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ON THE ROCKS – NÃO REVISADO

Se existe algo em que o cinema sabe desenvolver para nos pegar em nosso ponto
fraco e manipular o amor. Usá-lo como artifício para a caricatura, para a narração de
histórias simples e apaixonantes, ou de histórias criativas e incríveis. Não só por isso,
se inicia a facilidade de ficar em sua zona de conforto, de estabelecer um senso trivial,
ou seja um clichê. Por isso, se destacam aqueles que reinventam, que transformam o
gênero pelos detalhes e por outros tipos de delicadeza. Porém, não se fica de fora
aqueles que invertem os polos, que investem e ousam trabalhar com a ânsia da
destruição matrimonial, com a procura de ver algo errado naquilo que parecia ser
mágico, quando na realidade não é. Por isso há um choque tão grande quando nos
deparamos com filmes que distorcem o que nós estamos acostumados, não se é
necessário tratar um romance inverso, ao menos, colocar em dúvida os demônios de
cada personagem em puro equilíbrio com a realidade, e deixa-la guiar a trama, que
literalmente, parte corações.
Sofia adota uma postura condizente a tudo isso; se o filme é focado na observação de
Laura à dúvida se seu marido está ou não a traindo, o objetivo aqui se fixa nos
olhares; no experimento Stalker, de buscar saber a verdade e aqui, com a cara
influência de seu pai. Por isso, consequentemente, há uma constância na decupagem
que adquire essa atmosfera observadora. Somos praticamente convidados a assistir
tudo que está sendo narrado e consequentemente ajudar na resolução do “mistério”.
Coloco entre aspas por justamente ser assim que Felix trata tudo ao seu redor, com
um tom apaixonante e fantasioso, e conforme vemos a história, percebemos que ele
vai longe demais. Temos ainda (e isso ajuda e muito nessa atmosfera observativa) o
extremo entre planos gerais – isto é, planos abertos – e planos detalhe – planos que
detalham algo, como o próprio nome diz – e aonde há uma mulher que se deixa levar
pelo natural – a fotografia opaca – e um homem que busca uma ficção em todo o
momento – até Breaking Bad o vemos assistindo – isso colabora muito entre as
vertentes de cada persona.
Ou seja, Coppola gosta muito de comunicar pelo visual, pela fragrância da mise-en-
scene e o que ela pode proporcionar. Chega até a trabalhar por meio da simbologia,
por meio de sinais que compõe a persona de cada um na obra. O azul, por exemplo,
estimulando a melancolia num ambiente já opaco e sem cor, ou seja, transmite toda
uma psicologia para a personagem. E isso é muito bem incluído dentro do conjunto
total. E todo esse visual bem montado é simplesmente imposto para transpassar um
ponto de vista de um casamento, um casamento emocional nas mãos de Sofia
Coppola. É um ponto de vista bastante omitido, na realidade. Isso porque o foco se
divide na investigação e no conflito paterno e isso claro, distancia os polos quando se
na verdade se quer juntar. Não afirmo que seja uma clara falha narrativa ou algo
realmente decisivo no julgamento final, mas como veremos mais a frente, só faz parte
da constante indecisão linguística de Sofia.
E isso engloba toda uma temática baseada na descoberta/confirmação de boatos, de
rumores. Ou seja, baseia-se essa observação por meio do que não é certo,
constantemente exagerado por Felix. Sofia deixa isso claro quando pega-se os
diálogos realistas de Laura sobrepondo a hipérbole de seu pai. E fica claro que depois
que Felix aparece (e isso só é acentuado pela ótima performance de Bill Murray) que o
cenário muda. O cotidiano que nós havíamos presenciado agora é transformada pela
simples figura paterna, repleta de culpa, de paixão e de fantasia. Justamente, estimula
o contraste entre o comum em Laura e o diferente e peculiar em Felix. Tratando-se do
comum, ora, temos constantemente uma forma trivial, que não se transforma nem
quando essa figura aparece. Talvez a única relevante mudança de um filme
“investigador de traições” seja a real identidade de Sofia que realmente, adiciona boas
nuances à obra. O que claramente não deixa a obra repleta de arquétipos. Com
exceção de Felix (um arquétipo modificado tão bem que funciona como elemento
renovado) todos os outros personagens nós já havíamos presenciado em outras
obras. E eu repito novamente, o que é realmente importante aqui é a forma autoral
que Sofia Coppola consegue transpassar, e aí sim, possui autoridade.
O pai de Laura acaba, pois, impondo um contraste irônico que divide sua culpa com
sua ajuda. De um lado precisa ajudar sua filha a descobrir a verdade, e isso pois tem
sua parcela de culpa na separação da esposa. E mais, ainda é oprimido por ter essa
tentativa dada como falha. O que a Sofia Coppola verdadeiramente quer mostrar aqui
é a ironia de uma pessoa estar tentando ajudar a outra, mas com palavras e atos,
acaba complicando ainda mais. Aqui por exemplo, com seus frequentes diálogos
machistas, com sua postura paqueradora, que acaba a todo momento constrangendo
sua própria filha, além claro, de uma perseguição inútil. Forma-se então um conflito de
gerações, da geração conservadora com a moderna, ambas praticando coisas ao seu
tempo, mas uma delas danificada pela falta de reconhecimento e de bom senso.
A questão aqui é que esse complexo discurso é outorgado com a comédia gentil e
com o humor que tenta ser negro, mas não há como ser um humor tratando assuntos
tão densos e delicados com a robustez cômica. Por isso acaba formando uma chuva
social que não há de ser usada em momento nenhum. Ora, além disso, atrasa-se ao
discursar sua própria temática e acaba ficando difícil de se reconhecer o que é
palhaçada do debate social. Não só pelo conflito ser mais silencioso do que exposto
em si – Laura quase nunca enfrenta densamente seu pai pelo péssimo ato – e
tampouco se esforça inicialmente para possuir peso. Soa irônico, eu sei, mas não
passa de um simples demérito que seria evitado com a simples decisão exata. Decidir
em ser firme ou mais solto, para não despejar poder dramático de uma hora pra outra,
e encontrar nada. Não digo que o filme é mal dirigido, por outra mão, Sofia Coppola
tem autoridade suficiente para colocar em prática sua identidade e sua expressão,
porém, é mister dizer que a mesma esbarra ao tentar equilibrar a comédia com o
drama social, coisas que precisam de muito tratamento para andarem juntas e em
harmonia.
É o acompanhamento de uma pequena jornada nas mãos do senso emocional que
Sofia Coppola sabe transpassar. É basicamente a união de elementos tão simples e
singelos que precisavam de um toque autoral para se soltar. Essa simplicidade não
fica impune de danos, por outro lado, há resquícios de falhas dramáticas que tentam
ser encobertos pela bela visão matrimonial e emocional de Coppola que transparece
até a relação paterna. É basicamente um filme que depende tanto da mão de Sofia,
tanto, mas tanto, que a sobrecarrega e a deixa indecisa for diversos momentos, entre
seguir o senso social, profundo e aprimorado nas relações, ou simplesmente seguir
uma comédia simples e apaixonante.

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