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Donald W. Winnicott
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Curso preparatório para o concurso de Psicólogo Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - 2022
PRIMEIRA PARTE
➢ Um fator externo que causa delinquência persistente é a separação prolongada entre uma
criança e a mãe (separação de 6 meses ou mais, durante os 5 primeiros anos de vida).
➢ Criança de qualquer idade ficará triste ao deixar o lar, mas para crianças menores, isso vai
significar muito mais do que uma experiência de tristeza: pode significar um BLACKOUT
EMOCIONAL e levar a um distúrbio grave do desenvolvimento da personalidade.
➢ O fato de a criança não reconhecer a mãe quando ela volta para casa após um período de
afastamento, representa que houve um dano radical e o caráter da criança foi seriamente
deformado.
➢ Quanto menor a criança, maior o perigo de separá-la da mãe (haverá dificuldade para manter
viva dentro dela a ideia de uma pessoa, portanto, pouco tempo depois da separação, essa
pessoa estará morta pra ela)
➢ A unidade familiar é mais do que uma questão de conforto e conveniência. Ela proporciona
uma segurança indispensável à criança. A ausência dessa segurança trará consequências
ao desenvolvimento emocional, gerando danos à personalidade e ao caráter.
➢ Evacuação afeta também os pais. Pais que tiveram os filhos evacuados podem ter
dificuldades em receber o filho de volta, porque eles podem ter organizado os interesses e
as ansiedades deles pra lidar com o ambiente de paz e silêncio, onde a criança não existe.
➢ Crianças que se adaptavam muito facilmente aos lares adotivos não estavam
necessariamente bem (isso poderia ser uma aceitação artificial daquelas condições), porque
o mais comum nessa experiência era a criança demorar um tempo para se adaptar à
mudança.
➢ A criança tinha motivos para estar angustiada, afinal estava longe de casa e dos pais
➢ Algumas reações da criança naquele novo lar eram normais e esperadas, por exemplo,
enurese, dor, irritação, hábitos desagradáveis como bater a cabeça, e quando se reconhece
que por trás desses comportamentos existe a angústia na criança, percebe-se que qualquer
forma de punição é inútil, pois a criança só poderá ser ajudada com demonstrações de amor
e compreensão.
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solução é mais fácil naqueles casos em que os pais foram capazes de mante relações
amigáveis com os pais adotivos, e isso nem sempre é fácil.
➢ Expectativa da criança durante o período de separação: a criança idealiza o lar que deixou
(ideias que perdem o contato com a realidade). Quando ela chega de volta, com essas
expectativas fantasiosas, sofre uma desilusão e ao mesmo tempo redescobre que tem um
lar, que é dela. A criança vai precisar de um tempo para se sentir livre nesse ambiente.
➢ Quando ela se sente livre no lar, também se sente livre para fazer birra, desperdiçar comida,
etc. É até possível que ela tente fazer um pequeno roubo, para testar se é verdade que a
mãe é realmente mãe dela. E tudo isso é sinal de avanço no desenvolvimento da
criança, é o primeiro estágio de um sentimento de segurança.
➢ Por mais simples que seja o lar de origem da criança, esse lar sempre vai valer mais para
ela do que qualquer outro lugar, porque o mais importante de um lar é a responsabilidade
que os pais assumem pelo desenvolvimento do filho
➢ Para uma criança descobrir a parte mais profunda de sua natureza, alguém vai ter que ser
desafiado, e algumas vezes até detestado, e provavelmente essas pessoas serão os pais.
Quem mais a criança poderia detestar e desafiar, sem o perigo de um rompimento completo
do relacionamento?
➢ No regresso da criança, aqueles pais que conseguiram manter um lar coeso podem começar
a trabalhar na reparação do dano que a separação causou. E esse regresso significa que
vai ter menos recompensas imediatas pros pais, e que os pais vão ter que ser capazes de
mostrar força e firmeza nas atitudes deles, e ao mesmo tempo, compreensão e amor.
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Tratamento em regime residencial pra crianças difíceis:
➢ No início da evacuação, as crianças foram enviadas para lares de pessoas comuns. Logo
se tornou evidente que algumas dessas crianças não se adaptavam a esses lares, e que
alguns desses lares também não eram adequados para cuidar das crianças.
