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O ANJO EXTERMINADOR – NÃO REVISADO

Quando se discute sobre Luis Buñuel, é normal se lembrar de sua capacidade de inserir
grandes pensamentos a partir de pequenas coisas. O surrealismo por sua vez encaixa-se nisso
dentro da liberdade criativa própria. E é por isso que seus filmes possuem um casamento tão
genial de ideais, por justamente possurem uma boa proposta que interliga entre os estilos
propícios. O Anjo Exterminador é mais um exemplo de como esse casamento de ideias pode
funcionar mesmo com sua constante fome de apresentar novas ideias. O surrealismo serve
aqui, pois, como gancho para a criatividade de Buñuel, como fonte de poder fílmico para poder
fazer o que quiser, sem limites (mesmo que haja um). Desde a premissa simples, que avança
do natural até o surreal - afinal, em um jantar de nobres, o que pode dar errado? - e que
avança do normal até a chamada para o caos, perfeitamente incluído pela dominada
linguagem, submissa as mãos de Buñuel que literalmente comanda o espiríto rebelde, e mais a
rebelião nobre, na luta contra a si mesmo.

O Anjo Exterminador é um filme que pouco a pouco vai se tornando cada vez mais expressivo,
às vezes através da simples imagem, da mise-en-scene e da decupagem. E quando se dialoga,
tem-se uma grande nuance de especulação, de boatos e da divisão dialogal. A conversa entre
os nobres, os garçons, as cozinheiras são significativas para vertentes, para linhas que se
mataforam com diversos aspectos. Quando os convidados começam a discutir seus péssimos
modos perante os anfitriões da casa, mas continuam praticando os mesmos atos, mesmo já
pessimamente reconhecidas. E quando essas vertentes se juntam, se interligam entre a
relação de perdão, de ódio e de submissão, o resultado abrange contextos potentes até hoje.
São diversos encontros e visões de diferentes lados de uma festa, mas que levam a um mesmo
objetivo, a um mesmo tema, mesmo sempre sendo relevante suficiente para interligar
conexões e fôlego para trazer substância e um conteúdo que se firma em boas bases e em
uma ideia concreta à seu objetivo.

Quando se diz e se refere ao filme e seus significados, suas metáforas, é possível notar ainda
mais esses núcleos onde o filme se posiciona, e mais, aonde o filme utiliza suas ideias para
compor sua forma, a maneira como se é colocado tudo, encaixa-se como uma suavidade
dramática, em exercer pouco a pouco um descontrole e uma trivialidade que só adiciona uma
relevância a obra. É notável quando se vê uma atemporalidade tão exposta e que sabe utilizar
sua linguagem. É o bom uso da métafora para reconhecer o espectador através do já
conhecido e presenciado. A realidade quando se é inserida na metáfora costuma a trazer
golpes e ganchos de linguagem ao espectador para que seja mais facilmente identificada e
consequentemente apreciada. Impressionante como o trabalho em O Anjo Exterminador
consegue se automatizar perante sua própria proposta. Em suma, é uma consciência própria
que consegue trazer seus significados com uma versatilidade em linguagem sublimamente
transpassada pela direção de Luis Buñuel.

Pouco a pouco constrói seu caos, seu descontrole a partir do controle da linguagem e do conto
da história, expondo a todo o tempo sua ideia, principalmente quando o caos diégetico se
funde a uma dramatozição caótica perante ao mesmo tempo a criação de hipóteses para
manipular e causar vertigem no espectador, que está somente observando a criação do caos e
de um forma ou de outra, participando do mesmo. Exatamente o que Bunuel passa a propor,
antes apenas um espectador de tudo, mas agora um verdadeiro interlocutor do caos de
diversos pontos de vista recheados de alegorias. E isso leva a um constante desconforto. Ora,
trazer o espectador a ladeira a baixo pelo caos, assim como os personagens o fazem. Constrói
ainda a atmosfera sensível de tensão, pois, ao visualizar, ou melhor, ao presenciar tantos
pontos de vista como o espectador faz, temos uma grande substância de análise, tantos
pontos de vista fornecem minimamente muito conteúdo, que constrói também um caos
mental. Percebe-se o quanto é inteligente a obra em que propõe diversos elementos micro (as
suavez metáforas), elementos médios (metáforas maiores) e o elemento macro da obra: O
Caos.

