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PRIVAÇÃO E DELINQUÊNCIA

Donald W. Winnicott

Alguns recortes importantes para revisão

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Curso preparatório para o concurso de Psicólogo Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - 2022
PRIMEIRA PARTE

CRIANÇAS SOB ESTRESSE: EXPERIÊNCIA EM TEMPO DE GUERRA

➢ Evacuação de crianças pequenas sem as mães envolve sérios problemas psicológicos

➢ Um fator externo que causa delinquência persistente é a separação prolongada entre uma
criança e a mãe (separação de 6 meses ou mais, durante os 5 primeiros anos de vida).

➢ Criança de qualquer idade ficará triste ao deixar o lar, mas para crianças menores, isso vai
significar muito mais do que uma experiência de tristeza: pode significar um BLACKOUT
EMOCIONAL e levar a um distúrbio grave do desenvolvimento da personalidade.

➢ O fato de a criança não reconhecer a mãe quando ela volta para casa após um período de
afastamento, representa que houve um dano radical e o caráter da criança foi seriamente
deformado.

➢ Quanto menor a criança, maior o perigo de separá-la da mãe (haverá dificuldade para manter
viva dentro dela a ideia de uma pessoa, portanto, pouco tempo depois da separação, essa
pessoa estará morta pra ela)

➢ A unidade familiar é mais do que uma questão de conforto e conveniência. Ela proporciona
uma segurança indispensável à criança. A ausência dessa segurança trará consequências
ao desenvolvimento emocional, gerando danos à personalidade e ao caráter.

➢ Evacuação afeta também os pais. Pais que tiveram os filhos evacuados podem ter
dificuldades em receber o filho de volta, porque eles podem ter organizado os interesses e
as ansiedades deles pra lidar com o ambiente de paz e silêncio, onde a criança não existe.

➢ Crianças que se adaptavam muito facilmente aos lares adotivos não estavam
necessariamente bem (isso poderia ser uma aceitação artificial daquelas condições), porque
o mais comum nessa experiência era a criança demorar um tempo para se adaptar à
mudança.

➢ A criança tinha motivos para estar angustiada, afinal estava longe de casa e dos pais

➢ Algumas reações da criança naquele novo lar eram normais e esperadas, por exemplo,
enurese, dor, irritação, hábitos desagradáveis como bater a cabeça, e quando se reconhece
que por trás desses comportamentos existe a angústia na criança, percebe-se que qualquer
forma de punição é inútil, pois a criança só poderá ser ajudada com demonstrações de amor
e compreensão.

➢ O retorno da criança evacuada ao seu lar de origem – variação nos comportamentos.


Algumas simplesmente voltam para casa e se instalam com desenvoltura; já outras, se
adaptaram tão bem ao lar adotivo que a ordem de voltar pra casa vai ser recebida como um
choque; e entre esses dois extremos acontece todo tipo de problema. Aparentemente a

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solução é mais fácil naqueles casos em que os pais foram capazes de mante relações
amigáveis com os pais adotivos, e isso nem sempre é fácil.

➢ Aspecto detestável da evacuação: os pais se veem obrigados a se desinteressar pelo que


estava acontecendo com os filhos, porque se eles se mantivessem apegados e procurassem
manter a responsabilidade, viveriam num inferno. Além disso, eles iriam enfraquecer o senso
de responsabilidade que estava começando a se desenvolver nos pais adotivos. A única
coisa que a mãe poderia fazer diante da ausência da criança era preencher a mente com
outros interesses...porque a criança partiu, mas deixou um buraco na vida da mãe. Aí com
o passar do tempo, essa lacuna foi sendo preenchida com coisas que não diziam respeito
ao filho. Por isso, quando as crianças voltam para casa, não irão necessariamente se
encaixar nos mesmos buracos que elas deixaram antes de partir, pela simples razão que o
buraco desapareceu, foi preenchido com outra coisa. A mãe e o filho acabam se tornando
capazes de se arranjar um sem o outro e quando eles se reencontram, têm que começar a
conhecer de novo um ao outro, e isso é um processo lento.

➢ Expectativa da criança durante o período de separação: a criança idealiza o lar que deixou
(ideias que perdem o contato com a realidade). Quando ela chega de volta, com essas
expectativas fantasiosas, sofre uma desilusão e ao mesmo tempo redescobre que tem um
lar, que é dela. A criança vai precisar de um tempo para se sentir livre nesse ambiente.

➢ Quando ela se sente livre no lar, também se sente livre para fazer birra, desperdiçar comida,
etc. É até possível que ela tente fazer um pequeno roubo, para testar se é verdade que a
mãe é realmente mãe dela. E tudo isso é sinal de avanço no desenvolvimento da
criança, é o primeiro estágio de um sentimento de segurança.

➢ Por mais simples que seja o lar de origem da criança, esse lar sempre vai valer mais para
ela do que qualquer outro lugar, porque o mais importante de um lar é a responsabilidade
que os pais assumem pelo desenvolvimento do filho

➢ Para uma criança descobrir a parte mais profunda de sua natureza, alguém vai ter que ser
desafiado, e algumas vezes até detestado, e provavelmente essas pessoas serão os pais.
Quem mais a criança poderia detestar e desafiar, sem o perigo de um rompimento completo
do relacionamento?

➢ No regresso da criança, aqueles pais que conseguiram manter um lar coeso podem começar
a trabalhar na reparação do dano que a separação causou. E esse regresso significa que
vai ter menos recompensas imediatas pros pais, e que os pais vão ter que ser capazes de
mostrar força e firmeza nas atitudes deles, e ao mesmo tempo, compreensão e amor.

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Tratamento em regime residencial pra crianças difíceis:

➢ No início da evacuação, as crianças foram enviadas para lares de pessoas comuns. Logo
se tornou evidente que algumas dessas crianças não se adaptavam a esses lares, e que
alguns desses lares também não eram adequados para cuidar das crianças.

➢ Enquanto algumas voltaram para casa, outras permaneceram nos alojamentos e seriam
insuportáveis se não recebessem algum tipo de tratamento especial. Winnicott e Claire foram
responsáveis por elaborar um plano para esse tipo de trabalho.

