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D.

Casmurro

Machado de Assis
Realismo brasileiro
Classificação

Ano de publicação: 1899

Gênero: romance

Característica específica quanto à


estrutura: rompimento da narrativa
linear. Memorialismo.

Tipo de narrador: 1a. pessoa

Número de capítulos: 148


A história malograda de um casamento
Análise do livro

Capitu, por Israel Pedrosa


Protagonistas
Bento Santiago

Bento de Albuquerque Santiago: 54 anos, advogado,


mandou reconstruir no Engenho Novo, na rua de
Mata-cavalos, a casa da infância. Pretende “atar
as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a
adolescência.”

É o narrador do romance cuja base é a rememoração:


“Eia, comecemos a evocação por uma célebre
tarde de novembro, que nunca me esqueceu. Tive
outras muitas, melhores, e piores, mas aquela
nunca se me apagou do espírito. É o que vais
entender, lendo.” (fim do capítulo II)
Capitu (Capitolina)

No capítulo XIII, o narrador nos apresenta


Capitu, sua vizinha há muitos anos:
“Não podia tirar os olhos daquela criatura de
quatorze anos, alta, forte e cheia, apertada em um
vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos
grossos, feitos em duas tranças, com as pontas
atadas uma à outra, à moda do tempo, desciam-
lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes,
nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo
largo. As mãos, a despeito de alguns ofícios rudes,
eram curadas com amor, não cheiravam a sabões
finos nem águas de toucador, mas com água do
poço e sabão comum trazia-as sem mácula.
Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que
ela mesma dera alguns pontos. “
“Olhos de ressaca” , “Olhos de cigana
oblíqua e dissimulada”

Capitu é uma das mais importantes e conhecidas


personagens do romance brasileiro, senão a maior.
Cento e poucos anos depois do aparecimento do romance,
ela continua, ainda, a encher o nosso intelecto de
curiosidade, pondo em destaque (para os leitores menos
atentos) a seguinte pergunta:
“Capitu traiu ou não traiu Bentinho?”
É o que menos importa na história machadiana... Mas,
inegavelmente, é o que mantém viva a curiosidade do
leitor.
Personagens coadjuvantes
Dona Glória
Dona Glória, mãe de Bentinho, que desejava fazer do filho um padre, devido a uma
antiga promessa, mas, ao mesmo tempo, desejava tê-lo perto de si, retardando a
sua decisão de mandá-lo ao seminário. Portanto, no início encontra-se
comoantagonista, tornando-se, depois, coadjuvante:

Minha mãe era boa criatura. Quando lhe morreu o marido, Pedro de Albuquerque Santiago,
contava trinta e um anos de idade, e podia voltar para Itaguaí. Não quis; preferiu ficar perto
da igreja em que meu pai fora sepultado. Vendeu a fazendola e os escravos, comprou alguns
que pôs ao ganho ou alugou, uma dúzia de prédios, certo número de apólices, e deixou-se estar
na casa de Mata-cavalos, onde vivera os dous últimos anos de casada. Era filha de uma
senhora mineira, descendente de outra paulista, a família Fernandes.
Ora, pois, naquele ano da graça de 1857, D. Maria da Glória Fernandes Santiago contava
quarenta e dous anos de idade. Era ainda bonita e moça, mas teimava em esconder os saldos
da juventude, por mais que a natureza quisesse preservá-la da ação do tempo. Vivia metida
em um eterno vestido escuro, sem adornos, com um xale preto, dobrado em triângulo e
abrochado ao peito por um camafeu. Os cabelos, em bandós, eram apanhados sobre a nuca
por um velho pente de tartaruga; alguma vez trazia a touca branca de folhas. Lidava assim,
com os seus sapatos de cordovão rasos e surdos, a um lado e outro, vendo e guiando os serviços
todos da casa inteira, desde manhã até à noite. “ ( Cap. VII)
Tio Cosme

Tio Cosme, irmão de Dona Glória, advogado, viúvo, "tinha escritório


na antiga Rua das Violas, perto do júri... trabalhava no crime"; "Era
gordo e pesado, tinha a respiração curta e os olhos dorminhocos".
Ocupa uma posição neutra : não se opunha ao plano de Bentinho, mas
também não intervinha .
“Já não dava para namoros. Contam que, em rapaz, foi aceito de
muitas damas, além de partidário exaltado; mas os anos levaram-lhe
o mais do ardor político e sexual, e a gordura acabou com o resto das
idéias públicas e específicas. Agora, só cumpria as obrigações do
ofício e sem amor. Nas horas de lazer vivia olhando ou jogava. Uma
ou outra vez dizia pilhérias.”
José Dias

