Dom Casmurro”, pois considerava algo meio
resolvido na minha cabeça. Li outros romances desse autor que não estão
resenhados aqui, como “Memória Póstumas de Brás Cubas”, em 2003.
Reli “Dom Casmurro” quase 48 anos depois. Eu precisava ler. Agora eu tenho
um site. Relutei, e chego à conclusão de que, após todos esses anos, foi um
dos melhores romances que já li na minha vida. Acho que a maturidade me deu
a possibilidade de ler com uma atenção que nem passava pela minha cabeça
quando li pela primeira vez.
Sei que muitos que acompanham as resenhas deste site devem dizer: “Calma
lá! Você já disse isso para muitos romances que você leu”. Dom Quixote foi um
desses. É verdade. Mas foi um livro muito tocante, aborda a loucura de um
homem. Fica claro que (anos após ter relido esta história) Dom Casmurro foi
inspirado em Otelo de Shakespeare, e a versão feita por Machado de Assis é
perfeita. Coisa que na época eu não tinha como fazer tal conexão, pois nunca
havia lido Shakespeare. Vi filmes e peças, (mas nunca havia lido nenhuma
peça na idade de 17 anos) e muito menos teria condições de fazer tal conexão
mesmo se tivesse lido. Não era intelectualmente maduro o suficiente.
Assim como Otelo, que fica tão consumido pelo ciúme que entra em transe
beirando a epilepsia, Bentinho entra na mesma vibração dessa loucura.
Enquanto Otelo fica parado ao lado de sua esposa adormecida em seu quarto,
preparando-se para matá-la, vemos Bentinho com o veneno no café de seu
próprio filho pronto para colocar fim a tudo, inclusive a ele mesmo. Otelo diz a
Emília que matou Desdêmona por sua infidelidade. Bentinho desiste no
momento em que o café envenenado iria ser consumido pelo filho Ezequiel e
pela mulher Capitu. Ele retira a xícara da boca do garoto e salva todos.
Bentinho opta por uma reconstituição imaginária do passado, Otelo deixa-se
conduzir por Iago, que forja as provas contra Desdêmona, incriminando-a. As
desconfianças que movem Bentinho são interiores, provenientes de sua
imaginação; as de Otelo são manipuladas pelo perspicaz Iago, que ambiciona
sua posição.
“Ficando só, refleti algum tempo, e tive uma fantasia. Já conheceis as minhas
fantasias. Contei-vos a da visita imperial; disse-vos a desta casa de Engenho
Novo, reproduzindo a de Mata-cavalos... A imaginação foi a companheira de
toda a minha existência, viva, rápida, inquieta, alguma vez tímida e amiga de
empacar, as mais delas capaz de engolir campanhas e campanhas, correndo.”
(pg 68)
Bentinho é seu próprio sabotador, está convicto da traição independente das
evidências, mesmo confessando sutilmente acreditar na inocência de Capitu.
Quando assiste à encenação no auge do seu delírio, prefere culpar sua
esposa, conduzindo o leitor para a irremediável condenação. Bentinho não é
apenas o Otelo, mas o Iago de si mesmo.
“Jantei fora. De noite fui ao teatro. Representava-se justamente Otelo, que eu
não vira nem lera nunca; sabia apenas o assunto, e estimei a coincidência. Vi
as grandes raivas do mouro, por causa de um lenço. -- um simples lenço! -- e
aqui dou matéria à meditação dos psicólogos deste e de outros continentes,
pois não me pude furtar à observação de que um lenço bastou a acender os
ciúmes de Otelo e compor a mais sublime tragédia deste mundo. Os lenços
perderam-se. hoje são precisos os próprios lençóis; alguma vez nem lençóis há
e valem só as camisas. Tais eram as ideias que me iam passando pela cabeça,
vagas e turvas, à medida que o mouro rolava convulso, e Iago destilava a sua
calúnia. Nos intervalos não me levantava da cadeira- não queria expor-me a
encontrar algum conhecido. As senhoras ficavam quase todas nos camarotes,
enquanto os homens iam fumar. Então eu perguntava a mim mesmo se alguma
daquelas não teria amado alguém que jazesse agora no cemitério, e vinham
outras incoerências, até que o pano subia e continuava a peça. O último ato
mostrou-me que não eu, mas Capitu devia morrer. Ouvi as súplicas de
Desdêmona, as suas palavras amorosas e puras, e a fúria do mouro, e a morte
que este lhe deu entre aplausos frenéticos do público.” (pg 201)
“...Cheguei a casa, abri a porta devagarinho, subi pé ante pé, e meti-me no
