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UNIVERSIDADE DE ARARAQUARA – UNIARA

Departamento de Ciências Humanas e Sociais

Curso de Psicologia

Disciplina: PSICOPATOLOGIA NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA I


Alunos: Pâmela C. O. Ribeiro
Guilherme Augusto Gallassi Pozzetti
Isabela De Souza
Renato Rezende Haddad

ROTEIRO PARA ANÁLISE DO FILME

Ficha técnica do filme


Título do filme: Título original:Tsotsi adaptado para português como Infância
Roubada
Atores principais: Presley Chweneyagae (Tsotsi) Terry Pheto (Miriam) Kenneth
Nkosi (Aap) Mothusi Magano (Boston) Zola (Fela) Rapulana Seiphemo (John
Dube) Nambitha Mpumlwana (Pumla Dube) Jerry Mofokeng (Morris)
Direção: Gavin Hood
Produção: Peter Fudakowski
Ano: 2005
País: Johanesburgo/África do Sul

Gênero:
( ) comédia (X ) drama ( ) suspense ( ) ficção ( ) romance
( ) épico ( ) documentário ( ) animação ( ) outros. Especificar:

Temas abordados:
(X ) culturais ( ) científicos ( ) religiosos (X ) psicológicos
( X) políticos ( ) outros. Especificar: Sociais, pois abrange amplamente as
desigualdades sociais.

Enredo / síntese:
R: Inspirado em romance do autor sul-africano Athol Fugard, o filme tem como
protagonista um personagem cujo apelido, “Tsotsi", significa "desordeiro" na
linguagem de Soweto, gueto negro dos subúrbios da cidade de Joannesburgo.
Tsotsi, recém-saído da adolescência, é líder de um pequeno grupo de jovens
delinquentes, Boston, Butcher e Aap. Sobrevivendo conforme as
oportunidades, driblando os perigos, os quatro rapazes parecem reduzir suas
vidas à satisfação imediata de impulsos, num mundo sem maiores
perspectivas. Aos sentimentos de solidão, raiva e alienação que ameaçam
acometê-lo, Tsotsi costuma contrapor atos de imensa crueldade,
transformando sem necessidade um roubo banal no metrô em brutal
assassinato, e espancando Boston até desfigurá-lo, quando este, enojado com
a violência cometida, defende o valor da decência.
Após a briga, em uma noite de forte chuva, num bairro de classe média alta,
Tsotsi atira numa mulher para roubar seu carro, com o qual sai em alta
velocidade e então repara que há um pequeno bebê no banco traseiro.
Tomado por um sentimento paradoxal, ele opta por levar o bebê para sua casa
na favela, cuidando dele como pode.

Mensagem/ ideia principal do filme:


R: Com desenrolar do filme o primeiro impacto que temos é de um homem
violento e sem remorsos, porém a infância de Tsotsi surge em flashbacks cada
vez mais precisos, que aos poucos esclarecem sobre as origens tanto do seu
ódio, quanto do crescente afeto que passa a sentir pelo bebê. Ficamos
sabendo que ainda pequeno perdeu a mãe, que o amava, e que foi maltratado
por um pai alcoolizado e violento, o verdadeiro autor da agressão ao cachorro
de estimação do menino, então chamado David.
Após sofrer esta agressão do pai enquanto ele se aproximava da mãe
agonizante, David, tomado pelo pavor, fugiu de casa e se juntou a um grupo de
crianças abrigadas em manilhas num terreno baldio. Na memória de Tsotsi
perdura a imagem de David, um menino frágil, assustado, encolhido na manilha
para se proteger de uma forte chuva.
Quando ele decide ajudar a criança (no início de forma coerciva com a Miriam),
ele começa a demonstrar sentimentos dos quais eles nem sabia que os tinha,
nos fazendo refletir e questionar até mesmo o conceito do “ser mau”, visto que
se partimos do princípio de que ninguém nasce mau, esse filme mostra
didaticamente a construção de um individuo desamparado e esquecido.
Mensagem que percebemos que o filme passa é de que mesmo com a
situação adversa (conforme todas as que o filme mostra, tanto no passado dele
como no seu presente), o personagem entra em uma jornada pessoal em que
ele reencontra, dentro de si, a esperança e o amor que andavam escondidos
debaixo de tanta dor e revolta. Mesmo com uma situação completamente
disfuncional, qualquer pessoa é capaz de encontrar a sua decência, que no
caso dele se mostra tanto nos esforços em garantir alguma “qualidade” para
bebê como no ápice final em que ele decidiu devolver o bebê aos seus pais.

Cena destacada/ preferida/ ou de maior impacto. Justifique.