➢ Enquanto algumas voltaram para casa, outras permaneceram nos alojamentos e seriam
insuportáveis se não recebessem algum tipo de tratamento especial. Winnicott e Claire foram
responsáveis por elaborar um plano para esse tipo de trabalho.
➢ A reação inicial das autoridades diante dessas crianças problemáticas era dar atendimento
psicológico individual e providenciar alojamentos onde elas pudessem ficar, já que não iriam
ficar nos lares adotivos.
➢ Ficou claro que esses alojamentos precisariam de organização e de gestão, e essa gestão
já era, por si mesma, uma terapia. Os alojamentos passaram então a ser organizados
como residências para as crianças evacuadas que demonstravam dificuldades especiais.
➢ Para o tratamento, inicialmente, pensou-se em trabalhar com a criança de forma que ela se
tornasse apta a novamente ser colocada em um lar adotivo, porém, isso seria subestimar a
gravidade do problema. Essas crianças, na grande maioria, vinham de lares instáveis e não
tinham exemplos de um bom ambiente, então, elas tinham razões pessoais pra não achar
que os bons alojamentos fossem realmente bons. Elas não precisavam de um substituto
para seu próprio lar, mas sim de experiências de um lar primário que fosse satisfatório.
➢ A ideia terapêutica central desse plano era proporcionar estabilidade, oferecer um ambiente
estável, para que as crianças pudessem conhecer, testar e aos poucos pudessem confiar
nesse ambiente. O objetivo maior era fornecer estabilidade para as crianças e para o pessoal
que cuidava dos alojamentos. Para que existisse uma gestão residencial eficaz, os
funcionários tinham que permanecer lá trabalhando por bastante tempo, então era preciso
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também valorizar essas pessoas em todos os aspectos, porque é a natureza permanente
do lar que torna ele valioso, mais do que o fato de que o trabalho seja realizado com
inteligência.
➢ A reação usual de uma criança colocada num bom alojamento pode ser descrita como tendo
3 fases:
2 – Colapso do ideal – a criança começa testar; primeiro fisicamente, então descobre que
pode ser fisicamente controlada, porque o lugar e as pessoas não tem o que temer em relação
a ela fisicamente; então passa a testar de forma mais sutil, jogando as pessoas umas contra a
outras e fazendo com briguem. Quando um alojamento está sendo administrado de maneira
insatisfatória, essa segunda fase vira uma constante. Mas se o alojamento passa sem
problemas por esses testes, vem a terceira fase:
➢ Após o fim da guerra, Winnicott foi contratado pra trabalhar em cinco alojamentos de crianças
difíceis, e ele conheceu profundamente 285 crianças, observou a maioria delas num período
de vários anos. Ele classificou essas crianças em duas categorias:
1 – As que não tiveram um lar ou que os pais não conseguiram estabelecer bases para o
desenvolvimento delas;
2 – As que tinham um lar, mas nele um pai ou uma mãe mentalmente doente.
➢ O ambiente frustrou essas crianças, e por isso, elas precisavam de estabilidade ambiental,
cuidados individuais e continuidade desses cuidados. O tratamento consistia em
oferecer aquilo que os próprios lares não foram capazes de dar, e para isso era essencial
uma equipe adequada.
➢ Para crianças antissociais, era inútil só a psicoterapia. A primeira coisa que tinha que ser
providenciada é que a criança fosse alojada, de forma adequada à condição dela (criança
certa no alojamento certo). E em muitos casos, o alojamento, por si só, já funciona como
terapia. A psicoterapia poderia ser acrescentada, mas com muito tato.
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SEGUNDA PARTE
➢ Amor e ódio são os dois principais elementos que constituem as relações humanas, e os
dois envolvem agressividade. Por outro lado, a agressão pode ser um sintoma de medo.
Para ele, todo bem e todo mal do mundo são encontrados no âmago do ser humano. No
bebê, pode ser encontrado amor e ódio com plena intensidade humana.
➢ O ÓDIO EXISTE NO ÍNTIMO DO SER HUMANO. Exemplo: menino de 2 anos que mordia
as pessoas até arrancar sangue, e depois, ficava triste. Ele atacava as pessoas que mais
gostava, principalmente a avó. A mãe achava que a criança só mordia quando estava muito
excitada e não sabia o que fazer com aquela excitação (e Winnicott acha que ela tem razão).