➢ Surgiu um colapso que resultou em comportamentos antissociais. Vários sintomas eram


observados nas crianças que fracassaram na adaptação: enurese noturna e incontinência
fecal (mais comum), até roubos, queima de feno, depredação de trem, evasão escolar, fuga
dos alojamentos, ligações com soldados, fases depressivas, crises de mau humor,
comportamento excêntrico e insano, deterioração da personalidade, falta de interesse pelas
roupas e higiene pessoal. E qualquer esforço de enquadrar isso em um quadro
sintomático era inútil do ponto de vista de diagnóstico, porque era uma mera evidência
de dificuldades que surgiram em resultado do fracasso do novo lar adotivo. Dessa
maneira, não poderia ser reconhecido como doença psicológica diante daquele
contexto anormal de evacuação.

➢ A reação inicial das autoridades diante dessas crianças problemáticas era dar atendimento
psicológico individual e providenciar alojamentos onde elas pudessem ficar, já que não iriam
ficar nos lares adotivos.

➢ Ficou claro que esses alojamentos precisariam de organização e de gestão, e essa gestão
já era, por si mesma, uma terapia. Os alojamentos passaram então a ser organizados
como residências para as crianças evacuadas que demonstravam dificuldades especiais.

➢ Para o tratamento, inicialmente, pensou-se em trabalhar com a criança de forma que ela se
tornasse apta a novamente ser colocada em um lar adotivo, porém, isso seria subestimar a
gravidade do problema. Essas crianças, na grande maioria, vinham de lares instáveis e não
tinham exemplos de um bom ambiente, então, elas tinham razões pessoais pra não achar
que os bons alojamentos fossem realmente bons. Elas não precisavam de um substituto
para seu próprio lar, mas sim de experiências de um lar primário que fosse satisfatório.

➢ Experiência de lar primário: viver a experiência de um ambiente adaptado às necessidades


especiais da criança, com alguém específico voltado para suas necessidades. Para isso, o
alojamento precisaria de uma estabilidade de anos. Além disso, os resultados que essa
experiência traria, não seriam tão bons quanto poderia ter sido em bons lares
primários. O êxito desse trabalho nos alojamentos era considerado em termos de reduzir
o fracasso do próprio lar da criança.

➢ A ideia terapêutica central desse plano era proporcionar estabilidade, oferecer um ambiente
estável, para que as crianças pudessem conhecer, testar e aos poucos pudessem confiar
nesse ambiente. O objetivo maior era fornecer estabilidade para as crianças e para o pessoal
que cuidava dos alojamentos. Para que existisse uma gestão residencial eficaz, os
funcionários tinham que permanecer lá trabalhando por bastante tempo, então era preciso
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também valorizar essas pessoas em todos os aspectos, porque é a natureza permanente
do lar que torna ele valioso, mais do que o fato de que o trabalho seja realizado com
inteligência.

➢ Algumas crianças não se beneficiariam daquele regime terapêutico residencial – eram


aquelas que tinham comportamento bizarro ou desligado. As crianças desse tipo
precisariam de psicoterapia pessoal, e mesmo assim era muito difícil, existiam poucas
instituições satisfatórias pra aquele tipo de criança.

➢ A reação usual de uma criança colocada num bom alojamento pode ser descrita como tendo
3 fases:

1 - A criança demonstra um comportamento normal – é um breve período de bom


comportamento que quase todas as crianças passam, e é o momento que a criança idealiza os
supervisores, ela enxerga neles aquilo que para ela é um bom pai ou uma boa mãe.

2 – Colapso do ideal – a criança começa testar; primeiro fisicamente, então descobre que
pode ser fisicamente controlada, porque o lugar e as pessoas não tem o que temer em relação
a ela fisicamente; então passa a testar de forma mais sutil, jogando as pessoas umas contra a
outras e fazendo com briguem. Quando um alojamento está sendo administrado de maneira
insatisfatória, essa segunda fase vira uma constante. Mas se o alojamento passa sem
problemas por esses testes, vem a terceira fase:

3 – A criança se acalma, dá um suspiro de alívio e adere à vida do grupo como um


membro comum. Começa a construir a confiança e a crença nessas pessoas e nela mesma.

➢ A preservação da lei e da ordem é fundamental nos alojamentos porque representa


um alívio pra criança, significa que a vida no alojamento e as coisas boas vão ser
preservadas, mesmo com tudo de ruim que ela possa fazer.

➢ Após o fim da guerra, Winnicott foi contratado pra trabalhar em cinco alojamentos de crianças
difíceis, e ele conheceu profundamente 285 crianças, observou a maioria delas num período
de vários anos. Ele classificou essas crianças em duas categorias:

1 – As que não tiveram um lar ou que os pais não conseguiram estabelecer bases para o
desenvolvimento delas;
2 – As que tinham um lar, mas nele um pai ou uma mãe mentalmente doente.

➢ O ambiente frustrou essas crianças, e por isso, elas precisavam de estabilidade ambiental,
cuidados individuais e continuidade desses cuidados. O tratamento consistia em
oferecer aquilo que os próprios lares não foram capazes de dar, e para isso era essencial
uma equipe adequada.

➢ Para crianças antissociais, era inútil só a psicoterapia. A primeira coisa que tinha que ser
providenciada é que a criança fosse alojada, de forma adequada à condição dela (criança
certa no alojamento certo). E em muitos casos, o alojamento, por si só, já funciona como
terapia. A psicoterapia poderia ser acrescentada, mas com muito tato.
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SEGUNDA PARTE

NATUREZA E ORIGENS DA TENDÊNCIA ANTISSOCIAL

➢ Amor e ódio são os dois principais elementos que constituem as relações humanas, e os
dois envolvem agressividade. Por outro lado, a agressão pode ser um sintoma de medo.
Para ele, todo bem e todo mal do mundo são encontrados no âmago do ser humano. No
bebê, pode ser encontrado amor e ódio com plena intensidade humana.

➢ De todas as tendências humanas, a agressividade é aquela que é escondida, disfarçada,


desviada, e costuma ser atribuída a agentes externos, e quando ela se manifesta é sempre
difícil identificar as origens.