 Cena em que ele limpa o bebê com jornal e depois alimenta o bebê com
leite condensado e quando ele volta ele está infestado de formigas, pois
mostra a completa falta de conhecimento básico do que um bebê
necessita para sobreviver, chegou a dar aflição quando ele deixou
aquele bebê e saiu e em seu retorno o ver completamente infestado de
formigas.
 Cena quando ele obrigada a moça a amamentar a criança e lagrimas
escorrem enquanto ela o amamenta, pois o ato de amamentar é um
vínculo importante de mãe filho, e a forma com a qual ele a obriga a
amamentar o bebê foi violento, tanto com o corpo dela, como com a
parte psicológica, visto que sem nenhuma explicação, ela estava sendo
obrigada a amamentar um desconhecido e ainda sob a mira de uma
arma.
 Cena quando o pai o impede de ficar com a mãe que estava acamada e
na sequência ainda aleija o seu cachorro. Essa cena nos impactou
bastante pois mostra o ápice da violência. Ele querendo ficar ao lado da
mãe, impedido de sentir afeto e ainda por cima o pai barbariza o
cachorro com aquele ato de violência. Ver o cachorro tentando andar na
direção do menino e o pai, assim como fez com a mãe dizer: “deixe ele
ai” realmente mostra o quão disfuncional uma infância pode ser e as
consequências que isso geram.
 Cena quando ele salva pai do bebê dando tiro no comparsa, nessa cena
já mostra que a sua violência mudou, pois ele não permitiu que um filho
ficasse sem o pai e nem uma esposa ficasse sem o seu marido. Já
vemos claramente sentimentos bem distintos aos do começo do filme,
que era a banalização da violência.
 Cena quando Miriam diz saber como ele pegou o bebê e que a mãe dele
nunca mais voltara a andar, pois com toda certeza ele se reportou a
violência que o pai cometeu com cachorro que também o impediu de
andar e naquele momento, notamos o horror em seus olhos, pois a
violência que ele tanto abominou em seu pai, que o fez até fugir de casa,
foi a mesma violência que ele praticou e fez um ser humano não andar.
 Cena final em que ele decide devolver o bebê. Ver ele voltando para se
despedir, segurando as mãos do bebê e depois pegando ele no colo,
enquanto os policiais se aproximam nos faz perceber o quanto ele
estava diferente do Tsotsi do início, que a violência era “fácil” de ser
praticada e sem analisar as consequências, nesse momento vemos ele
realmente emotivo, querendo com a devolução do bebê a sua redenção
e quem sabe começar a escrever um novo capítulo em seu tão
conturbado livro da vida.

De que forma podemos observar a violência como questão cultural e/ ou a


violência propagada considerando a cultura da adolescência/ juventude
tratada no filme?
R: A irracionalidade do comportamento violento deve-se ao fato de que a razão
desconhece os móveis verdadeiros de suas intenções e finalidades. Isto fica
extremamente claro no filme. Não há nada de “impulsivo” na violência de Tsotsi
- há sim uma repetição de uma situação vivida, porém não elaborada, porque
não simbolizada & Tsotsi repete a violência sofrida sem, contudo, se dar conta
do quanto seus atos estão inscritos em sua infância. É neste sentido que
percebemos os atos de Tsotsi, em um primeiro momento, como violentos e não
como agressivos, do lado da delinquência. Neste sentido o caso de Tsotsi é
“clássico”: menino negro, que se criou na rua, num país onde o apartheid foi
durante décadas a política oficial -, e que, extraoficialmente, conserva todos os
traços de uma sociedade racista, colonizadora e com profundas desigualdades
sociais.
Frequentemente associamos o ato delinquente à pobreza e a criminalidade à
carência material. Ainda que estejamos muitas vezes bem-intencionados,
redunda, deste tipo de raciocínio, uma ligação da pobreza com a ilegalidade,
quando não com a barbárie. Falar da agressividade da infância, de crianças
cada vez menores, assusta, mas é preciso indagar: qual é o lugar da trama
social nesta criança que agride? Qual o endereçamento desta violência? Onde
buscar uma compreensão do comportamento cada vez mais violento de tantas
crianças e jovens? Estamos falando de uma patologia da cultura? Como não
psicologizar o social, retirando de nós a responsabilidade pela sociedade que
estamos construindo e, paralelamente, não reduzir o psíquico a uma patologia
social? O conteúdo do filme nos remete exatamente a estas questões,
dramatizadas na perda da mãe, na agressão sofrida por parte do pai, fuga para
o terreno baldio, com todas as carências que daí decorrem: falta de um teto,
falta de proteção de um adulto etc. Tsotsi, agredido pelo pai e abandonado à
própria sorte, “se esquece” do seu lugar, identifica-se com seu agressor e
transforma-se num ladrão e assassino, até que o bebê roubado reacende a
lembrança da mãe e a esperança de, revivendo a situação traumática de
privação, poder superá-la e dar oportunidade ao ressurgimento de um novo
rumo a sua história, pois a última cena do filme mostra essa redenção. A cena
da rendição de Tsotsi poderia então ser compreendida como a oportunidade
extrema de uma “redenção” na substituição de Tsotsi por David.
É importante analisarmos também que restringir nossa compreensão apenas a
uma perspectiva significa empobrecê-la, uma vez que a compreensão do outro
remete-nos sempre a diferentes registros. Sociedades complexas e
extremamente desiguais frequentemente promovem não somente os
socialmente excluídos, mas também os "não-afiliados", os desenraizados. Em
tais situações, estes grupos podem ser descritos geográfica e psicologicamente
como estando nos subúrbios da cidadania.
A história de Tsotsi remeteu-nos assim a questões muito próximas em nossa
vida cotidiana, tanto com crianças e jovens vivendo em lugares de risco, quanto
com aqueles que, embora não tenham sofrido privações materiais, mostram os
efeitos das privações de ordem afetiva, igualmente nocivas.
Na ficção de Tsotsi, assistimos à reencenação da violência sofrida na infância
por um jovem que perdeu precocemente o apoio ambiental, tendo sido jogado
brutalmente no mundo real sem ter tido a possibilidade de desenvolver um
mundo interno capaz de prover condições para uma vida social e afetiva
construtiva. Podemos chamar de Tsotsi todas as crianças desprovidas da
espinha sustentadora do simbólico, solitárias, soltas demais ou confinadas,
testemunhas da violência banalizada como parte do cotidiano, tomadas pelo
desespero, pela impotência, pelo ódio, decorrentes de condições da vida em
lugares onde não há espaços favoráveis à experiência de simplesmente ser
criança.

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