Isso é um exemplo de agressão primária, e o remorso que ele sentia depois era uma forma
de proteger a pessoa que ele amava de um dano concreto.
➢ Outro exemplo que ele dá é de um bebê que morde o seio da mãe. O bebê faz isso quando
está EXCITADO, não quando está frustrado.
➢ Se for admitido que o bebê pode machucar e que ele sente um impulso pra isso, é preciso
admitir também que existe uma inibição dos impulsos agressivos, facilitando a proteção
daquilo que é amado e está em perigo.
➢ Pouco tempo depois de nascer, os bebês já diferem quanto ao grau que manifestam ou
escondem a expressão dos sentimentos. É saudável para um bebê que ele tenha se
encolerizado com frequência em uma idade na qual ele não precisa sentir remorso,
porque se ele se encolerizar pela primeira vez com 18 meses, por exemplo, isso vai ser
aterrador para ele.
➢ O bebê tem essa grande capacidade para destruição, mas também uma grande capacidade
para proteger o que ele ama de própria destrutividade dele, e a principal destruição existe
sempre na fantasia do bebê.
➢ O objetivo do bebê é a satisfação e a paz de corpo e de espírito. A satisfação gera essa paz,
mas o bebê percebe que, para se sentir gratificado, ele põe em perigo o que ama.
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➢ Normalmente, ele chega a uma conciliação e se permite ter uma satisfação e ao mesmo
tempo, ele evita ser muito perigoso. E aí ele se frustra e deve odiar alguma parte de si
mesmo, a menos que possa encontrar alguém fora de si mesmo para frustrá-lo, e que esse
alguém suporte ser odiado.
➢ Quando essas forças destrutivas ameaçam dominar as forças de amor, a pessoa tem
que fazer alguma coisa pra se salvar, e uma das coisas que ela faz é por pra fora seu
íntimo. ela dramatiza exteriormente o mundo interior dela, e assim ela vai provocar um
controle por uma autoridade externa. É dessa forma que o CONTROLE pode ser
estabelecido, na fantasia dramatizada, sem que exista uma sufocação dos instintos,
porque o controle interno, se fosse aplicado, poderia resultar em depressão.
➢ A AGRESSÃO tem dois significados: por um lado, ela é uma REAÇÃO À FRUSTRAÇÃO; e
por outro, é uma das FONTES DE ENERGIA da pessoa.
➢ Todos os indivíduos são semelhantes na sua essência, apesar dos fatores hereditários
serem diferentes, ou seja, existem certas características na natureza humana que se podem
encontrar em TODAS AS CRIANÇAS E EM TODAS AS PESSOAS DE QUALQUER IDADE.
As aparências podem variar, mas existem denominadores comuns nos problemas humanos.
Pode ser que uma criança tenda a ser mais agressiva e outra nunca tenha manifestado
agressividade, embora elas tenham o mesmo problema. O que acontece é que essas duas
crianças estão lidando de maneiras distintas com as cargas de impulsos agressivos que elas
têm.
➢ Início da agressividade no ser humano → movimentos do bebe, que acontecem até antes
do nascimento (chutes). Uma parte da criança se movimenta e dá de encontro com alguma
coisa, e o bebê, seja recém-nascido ou antes de nascer, ainda não é uma pessoa que possa
ter uma razão clara pra uma ação.
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➢ A agressão é uma força inerente ao ser humano, e por trás dela, está a destruição
mágica, que caminha lado a lado com a criação mágica.
➢ A destruição primitiva ou mágica de todos os objetos está ligada ao fato de que para a
criança, o objeto deixa de se parte de mim para ser “NÃO-MIM”, deixa de ser um fenômeno
subjetivo para ser percebido objetivamente. Geralmente essa mudança ocorre por
gradações sutis. Quando a mãe acompanha a criança, com sensibilidade, ela vai dar tempo
ao filho para que ele adquira todas as formas de lidar com o choque de reconhecer a
existência de um mundo fora do seu controle mágico.
➢ É necessária uma participação adequada da mãe para que a criança alcance a saúde e
capacidade para deixar de lado o controle e a destruição mágicos e para desfrutar da
agressão
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que são cada vez menos fenômenos subjetivos e cada vez mais elementos “não-mim”
objetivamente percebidos.
➢ Ela começou a estabelecer um eu, e a mãe se tornou um objeto total. O ego começa a ser
independente do ego auxiliar da mãe. A partir de agora ele possui uma vida psicossomática.