➢ O comportamento agressivo de uma criança nunca é uma questão exclusiva de emergência


dos instintos agressivos primitivos.

➢ O ÓDIO EXISTE NO ÍNTIMO DO SER HUMANO. Exemplo: menino de 2 anos que mordia
as pessoas até arrancar sangue, e depois, ficava triste. Ele atacava as pessoas que mais
gostava, principalmente a avó. A mãe achava que a criança só mordia quando estava muito
excitada e não sabia o que fazer com aquela excitação (e Winnicott acha que ela tem razão).
Isso é um exemplo de agressão primária, e o remorso que ele sentia depois era uma forma
de proteger a pessoa que ele amava de um dano concreto.

➢ Outro exemplo que ele dá é de um bebê que morde o seio da mãe. O bebê faz isso quando
está EXCITADO, não quando está frustrado.

➢ Se for admitido que o bebê pode machucar e que ele sente um impulso pra isso, é preciso
admitir também que existe uma inibição dos impulsos agressivos, facilitando a proteção
daquilo que é amado e está em perigo.

➢ Pouco tempo depois de nascer, os bebês já diferem quanto ao grau que manifestam ou
escondem a expressão dos sentimentos. É saudável para um bebê que ele tenha se
encolerizado com frequência em uma idade na qual ele não precisa sentir remorso,
porque se ele se encolerizar pela primeira vez com 18 meses, por exemplo, isso vai ser
aterrador para ele.

➢ O bebê tem essa grande capacidade para destruição, mas também uma grande capacidade
para proteger o que ele ama de própria destrutividade dele, e a principal destruição existe
sempre na fantasia do bebê.

➢ E quanto a essa agressividade instintiva, NO COMEÇO ELA NÃO ESTÁ A SERVIÇO


DO ÓDIO, ela é orginalmente uma parte do apetite, ou de alguma outra forma de amor
instintivo. É algo que surge durante a excitação, e o exercício é agradável ao bebê.

➢ O objetivo do bebê é a satisfação e a paz de corpo e de espírito. A satisfação gera essa paz,
mas o bebê percebe que, para se sentir gratificado, ele põe em perigo o que ama.
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➢ Normalmente, ele chega a uma conciliação e se permite ter uma satisfação e ao mesmo
tempo, ele evita ser muito perigoso. E aí ele se frustra e deve odiar alguma parte de si
mesmo, a menos que possa encontrar alguém fora de si mesmo para frustrá-lo, e que esse
alguém suporte ser odiado.

➢ No interior da personalidade da criança existe um jogo de forças destrutivas, as forças


boas e más tão em operação, e ser capaz de tolerar tudo o que pode ser encontrado na
nossa realidade interior é uma das grandes dificuldades humanas, e um dos grandes
objetivos humanos é o de estabelecer relações harmoniosas entre a realidade interna e as
externa.

➢ Quando essas forças destrutivas ameaçam dominar as forças de amor, a pessoa tem
que fazer alguma coisa pra se salvar, e uma das coisas que ela faz é por pra fora seu
íntimo. ela dramatiza exteriormente o mundo interior dela, e assim ela vai provocar um
controle por uma autoridade externa. É dessa forma que o CONTROLE pode ser
estabelecido, na fantasia dramatizada, sem que exista uma sufocação dos instintos,
porque o controle interno, se fosse aplicado, poderia resultar em depressão.

➢ A AGRESSÃO tem dois significados: por um lado, ela é uma REAÇÃO À FRUSTRAÇÃO; e
por outro, é uma das FONTES DE ENERGIA da pessoa.

➢ Todos os indivíduos são semelhantes na sua essência, apesar dos fatores hereditários
serem diferentes, ou seja, existem certas características na natureza humana que se podem
encontrar em TODAS AS CRIANÇAS E EM TODAS AS PESSOAS DE QUALQUER IDADE.
As aparências podem variar, mas existem denominadores comuns nos problemas humanos.
Pode ser que uma criança tenda a ser mais agressiva e outra nunca tenha manifestado
agressividade, embora elas tenham o mesmo problema. O que acontece é que essas duas
crianças estão lidando de maneiras distintas com as cargas de impulsos agressivos que elas
têm.

➢ Início da agressividade no ser humano → movimentos do bebe, que acontecem até antes
do nascimento (chutes). Uma parte da criança se movimenta e dá de encontro com alguma
coisa, e o bebê, seja recém-nascido ou antes de nascer, ainda não é uma pessoa que possa
ter uma razão clara pra uma ação.

➢ Em toda criança há essa tendência para se movimentar e alguma espécie de prazer


muscular no movimento. Essas primeiras pancadas infantis levam a criança a uma
descoberta do mundo que não é o eu da criança, e ao começo de uma relação com os
objetos externos. O que logo vai ser um comportamento agressivo não passa, no início,
de um impulso simples, que leva a criança a um movimento e aos primeiros passos
de uma exploração. A AGRESSÃO ESTÁ SEMPRE LIGADA, DESTA MANEIRA, AO
ESTABELECIMENTO DE UMA DISTINÇÃO ENTRE O QUE É O QUE NÃO É O EU.
➢ Embora no desenvolvimento do recém-nascido existam os gritos e os movimentos, e isso
seja agradável a ele, esses movimentos não têm um significado claramente agressivo,
porque a criança ainda não está devidamente organizada como pessoa.

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➢ A agressão é uma força inerente ao ser humano, e por trás dela, está a destruição
mágica, que caminha lado a lado com a criação mágica.

➢ A destruição primitiva ou mágica de todos os objetos está ligada ao fato de que para a
criança, o objeto deixa de se parte de mim para ser “NÃO-MIM”, deixa de ser um fenômeno
subjetivo para ser percebido objetivamente. Geralmente essa mudança ocorre por
gradações sutis. Quando a mãe acompanha a criança, com sensibilidade, ela vai dar tempo
ao filho para que ele adquira todas as formas de lidar com o choque de reconhecer a
existência de um mundo fora do seu controle mágico.