   José Dias, agregado, "amava os superlativos", "ria largo, se era


preciso, de um grande riso sem vontade, mas comunicativo ... nos
lances graves, gravíssimo", "como o tempo adquiriu curta autoridade
na família, certa audiência, ao menos; não abusava, e sabia opinar
obedecendo", "as cortesias que fizesse vinham antes do cálculo que da
índole". Tenta, no início, persuadir Dona Glória a mandar Bentinho
para o Seminário, passando-se, depois, para adjuvante.
Prima Justina

Prima Justina, prima de Dona Glória. Parece opor-se por ser


muito egoísta, ciumenta e intrigante. Viúva, e segundo as
palavras do narrador : "vivia conosco por favor de minha mãe,
e também por interesse", "dizia francamente a Pedro o mal que
pensava de Paulo, e a Paulo o que pensava de Pedro".
Pádua e Fortunata

   Sr. Pádua e Dona Fortunata, pais de Capitu. O primeiro, "era


empregado em repartição dependente do Ministério da Guerra"
e a mãe "alta, forte, cheia, como a filha, a mesma cabeça, os
mesmos olhos claros". Jamais opuseram-se à amizade de Capitu
e Bentinho.
Padre Cabral

  Padre Cabral, “o protonotário católico”, personagem que


encontra a solução para o caso de Bentinho: se Dona Glória
sustentasse um outro menino no internato e quisesse fazê-lo
padre, estaria cumprida a promessa.
“A senhora não podia pôr em seu filho, antes de nascido,
uma vocação que Nosso Senhor lhe recusou...” (Cap. L, “Um
meio termo”)
Escobar

Escobar, amigo de Bentinho, seminarista, "era um rapaz


esbelto, olhos claros, um pouco fugidios, como as mãos, ...
como tudo".
É parte do suposto “quadrângulo” amoroso formado por
Capitu, Sancha e Bento Santiago.
Sancha

  Sancha, companheira de colégio de Capitu, que ,mais


tarde, casa-se com Escobar.
Ezequiel

  Ezequiel, filho de Capitu e Bentinho . Tem o primeiro nome de


Escobar (idéia de Bentinho, em colocar o mesmo). Vai para a
Europa com a mãe, sendo que mais tarde, já moço, volta ao
Brasil para rever o pai.
“”Não houve lepra, mas há febres por todas essas terras
humanas, sejam velhas ou novas. Onze meses depois, Ezequiel
morreu de uma febre tifóide, e foi enterrado nas imediações de
Jerusalém, onde os dois amigos da universidade lhe levantaram
um túmulo com esta inscrição, tirada do profeta Ezequiel, em
grego: “Tu eras perfeito nos teus caminhos”.
O melhor texto de Machado de Assis?
Impossível resumir o texto?
Em primeira pessoa, em um tom de confissão memorialista, o narrador
Bento Santiago (Bentinho) conta sua história.
Começa por dizer que seu apelido é D. Casmurro porque certa vez um
rapaz “que conhecia de vista e de chapéu” deu-lhe a conhecer uns
poemas no bonde onde ambos viajavam.
O narrador adormeceu por instantes e o poeta voltou-se contra ela, no
dia seguinte, chamando-o “casmurro” (ensimesmado); os amigos
acresceram o “Dom” ao epíteto, a fim de promoverem uma brincadeira e
dar-lhe ao apelido “uns fumos de fidalguia”.
Começa aqui a nossa história que possui cortes temporais, alternando
infância e idade adulta.
Mau começo

O narrador confessa-nos no capítulo II (Do livro) que mora só, com um


criado e que mandou reproduzir, no Engenho Novo a antiga casa da
infância, da rua de Mata-cavalos.

E observa que quer “atar as duas pontas da vida”.

Confessa, ainda, que sua vida é uma monotonia e que , para dissipá-la,
ponderou que devesse escrever um livro.

Que livro era esse?

O da sua vida, ou o que estamos lendo.


Com que finalidade? Atar as duas pontas da vida e, caso nos
descuidemos, tomar os leitores como reféns para que possam responder
à questão que paira sobre o romance inteiro: Capitu teria ou não traído
Bentinho?
Pelas mãos do narrador...

Pelas mãos do narrador, somos conduzidos


por caminhos tortuosos, tempos alternados.
Há nisso um jogo que colabora para a
parcialidade da obra.

Quando o romance começa a ser contado,


Capitu certamente já morrera e é pela visão
do narrador que vamos encontrá-la no
passado, o que garante a quem conta a
inteira confiança(?) do leitor.
Mas... Será que podemos confiar em quem
conta ?
História simples

Dona Glória, que perdera um filho antes de Bentinho, prometera que se


a criança que esperava fosse menino e se nascesse viva e bem, dá-la-ia à
igreja, a fim de que se tornasse padre.

Ocorre que o marido morrera e Bento Santiago, o Bentinho, era o


único ser, em afeto, que lhe restara; por isso, demorava-se tanto para
mandá-lo ao seminário.