E o que vai levar ao desenvolvimento da capacidade de envolvimento é o aprimoramento
da ambivalência.
(1) Não podemos correr riscos. Como sabemos que existem fatores inatos na criança em
desenvolvimento, tendentes para a aquisição de um sentimento de certo e errado?
Precisamos plantar um código moral no solo virgem, e fazê-lo antes que a criança tenha
idade suficiente para resistir ao que fazemos.
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(2) A única moralidade que conta é aquela que vem do próprio indivíduo. É melhor aguardar
até que, por processos naturais, cada criança passe a ter um sendo de certo e errado que
seja pessoal.
➢ O que agrada Winnicott é pensar que a moralidade vinculada à submissão tem pouco
valor. É o senso de certo e errado de cada criança que esperamos encontrar em
desenvolvimento, ao lado de tudo o mais que se desenvolve por causa dos processos
herdados
➢ Assim como um bebê ou criança pequena torna-se às vezes uma coisa total, uma unidade,
um integrado, alguém eu poderia dizer “eu sou”, também ocorre um estado de coisas pelo
qual existe um senso de responsabilidade pessoal.
➢ Quando, nas relações, a criança tem o impulso, morde (ou talvez coma um biscoito) e tem
a ideia de estar comendo o objeto (por exemplo o seio da mãe), e depois sente culpa, daí
resulta o impulso para ser construtivo.
➢ Se o sentimento de culpa da criança está ausente no padrão, ela não permite o impulso.
Em vez disso, instala-se o medo, e a criança se inibe com relação a todo o sentimento que
naturalmente se constrói em torno desse impulso.
➢ Ele chama a atenção para o caso da criança afetada pela tendência antissocial, em
processo de se tornar delinquente. Nesse contexto, as pessoas dizem que essa criança não
tem senso moral ou sentimento de culpa. Mas ele refuta essa ideia porque ele não considera
verdadeira. Existe esse estágio anterior à chegada dos ganhos secundários, no qual a
criança se sente louca porque dentro dela vem uma compulsão para roubar e para destruir.
O padrão é o seguinte:
➢ Esse último estágio é difícil de alcançar. Mas por mais difícil que seja, PRECISAMOS
ABANDONAR AS IDEIAS DE QUE CRIANÇAS POSSAM SER INATAMENTE AMORAIS.
➢ O crime produz sentimentos de vingança pública. E a sugestão dele é que nenhum delito
pode ser cometido sem que haja um acréscimo do fundo comum de sentimentos de vingança
pública.
➢ Existe algo comum a todos os delinquentes: tudo o que leva as pessoas aos tribunais
tem seu equivalente normal na infância, na relação da criança com seu próprio lar. Se
o lar consegue suportar tudo o que a criança pode fazer pra desorganizá-lo, ela sossega e
vai brincar; mas primeiro ela tem que testar, especialmente se ela tiver alguma dúvida quanto
a estabilidade da instituição parental e do lar. Por que deve ser assim? Porque os estágios
iniciais do desenvolvimento emocional estão repletos de conflitos e desintegrações
potenciais, a relação com a realidade externa ainda não está enraizada; a personalidade
ainda não está bem integrada; o amor primitivo tem um propósito destrutivo e a criança
pequena ainda não aprendeu a tolerar e enfrentar os instintos, mas ela pode conseguir se o
ambiente for estável e pessoal.
➢ No começo, ela tem necessidade absoluta de viver num círculo de amor e força, com a
consequente tolerância para não sentir um medo excessivo dos próprios pensamentos e da
imaginação, e assim conseguir progredir no desenvolvimento emocional.
➢ E o que acontece se o lar faltar para a criança antes de ter adquirido um quadro de referência
como parte da própria natureza dela? Ela vai deixar de se sentir livre, vai se tornar
angustiada. Se ela tem alguma esperança, vai procurar outro quadro de referência fora do
lar. A criança cujo lar não ofereceu um sentimento de segurança busca as quatro
paredes fora de casa, ela recorre aos avós, tios, amigos da família e escola. Ela
procura uma estabilidade externa porque sem essa estabilidade ela pode enlouquecer.
➢ Se essa estabilidade for fornecida, a criança vai passar de um estado de dependência para
independência.
