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SEMINÁRIO CLUBE DE LETRAS

Análise e comparação do documentário “The Charles Bukowiski tapes”


com os textos do autor e a sociedade contemporânea.

Bom dia a todos presentes. Neste seminário, será feita a análise de


forma interpretativa e comparativa a respeito da obra cinematográfica
denominada “The Charles Bukowski Tapes”, fitas de Charles Bukowski, em
nossa língua nativa, atribuindo à palavra “fita” o nexo dos cassetes utilizados
em demasia em meados do século XX, data de promulgação do documentário.
Nesse viés, a rodagem em tal formato, historicamente, é utilizada para cumulo
de áudio e frequentemente manuseada pelos detentos e por aqueles
interessados em enviar mensagens de voz ou músicas aos enclausurados nas
prisões norte americanas, país no qual o escritor viveu e morreu. Por
conseguinte, da mesma forma que as gravações são utilizadas para
comunicar-se com os presidiários, Henry, primeiro nome do escritor, utiliza dos
recursos audiovisuais e de seus textos no desígnio de exteriorar aos
carcerários do mundo material e infame, reflexões sobre aspectos da vida,
como: relações interpessoais, miséria e a dominação e doutrinação
inconsciente do sistema econômico vigente.
Previamente a qualquer posicionamento a respeito dos textos e
gravações a serem analisados, deixo claro que é de exacerbada sapiência o
fator diferencial entre literatura e vida real, de modo que correlacioná-las seria
de extrema ignorância intelectual pelo fato de não serem decorrentes um do
outro, interdependentes, e sim, de valor singular e próprio. Entretanto, o intuito
desse ensaio literário não se delineia em paralelismos, e sim, tem como
proposta demonstrar as similaridades temáticas entre as entrevistas e os
manuscritos de Bukowski.
Explicitada tal colocação, gostaria de começar essa exposição de
pensamento com a leitura de um dos textos do autor, denominado “Conselho
de Amigo para Muitos jovens”:
“Vá para Tibete.
Viaje de camelo. Leia a Bíblia.
Tinja de azul seus sapatos.
Deixe crescer a barba.
(...)
Escove os dentes com gasolina.
Durma o dia todo em árvores à noite.
Seja um monge e beba chumbo grosso e cerveja.
Fique com a cabeça debaixo d’água e toque violino.
Faça dança do ventre diante de velas cor-de-rosa.
Mate seu cão.
Candidate-se para prefeito.
More num barril.
Arrebente sua cabeça com um machado.
Plante tulipas na chuva.
Mas não escreva poesia. ”

Heinrich Karl Bukowski, nome dado ao nascer, ou Henry Charles


Bukowski, como ficou conhecido, foi um contista, um romancista, um
novelista...um poeta, mas, antes de tudo, fora uma criança amargurada, triste e
sem esperança. Devido a criação de seu pai bêbado e a mãe submissa, Henry
possuía uma “ambição não ambiciosa”, título de um de seus poemas sobre o
relacionamento com os pais, que se baseava em ser o oposto de sua figura
paterna, entretanto, como será de compreensão ao longo desse trabalho, não
teve sucesso. De mesma guisa à sétima fita de seu documentário empachado
de entrevistas, na qual o escritor alemão, revisitando sua antiga moradia (ou
como ele a descreveu, “a casa de pobres, a casa da agonia, a casa que eu
quase fui liquidado”) conta dos castigos físicos que sofria, mais
especificamente da vez que o pai ordenou que cortasse a grama de frente para
trás e vice-versa, de modo que ficasse alinhado e sem deformação. Assim,
após encontrar um fio de grama diferente dos demais, o pai ordenou que o
rapaz fosse para o banheiro e tirasse a vestimenta, para que, dessa forma,
pudesse com a correia de couro, bate-lo em frente ao espelho. Tais episódios
de espancamento fizeram que o pequeno Bukk começasse a falar cada vez
mais devagar, pensando muito bem nas palavras que iria proferir, a fim de
serem certeiras; e realmente se tornaram, não apenas na fala, mas também na
poesia.
Acima de tudo, nunca se queixou por sua vida áspera e desagradável,
afinal, artista lima seus textos a partir de suas amarguras, é a metamorfose da
arte.
“às vezes quando tudo parece estar no
fundo do poço
quando tudo conspira
e atormenta
e as horas, os dias, as semanas
os anos
parecem desperdiçados-
estirado ali na minha cama
no escuro
olhando para o teto
recaio em algo que muitos considerariam
um pensamento repugnante:
ainda é bom ser
Bukowski.”
De qualquer modo, a autonomia veio com a idade e, com ela, veio as
bebidas, um vício sem igual que ajudava na criação de seus manuscritos.
“Estar bêbado diante dessa máquina é melhor do que estar com qualquer
mulher que jamais vi ou conheci. “, diz em seu poema denominado “isto”. O
último poeta maldito. Na segunda fita do documentário comenta sobre preferir
passar fome do que viver uma vida padronizada. “Eu não podia suportar a
normalidade da vida (...) é a coisa mais doente de todas as doenças”, dizia.
De forma a criticar o “American way of life”, Charles denunciava os
dogmas autoritários que inconscientemente são impostos em nossas vidas,
tanto em seus textos, por exemplo em “vidas no lixo”, quanto em suas
entrevistas. Sua ambição em ser escritor foi muitas vezes questionada:
-Mas você sabia que tinha que tinha talento – afirmaram-lhe, em entrevista.
E ele respondeu:
- Todos eles acham que tem, é um tiro no escuro, você tenta ou se torna uma
pessoa civilizada.
E uma das coisas que Bukowski mais repugnava era ser uma pessoa
civilizada, normal, preferia a morte agarrado aos seus manuscritos do que o
trabalho 8 horas por dia, 5 dias por semana. Seus textos infames, calorosos e
explosivos foram a sua luz, seu alimento, sua droga e sua prisão. Não
divergente de sua realidade, a arte permanece como o feixe estreito de
salvação daqueles que se veem no breu abafadiço da vida, mitigados pelo seu
calor, porém tudo o que faz bem por muito tempo traz abstinência quando
perdido, e a dependência dela para sobreviver muitas vezes é dolorosa.
“[...]eu apenas continuei escrevendo e não comendo muito- caí de 89
quilos
para 62- mas- adquiri muita prática datilografando e lendo cartas
de rejeição
impressas.
Foi quando cheguei aos 62 quilos que eu disse, que vá tudo pro
inferno, parei
[...]e francamente, foi uma justa e refrescante folga de dez anos
então voltei e tentei de novo para constatar que os editores ainda
viviam
no mundo da lua e/ou etc.
[...] pronto para dar mais um tiro no escuro. ”

