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AVALIAÇÃO 01

TEORIAS E TÉCNICAS PSICOTERÁPICAS: ABORDAGEM


FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL

O FILME “CORINGA” E OS DETERMINANTES PARA A CONSTRUÇÃO DO


PROJETO DE SER

O filme “Coringa” (2019) retrata a vida de Arthur Fleck: um homem que vive à
margem da sociedade, por sua condição econômica desfavorecida herdada de
sua mãe, sua única relação íntima, e por sua condição neurofisiológica que o faz
rir descontroladamente, sendo esses risos muitas vezes inoportunos e
inconvenientes, produzindo uma espécie do estereótipo de “louco” por aquelas
pessoas que o zombavam e ressaltavam tal condição e estigmatização. O filme
nos mostra como tal condição causa estranhamento para as outras pessoas, e
como Arthur demonstrava sofrimento por tê-la, sentindo-se culpado. Sua mãe,
figura para ele até então de uma mãe protetora e carinhosa, o havia inspirado a
dar outro sentido a este fenômeno: aquilo seria uma expressão genuína de
alegria, pois, nas próprias palavras dela, Arthur “veio para trazer alegria e riso
para esse mundo frio e sombrio”. Tentando significar de um modo positivo aquilo
que seria a sua condição da risada espontânea, Arthur encontra um significante
na figura do palhaço (que tem como seu trabalho fazer as pessoas rirem e
sorrirem, tal como sua mãe o havia “destinado”). Arthur, apropriando-se desse
projeto de ser alguém que traz alegria ao mundo, trabalha então como palhaço.

Retomando a noção de territorialidade para entendermos as condições que


determinam as possibilidades concretas materiais sociais e históricas do
indivíduo, analisa-se que, na cidade onde a personagem vive, o que encontra
como possibilidades de si mesmo – em processo de apropriação e internalização
do mundo externo a partir do contato mediado pela intuição sensorial - está
inserido em um ambiente de condições concretas típico da marginalização
urbana em grandes metrópoles, como a cidade do filme chamada Gotham:
condições insalubres de vivência domiciliar, como falta de saneamento básico,
condições também precárias no trabalho além das relações hostis com o patrão,
sempre rígido e não empático, assim como seus colegas de trabalho que
promovem um clima de competição, desconfiança e ainda bullying com relação
à condição de Arthur, além do seu estigma social de pessoa “louca” e também
da visível extrema desigualdade social expressa, a qual faz alusão à cidade de
Nova Iork nos anos 1890, ano também que se passa a história da narrativa.

Experimentando-se na sua existência a partir dessa vivência de extrema


violência, o personagem certa vez vive uma situação de agressão na qual ele
acaba por matar um dos agressores, em seguida perseguiu os outros dois
personagens da cena que estavam com o agressor e também os matou. Logo
após, somos levados a uma cena onde ele entra no banheiro, sujo de sangue, e
começa a dançar em uma postura corporal expressiva que nunca houvera feito
antes: nos dando a entender uma sensação de gozo e felicidade de um sentido
existencial que acabara de descobrir para si mesmo ali no acontecido: se viu
como um palhaço (pois ele estava maquiado, havia acabado de perder seu
emprego como palhaço no lugar onde trabalhava) que representa os
marginalizados oprimidos, que luta contra aqueles poderosos pois, tal ocorrido
teria sido simbólico de uma questão social não só para ele, mas toda a cidade já
que o agressor era de uma classe rica alta e estava também agredindo e
abusando sexualmente primeiramente uma outra pessoa que não o Arthur, e o
fazia pois saberia que não teria responsabilizações maiores sobre ele,
provavelmente.

Sob olhar da noção de que o corpo é parte integrativa da consciência intencional,


vemos Artur mostrar um corpo cheio de feridas e cicatrizes marcas de violência.
Para amenizar o sofrimento, parte da intenção o movimento de Artur, a partir da
liberdade que tinha dada essas condições, as ações de tomar altas doses de
medicação ou uso de cigarros para sentir-se anestesiado, por exemplo. Assim
como todas as suas atitudes, a mais impactante no filme, também intencional
partindo dessa liberdade de escolhas, foi a de apropriar-se da violência.

Depois de descobrir profundas decepções com a sua mãe, e depois de tantas


violências sofridas em uma posição de marginalização sem visibilidade
assistencial, Arthur passa assim a dar um novo sentido a sua existência, o de
ser essa “persona” social que ressignifica a figura do palhaço para si, e a sua
“utilidade” no mundo. Como o próprio personagem diz: “Durante minha vida, nem
eu mesmo sabia se eu existia de verdade. Mas eu existo sim, e as pessoas estão
começando a perceber. ” Dando a entender que, mesmo sendo preso por seus
atos violentos que passa a praticar depois do acontecido, Arthur acolhe para si
sua personalidade neurótica e esquizofrênica que até então não aceitava em si,
mediada pela forte personificação da figura do palhaço. Dois projetos de si
diferentes apesar de vividos na figura de um palhaço. Sendo que, o último, como
nos faz entender o filme, foi capaz de fazer o personagem realmente apropriar-
se dele para uma construção de seu projeto de si voltado, no caso, para ações
e ideologias violentas, pois foi na violência experimentada e vivenciada que o
personagem aprendeu a dar sentido para suas finalidades e significar o seu
futuro e seu passado a partir dessas finalidades.

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