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➢ O que a criança antissocial está fazendo é recorrer à sociedade em vez de recorrer à
família ou a escola para fornecer a estabilidade que ela precisa.
➢ Quando a criança rouba, está procurando a mãe, e ao mesmo tempo, a autoridade paterna
que pode por um limite ao seu comportamento impulsivo, na atuação das ideias que ela tem
quando está excitada.
➢ Na delinquência persistente, as coisas são mais difíceis porque existe o tempo todo a
necessidade aguda do pai rigoroso, severo, que proteja a mãe. E quando a figura paterna
forte está em evidência, a criança pode recuperar os impulsos primitivos de amor, o
sentimento de culpa e o desejo de se corrigir.
➢ Porém, a maioria dos delinquentes são, em certa medida, pessoas doentes. A palavra
doença, nesse caso, se torna apropriada porque o sentimento de segurança não chegou na
vida da criança no tempo certo para que pudesse ser incorporado às crenças dela. Ela
pratica transgressões contra a sociedade (sem saber o que está fazendo), com o objetivo de
restabelecer o controle que vem do exterior.
➢ Entre a criança normal e a antissocial, existe a criança que pode ainda acreditar na
estabilidade se houver uma experiencia contínua de controle durante um período de anos.
Assim, uma criança de 6 ou 7 anos tem mais possibilidade de se beneficiar dessa ajuda do
que uma de 10 ou 11 anos, por exemplo.
➢ A criança privada da vida familiar pode ser tratada de duas maneiras: por psicoterapia
pessoal ou pelo oferecimento de um ambiente estável e forte, com assistência e amor, e
sem o fornecimento desse ambiente, a psicoterapia dificilmente vai ter êxito. E se houver um
lar substituto adequado, talvez a psicoterapia não seja necessária. E se tudo correr bem, a
criança vai se tornar apta a se controlar e a controlar suas relações com os outros.
➢ Existe uma relação direta entre tendência antissocial e privação. Quando existe uma
tendência antissocial, houve um desapossamento e não uma simples carência, ou seja,
houve a perda de algo que foi bom no começo e essa perda durou muito tempo e não
permitiu que a criança mantivesse viva a lembrança da experiência boa.
➢ Existem duas direções na tendência antissocial, o roubo, em que a criança procura alguma
coisa em algum lugar, e não encontrando, busca em outro lugar, quando tem esperança; e
a destrutividade, na qual a criança está procurando a estabilidade ambiental que suporte a
tensão resultante do comportamento impulsivo, buscando o suprimento ambiental que ela
perdeu. Ela busca uma reação total da sociedade, como se estivesse buscando uma
moldura, um circulo que teve como primeiro exemplo os braços ou o corpo da mãe.
➢ A união das duas tendências, tanto ao roubo quanto à destruição, está na criança e
representa uma tendência para a AUTOCURA, cura de uma dissociação de instintos. A
manifestação da tendência antissocial inclui roubo, mentira, incontinência de uma conduta
desordenada, e boa parte da motivação é inconsciente, mas não toda.
➢ Na base da tendência antissocial está uma boa experiência inicial que foi perdida, então a
causa é uma falha ou omissão ambiental. E quando houve essa perda, o estágio de
maturidade do ego já possibilitou uma percepção, e por isso, o resultado foi a tendência
antissocial em vez de uma doença psicótica. Tudo indica que o momento da privação
original acontece quando o ego do bebê ou da criança pequena está em processo de
fusão das raízes libidinais e agressivas no id.
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➢ A psicologia da separação – a doença não resulta da perda, mas da ocorrência da perda
num estágio de desenvolvimento emocional que a criança ainda não tem capacidade para
ter uma reação madura diante dessa perda.
➢ O ego imaturo não pode sentir a perda e não pode fazer o luto, porque o luto, por ser um
processo muito complexo, implica maturidade. Ou seja, a perda que aconteceu está além da
capacidade imatura do ego da criança. Dessa forma, o estágio de desenvolvimento do ego
quando ocorreu a perda é muito importante, porque se foi mais próximo da existência da
capacidade de luto, existe mais esperança de que a criança possa ser ajudada. Mas quando
foram invocados mecanismos muito primitivos para lidar com essa perda, a ajuda fica mais
difícil.