gabinete, iam dar seis horas. Tirei o veneno do bolso, fiquei em mangas de
camisa, e escrevi ainda uma carta, a última, dirigida a Capitu. Nenhuma das
outras era para ela; senti necessidade de lhe dizer uma palavra em que lhe
ficasse o remorso da minha morte. Escrevi dous textos. O primeiro queimei-o
por ser longo e difuso. O segundo continha só o necessário, claro e breve. Não
lhe lembrava o nosso passado, nem as lutas havidas, nem alegria alguma;
falava-lhe só de Escobar e da necessidade de morrer. (Pg 201)
Alfredo Bosi, em seu livro “História Concisa da Literatura Brasileira”, classifica
“Dom Casmurro” de “A tragédia perfeita” (pg 200). Fico à vontade para adiantar
alguns fatos dessa história, pois foi um livro obrigatório para todos da velha
guarda e da galera mais novinha, especialmente para aqueles que vão fazer
vestibular. “Dom Casmurro” é um romance psicológico, as análises íntimas das
decisões e indecisões estão presentes. O tempo da narrativa é psicológico, e
não cronológico.
É um relato. São memórias do passado do protagonista, que, como todos já
sabem, se chama Bentinho. Ele relata a sua vida desde sua adolescência, aos
quinze anos de idade, quando conheceu Capitu, até se tornar o ensimesmado
e sorumbático Dom Casmurro quando ficou velho. É um romance narrado em
primeira pessoa
“Vi-lhe fazer um gesto para tirá-los outra vez do bolso, mas não passou do
gesto; estava amuado. No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes feios, e
acabou alcunhando-me Dom Casmurro. Os vizinhos, que não gostam dos
meus hábitos reclusos e calados, deram curso à alcunha, que afinal pegou.
Nem por isso me zanguei. Contei a anedota aos amigos da cidade, e eles, por
graça, chamam-me assim, alguns em bilhetes: "Dom Casmurro, domingo vou
jantar com você."--"Vou para Petrópolis, Dom Casmurro; a casa é a mesma da
Renania; vê se deixas essa caverna do Engenho Novo, e vai lá passar uns
quinze dias comigo."--"Meu caro Dom Casmurro, não cuide que o dispenso do
teatro amanhã; venha e dormirá aqui na cidade; dou-lhe camarote, dou-lhe chá,
dou-lhe cama; só não lhe dou moça." (pg 1)
Durante a leitura, podemos ver que existem interferências do autor, onde o real
e o imaginário trocam carícias na obra, pois Machado de Assis nos traz a
realidade e o fato imaginado, impossibilitando entender a obra objetivamente.
O que nos leva a duvidar se os acontecimentos são reais. Mas Machado de
Assis ao mesmo tempo tenta-nos convencer de que tudo aquilo é a veracidade
dos fatos. E aí entra a literatura, que tem o poder de criar ilusões tão perfeitas
que lemos como se fosse realidade.
Sim, Nero, Augusto, Massinissa, e tu, grande César, que me incitas a fazer os
meus comentários, agradeço-vos o conselho, e vou deitar ao papel as
reminiscências que me vierem vindo. Deste modo, viverei o que vivi, e
assentarei a mão para alguma obra de maior tomo. Eia, comecemos a
evocação por uma célebre tarde de novembro, que nunca me esqueceu. Tive
outras muitas, melhores, e piores, mas aquela nunca se me apagou do espírito.
É o que vais entender, lendo. (pg 4)
O protagonista é um homem perturbado (como já falamos acima), tomado por
sentimentos de ciúmes. Fica a pergunta: um homem tomado por tal sentimento
possui uma narrativa confiável? É difícil avaliar quando alguém, no caso o
narrador, encontra-se numa situação como essa. Como podemos confiar na
narrativa de um homem que diz que foi traído por sua esposa, sem nunca ter
comprovado realmente que suas dúvidas são pertinentes? Ele enxerga seu
filho com as mesmas feições de Escobar, seu melhor amigo. Era esse o seu
álibi. Mas Capitu não enxergava-o desse jeito.
O narrador nunca afirma a traição, apenas insinua, uma vez que Bento
Santiago (o Bentinho), uma pessoa amargurada, é quem recolhe e decide o
que deve ou não deve ser relatado ao leitor.
Aos poucos, o narrador Bento Santiago procura a razão de escrever este livro
sobre sua vida. E vamos descobrindo sua personalidade. Vemos um homem
cheio de compartimentos diante de acontecimentos e do mundo sensível.
Assemelha-se à divisão de compartimentos de uma casa.
 