Nem só de arte vive um artista e nem por falta dela o mesmo morrerá,
Henry conseguiu subsistir através dos ferozes manuscritos. “Agora eu apenas
fico aqui bebendo vinho e falando de mim porque vocês fazem perguntas, não
porque eu dou respostas”, fala na segunda entrevista, não se considerava mais
do que ninguém, era só mais um poeta tentando expor seus textos. As asas do
anjo do apuro e primor artístico são abertas para todos, mas as do corvo
asqueroso e ganancioso por capital, não.
“afaste um escritor de sua máquina de escrever
E tudo que sobra dele
é
a doença
que o fez se sentar
diante da máquina
no
começo.
Loucura, devaneio, fé. Essa felicidade proposta pelo meio social
adquirida por trabalho e subversão não é para todos. Com certeza não para
Charles. Com certeza não para muitos outros. A desvalorização da poesia, a
banalização daquilo que não é padronizado, a romantização daqueles que se
tornaram famosos por conseguinte à sorte, se estrutura de uma forma muito
mais natural do que é imaginável. O que diferencia um escritor velho bêbado e
louco de um empresário submisso à um sistema de exploração? Os deuses
não tem favoritos. “Nos dois casos é um vento forte e frio. ”
“Você não tem nenhum direcionamento, nenhuma motivação. Você só quer
dinheiro, você nem sabe o que é dinheiro, só o quer, e, quando consegue, não
sabe o que fazer com ele. ” Diz o escritor na décima quinta fita de gravação.
Independentemente da classe, independente do pensamento, estamos
todos queimando juntos, estamos todos sobrevoados à mesma doutrinação, às
mesmas regras, não há sentido nessa hierarquia oculta. Diante desse senário,
milhares de mentes repletas de cores, palavras e sons são abafadas por falta
de investimento, mortas de fome, obrigadas a serem caladas por necessidades
empresariais. A arte é a redenção de muitos, mas ao mesmo tempo é também
uma prisão; sem outra alternativa, recusando-se a entrar no esquema de
submissão, muitos, como Bukowski, decidem dar um tiro no escuro e se veem
dependentes daquilo, viciados na comparação daqueles que obtiveram
sucesso, dependentes de aprovação e autoconhecimento. Entretanto, como
dito na segunda fita de gravação: “Você pode ser um louco dedicado e não
conseguir ter sucesso”, é uma estrada longa que, apartado das distrações do
caminho, leva a um único destino.
Melancolia, tristeza, morte. O final e a fraqueza vêm para todos, física ou
mental. Pra Bukk, os dois. Não foi só as bebidas, as mulheres e os produtos
ilícitos que formaram os textos de Charles, mas era isso que o povo gostava de
ler. Gente como a gente, aspectos boêmios e identificáveis, uma forma fácil de
escrita, “nada muito profundo”.
“[...] e tampouco fazia eu
de que aquelas infames noites barulhentas
virariam um suprimento barato
que nem mesmo
Dostoiévski
teria o pudor de
não usar. “
Mas alma de quem é artista as vezes grita por liberdade, grita por
palavras malcontentes e ríspidas, flechas pontiagudas que ecoam e rebatem
no fundo da mente, a fim de expressar as angústias que se mantem
enclausuradas no íntimo; muitas vezes as palavras que escrevemos não
espelham seu autor, a poesia é uma arte de autoconhecimento, mas
cotidianamente esse “eu” muda de estado, e, quando se percebe, se foi.
“Foi embora como as damas de antigamente
enquanto eu abria a porta
para o quarto
cama
travesseiros
paredes
eu o perdi
eu o perdi em algum lugar
enquanto caminhava pela rua
ou enquanto levantava pesos
ou enquanto olhava um desfile
[...]
eu o perdi
enquanto os cães selvagens dormiam.”

José Saramago foi em busca de sua ilha desconhecida, há debates se a


encontrou ou não, Bukowski encontrou a sua, porém, ela foi se desgastando e
se perdendo com o tempo, como diz em um de seus textos nomeado “a ilha
que vai encolhendo”. De qualquer forma, tudo que é material finda,
independente do quanto se tente preservar ou restaurar, mas as formas
artísticas são eternas, por mais que doloridas enquanto carne, mas quando
ascendem, seja da forma escrita, falada, entre muitas outras, se acomodam em
memórias e interpretações complexas de algo indubitável apenas pelo
sentimento.

Emily Carpes 2609

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