A casa, como vimos, era habitada por adultos falidos em seus amores:
tio Cosme, Prima Justina e Dona Glória eram viúvos; José Dias, o
agregado, era solitário e sem referências de parentesco com ninguém.
Bentinho e Capitu

Vizinhos, eles tinham crescido juntos; Capitu “era mais mulher do


que eu homem”, porque sofrera os impasses da vida, a pobreza.
Bento, pelo contrário, poupado de todos os dissabores possíveis,
superprotegido e muito amado.

Quando José Dias (Cap. III) diz à Dona Glória que haveria grande
dificuldade (1857) em colocá-lo no seminário, observa que “ é mais
que tempo, e já agora pode haver alguma dificuldade” porque sabia
que entre os dois adolescentes estava acontecendo os inícios de uma
paixão.

Capitu tinha catorze e Bentinho quinze anos...


E Bento vai para o seminário...

Para desespero de Capitu, que já havia beijado levemente nos lábios o


menino, Bento vai para o seminário.
Mas entrega ao pai da menina um cacho de seus cabelos, como uma
relíquia, uma despedida.
Mas, graças ao padre Cabral, retornará mais tarde. E se casará,
depois de haver estudado em São Paulo, com Capitu.
Othelo, de Shakespeare

Desde o seminário, ou melhor, desde que


certa vez trouxera Escobar para casa
consigo, Bento povoou a imaginação de
ciúmes do amigo e da amiga.

Othelo, a tragédia de Shakespeare, começa a


aparecer aí, pela primeira vez.

E é Othelo que guia as mãos do narrador ( e


nossa imaginação).
Othelo e a desconfiança

Othelo, aqui representados por Amy Lewis Montgomery James Vincent Meredith, é a obra
máxima de Shakespeare. Instigado por Iago, mata a inocente Desdêmona apenas porque
desconfia dela com Cássio, um amigo de infância, o homem que o ajudara a aproximar-se
da moça.
Sancha e Escobar, Capitu e Bentinho

Depois de formado, Bento de Albuquerque Santiago casa-se com Capitu


e a amiga dela, Sancha, com Escobar. Tinham tudo para ser bons e
eternos amigos, os casais, mas, roído de desconfiança, Bento põe-se a
imaginar uma traição. Por quê?
Sancha teve uma menina, a quem deram o nome de Capitolina ( em
homenagem a Capitu); Bento confessa que queria um filho ( faz isso a
nós, os leitores), mas que ele não vinha.

Um dia, anos depois, veio ao mundo... Mas o narrador achou-o cada vez
mais, enquanto crescia, o menino parecido com o amigo.
O nadador da manhã

Escobar, que nadava todos os dias no Flamengo, fou pego pelo mar
que o matou. Era uma ressaca e o barco o trouxe já sem vida...

A única prova que Bento possui para atestadar a infidelidade da


mulher é a que nos mostra:
“Olhos de ressaca” (cap. CXXIII)
“A confusão era geral. No meio dela, Capitu olhou alguns instantes
para o cadáver tão fixa, que não admira lhe saltassem algumas
lágrimas poucas e caladas...
As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxugou-as
depressa olhando a furto para a gente que estava na sala. Redobrou as
carícias para a amiga (...) Houve um momento que os olhos de Capitu
fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem palavras desta,
mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse
tragar também o nadador da manhã.
Ezequiel
Ezequiel tinha os mesmos olhos de Escobar ( Capitu falara disso
a Bento e este acreditou ter podido reconhecer os olhos do amigo
ali, no filho). E fazia umas imitações idênticas à maneira de ser
de Escobar...
A dúvida corroía o peito de Bentinho:
“Escobar vinha assim surgindo da sepultura, do seminário e do
Flamengo para se sentar comigo à mesa, receber-me na escada,
beijar-me no gabinete de manhã, ou pedir-me à noite a bênção de
costume. Todas essas ações eram repulsivas; eu tolerava-as e
praticava-as, para não me descobrir a mim mesmo e ao mundo.
(...) Quando nem mãe nem filho estavam comigo o meu desespero
era grande, e eu jurava matá-los a ambos, ora de golpe, ora
devagar, para dividir pelo tempo da morte todos os minutos da
vida embaçada e agoniada.”
(Cap. CXXXII, “O debuxo e o colorido”)
E Capitu parte com Ezequiel

Não sem antes Bento tentar envenená-lo...


Envenenou-o, matou-os emocionalmente.
E foram embora para a Europa para sempre , onde
Capitu morreu.
E muitos anos depois...

Voltou o filho , agora já formado.


Em princípio, o pai repeliu-o .
Depois o aceitou.
Mas morrerá pouco tempo depois, em Jerusalém
( tal como Jesus, de quem o pai desconfiara um dia,
duvidando da paternidade...)
E o homem, sozinho, conta a sua história
por escrúpulos ou solidão...

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