“Vivo só, com um criado. A casa em que moro é própria; fi-la construir de
propósito, levado de um desejo tão particular que me vexa imprimi-lo, mas vá
lá. Um dia, há bastantes anos, lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa
em que me criei na antiga Rua de Mata-cavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e
economia daquela outra, que desapareceu. Construtor e pintor entenderam
bem as indicações que lhes fiz: é o mesmo prédio assobradado, três janelas de
frente, varanda ao fundo, as mesmas alcovas e salas. Na principal destas, a
pintura do tecto e das paredes é mais ou menos igual, umas grinaldas de flores
miúdas e grandes pássaros que as tomam nos blocos, de espaço a espaço.
Nos quatro cantos do tecto as figuras das estações, e ao centro das paredes os
medalhões de César, Augusto, Nero e Massinissa, com os nomes por baixo...
Não alcanço a razão de tais personagens. Quando fomos para a casa de Mata-
cavalos, já ela estava assim decorada; vinha do decênio anterior. Naturalmente
era gosto do tempo meter sabor clássico e figuras antigas em pinturas
americanas. O mais é também análogo e parecido. Tenho chacarinha, flores,
legume, uma casuarina, um poço e lavadouro. Uso louça velha e mobília velha.
Enfim, agora, como outrora, há aqui o mesmo contraste da vida interior, que é
pacata, com a exterior, que é ruidosa” (pg 2).
A metáfora da casa, nas palavras de Alfredo Bosi, seria entre seus
compartimentos e os da alma humana. Mais uma vez a incapacidade do
narrador de lidar com o tempo vivido.
“A alma da gente, como sabes, é uma casa assim disposta, não raro com
janelas para todos os lados, muita luz e ar puro. Também as há fechadas e
escuras, sem janelas ou com poucas e gradeadas, à semelhança de conventos
e prisões. Outrossim, capelas e bazares, simples alpendres ou paços
suntuosos.” (pg 94)
A casa exerce a função importante na narrativa, pois é na casa onde podemos
ler os sentimentos de tristeza, de alegria, de distração e de tensão, e é onde
Bentinho tece a história de sua infância, todas as esperanças e sonhos em
relação ao seu futuro com Capitu, seu primeiro e único amor, que tinha na
verdade de seus sentimentos a única prova concreta. E que só aumentava
cada vez que a proximidade entre os dois acontecia.
Os olhos de Capitu têm um papel importante na história. José Dias, o agregado
de família que vivia de favores na casa de Dona Glória (mãe de Bentinho),
certa vez, andando pelo Passeio Público, começou a falar sobre o olhar de
Capitu. Bentinho se surpreende com as palavras de José Dias, que definia seu
olhar como “olhos de cigana oblíqua e dissimulada.”  Essa fala repercute em
Bentinho.
“Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, «olhos de cigana
oblíqua e dissimulada.» Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada
sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar.
Só me perguntava o que era, se nunca os vira; eu nada achei extraordinário; a
cor e a doçura eram minhas conhecidas. A demora da contemplação creio que
lhe deu outra ideia do meu intento; imaginou que era um pretexto para mirá-los
mais de perto, com os meus olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto
atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com tal
expressão que...” (pg 53, pg 54)
Bentinho descreve os olhos de Capitu metaforicamente lembrando o mar em
seus momentos de ressaca. São tão misteriosos que, embora descritos
fisicamente, ele não nos apresenta a nada reconhecível. Qual era a cor de
seus olhos? Eles são grandes, pequenos, azuis, verdes, castanhos? Não
sabemos. O que é descrito não são os olhos de Capitu, mas a sensação de
imersão do narrador à mulher amada.
“Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o
que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me
dá ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico,
uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos
dias de ressaca.” (pg 54)
Machado de Assis aproxima Capitu do mar e Bento de sua casa e, na ausência
de verdades aparentes, as sensações é que estabelecem o juízo de valor.
Bento é compartimentado como uma casa e esses compartimentos são de sua
casa materna. Precisou fazer uma outra casa mantendo a mesma decoração.
Bentinho reflete sobre o que viu, constrói imagens por meio de olhares,
pautando-se pela casa e o mar, as mais sensíveis metáforas do romance.
“Hão de perguntar-me por que razão, tendo a própria casa velha, na mesma
rua antiga, não impedi que a demolissem e vim reproduzi-la nesta. A pergunta
devia ser feita a princípio, mas aqui vai a resposta. A razão é que, logo que
minha mãe morreu, querendo ir para lá, fiz primeiro uma longa visita de
inspeção por alguns dias, e toda a casa me desconheceu. No quintal, a aroeira
e a pitangueira, o poço, a caçamba velha e o lavadouro, nada sabia de mim. A
casuarina era a mesma que eu deixara ao fundo, mas o tronco, em vez de reto,
como outrora, tinha agora um ar de ponto de interrogação; naturalmente
pasmava intruso. Corri os olhos pelo ar, buscando algum pensamento que ali
deixasse, e não achei nenhum. Ao contrário, a ramagem começou a sussurrar
alguma coisa que não entendi logo, e parece que era a cantiga das manhãs
novas. Ao pé dessa música sonora e jovial, ouvi também o grunhir dos porcos,
espécie de troça concentrada e filosófica. Tudo me era estranho e adverso.
Deixei que demolissem a casa, e, mais tarde, quando vim para o Engenho
Novo, lembrou-me fazer esta reprodução por explicações que dei ao arquiteto,
segundo contei em tempo” (pg 212)
Quando Dona Glória, sua mãe, morre, vemos um Bentinho tentando reter o
tempo e o espaço. “Atar as duas pontas da vida, e restaurar a velhice na
adolescência”. Tudo havia mudado na sua vida. Tentar reproduzir como um
museu pessoal de suas recordações da casa de Matacavalos não lhe devolve
nada, só o inventário de seu amor por Capitu, suas esperanças e decepções,
sua juventude, e agora sua velhice.
A memória tem uma ligação umbilical com o esquecimento e a fantasia. Os
fatos passados estão à disposição de quem os rememora. Mas os fatos
lembrados nunca são completos. Os fatos passados nunca se reproduzem
fielmente. Estão sempre suscetíveis a falhas. E é nessa falha que podemos
destacar o vínculo entre a memória e a imaginação.
“Tudo acaba, leitor; é um velho truísmo, a que se pode acrescentar que nem
tudo o que dura dura muito tempo. Esta segunda parte não acha crentes fáceis;
ao contrário, a ideia de que um castelo de vento dura mais que o mesmo vento
de que é feito, dificilmente se despegará da cabeça, e é bom que seja assim,
para que se não perca o costume daquelas construcções quase eternas.” (pg
182)
Fico por aqui. Uma das melhores coisas que fiz (até agora) neste ano foi reler
Dom Casmurro. Acho que um dia vou ler de novo. É certo que isso acontecerá.
Dom Casmurro merece UM LUGAR DE HONRA na sua estante.
RESENHA: ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA – SARAMAGO