➢ Dando-se tempo para os processos de maturação, a criança se tornará capaz de ser


destrutiva e de odiar, agredir e gritar, em vez de aniquilar magicamente o mundo. Dessa
maneira, a AGRESSÃO CONCRETA É UMA REALIZAÇÃO POSITIVA. Em comparação
com a destruição mágica, as ideias e o comportamento agressivos adquirem valor positivo
e o ódio vai se converter num sinal de civilização

➢ É necessária uma participação adequada da mãe para que a criança alcance a saúde e
capacidade para deixar de lado o controle e a destruição mágicos e para desfrutar da
agressão

➢ O desenvolvimento da capacidade de envolvimento - A palavra envolvimento é usada


para cobrir de modo positivo um fenômeno que é coberto, de modo negativo, pela palavra
culpa. Um sentimento de culpa é a angústia vinculada ao conceito de ambivalência, e implica
um grau de integração no ego individual, que permite a retenção da imago do objeto bom,
ao lado da ideia de sua destruição.

➢ O envolvimento implica maior integração e crescimento e se relaciona de modo positivo


com o senso de responsabilidade do indivíduo, especialmente com o respeito às relações
em que se introduziram pulsões instintuais.

➢ O envolvimento se refere ao fato de uma pessoa se preocupar ou se importar e tanto


sentir como aceitar responsabilidade e ela está por trás de todo trabalho e brincar
construtivos.

➢ A capacidade de envolvimento emerge no começo do desenvolvimento emocional da


criança, num período anterior ao do complexo de édipo clássico. O desenvolvimento
depende de um ambiente suficientemente bom.

➢ A capacidade de envolvimento é uma questão de saúde, que uma vez estabelecida,


pressupõe uma complexa organização do ego, que só pode ser concebida como uma
proeza, uma proeza dos cuidados proporcionados ao bebê e à criança, e uma proeza dos
em termos dos processos de crescimento interno.

➢ Foi alcançada a ambivalência quando o bebê se torna capaz de combinar a experiencia


erótica e agressiva em relação a um único objeto. Ela se tornou capaz de experimentar a
ambivalência em fantasia. Além disso, a criança está começando a se relacionar com objetos

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que são cada vez menos fenômenos subjetivos e cada vez mais elementos “não-mim”
objetivamente percebidos.

➢ Ela começou a estabelecer um eu, e a mãe se tornou um objeto total. O ego começa a ser
independente do ego auxiliar da mãe. A partir de agora ele possui uma vida psicossomática.
E o que vai levar ao desenvolvimento da capacidade de envolvimento é o aprimoramento
da ambivalência.

➢ Winnicott postula a existência para a criança de duas mães: a mãe-objeto e mãe-ambiente.


Esses termos servem para descrever A DIFERENÇA QUE EXISTE, PARA A CRIANÇA,
ENTRE DOIS ASPECTOS DOS CUIDADOS MATERNOS COM O BEBÊ (são os tipos de
relações que o bebê desenvolve com a mãe):

1 – Mãe-objeto – “COISA” - é a mãe detentora do objeto parcial, que pode satisfazer as


necessidades urgentes do bebê; alvo para a experiência excitada, apoiada pela rudimentar
tensão do instinto.

2 – Mãe-ambiente – HUMANA - afasta o imprevisível e cuida ativamente da criança.


Recebe a afeição. O bebê a sente quando ela é capaz de se colocar na pele dele e se apresentar
como um ambiente seguro.

➢ A TESE DE WINNICOTT É QUE O ENVOLVIMENTO SURGE NA VIDA DO BEBÊ COMO


UMA EXPERIÊNCIA COMPLICADA DA INTEGRAÇÃO, NA MENTE DA CRIANÇA, DA
MÃE-OBJETO COM A MÃE-AMBIENTE.

➢ Em circunstâncias favoráveis, quando o bebê atingiu o estágio necessário de


desenvolvimento pessoal, acontece uma nova fusão. Em primeiro lugar, há a experiencia
plena, e a fantasia, de relacionamento com o objeto baseado no instinto, sendo que o objeto
é usado sem que se levem em conta as consequências, é usado implacavelmente.

➢ E, ao mesmo tempo, há o relacionamento mais tranquilo do bebê com a mãe-ambiente.


Essas duas coisas se integram. O resultado é complexo. A criança está se tornando capaz
de se envolver, de assumir a responsabilidade por seus próprios impulsos instintuais e pelas
funções ligadas a eles.

➢ Para que se desenvolva a capacidade de envolvimento, a presença contínua da mãe tem


valor específico para o bebê

➢ A ausência de um sentimento de culpa – até que ponto o código moral é ensinado e em


que medida ele é inato? Refletindo sobre isso, Winnicott se depara com a existência de duas
escolas de pensamento que são muito diferentes:

(1) Não podemos correr riscos. Como sabemos que existem fatores inatos na criança em
desenvolvimento, tendentes para a aquisição de um sentimento de certo e errado?
Precisamos plantar um código moral no solo virgem, e fazê-lo antes que a criança tenha
idade suficiente para resistir ao que fazemos.

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(2) A única moralidade que conta é aquela que vem do próprio indivíduo. É melhor aguardar
até que, por processos naturais, cada criança passe a ter um sendo de certo e errado que
seja pessoal.

➢ O que agrada Winnicott é pensar que a moralidade vinculada à submissão tem pouco
valor. É o senso de certo e errado de cada criança que esperamos encontrar em
desenvolvimento, ao lado de tudo o mais que se desenvolve por causa dos processos
herdados

➢ Assim como um bebê ou criança pequena torna-se às vezes uma coisa total, uma unidade,
um integrado, alguém eu poderia dizer “eu sou”, também ocorre um estado de coisas pelo
qual existe um senso de responsabilidade pessoal.

➢ Quando, nas relações, a criança tem o impulso, morde (ou talvez coma um biscoito) e tem
a ideia de estar comendo o objeto (por exemplo o seio da mãe), e depois sente culpa, daí
resulta o impulso para ser construtivo.

➢ Se o sentimento de culpa da criança está ausente no padrão, ela não permite o impulso.
Em vez disso, instala-se o medo, e a criança se inibe com relação a todo o sentimento que
naturalmente se constrói em torno desse impulso.