Ou também quando discursa sobre o amor, seu desconforto (mais uma visão pessimista) e sua
posição perante o mundo. Muitas vezes reprimidos, danificados pela obcessão mundana em o
atrapalhar. Portanto, parte do conjunto caótico proposto se encaixa esse amor, esse
sentimento que especifica de forma diferente (mas igualmente calorosa) em cada
personagem. É o amor à flor da pele inserido metaforicamente como condição social, como
perdição a loucura, e principalmente, como gancho de linguagem e de uma orquestra que
permeia a obra. Casos no filme, que causam desconfortos até o espectador (olhe só, o filme
utilizando o interlocutor como prova da própria metáfora) e que também compõe a checklist
social que o filme propõe. Abrange até mesmo (dentro da já citada, loucura) a ilusão (diegética
e dramática) que se encaixa a cada arquétipo real. Ora, ao tratar agora o amor, abrange
relações e condições que constituem a linguagem. Ou seja, em 92 minutos de filme, temos
uma abrangência social, e que inclue o amor como discurso para o caos. E mais um elemento
que parte do Status Quo até a distorção e o surrealismo.

Assim como outros pontos macro da obra, onde Buñuel os sabe utilizar bem, o surrealismo é o
artifício fundamental para a construção dramática e sensorial da obra; tudo em que O Anjo
Exterminador se propõe a discursar subjetivamente baseia-se desse método, em "surrealisar"
tudo que se vê e impôr significados e questionamentos na cabeça do presenciador. E mesmo
que detalha essa alta quantidade de alegorias num exagero, garante substância suficiente para
colocar as posições sociais dentro da modelagem surrealista. Por isso, não se há bloqueios
narrativos (por mais que haja um limite que não deve ser ultrapado) para que O Anjo
Exterminador cause o caos da maneira mais estranha e singela (sim ao mesmo tempo)
possível. Mais uma virtude do surrealismo, que proporciona uma liberdade criativa maior e
que facilita um bom trabalho, ainda mais quando se fala de posições sociais, tema que deve
ser desenvolvido com extrema cautela.

É a rebelião da igualdade, do mesmo ambiente que leva a um tom claustrofóbico e caótico. É


uma simulação do problema, recheado de metáforas que pouco a pouco compõe a veracidade
(por meio do surrelismo) mesmo na loucura social, na luta de classes entre si mesmas, sempre
pensando em si mesmos e consequentemente se destruindo. Se destruindo na loucura, na
riqueza, no amor, na morte e no extermínio. É tudo claro para um bom debate e uma boa
análise. Desde a contextualização do status inicial tínhamos um pequeno respingo do que iria
vir pela frente, uma batalha sem fim e com um destino cravado, transpassado nas mãos de
Luis Buñuel, que não viu limites ao tratar livremente a condição e a esquizofrenia social que o
ser human0 causa. Até porque, quando Buñuel mostra a solução aos problemas diégeticos,
temos mais uma complicação da trama, composta pelos personagens que são ser humanos,
que gostam de causar problemas até com as soluçãos. E então, quando se vê, estamos em um
ciclo, um movimento cíclico social, nas mãos da ilusão e do surrealismo.

Sejam presos a guerra, a fome, a religião, ao dinheiro e a nobreza, o ser humano causa o caos
independemente de qual situação o mesmo está inserido. De tal forma O Anjo Exterminador é
a apresentação simples porém pouco visual da loucura inexplicável do ser humano, e nada
melhor e mais propício que utilizar o surrelismo como chave a isso. Destaca-se pois a
inteligência em atribuir à linguagem tamanha alegoria e tamanha substância capaz de
assegurar e criar o caos a partir do normal, da realidade. Assim, como um simples jantar vira-se
uma prisão (bloqueio esse causado pela própria mente humana) a mente do espectador
também se envolve numa cúpula que assiste e participa da loucura sensorial e que nos leva a
posições sociais perfeitamente outorgadas pela linguagem, que trabalha em tudo para causar
impacto a partir do sujo, da claustrofobia e da grande quantidade alegórica, que preenche
qualquer vazio mental que poderia aparecer ao presenciar tamanho domínio da linguagem
assim.

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