RESENHA BASE 1:
E se de repente, todas as pessoas ficassem cegas? É partindo desta premissa,
que José Saramago constrói uma das suas mais famosas obras: Ensaio sobre
a cegueira!
A história retrata a vida das pessoas de uma cidade qualquer, que de repente
começam a ficar cegas, sem causa ou motivo aparente. E ao contrário da
cegueira a qual estamos habituados, onde a pessoa que está cega enxerga
tudo preto, a cegueira retratada por Saramago em seu livro, é uma cegueira
branca, como se a pessoa que cegou, ficasse imersa em um “mar de leite”.
Como medida de segurança, os primeiros a cegarem, são enviados a um
antigo sanatório, abandonado, isolados do resto do mundo, onde
permaneceriam em quarentena e sob a vigilância do exército. Mas o fato dessa
cegueira ser contagiosa, fez com que em pouco tempo, o número de pessoas
vítimas da “cegueira branca” aumentasse drasticamente, tanto dentro do
próprio hospício, como pela cidade inteira, tornando as ruas lugares tomados
por pessoas cegas e desorientadas, a procura de comida e condições básicas
de sobrevivência.
O comportamento humano regride às margens da barbárie. Leis e normas
deixam de fazer sentido, multidões de cegos invadem mercados e lojas à
procura da comida que já quase não existe mais, pois tanto quem transporta
como quem produz já está cego. O governo deixou de existir, grandes e
pequenas empresas, bancos, ricos e pobres, todos reduzidos a selvageria.
Mas por incrível que pareça, todo esse caos é assistido de perto por uma única
testemunha ocular: uma mulher, capaz de enxergar com os próprios olhos tudo
o que está acontecendo ao seu redor.
Publicado em 1995, Ensaios sobre a cegueira rendeu em 1998 o prêmio Nobel
de literatura à José Saramago, único autor português a ganhar esse Prêmio,
além também de dar origem a um filme dirigido por um brasileiro. Toda essa
fama reside no fato da história, apesar de fictícia, possuir um pé na realidade,
pois faz uma alegoria à cegueira na qual todos nós estamos imersos no nosso
dia a dia. Esclarece a nossa incapacidade de enxergar o mundo a nossa volta
e de compreender a magnitude dos seus problemas. Isto fica claro com a fala
de uma das personagens, quando esta diz: “Penso que não cegamos, penso
que estamos cegos, cegos que veem, cegos que vendo, não veem”.
Por fim, esta obra não deve ser tratada como apenas um livro que conta a
história de uma multidão de cegos na luta pela sobrevivência, mas sim, como
uma obra que mexe com algumas das questões básicas da humanidade, de
uma maneira crua e direta. É um livro que mostra a importância e a
responsabilidade de se ter olhos, quando os outros já perderam!
RESENHA BASE 2:
"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara."
O livro Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago foi lançado no ano de
1995, rendendo ao autor o prêmio Nobel de Literatura em 1998. O romance
traz a história de uma epidemia intitulada de cegueira branca, que num
rompante acometeu um motorista enquanto aguardava o semáforo liberar a
passagem de veículos. Descontroladamente, a partir desse momento, a
doença desconhecida se alastrou pela cidade. As primeiras vítimas foram
levadas ao isolamento em um antigo manicômio, sujeitando-se a diversos tipos
de desumanidades em defesa de sua sobrevivência. até que por fim
conseguem, através de uma fuga sair de seu cativeiro, encontrando uma
cidade colapsada e entregue a selvageria.
Escrito de forma direta, com ausência de diálogos explicitados por pontuações,
o livro nos apresenta as falas apenas sinalizadas por letras maiúsculas dentro
da narrativa, o que pode trazer uma sensação de urgência, de desespero e
caótica ao leitor. Outro fato a saber é que o autor não nomeia os personagens,
caracterizando-os apenas por traços de suas aparências, ocupações, ou
modos de agir , como: médico, esposa do médico, rapariga de óculos escuros,
sargento, etc.
Logo no início do livro, somos apresentados a um cenário tenso, de estresse,
em um trânsito caótico. O motorista esperando o sinal abrir, repentinamente
fica cego como se um mar de leite lhe tivesse entrado na frente e não pudesse
mais ver. Ele é assim, identificado como o primeiro cego, e recebe ajuda para
voltar para casa. Porém, seu suposto ajudante acaba roubando seu carro,
indiferente de sua doença. O ladrão ,mais tarde, também é acometido da
cegueira. No dia seguinte, a esposa do motorista leva-o ao médico
oftalmologista que fica intrigado com o caso raro que havia surgido. Desse
modo, mais tarde, o médico também foi contaminado pela cegueira, bem como
todos os pacientes que estavam presentes na clínica. Uma vez que a
enfermidade era contagiosa, tais pessoas passaram a infectar qualquer um
com quem estiveram em contato, e assim se dá início uma pandemia. Dentre
todos os personagens iniciais a mulher do médico, ganha um papel de
destaque na obra, pois é a única que permanece com a visão intacta e, para
acompanhar o marido, finge-se de cega. O governo, então, apresenta um plano
de isolamento para conter a epidemia, trancando os cegos em um antigo
manicômio, servindo-lhes inicialmente as refeições necessárias, porém
deixando-os à própria sorte sem assistência, expostos a possíveis doenças e
machucados.
Ao longo do tempo as salas do manicômio vão sendo ocupadas cada vez mais
por cegos, além de uma ala destinada aos suspeitos que poderiam contrair a
cegueira em algum momento. Conforme o número de cegos vai aumentando a
situação vai se tornando cada vez mais crítica. A higiene do local vai