➢ Ausência do sentimento de culpa - Retrocedendo a partir do que Melanie Klein chamou


de POSIÇÃO DEPRESSIVA, que é uma realização do desenvolvimento saudável, Winnicott
chega ao bebê cuja experiência não permitiu a ocorrência de tal estado de coisas. A
inconfiabilidade materna torna vão o esforço construtivo, de modo que o sentimento de culpa
fica intolerável e a criança é pressionada a retroceder para a inibição ou perda do impulso
que é parte do amor primitivo.

➢ Pior: as experiências iniciais não possibilitaram que o processo inato no sentido da


integração se efetuasse, de modo que não existe unidade e nem senso de responsabilidade
total por coisa alguma. Surgem ideias e impulsos que afetam o comportamento.

➢ Ele chama a atenção para o caso da criança afetada pela tendência antissocial, em
processo de se tornar delinquente. Nesse contexto, as pessoas dizem que essa criança não
tem senso moral ou sentimento de culpa. Mas ele refuta essa ideia porque ele não considera
verdadeira. Existe esse estágio anterior à chegada dos ganhos secundários, no qual a
criança se sente louca porque dentro dela vem uma compulsão para roubar e para destruir.
O padrão é o seguinte:

1- As coisas corriam bem para a criança


2- Alguma coisa perturbou essa situação
3- A criança foi exigida além de sua capacidade (as defesas do ego desmoronaram)
4- A criança se reorganizou com base em um novo modelo de defesa do ego, inferior em
qualidade
5- A criança começa a ter esperanças de novo e organiza atos antissociais na esperança de
compelir a sociedade a retroceder com ela para a posição em que as coisas deram errado,
e a reconhecer esse fato
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6- Se isso for feito (seja por um período de complacência ou diretamente numa entrevista
psiquiátrica) então a criança pode voltar ao período que antecedeu o momento da privação
e redescobrir o objeto bom e o bom ambiente humano controlador que, por existir
originalmente, tornou-a capaz de experimentar impulsos, inclusive os destrutivos.

➢ Esse último estágio é difícil de alcançar. Mas por mais difícil que seja, PRECISAMOS
ABANDONAR AS IDEIAS DE QUE CRIANÇAS POSSAM SER INATAMENTE AMORAIS.

➢ Alguns aspectos psicológicos da delinquência juvenil – Winnicott fornece uma descrição


da delinquência que a conecta à privação da vida familiar

➢ Winnicott estava ansioso para que se aplicassem métodos psicológicos na investigação de


casos judiciais e também na orientação de crianças antissociais, e uma ameaça a um avanço
nessa direção é a ATITUDE SENTIMENTALISTA EM RELAÇÃO AO CRIME, porque no
sentimentalismo existe ódio recalcado e mais cedo ou mais tarde, esse ódio vem à tona.

➢ O crime produz sentimentos de vingança pública. E a sugestão dele é que nenhum delito
pode ser cometido sem que haja um acréscimo do fundo comum de sentimentos de vingança
pública.

➢ Um aspecto que interessa a Winnicott: a compreensão do crime como doença psicológica.

➢ Existe algo comum a todos os delinquentes: tudo o que leva as pessoas aos tribunais
tem seu equivalente normal na infância, na relação da criança com seu próprio lar. Se
o lar consegue suportar tudo o que a criança pode fazer pra desorganizá-lo, ela sossega e
vai brincar; mas primeiro ela tem que testar, especialmente se ela tiver alguma dúvida quanto
a estabilidade da instituição parental e do lar. Por que deve ser assim? Porque os estágios
iniciais do desenvolvimento emocional estão repletos de conflitos e desintegrações
potenciais, a relação com a realidade externa ainda não está enraizada; a personalidade
ainda não está bem integrada; o amor primitivo tem um propósito destrutivo e a criança
pequena ainda não aprendeu a tolerar e enfrentar os instintos, mas ela pode conseguir se o
ambiente for estável e pessoal.

➢ No começo, ela tem necessidade absoluta de viver num círculo de amor e força, com a
consequente tolerância para não sentir um medo excessivo dos próprios pensamentos e da
imaginação, e assim conseguir progredir no desenvolvimento emocional.

➢ E o que acontece se o lar faltar para a criança antes de ter adquirido um quadro de referência
como parte da própria natureza dela? Ela vai deixar de se sentir livre, vai se tornar
angustiada. Se ela tem alguma esperança, vai procurar outro quadro de referência fora do
lar. A criança cujo lar não ofereceu um sentimento de segurança busca as quatro
paredes fora de casa, ela recorre aos avós, tios, amigos da família e escola. Ela
procura uma estabilidade externa porque sem essa estabilidade ela pode enlouquecer.

➢ Se essa estabilidade for fornecida, a criança vai passar de um estado de dependência para
independência.

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➢ O que a criança antissocial está fazendo é recorrer à sociedade em vez de recorrer à
família ou a escola para fornecer a estabilidade que ela precisa.

➢ Quando a criança rouba, está procurando a mãe, e ao mesmo tempo, a autoridade paterna
que pode por um limite ao seu comportamento impulsivo, na atuação das ideias que ela tem
quando está excitada.

➢ Na delinquência persistente, as coisas são mais difíceis porque existe o tempo todo a
necessidade aguda do pai rigoroso, severo, que proteja a mãe. E quando a figura paterna
forte está em evidência, a criança pode recuperar os impulsos primitivos de amor, o
sentimento de culpa e o desejo de se corrigir.

➢ A delinquência indica que existe alguma esperança. Quando a criança se comporta de


forma antissocial não existe necessariamente alguma doença, o comportamento
antissocial nada mais é do que um SOS muitas vezes, pedindo o controle de pessoas fortes,
amorosas e confiantes.

➢ Porém, a maioria dos delinquentes são, em certa medida, pessoas doentes. A palavra
doença, nesse caso, se torna apropriada porque o sentimento de segurança não chegou na
vida da criança no tempo certo para que pudesse ser incorporado às crenças dela. Ela
pratica transgressões contra a sociedade (sem saber o que está fazendo), com o objetivo de
restabelecer o controle que vem do exterior.

➢ A criança antissocial, por causa do ambiente externo, não teve a oportunidade de


desenvolver um bom ambiente interno, e aí ela vai precisar de um controle externo pra ser
feliz, ser capaz de brincar e trabalhar.