➢ A luta para superar depressões – só existe uma cura para os problemas da adolescência:
o amadurecimento. O processo não pode ser acelerado. O adolescente tem que enfrentar
as mudanças que são próprias dessa fase da vida e a forma como ele lida com essas
mudanças se baseia, em grande parte, no padrão que foi organizado na infância.
TERCEIRA PARTE
O SUPRIMENTO SOCIAL
➢ Começa com uma correspondência entre Winnicott e um magistrado que tem algumas
dúvidas sobre o que fazer no caso de adolescentes que cometem roubos, por exemplo.
Winnicott responde dizendo que quando o lar é bom, ele deve ser mantido. Em alguns casos
ele pode precisar de um inspetor de liberdade condicional, quando o lar não é tão bom assim,
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para representar o que está faltando nesse lar: o amor apoiado na força da lei. Mas quando
o lar da criança não é bom, mesmo com a ajuda do inspetor não é conveniente que ela
permaneça. Aí ela vai precisar ser colocada em um bom lar ou em um alojamento onde ela
possa receber o amor e a gestão vigorosa da qual ela tem necessidade (e ele aconselha
que o magistrado se envolva na organização e na administração desses alojamentos).
➢ Parte das crianças que chega ao tribunal já está em um ponto que no alojamento é
impossível lidar com elas. Nesse caso elas têm que ser submetidas a um controle mais
rígido.
A criança desapossada e como ela pode ser compensada pela falta de vida familiar –
➢ Avaliação da privação – para descobrir a melhor forma de ajudar uma criança, é preciso
descobrir primeiro o montante de desenvolvimento emocional normal que foi propiciado no
começo por um ambiente suficientemente bom nas relações mãe e bebê e nas relações
triangulares; depois, tem que tentar avaliar o dano causado pela privação, quando começou
e como persistiu. A história do caso é importante. A avaliação não é feita com base nos
sintomas da criança ou no valor do incomodo que ela causa.
➢ Uma criança vítima de privação está doente e seria simplismo imaginar que um
reajustamento ambiental provocaria uma reviravolta no estado dela. Na melhor das
hipóteses, essa criança vai começar a melhorar e quando passar de um estado de doente
para menos doente, ela vai se tornar cada vez mais capaz de se enfurecer com as privações
que ela passou. O ódio pelo mundo está em algum lugar dentro dela, e enquanto esse ódio
não for sentido não pode haver saúde, e o resultado favorável só vai acontecer quando tudo
tiver acessível ao eu consciente da criança, mas raramente isso acontece.
➢ Quando a privação ocorre em cima de uma experiência anterior satisfatória, algo desse tipo
pode acontecer e o ódio pertinente à privação pode ser alcançado.
➢ Para ajudar a criança antissocial: como os atos antissociais são tentativas de recuperação
ambiental e indicam esperança, a criança antissocial precisa de um ambiente
especializado que tenha um objetivo terapêutico e isso precisa ser feito por anos para que
seja eficaz enquanto terapia. A criança precisa adquirir confiança nesse ambiente, na
estabilidade dele.
➢ Alguém vai ter que cuidar da criança, e quem vai oferecer esse cuidado precisa ser uma
pessoa certa, adequada, porque ela terá que fornecer assistência em tempo integral.
➢ Quando a criança é colocada em um lar adotivo, e esses lares têm objetivos terapêuticos.
No começo ela pode parecer bem, mas depois ela pode manifestar comportamentos de ódio,
inclusive contra os pais adotivos. Os pais podem ajudar absorvendo essa onda de
sentimentos negativos e sobrevivendo a elas, assim vão se aproximar cada vez mais de uma
nova e mais segura relação com a criança.
➢ Nos grandes alojamentos, as crianças não estão sendo tratadas com o objetivo de cura, os
objetivos são prover um teto, alimento, roupas, enfim, as condições básicas, criar um tipo de
vida em que elas tenham ordem em vez de caos e também tentar impedir que exista um
choque entre a criança e a sociedade, até que ela seja solta no mundo por volta dos 16 anos
de idade. Para alguns tipos de criança que Winnicott chama de loucas (embora ele diga que
não se deve usar esse termo), a instituição mais adequada seria um hospital psiquiátrico
especializado.
➢ Nesse processo, existe a importância das experiências instintivas, mas também do ambiente
suficientemente bom, da capacidade da mãe em se identificar com o bebê, e só a partir disso
é que ele pode chegar ao EU SOU. Antes da integração não existe o eu e o outro, o interno
e o externo, e depois da integração sim, aí o bebê começa a ter um eu, ele atinge a unidade
humana integrada.