deteriorando, já que os cegos não conseguiam enxergar as latrinas para
fazerem suas necessidades, além de os dutos de água que levavam aos
chuveiros não estarem funcionando, o que tornava os banhos difíceis e
escassos, deixando o ar do local pesado pelos odores de humanidade em
estado bruto. A comida, entregue por soldados, passa a ser controlada por um
grupo de cegos de uma das alas, cujo líder tem uma arma e um dos
integrantes já era cego antes da epidemia, mostrando uma maior experiência
diante da situação por já estar adaptado às tarefas de como viver em um
mundo que não lhe existia perante a visão. Os que detêm o poder sobre a
comida decidem negociar os mantimentos com os outros pedindo-lhes bens
materiais, além de favores sexuais às mulheres que em um cenário de
tamanha violência e descaso, acaba resultando na morte de uma delas.
A mulher do médico, que desde o início viu toda a degradação que a
humanidade pode chegar, decide matar o líder do grupo autoritário para tentar
dar um fim à opressão, gerando outra série de conflitos, que acaba resultando
em um grande incêndio. Os personagens que conseguiram escapar do
incêndio, e conseguintemente se libertaram da prisão manicomial, encontraram
um mundo devastado do lado de fora, pois todas as pessoas do planeta
estavam cegas também, e agiam como animais para sobreviver, procurando
abrigo em qualquer canto e lutando por comida, que a essa altura era o item
mais precioso e raro que se podia encontrar. A degradação toma conta das
ruas, devido a quantidade de lixo e de fezes humanas.
Aos poucos cada personagem pôde encontrar sua antiga residência graças a
mulher do médico, que ainda via, mas dadas as circunstâncias optaram todos
por ficarem juntos na casa dela. A religiosidade aparentemente também foi
abandonada diante daquela realidade pois os santos de uma determinada
igreja encontravam-se de olhos vendados em uma representação do descaso
divino para com seus servos.
Todos estavam juntos e se adaptando da maneira que podiam, quando a
cegueira, que havia sido espalhada pela humanidade, assim como veio,
repentinamente também se foi quando o primeiro cego voltou a enxergar,
seguindo sucessivamente pelos outros. Quando a mulher do médico acredita
que finalmente vai estar livre de seu pesado fardo, ela olha para o céu e vendo
tudo branco pensa “estou cega”, mas ao abaixar a cabeça, ainda via a cidade.
A história é bastante incômoda e pesada, por intenção do autor. Uma leitura
que nos traz sentimentos de angústia, e mostra a humanidade representada,
na sua pior e melhor essência em busca de sobrevivência. O sentimento de
poder que domina aqueles que se julgam em uma posição superior, e o abuso
desse poder em detrimento de seu próprio benefício. O confinamento dos
cegos mostra como eram tratados como inferiores, deixando-os à própria sorte
e condenando-os a morte futura. Nota-se também a indiferença com que as
pessoas do mundo de fora, que ainda não perderam a visão, tratam aqueles
que foram atingidos pela doença. Isso nos propõe analisar se realmente
aconteceria no mundo real.
Vivendo agora em um mundo acometido pela pandemia de um vírus
contagioso e potencialmente mortal (COVID-19), não apenas pelos males que
ele causa, mas pelo colapso que traz aos sistemas de saúde de todo o mundo,
a leitura deste livro pode nos trazer diversas reflexões sobre qual a melhor
maneira de tratar o isolamento dos infectados. Como conseguir controlar uma
infecção causada por algo invisível? Como proceder com aqueles que ficam
em situação de vulnerabilidade? Por que sempre existem aqueles que tentarão
tirar vantagem da situação apenas pelo seu próprio bem? Entrando em um
dilema filosófico Rosseauniano: essas pessoas são frutos da situação em que
se encontram ou o ímpeto de ganância estava adormecido aguardando o
momento de aflorar?
O autor nos convida a observar do que o ser humano é capaz de fazer quando
sabe que ninguém pode observá-lo, e o que vemos são pessoas, cidadãos que
receberam educação, realizarem os mais esdrúxulos atos já que não iriam
receber julgamentos por isso, ou seja, que em situações extremas, temos a
chance de enxergar a verdadeira face de alguém, pois estamos “libertos das
amarras sociais”. Seria nesse estado de cegueira, que nós poderíamos,
enxergar verdadeiramente.
Apesar de todas as mazelas retratadas, da miséria humana e de sua
crueldade, existe ainda uma esperança, representada pela mulher do médico
que permanece com visão, norteando os seus companheiros e tentando ajudar
aos que pode, sendo a idealizadora que acabou por salvar o grupo de cegos de
sua prisão. Mostra-nos assim, a importância de se ter empatia e de lutarmos
nas adversidades, mesmos que essas qualidades estejam se perdendo em
nosso mundo, há esperança.
O maior expoente da literatura portuguesa, José de Souza Saramago (1922 -
2010) nascido em Azinhagha e criado em Lisboa. Estudou em escola técnica e
após a conclusão de sua formação trabalhou como serralheiro mecânico e
funcionário público. Autodidata, conseguiu adquirir muito conhecimento sobre
literatura, filosofia e história. Lançou seu primeiro livro em 1947 (Terra do
Pecado). No início de sua carreira escreveu poesias, crônicas, contos,
romances e peças de teatro. Em 1980, iniciou a segunda fase como escritor, e
então Saramago publicou sua obra mais conhecida, Ensaio sobre a Cegueira,
que lhe rendeu o prêmio Nobel de literatura 3 anos depois. Em 2010, vítima de
leucemia crônica, Saramago atravessa o rio nos deixando seu legado e suas
história.
RESENHA: O CORTIÇO – ALUÍSIO AZEVEDO