➢ Entre a criança normal e a antissocial, existe a criança que pode ainda acreditar na
estabilidade se houver uma experiencia contínua de controle durante um período de anos.
Assim, uma criança de 6 ou 7 anos tem mais possibilidade de se beneficiar dessa ajuda do
que uma de 10 ou 11 anos, por exemplo.

➢ A criança privada da vida familiar pode ser tratada de duas maneiras: por psicoterapia
pessoal ou pelo oferecimento de um ambiente estável e forte, com assistência e amor, e
sem o fornecimento desse ambiente, a psicoterapia dificilmente vai ter êxito. E se houver um
lar substituto adequado, talvez a psicoterapia não seja necessária. E se tudo correr bem, a
criança vai se tornar apta a se controlar e a controlar suas relações com os outros.

➢ A tendência antissocial - A defesa antissocial está carregada de ganhos secundários, e no


caso, o tratamento tem que envolver essa assistência ambiental, às vezes até uma
internação especializada, porque só a psicanálise não daria resultado.
➢ Natureza da tendência antissocial – a tendência antissocial não é um diagnóstico. Essa
tendência pode ser encontrada tanto em pessoas normais, como nos neuróticos ou
psicóticos.

➢ Uma criança sofre de PRIVAÇÃO QUANDO FALTAM CERTAS CARACTERÍSTICAS


BÁSICAS DA VIDA FAMILIAR, e assim, se torna manifesto um complexo de privação.
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➢ A tendência antissocial se caracteriza pelo fato de compelir o meio ambiente a ser
importante. O paciente, através das pulsões inconscientes, compele alguém a cuidar dele.

➢ O trabalho do terapeuta é administrar, tolerar e compreender. A tendência antissocial


implica esperança. A falta de esperança é característica básica da criança que sofreu
privação e que não está sendo antissocial o tempo todo.

➢ No período de esperança, a criança manifesta a tendência antissocial. O ato antissocial é


uma expressão de esperança, e o tratamento NÃO é a psicanálise, mas a administração,
uma conduta no sentido de ir ao encontro do momento de esperança e corresponder a ele.

➢ Existe uma relação direta entre tendência antissocial e privação. Quando existe uma
tendência antissocial, houve um desapossamento e não uma simples carência, ou seja,
houve a perda de algo que foi bom no começo e essa perda durou muito tempo e não
permitiu que a criança mantivesse viva a lembrança da experiência boa.

➢ Existem duas direções na tendência antissocial, o roubo, em que a criança procura alguma
coisa em algum lugar, e não encontrando, busca em outro lugar, quando tem esperança; e
a destrutividade, na qual a criança está procurando a estabilidade ambiental que suporte a
tensão resultante do comportamento impulsivo, buscando o suprimento ambiental que ela
perdeu. Ela busca uma reação total da sociedade, como se estivesse buscando uma
moldura, um circulo que teve como primeiro exemplo os braços ou o corpo da mãe.

➢ O furto – o furto está no centro da tendência antissocial e associado à mentira. A criança,


quando furta um objeto, não está desejando aquele objeto, mas sim a mãe, sobre quem ela
tem direito.

➢ A união das duas tendências, tanto ao roubo quanto à destruição, está na criança e
representa uma tendência para a AUTOCURA, cura de uma dissociação de instintos. A
manifestação da tendência antissocial inclui roubo, mentira, incontinência de uma conduta
desordenada, e boa parte da motivação é inconsciente, mas não toda.

➢ Na base da tendência antissocial está uma boa experiência inicial que foi perdida, então a
causa é uma falha ou omissão ambiental. E quando houve essa perda, o estágio de
maturidade do ego já possibilitou uma percepção, e por isso, o resultado foi a tendência
antissocial em vez de uma doença psicótica. Tudo indica que o momento da privação
original acontece quando o ego do bebê ou da criança pequena está em processo de
fusão das raízes libidinais e agressivas no id.

➢ Tratamento – em resumo, o tratamento da tendência antissocial não é a psicanálise. É o


provimento de cuidados que permitam que a criança possa experimentar de novo os
impulsos do id, com possiblidade de testar esses impulsos. É a estabilidade do suprimento
ambiental que funciona como terapia, ou seja, o ambiente vai dar uma nova oportunidade à
ligação egóica, porque foi justamente a falha ambiental no apoio do ego que resultou na
tendência antissocial.

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➢ A psicologia da separação – a doença não resulta da perda, mas da ocorrência da perda
num estágio de desenvolvimento emocional que a criança ainda não tem capacidade para
ter uma reação madura diante dessa perda.

➢ O ego imaturo não pode sentir a perda e não pode fazer o luto, porque o luto, por ser um
processo muito complexo, implica maturidade. Ou seja, a perda que aconteceu está além da
capacidade imatura do ego da criança. Dessa forma, o estágio de desenvolvimento do ego
quando ocorreu a perda é muito importante, porque se foi mais próximo da existência da
capacidade de luto, existe mais esperança de que a criança possa ser ajudada. Mas quando
foram invocados mecanismos muito primitivos para lidar com essa perda, a ajuda fica mais
difícil.

➢ A luta para superar depressões – só existe uma cura para os problemas da adolescência:
o amadurecimento. O processo não pode ser acelerado. O adolescente tem que enfrentar
as mudanças que são próprias dessa fase da vida e a forma como ele lida com essas
mudanças se baseia, em grande parte, no padrão que foi organizado na infância.

➢ O papel do meio ambiente é fundamental nessa fase, para facilitar os processos de


maturação e mesmo que exista esse bom ambiente, o adolescente ainda tem muitos
problemas para lidar

➢ O isolamento – o adolescente é essencialmente um isolado, ele está repetindo uma fase


essencial da infância, é como se o adolescente tivesse que partir de um estado de
isolamento.

➢ Se o adolescente quiser transpor esse estágio de desenvolvimento por um processo natural,


então deve se esperar um fenômeno chamado depressões adolescentes, e isso precisa
ser aceito e tolerado pela sociedade, sem um esforço para curar.

