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Raiva
Lucio Emmanoel Novaes Malagris
Thiago Carlos Pinheiro

O que é raiva?

A raiva é um sentimento natural que todas as pessoas podem expe­


rimentar em determinados momentos da vida. Esse sentimento, em ge­
ral, é decorrente da percepção da pessoa de que ela está sendo ameaça­
da, provocada, agredida, injustiçada, frustrada e, até mesmo, rejeitada
ou desmerecida. Muitas vezes, a raiva é necessária para que a pessoa se
defenda e busque sobreviver frente a situações de risco. Entretanto, ou­
tras vezes, pode levar à fúria e a comportamentos que trazem muitos
prejuízos para a própria pessoa e para os demais. E importante saber ad­
ministrar a raiva desenvolvendo formas adequadas de lidar com ela.
Algumas pessoas podem ser mais propensas a sentir raiva e a manifestá-
la de forma mais intensa do que outras. E necessário que a pessoa preste
atenção em como costuma manifestar esse sentimento e se tal manifes­
tação está trazendo prejuízos de modo a afetar sua qualidade de vida.
Sabe-se que a raiva descontrolada, além de afetar os relacionamentos so­
ciais, também é um fator de risco para o desenvolvimento do estresse e
de doenças crônicas, como as cardiovasculares (Lipp et al., 2009).
Podemos expressar a raiva tanto para fora, isto é, direcionando-a
para outras pessoas ou objetos, como também para dentro, tentando
* Material psicoedutivo para o cliente disponível em Sinopsys APP ou pelo link www.sinopsys
editora.com.br/psicoeducapp

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suprimir esse sentimento. Um dos motivos da dificuldade de lidar


com a raiva é que, ao longo da vida, podemos ser ensinados que ex­
pressar a raiva é algo errado e que não devemos fazer isso. Porém, ne­
gar nossas emoções, mesmo quando as avaliamos negativamente, pode
ser tão prejudicial quanto manifestá-las de forma muito intensa.
Como consequência disso, a raiva pode gerar outras emoções descon­
fortáveis, tais como tristeza e ansiedade, ou até causar sintomas físicos
como insônia e palpitações. No entanto, algumas pessoas aprendem a
lidar com a raiva de modo violento, impulsivo, se colocando em situa­
ções de risco. Essa forma pode ter sido aprendida por meio de mode­
los de pais, de outras pessoas importantes na vida da criança, ou por
incentivos dados a comportamentos agressivos realizados. Além disso,
estudos indicam que o nível elevado de raiva pode estar relacionado à
percepção de que os pais são rejeitadores, pouco afetivos, instáveis,
muito vigilantes e superprotetores ou, por outro lado, muito permissi­
vos (Dias, 2015).

Dica ao terapeuta

Pode ser útil, tanto para o planejamento do tratamento como para o autoconhecimento do
cliente, identificar a forma de expressão e a intensidade da raiva característica do mesmo.
Para isso, você pode administrar o Inventário de Expressão de Raiva - Traço-Estado (STAXI
2) (Spielberger, 2010) no início e no final do tratamento, visando verificar a evolução do
cliente.

Se você percebe que tem dificuldades de lidar com a raiva, saiba


que pode aprender a manejá-la e desenvolver modos apropriados de
manifestá-la. Assim poderá ganhar qualidade de vida e reduzir atritos
com outras pessoas de modo a solucionar problemas com menor des­
conforto emocional. O primeiro passo é reconhecer sua dificuldade!

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Psicoeducação em Terapia Cognítivo-Comportamental 269

Dica ao terapeuta

É muito importante que a pessoa que tem dificuldade de lidar com a raiva entenda que
esse sentimento não é "errado”, pois é necessário à sobrevivência. Muitas vezes o cliente
pode se sentir culpado por experimentar raiva. Por isso, é necessário normalizar a existência
do sentimento e esclarecer suas funções. No entanto, é importante que ele entenda que o
problema ocorre quando o sentimento é muito intenso, muito frequente e mal administrado
em termos cognitivo-comportamentais.

Como o meu problema pode


estar sendo mantido?

Existem inúmeros fatores que podem contribuir para que a raiva se


torne um sentimento crônico. Por isso, é fundamental analisar a inten­
sidade com que você experimenta a raiva, assim como o modo de ex­
pressão e a frequência com que ocorrem os episódios, e identificar se es­
tão trazendo prejuízos para sua vida. A partir disso, poderá estar prepa­
rado para desenvolver formas de gerenciar melhor suas emoções. Uma
das causas de manutenção de comportamentos inadequados de expres­
são da raiva costuma ser a falta de habilidades sociais, a qual impede
que você consiga reagir adequadamente a determinadas situações, ou
seja, você pode não ter tido a oportunidade de aprender formas apro­
priadas de reagir a uma situação que provoque raiva em você. Outra
causa comum é a tendência que algumas pessoas têm de sentir raiva de­
vido à interpretação de maneira distorcida de certas situações. Isso sig­
nifica que, diante de um evento neutro, elas podem pensar que alguém
está querendo lhes provocar ou ofender. Pensar de tal forma pode fazer
com que você aja de maneira defensiva, desconfie das pessoas ou expres­
se sua raiva de maneira inadequada.