RESENHA BASE 1:
João Romão é um comerciante de origem portuguesa bastante ganancioso, que
consegue subir na vida à custa da exploração das pessoas. Dono de uma pedreira e de
uma taverna, ele constrói em seu terreno umas casinhas de baixa qualidade, aluguel
barato, para onde vão morar os funcionários da pedreira e suas respectivas famílias.
Junto com ele, mora a negra Bertoleza, trabalhadora incansável, supostamente
alforriada, em estado marital.

Ao lado do cortiço, há um sobrado onde mora a família do comendador Miranda. O


sobrado simboliza, na visão de Romão, a ascensão social tão almejada. Miranda, por
sua vez, abomina a vizinhança.

“O cortiço” é um romance cuja primeira publicação aconteceu em 1890. Nessa época, a


sociedade mundial buscava caminhos que fugissem das marcas deixadas pelos
românticos anteriores. Para isso, fundamentavam a construção de seus romances e as
características de seus personagens diretamente na realidade. Tendo por base a teoria
da evolução de Darwin, a filosofia positivista de Comte e, principalmente, o a filosofia
determinista de Hippolyte Taine, as obras buscavam mostrar o que ia além do “sim” ao
final do casamento. Em “O cortiço”, Aluísio Azevedo mostrará que o ser humano está
devidamente condicionado aos três fatores do determinismo: O ser humano é
produto de sua raça; o meio; e o momento em que ele vive. E para ilustrar esse
caminho, o autor lançará mão de duas características bastante críticas e pesadas.

A primeira dela é questão da “animalização do ser humano”. Além de descrever a


intimidade das personagens, Aluísio Azevedo busca mostrar como as pessoas acabam
perdendo a própria humanidade, quando são submetidas a condições sub-humanas e
dessa forma são dominadas pelos seus instintos animais.
“Daí a pouco, em volta das bicas era um zumzum crescente; uma aglomeração
tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara,
incomodamente, debaixo do fi o de água que escorria da altura de uns cinco
palmos. O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as saias entre
as coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada nudez dos braços e do
pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco;
os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pelo, ao contrário
metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as
barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão”.
No excerto em questão, todo campo semântico para falar dos moradores do cortiço é
voltada para o reino animal, a começar pelos substantivos “machos e fêmeas” em
lugar de homem e mulher. Estas, por sua vez, prendiam os cabelos no alto dos
“cascos”. E aqueles não se preocupavam em molhar os “pelos” e até “fossavam” e
“fungavam”, ações tipicamente relacionadas a porcos.

Outra característica que impregna o romance estar relacionado à “linguagem” que se


torna bastante impiedosa, o que pode até ser exemplificado pelo trecho lido acima,
mas ela vai além e explora o lado sexual dos personagens.
“Henriquinho fi cava entretido a ver a Leocádia lavar, seguindo-lhe os
movimentos uniformes do grosso quadril e o tremular das redondas tetas à
larga dentro do cabeção de chita” (p.79).