➢ Existe uma estreita relação entre as dificuldades normais da adolescência e a anormalidade


que se pode chamar de tendência antissocial. A diferença não está no quadro clínico
apresentado, mas sim na história, na origem, porque na raiz da tendencia antissocial
sempre vai existir uma privação, ou seja, havia coisas boas, isso foi interrompido e nunca
mais voltou a ser como antes. A criança antissocial está procurando levar o mundo a
reconhecer sua dívida para com ela, está tentando fazer o mundo reconstituir o quadro
de referências dela que desmoronou.

TERCEIRA PARTE

O SUPRIMENTO SOCIAL

➢ Começa com uma correspondência entre Winnicott e um magistrado que tem algumas
dúvidas sobre o que fazer no caso de adolescentes que cometem roubos, por exemplo.
Winnicott responde dizendo que quando o lar é bom, ele deve ser mantido. Em alguns casos
ele pode precisar de um inspetor de liberdade condicional, quando o lar não é tão bom assim,
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para representar o que está faltando nesse lar: o amor apoiado na força da lei. Mas quando
o lar da criança não é bom, mesmo com a ajuda do inspetor não é conveniente que ela
permaneça. Aí ela vai precisar ser colocada em um bom lar ou em um alojamento onde ela
possa receber o amor e a gestão vigorosa da qual ela tem necessidade (e ele aconselha
que o magistrado se envolva na organização e na administração desses alojamentos).

➢ Parte das crianças que chega ao tribunal já está em um ponto que no alojamento é
impossível lidar com elas. Nesse caso elas têm que ser submetidas a um controle mais
rígido.

➢ O alicerce da saúde mental – a base da saúde mental é construída na infância e na


adolescência. O efeito que a separação terá sobre a criança dependerá do grau de
privação e da idade da criança.

➢ A criação IMPESSOAL de crianças tende a produzir personalidades insatisfatórias e até


caracteres antissociais ativos, e quando existe um bom relacionamento entre a criança e os
pais, isso não deve ser interrompido sem que exista um motivo muito forte.

A criança desapossada e como ela pode ser compensada pela falta de vida familiar –
➢ Avaliação da privação – para descobrir a melhor forma de ajudar uma criança, é preciso
descobrir primeiro o montante de desenvolvimento emocional normal que foi propiciado no
começo por um ambiente suficientemente bom nas relações mãe e bebê e nas relações
triangulares; depois, tem que tentar avaliar o dano causado pela privação, quando começou
e como persistiu. A história do caso é importante. A avaliação não é feita com base nos
sintomas da criança ou no valor do incomodo que ela causa.

➢ Uma criança vítima de privação está doente e seria simplismo imaginar que um
reajustamento ambiental provocaria uma reviravolta no estado dela. Na melhor das
hipóteses, essa criança vai começar a melhorar e quando passar de um estado de doente
para menos doente, ela vai se tornar cada vez mais capaz de se enfurecer com as privações
que ela passou. O ódio pelo mundo está em algum lugar dentro dela, e enquanto esse ódio
não for sentido não pode haver saúde, e o resultado favorável só vai acontecer quando tudo
tiver acessível ao eu consciente da criança, mas raramente isso acontece.

➢ Quando a privação ocorre em cima de uma experiência anterior satisfatória, algo desse tipo
pode acontecer e o ódio pertinente à privação pode ser alcançado.

➢ Para ajudar a criança antissocial: como os atos antissociais são tentativas de recuperação
ambiental e indicam esperança, a criança antissocial precisa de um ambiente
especializado que tenha um objetivo terapêutico e isso precisa ser feito por anos para que
seja eficaz enquanto terapia. A criança precisa adquirir confiança nesse ambiente, na
estabilidade dele.

➢ Alguém vai ter que cuidar da criança, e quem vai oferecer esse cuidado precisa ser uma
pessoa certa, adequada, porque ela terá que fornecer assistência em tempo integral.

➢ É preciso também ter em mente o diagnóstico psiquiátrico de cada criança, e esse


diagnóstico só pode ser feito depois de um levantamento cuidadoso da história da criança
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ou depois de um período de observação. É importante avaliar porque cada criança terá que
ser enviada ao lugar certo, se não, certamente haverá um fracasso.

➢ Quando a criança é colocada em um lar adotivo, e esses lares têm objetivos terapêuticos.
No começo ela pode parecer bem, mas depois ela pode manifestar comportamentos de ódio,
inclusive contra os pais adotivos. Os pais podem ajudar absorvendo essa onda de
sentimentos negativos e sobrevivendo a elas, assim vão se aproximar cada vez mais de uma
nova e mais segura relação com a criança.

➢ Nos grandes alojamentos, as crianças não estão sendo tratadas com o objetivo de cura, os
objetivos são prover um teto, alimento, roupas, enfim, as condições básicas, criar um tipo de
vida em que elas tenham ordem em vez de caos e também tentar impedir que exista um
choque entre a criança e a sociedade, até que ela seja solta no mundo por volta dos 16 anos
de idade. Para alguns tipos de criança que Winnicott chama de loucas (embora ele diga que
não se deve usar esse termo), a instituição mais adequada seria um hospital psiquiátrico
especializado.

➢ Os objetos transicionais ou os fenômenos transicionais podem ajudar a criança a


suportar a privação e as frustrações.

➢ Sobre o desenvolvimento: a criança caminha de um estado de dependência para


independência. Antes da integração o bebê é desorganizado; depois que houve a
integração, ele atinge o status de unidade, ele reconhece que “ELE É”.

➢ Nesse processo, existe a importância das experiências instintivas, mas também do ambiente
suficientemente bom, da capacidade da mãe em se identificar com o bebê, e só a partir disso
é que ele pode chegar ao EU SOU. Antes da integração não existe o eu e o outro, o interno
e o externo, e depois da integração sim, aí o bebê começa a ter um eu, ele atinge a unidade
humana integrada.

➢ É impensável que um bebê exista antes da integração sem os cuidados maternos


suficientemente bons. E em relação ao trabalho feito pelos alojamentos, deve ser levada em
consideração o grau de integração que essa criança tem, porque quando ela tem maior
integração, ela já traz com ela uma força integradora, e quando ela não tem, o alojamento
tem que oferecer essa cobertura, como se fossem roupas para uma criança nua, o conforto
que os braços humanos oferecem a um bebê recém-nascido.

