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Nem só de arte vive um artista e nem por falta dela o mesmo morrerá,
Henry conseguiu subsistir através dos ferozes manuscritos. “Agora eu apenas
fico aqui bebendo vinho e falando de mim porque vocês fazem perguntas, não
porque eu dou respostas”, fala na segunda entrevista, não se considerava mais
do que ninguém, era só mais um poeta tentando expor seus textos. As asas do
anjo do apuro e primor artístico são abertas para todos, mas as do corvo
asqueroso e ganancioso por capital, não.
“afaste um escritor de sua máquina de escrever
E tudo que sobra dele
é
a doença
que o fez se sentar
diante da máquina
no
começo.
Loucura, devaneio, fé. Essa felicidade proposta pelo meio social
adquirida por trabalho e subversão não é para todos. Com certeza não para
Charles. Com certeza não para muitos outros. A desvalorização da poesia, a
banalização daquilo que não é padronizado, a romantização daqueles que se
tornaram famosos por conseguinte à sorte, se estrutura de uma forma muito
mais natural do que é imaginável. O que diferencia um escritor velho bêbado e
louco de um empresário submisso à um sistema de exploração? Os deuses
não tem favoritos. “Nos dois casos é um vento forte e frio. ”
“Você não tem nenhum direcionamento, nenhuma motivação. Você só quer
dinheiro, você nem sabe o que é dinheiro, só o quer, e, quando consegue, não
sabe o que fazer com ele. ” Diz o escritor na décima quinta fita de gravação.
Independentemente da classe, independente do pensamento, estamos
todos queimando juntos, estamos todos sobrevoados à mesma doutrinação, às
mesmas regras, não há sentido nessa hierarquia oculta. Diante desse senário,
milhares de mentes repletas de cores, palavras e sons são abafadas por falta
de investimento, mortas de fome, obrigadas a serem caladas por necessidades
empresariais. A arte é a redenção de muitos, mas ao mesmo tempo é também
uma prisão; sem outra alternativa, recusando-se a entrar no esquema de
submissão, muitos, como Bukowski, decidem dar um tiro no escuro e se veem
dependentes daquilo, viciados na comparação daqueles que obtiveram
sucesso, dependentes de aprovação e autoconhecimento. Entretanto, como
dito na segunda fita de gravação: “Você pode ser um louco dedicado e não
conseguir ter sucesso”, é uma estrada longa que, apartado das distrações do
caminho, leva a um único destino.
Melancolia, tristeza, morte. O final e a fraqueza vêm para todos, física ou
mental. Pra Bukk, os dois. Não foi só as bebidas, as mulheres e os produtos
ilícitos que formaram os textos de Charles, mas era isso que o povo gostava de
ler. Gente como a gente, aspectos boêmios e identificáveis, uma forma fácil de
escrita, “nada muito profundo”.
“[...] e tampouco fazia eu
de que aquelas infames noites barulhentas
virariam um suprimento barato
que nem mesmo
Dostoiévski
teria o pudor de
não usar. “
Mas alma de quem é artista as vezes grita por liberdade, grita por
palavras malcontentes e ríspidas, flechas pontiagudas que ecoam e rebatem
no fundo da mente, a fim de expressar as angústias que se mantem
enclausuradas no íntimo; muitas vezes as palavras que escrevemos não
espelham seu autor, a poesia é uma arte de autoconhecimento, mas
cotidianamente esse “eu” muda de estado, e, quando se percebe, se foi.
“Foi embora como as damas de antigamente
enquanto eu abria a porta
para o quarto
cama
travesseiros
paredes
eu o perdi
eu o perdi em algum lugar
enquanto caminhava pela rua
ou enquanto levantava pesos
ou enquanto olhava um desfile
[...]
eu o perdi
enquanto os cães selvagens dormiam.”