“E metia-lhe a língua tesa pela boca e pelas orelhas, e esmagava-lhe os olhos


debaixo dos seus beijos lubrifi cados de espuma, e mordia-lhe o lóbulo dos
ombros, e agarrava-lhe convulsivamente os cabelos, como se quisesse
arrancá-los aos punhados. Até que, com um assomo mais forte, devorou-a
num abraço de todo o corpo, ganindo ligeiros gritos, secos, curtos, muito
agudos, e afi nal desabou para o lado, exânime, inerte, os membros atirados
num abandono de bêbado, soltando instante a instante um soluço
estrangulado” (p. 127).

Para exemplificar a ideia de que “o ser humano nasce bom, mas a sociedade o
corrompe”, Azevedo insere dois personagens que vão demonstrar isso muito bem. O
primeiro deles é Jerônimo, um português muito íntegro, honesto, que acima de tudo
amava sua mulher, mas está devidamente condenado à degradação moral quando
muda-se para o cortiço. Lá, ele deixa-se seduzir por Rita Baiana, uma das
protagonistas da história (o que, na verdade, é uma ideia bastante relativa para mim),
e cava um buraco do qual não poderá sair.
“E viu Rita Baiana, que fora trocar o vestido por uma saia, surgir de ombros e
braços nus, para dançar [...] (p.71).

A segunda personagem que Azevedo usa para montar a ideia citada acima é
Pombinha, que em contato com Léonie, passa a ter algumas experiências que
extrapolam os seus sentidos.
“Pombinha arfava, relutando; mas o atrito daquelas duas grossas pomas
irrequietas sobre o seu mesquinho peito de donzela impúbere e o roçar
vertiginoso daqueles cabelos ásperos e crespos nas estações mais sensitivas
de sua feminilidade, acabaram por afoguear-lhe a pólvora do sangue,
desertando-lhe a razão ao rebate dos sentidos” (p.127)

Após algum tempo desse acontecimento em que Léonie, prostituta sabida, meio que
força a experiência homossexual sobre Pombinha, a menina briga com a mãe e foge
de casa, no que vai pedir abrigo para Léonie. Em contato, então, com a profissão da
mulher, pombinha não vê outro jeito de conseguir dinheiro para pagar suas constas,
senão seguir os passos da anfitriã.
“A cadeia continuava e continuaria interminavelmente; o cortiço estava
preparando uma nova prostituta naquela pobre menina desamparada, que se
fazia mulher ao lado de uma infeliz mãe ébria” (p. 225).

Enfim... cercado de grandes verdades e grandes polêmicas, “O cortiço” é digno de


leitura e passível de forte apreço. E, por se tratar de literatura brasileira, está
frequentemente inserido entre as provas dos melhores vestibulares do Brasil.

RESENHA BASE 2:
Hoje venho falar um pouco sobre minha última leitura, que foi um pouco
diferente do que leio normalmente. Sempre gostei de ler, principalmente na
infância  e adolescência. Mas assim como a maioria dos adolescentes achava
muito chato ter que ler livros nacionais clássicos. O que me fez ler O Cortiço já
adulta, foi a insistência do meu filho Isaac que ama ler clássicos (ama mesmo!!).
Eu li a versão digital, que pode ser encontrada disponível gratuitamente em
vários sites.

Foi uma leitura difícil confesso, como li pelo Kindle recorri ao dicionario em
diversos trechos, pois algumas palavras e expressões no livro já não são tão
utilizadas nos dias de hoje.
No começo a narrativa é lenta, pois tudo é muito detalhado. O enredo da história
envolve muitos personagens, então às vezes pode ser difícil ligar um nome a um
personagem que já foi descrito anteriormente, mas no decorrer da história vamos
nos apegando aos personagens, e logo identificando cada qual com seu lugar e
trejeitos. Os personagens são estereotipados, com alguns exageros em suas
características - um dos pontos do naturalismo.

"Pois uma menina daquelas, criada a obedecer aos pais, sabe lá o que é não querer?
Tenha você  uma pessoa, de intimidade com a família; que de dentro empurre o
negocio e vera se consegue ou não!"
Demorei para me acostumar com a narrativa, mas depois de um tempo a leitura
passou a fluir bem, e passei a gostar da história, (acho que poder discutir com o
Isaac durante a leitura ajudou bastante).
A história se passa no seculo XIX, no Rio de Janeiro. O cortiço São Romão
pertence a João Romão que também é dono da pedreira e da venda, um homem
esperto e sem escrúpulo, que faz de tudo para subir na vida, e tem muita inveja de
seu vizinho Miranda, um comendador dono do sobrado ao lado do cortiço. A
rivalidade entre eles é muito grande, e João passa a fazer de tudo para ser rico,
até entregar Bertoleza, escrava que ele vive amigado e que acredita ser livre, para
seu dono.