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Outro fator que pode ter uma forte contribuição para a manuten­
ção da raiva é o estresse, por essa razão é de suma importância identifi­
car quais são suas fontes de estresse e desenvolver uma forma de contro­
lá-lo (Moxotó & Malagris, 2015).
Não se pode deixar de observar que também existem estímulos am­
bientais reais que podem ser provocativos da raiva, independente da inter­
pretação que a pessoa dá a eles. Muitas vezes é necessário que sejam feitas
mudanças no ambiente e, para que seja possível identificar essa necessidade,
é útil que você analise e reflita sobre o ambiente ao seu redor na área fami­
liar, social e ocupacional. O seu terapeuta pode ajudá-lo nessa análise e na
busca dessas mudanças. Por meio da terapia, você pode identificar outros
fatores que contribuem para o seu problema, assim você pode descobrir no­
vas maneiras de lidar e solucionar suas dificuldades.

Dica ao terapeuta

Ofereça a oportunidade do cliente conhecer de que modo ele pode estar contribuindo para a
raiva desadaptativa, sem que se sinta criticado ou repreendido. A empatia é importante, no
entanto, o cliente precisa compreender sua responsabilidade sobre o problema, assim como
suas possibilidades de mudança para alcançar melhor qualidade de vida. Analisar junto
ao cliente o ambiente em que está inserido também é fundamental, pois, muitas vezes, o
indivíduo está submetido a um ambiente hostil por si só, e é necessário verificar o que pode
ser feito para amenizar ou eliminar o problema.

Como os meus pensamentos


influenciam na minha raiva?

Como mencionado, pessoas que sentem raiva excessiva costumam


interpretar as situações de forma distorcida, o que pode intensificar a rai­
va. Isso acontece porque nossos pensamentos são capazes de influenciar

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Psicoeducação em Terapia Cognitivo-Comportamental 271

nossas emoções, comportamentos e a fisiologia do nosso corpo. Por exem­


plo, diante de uma situação em que você teve uma opinião que não foi
aceita no seu trabalho, você pode pensar que as pessoas não o tratam de
maneira justa e não o valorizam. Isso pode fazer com que você se sinta hu­
milhado, frustrado e, consequentemente, com raiva. Caso você tenha ten­
dência a expressar sua raiva para fora, é possível que aja de forma impulsiva
ou tenha atitudes agressivas com outras pessoas. Por outro lado, se a sua
tendência for de expressar a raiva para dentro, você poderá se sentir magoa­
do, triste e poderá se isolar. Como consequência, é possível que você crie
mais dificuldades para aceitação de suas opiniões. Além disso, independen­
temente do modo de expressão, para fora ou para dentro, você pode se sen­
tir estressado, ter taquicardia ou ter aumento da pressão arterial. Observe a
Figura 22.1 para entender como o processo pode ocorrer.
A Terapia Cognitivo-Comportamental, por meio do Treino Cognitivo
de Controle da Raiva (Lipp & Malagris, 2013), pode ajudar você a analisar
seu modo de expressar a raiva, a identificar as situações que lhe causam rai­
va, quais os pensamentos que passam pela sua cabeça exatamente antes do
sentimento aparecer e como você pode modificar sua forma de interpretar
as situações e se comportar de modo produtivo quando experimenta raiva.

Figura 22.1 Processo cognitivo-comportamental de manutenção de situações de insatis­


fação e da raiva.
Fonte: adaptada de Lipp e Malagris (2013).

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Dica ao terapeuta

O registro das situações em que experimentou raiva, a intensidade da mesma, a identificação


do pensamento (antes, durante e depois) e o comportamento decorrente desses pensamentos
vai ajudar o cliente a se preparar para a mudança.

Como posso lidar com a raiva?

Com base no Treino Cognitivo de Controle da Raiva mencionado,


você pode tomar uma série de providências para lidar de modo mais
apropriado com a raiva, veja a seguir.

Reconheça a raiva: ao longo da vida podemos ser ensinados que


demonstrar determinados sentimentos é algo ruim ou errado. Contudo,
a raiva é um sentimento natural como qualquer outro, mas que quando
expressada de maneira inadequada pode nos trazer prejuízos em diversas
áreas da vida. Por isso, é importante reconhecer e aceitar esse sentimen­
to, buscando compreender quais são as causas da raiva, como você cos­
tuma expressá-la, quais as consequências da sua forma de expressão e
como sente a raiva no seu corpo. Ao fazer isso, você pode começar a de­
senvolver formas alternativas para lidar com tais situações.
Identifique os seus pensamentos: nossos pensamentos são capazes de
despertar emoções, inclusive a própria raiva. E necessário descobrir o que
passa pela sua cabeça nas situações em que sente raiva e como isso pode estar
influenciando seu sentimento e comportamento. Em alguns casos você pode
ter uma percepção equivocada, sendo necessário questionar os seus pensa­
mentos e reavaliá-los. Você pode buscar evidências a favor e contra tais pen-