➢ Sobre a punição - ela tem pouco valor porque a pessoa que vai ser punida não tem
condições de extrair algo bom da punição. A punição só tem valor quando traz à vida uma
figura paterna forte, amada e confiável, para uma pessoa que perdeu exatamente isso. E
toda e qualquer outra punição consiste em simplesmente numa expressão de uma carga de
vingança inconsciente da sociedade.
➢ Uma delas é que o único ambiente que pode lidar com elas adequadamente é o
estabelecimento residencial; e outra é que elas trazem uma baixa quantidade de ambiente
interno, ou seja, de uma experiência de provisão ambiental suficientemente boa que tenha
sido incorporada em um sistema de crenças.
➢ Outra coisa: na assistência residencial, há uma fase em que a criança é candidata a “bode
expiatório”. Ela passa a ser vista como o grande problema, de forma que as pessoas
pensam “ah se a gente pelo menos pudesse se livrar daquela criança tudo ficaria bem”. E
esse é o momento crítico. A tarefa, nesse momento, não é curar o sintoma ou pregar a
moralidade ou então oferecer algum suborno. A tarefa principal nesse momento é
SOBREVIVER e isso significa, além de continuar vivendo, que o ambiente não será
provocado à retaliação.
QUARTA PARTE
TERAPIA INDIVIDUAL
2 – Psicóticos – aqui, algo aconteceu de errado quanto aos primeiros cuidados e o resultado foi
uma perturbação na estrutura básica da personalidade. Houve um fracasso nos cuidados com o
bebê. As pessoas dessa categoria nunca chegaram a ser suficientemente saudáveis para serem
enquadrados na categoria psiconeurótica. O TRATAMENTO DESSE PACIENTE PRECISA
PROPORCIONAR A OPORTUNIDADE DE TER EXPERIÊNCIAS QUE PERTENCEM AO INÍCIO
DA INFÂNCIA, EM CONDIÇÕES DE EXTREMA DEPENDÊNCIA. E isso não é proporcionado só
pelo psicoterapeuta, mas pode ser pela enfermagem, assistência social, família... É preciso que se
organize um complexo de sustentação.
3 – Pacientes intermediários – são aqueles que começaram suficientemente bem, mas em algum
ponto, o ambiente ficou ruim e o mais comum é que se vejam, nesses casos, as atitudes
antissociais. O TRATAMENTO PRECISA SER ADAPTADO AO FATO DE QUE ESSES
PACIENTES TIVERAM ESSA HISTÓRIA DE PRIVAÇÃO, e como pessoas, eles podem ser
normais, neuróticos ou psicóticos, mas isso vai ser difícil de discernir. O que esse paciente precisa
é de um reconhecimento pleno e um pagamento integral. A terapia só vai funcionar se o paciente
tiver no início da carreira antissocial, antes que se estabeleçam os ganhos secundários e as
habilidades delinquentes.
2 – Aqueles que são meramente destinados a GUARDAR a criança (e esse pode funcionar se for
administrado de forma rigorosa)
➢ O distúrbio de caráter se refere mais à uma distorção da personalidade inata, que resulta
dos elementos antissociais que essa personalidade tem.
➢ O TRATAMENTO, nos casos mais benignos, pode ser proporcionado pelo MEIO
AMBIENTE, porque a causa foi uma deficiência ambiental na área de apoio e proteção ao
ego dessa pessoa durante o estágio de dependência.
1 – Fazer uma dissecação, até chegar à doença que está escondida e se manifesta na
distorção de caráter
3 – A análise, que leva em consideração tanto a distorção do ego como a exploração pelo
paciente das pulsões do id, durante as tentativas de autocura.
➢ É preciso lembrar que ele se encontra em estado de dependência e precisa de apoio ao ego
e de administração ambiental no contexto do tratamento. A fase seguinte precisa ser um
período de crescimento emocional na qual o caráter se constrói positivamente e perde suas
distorções.
➢ Para que a psicoterapia seja bem sucedida, o paciente deve ser visto enquanto passa pelas
fases difíceis de comportamento antissocial
➢ Em resumo: a psicanálise pode ser bem sucedida nesses casos, mas podem acontecer
algumas dificuldades.
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