A história gira em torno do cortiço e não de um personagem em especial. A


história dos moradores nos mostra como é viver na miséria, com as dificuldades
do dia-a-dia. Mesmo diante da luta diária eles ainda conseguem se divertir. Entre
os moradores temos Jeronimo, um português que vem trabalhar na pedreira,
casado com Piedade, ele se mostra um homem honesto até se interessar por Rita
baiana e começar a colocar defeitos em tudo que a esposa faz e se abrasileirar
para se encaixar a vida de Rita.
Vários outros temas são abordados no livro como machismo, prostituição,
traição. Todos colocados de forma impecável pelo autor.

"Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua
infinidade de portas e janelas alinhadas.
Um acordar Alegre e farto de quem dormiu de uma assentada, sete horas de chumbo.
Como que se sentiam ainda na indolência da neblina as derradeiras notas da última
guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem
suspiro de saudade perdido em terra alheia.''
Não sei porque temos tanto medo de nos aventurar com livros clássicos, talvez
seja o medo de não entender e se sentir menos inteligente, ou por sempre ouvir
que é chato, mas seja qual for o motivo, deixe de lado e leia sem medo.
Eu adorei O Cortiço de um jeito que não achei que gostaria, acabei me divertindo
com a história depois de insistir bastante na leitura.
RESENHA: MORTE E VIDA SEVERINA – JOAO CABRAL

RESENHA BASE 1:

Para mais uma categoria do Desafio Livrada! 2019, dessa


vez “Um livro que se passa na época dos seus avós”, escolhi
adentrar na mais famosa obra de João Cabral de Melo Neto:
Morte e Vida Severina (auto de Natal pernambucano).
Acredito que a ideia do Yuri ao criar essa categoria era de
que um romance fosse escolhido. Porém, esse poema me
pareceu mais pertinente que qualquer romance. Primeiro,
porque o livro foi um presente da minha avó. E, segundo,
porque minha avó nasceu em 1946, período pós segunda
guerra e Era Vargas. É nesse período que se instala a 3ª fase
do Modernismo. Esta ficou conhecida como a fase
social/introspectiva. Ela estendeu-se e existiu durante a
ditadura, o que pedia que as obras tratassem de temas mais
universais (para não cair na censura), mas ainda assim os
autores carregavam suas obras de regionalismo e
introspecção. É nessa fase que as obras de Guimarães Rosa,
Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto serão
produzidas.

Na obra, João Cabral conta a vida de Severino. Ou melhor,


conta como a vida de Severino só pode existir ao ser
precedida por diversas mortes. Nesse poema onde o eu lírico
é o personagem em destaque, Severino passa a ser um
substantivo próprio, bem como um adjetivo. Eu vou
explicar… Ao inverter a ordem dos fatos, colocando ‘morte’ à
frente de ‘vida’ no título da obra, o narrador demonstra
como a vida de todo sertanejo é sempre Severina (adjetivo),
árdua, difícil, e caminha para o mesmo lugar: a morte. Ou a
morte constrói a vida dos diversos Severinos (adjetivo) que
existem. Severino também se torna uma palavra impessoal,
quando o personagem relata que não é um nome ou adjetivo
exclusivo dele, mas que no decorrer de sua jornada partindo
da Serra da Costela, seguindo o rio Capibaribe, para chegar a
Recife, ele conhece diversos Severinos, todos com o mesmo
nome e destino: o sofrimento e a morte. “(…) só morte tem
encontrado/ quem pensava encontrar vida/ e o pouco que
não foi morte/ foi de vida severina (…)”.
João Cabral de Melo Neto era conhecido como o engenheiro
das palavras. A palavra era muito importante pra ele, a
forma como é posta. Portanto, a obra traz um texto seco,
direto, mas com uma belíssima forma sonora. Mas nem por
isso pense que trata-se de um poema fácil de se musicar. O
único que conseguiu isso com maestria foi Chico Buarque
RESENHA BASE 2:
Morte e Vida Severina é um poema de construção dramática com exaltação à
tradição pastoril. Ele foi adaptado para o teatro, a televisão, o cinema e
transformado em desenho animado.

Por meio da obra, João Cabral de Melo Neto, que também era diplomata, foi
consagrado como autor nacional e internacional.

Como diplomata, o autor trabalhou em Barcelona, Madri e Sevilha, cidades


espanholas que permitiram clara influência sobre sua obra.

João Cabral de Melo Neto foi seduzido pelo realismo espanhol e confessou
ter, daquela terra, o reforço ao seu anti idealismo, antiespiritualismo e
materialismo.

Os instrumentos lhe permitiram escrever com mais clareza sobre o


nordeste brasileiro em Morte e Vida Severina e outros poemas.

A obra é, acima de tudo, uma ode ao pessimismo, aos dramas humanos e à


indiscutível capacidade de adaptação dos retirantes nordestinos.

O poema choca pelo realismo demonstrado na universalidade da condição


miserável do retirante, desbancando a identidade pessoal.

Conheça mais sobre o autor da obra: João Cabral de Melo Neto.

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