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Em “A hora da estrela”, último romance de Clarisse Lispector, a autora nos dá a oportunidade de

ver de perto a criação de uma vida. No livro, o personagem Rodrigo S.M. narra o momento em que
se depara com uma mulher nordestina e se sente tocado de alguma forma. Desse encontro repentino,
nasce Macabéa, uma nordestina franzina, envergonhada, insegura de si, uma órfã Alagoana que foi
criada a pulso firme por uma tia um tanto cruel e que agora vive no Rio de Janeiro.

Nossa “atriz” principal (e a chamarei de atriz, de modo que toda atriz tem sua “hora da estrela” e a
de Macabéa foi realmente fenomenal.) trabalha como datilógrafa em uma empresa da qual chegou a
ser demitida, mas seu patrão, por compaixão desistiu da demissão. Ela mora em uma pensão junto
de quatro Marias, todas atendentes das Lojas Americanas. Nas horas vagas, Macabéa costuma ouvir
seu rádio relógio e, por isso, sabe um tanto de curiosidades não muito importantes.
Durante a leitura, enquanto navegamos pela vida dessa pobre jovem de dezenove anos, somos
apresentados a outros personagens que, de uma forma ou de outra, marcaram a vida de Macabéa.
Vemos seu primeiro relacionamento, seu primeiro fracasso amoroso, suas primeiras esperanças e
várias outras pequenas “explosões” na vida dessa estrela.

E é sobre essas “explosões” que eu vou tentar falar.

“Foi então (explosão) que se desmanchou de repente o namoro entre Olímpico e Macabéa. Namoro
talvez esquisito mas pelo menos parente de algum amor pálido. Ele avisou-lhe que encontrara outra
moça é que esta era Glória. (Explosão) Macabéa bem viu o que aconteceu com Olímpico e Glória:
os olhos de ambos se haviam beijado”

No trecho acima, a jovem descobre que seu parceiro não tem mais interesse por ela e que, pior, a
trocará por sua colega de trabalho. Normalmente, se isso acontecesse a alguém, imagina-se que
haveria algum tipo de reação forte, mas ela nem sabe como reagir, como se não conseguisse
compreender o que estava acontecendo, alheia as normas sociais.
Macabéa vai sofrendo essas pequenas explosões durante o livro, são realizações importantes pra que
essa jovem, alienada pelas dificuldades socioculturais que lhe foram impostas, consiga compreender
aspectos da vida que estão além da sua humilde compreensão, talvez momentos de lucidez. O
problema é que Macabéa não parece compreender essas explosões, que estão mais pra pequenos
estalos de realidade. As explosões de Macabéa, são como estouros de dinamite no meio do vácuo do
espaço, não fazem diferença nenhuma a ninguém, nem mesmo a própria moça. (por que Macabéa é
como o vácuo do espaço: existe sem existir, se faz presente pela falta de presença.).

Ao fim do livro, depois da hora de estrela de Macabéa, me perguntei se a existência dela teve
impacto em qualquer um dos outros personagens, se faria falta de alguma maneira. Infelizmente,
acredito que não.
Também não consegui deixar de pensar na outra moça, aquela que saiu da salinha dos fundos de
madama Carlota, chorando pois seria atropelada. Pelo visto, madama Carlota havia dado as
previsões corretas paras as pessoas erradas…

De certa forma, “A hora da estrela” me fez pensar em “Frankenstein” de Mary Shelley, Rodrigo
S.M. é uma espécie de Victor Frankenstein que cria uma vida monstruosa, monta Macabéa com as
piores partes da realidade do Brasil e a pobre, assim como a criatura de Frankenstein, é mal tratada
por onde passa.
Por vezes, enquanto lia, tive raiva de Clarisse, queria que o sofrimento de Macabéa chegasse ao fim
de uma vez. Sofrimento esse que a coitada nem percebia, tão apática que era. Ela era o retrato do
sofrimento, alguém tão pobre que só comia cachorro-quente, tão judiada que talvez tenha perdido a
sensibilidade necessária pra sentir-se viva, uma morta que andava, e nem percebia.

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