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sarnentos, avaliar a probabilidade de um determinado pensamento ser verda­


deiro e encontrar alternativas que sejam mais coerentes com a sua realidade.
Lide com o seu estresse: assim como a raiva, o estresse também é uma
reação normal do organismo que surge quando há necessidade de lidar com
certas situações e que pode envolver fatores cognitivos, emocionais, físicos e
fisiológicos. Além de o estresse crônico poder estar relacionado a inúmeras
doenças, ele tem uma forte relação com a raiva. Dessa forma, é necessário
aprender a identificar as fontes de estresse e desenvolver habilidades para o
manejo do mesmo. Ao fazer isso, além de diminuir as consequências da rai­
va, você também poderá ter um ganho em qualidade de vida.
Se distraia da raiva: embora seja um sentimento intenso, é possível
controlar a raiva logo no começo, antes que se torne algo maior e que possa
causar prejuízos. Quando estiver em uma situação que lhe desperta raiva,
você pode buscar se retirar do local. Caso você não possa sair fisicamente da
situação, tente pensar em algo diferente ou se imaginar em um local que faça
você se sentir bem. Além disso, você pode realizar técnicas de relaxamento
por meio da respiração profunda ou usar cartões com lembretes de que esse
é um sentimento e que irá passar com o tempo. Também é recomendado
que faça atividades prazerosas e exercícios físicos, pois além de ajudá-lo a
controlar a raiva, também é uma forma de diminuir o estresse associado.
Questione a sua raiva: quando estamos com raiva, podemos agir
de maneira impulsiva e agressiva. Antes de realizar qualquer ação diante
de uma situação que lhe cause raiva, você pode questionar se vale a pena
agir de determinada maneira, quais serão os benefícios e consequências
disso. Embora possa ser difícil no começo, com o tempo irá perceber
que, mudando sua maneira de responder à raiva, você estará evitando
algumas complicações em sua vida.
Solução de problema: algumas situações podem gerar dificuldades,
mas, durante a terapia, você pode aprender novas formas de lidar com
seus problemas. Busque identificar o que você costuma fazer diante dessas
dificuldades, o que já deu certo e o que está dando errado. Com isso, você
pode pensar em alternativas para o seu problema e avaliar quais serão as
possíveis consequências de determinados comportamentos.

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Dica ao terapeuta

É importante que o terapeuta esteja consciente de como pode ser difícil a mudança para
pessoas que têm a raiva intensa como reação a frustrações e/ou provocações. Incentive o
cliente a treinar no dia a dia as estratégias que compõem o Treino Cognitivo de Controle da
Raiva (Lipp & Malagris, 2013), como a técnica da ação responsável, time-out, relaxamento
e respiração profunda, por exemplo.

Será que eu posso conseguir?

Lidar com nossos sentimentos pode ser uma tarefa difícil no início,
principalmente quando se trata de uma emoção que pode se tornar tão in­
tensa e que afeta diversas áreas da sua vida. Mas, ao longo do tratamento
cognitivo-comportamental, você poderá aprender a lidar com seus senti­
mentos e desenvolver habilidades para expressar a raiva de uma forma que
não seja prejudicial. E fundamental que você pratique o que aprendeu em
terapia, pois, ao longo do tratamento, podem surgir algumas dúvidas e difi­
culdades. Lembre-se que você pode sempre recorrer ao seu terapeuta para
que juntos consigam encontrar soluções para os seus problemas.

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Psicoeducação em Terapia Cognitivo-Comportamental 275

Bibliografia sugerida para consulta


do terapeuta

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com a vinculaçâo e com os estilos parentais per­ (2015). Raiva, stress emocional e hipertensão:
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bitstream/10451 /23018/1/ ulfpie047 628_tm. http://www.scielo.br/pdf/ptp/v31 n2/0102-
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Lipp, M. E. N. & Malagris, L. E. N. (2013).
O treino cognitivo de controle da raiva: O pas­ Spiclbcrger, C. D. (2010). Inventário de Expres­
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Editora Cognitiva. Vetor Editora. (Coleção Staxi 2).

Referências

Dias, C. S. B. M. R. (2015). A raiva: Rela­ http://repositorio.ul.pt/bitsrream/10451


ções com a vinculaçâo e com os estilos pa­ /23018/l/ulfpie047628_tm.pdf. Acesso em:
rentais percebidos. Dissertação de Mestra­ 22 jan, 2017.
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Lipp, M. E. N. (2005). Stress e turbilhão da controle da raiva: Eficácia do treino cogni­


raiva. Sáo Paulo: Casa do Psicólogo. tivo na doença arterial coronariana. Estudos

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Boletim Academia Paulista de Psicologia, text&pid=SO 103-166X200900040001 1.
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bvsalud.org/pdf/bapp/v29n2/v29n2al3.
Moxotó, G. F. A. & Malagris, L. E. N.
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Lipp, M. E. & Malagris, L. E. N. (2013). O são: Um estudo comparativo. Psicologia:
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