➢ Sobre a punição - ela tem pouco valor porque a pessoa que vai ser punida não tem
condições de extrair algo bom da punição. A punição só tem valor quando traz à vida uma
figura paterna forte, amada e confiável, para uma pessoa que perdeu exatamente isso. E
toda e qualquer outra punição consiste em simplesmente numa expressão de uma carga de
vingança inconsciente da sociedade.

➢ Diagnóstico de privação – a criança desapossada teve um suprimento ambiental que era


suficientemente bom e depois foi privada disso, num estágio do desenvolvimento em que
isso foi percebido e sentido. A reação a uma privação se apodera da criança e daí em diante,
o mundo deve ser obrigado a reconhecer e reparar o dano. Mas como esse processo
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funciona no inconsciente, o mundo não tem sucesso, ou quando tem, paga um preço muito
alto. Essas crianças eram chamadas de DESAJUSTADAS. Estão sob o domínio da
tendência antissocial. O quadro observado será em termos de furto, mentiras, reclamações,
destruição. Esse grupo de crianças precisa de uma escola progressista, porque a escola
progressista considera aspectos individuais de cada criança, MAS AO MESMO
TEMPO, é altamente provável que a criança abandone essa escola. A maioria dessas
crianças não está apta a se empenhar na aprendizagem porque elas estão empenhadas na
tarefa de descobrir e estabelecer a própria identidade, já que houve uma perda do senso de
identidade que resultou da privação.

➢ Assistência residencial como terapia – a assistência residencial surgiu porque existiam


crianças que não se enquadravam nas características essenciais para serem submetidas à
terapia individual.

➢ Uma delas é que o único ambiente que pode lidar com elas adequadamente é o
estabelecimento residencial; e outra é que elas trazem uma baixa quantidade de ambiente
interno, ou seja, de uma experiência de provisão ambiental suficientemente boa que tenha
sido incorporada em um sistema de crenças.

➢ Na assistência residencial é possível fornecer certas condições ambientais e deixar de lado


a parte da verbalização que ocorreria num trabalho psicanalítico por exemplo. A ênfase recai
sobre o SUPRIMENTO TOTAL, que é o ambiente.

➢ Algumas características fundamentais a esse ambiente são: confiabilidade, segurança, e


não deve haver uma atitude moralista, e existe uma característica ligada à gratidão (quem
realiza o trabalho não pode esperar gratidão das crianças), e num certo sentido, os
funcionários é que tem que ser gratos a elas.

➢ Outra coisa: na assistência residencial, há uma fase em que a criança é candidata a “bode
expiatório”. Ela passa a ser vista como o grande problema, de forma que as pessoas
pensam “ah se a gente pelo menos pudesse se livrar daquela criança tudo ficaria bem”. E
esse é o momento crítico. A tarefa, nesse momento, não é curar o sintoma ou pregar a
moralidade ou então oferecer algum suborno. A tarefa principal nesse momento é
SOBREVIVER e isso significa, além de continuar vivendo, que o ambiente não será
provocado à retaliação.

QUARTA PARTE

TERAPIA INDIVIDUAL

Visão panorâmica do distúrbio psicológico, dividindo em 3 categorias:

1 – Distúrbios psiconeuróticos – aqui se enquadram as pessoas que foram suficientemente bem


cuidadas no início da vida para terem condições de enfrentar, e em certa medida, não conseguir
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conter as dificuldades que são inerentes a uma vida plena. Ele inclui aqui as variedades normais
de depressão. NESSE CASO, O TRATAMENTO É A PSICANÁLISE, PARA QUE AS DEFESAS
FIQUEM CADA VEZ MENOS RÍGIDAS.

2 – Psicóticos – aqui, algo aconteceu de errado quanto aos primeiros cuidados e o resultado foi
uma perturbação na estrutura básica da personalidade. Houve um fracasso nos cuidados com o
bebê. As pessoas dessa categoria nunca chegaram a ser suficientemente saudáveis para serem
enquadrados na categoria psiconeurótica. O TRATAMENTO DESSE PACIENTE PRECISA
PROPORCIONAR A OPORTUNIDADE DE TER EXPERIÊNCIAS QUE PERTENCEM AO INÍCIO
DA INFÂNCIA, EM CONDIÇÕES DE EXTREMA DEPENDÊNCIA. E isso não é proporcionado só
pelo psicoterapeuta, mas pode ser pela enfermagem, assistência social, família... É preciso que se
organize um complexo de sustentação.

3 – Pacientes intermediários – são aqueles que começaram suficientemente bem, mas em algum
ponto, o ambiente ficou ruim e o mais comum é que se vejam, nesses casos, as atitudes
antissociais. O TRATAMENTO PRECISA SER ADAPTADO AO FATO DE QUE ESSES
PACIENTES TIVERAM ESSA HISTÓRIA DE PRIVAÇÃO, e como pessoas, eles podem ser
normais, neuróticos ou psicóticos, mas isso vai ser difícil de discernir. O que esse paciente precisa
é de um reconhecimento pleno e um pagamento integral. A terapia só vai funcionar se o paciente
tiver no início da carreira antissocial, antes que se estabeleçam os ganhos secundários e as
habilidades delinquentes.

Quando a tendência antissocial já se tornou um quadro de delinquência estabilizada, existe a


necessidade de fornecer ambiente especializado, que pode ser de dois tipos:

1 – Aqueles que esperam SOCIALIZAR a criança

2 – Aqueles que são meramente destinados a GUARDAR a criança (e esse pode funcionar se for
administrado de forma rigorosa)

➢ Sobre a psicoterapia de distúrbios de caráter – os distúrbios de caráter NÃO constituem


uma entidade nosológica. O caráter é algo que pressupõe uma integração.

➢ O distúrbio de caráter é uma DISTORÇÃO DA PERSONALIDADE, que ocorre quando a


criança precisa acomodar um certo grau de tendência antissocial. Assim, para Winnicott, a
tendência antissocial ESTÁ PRESENTE no distúrbio de caráter.

➢ O distúrbio de caráter se refere mais à uma distorção da personalidade inata, que resulta
dos elementos antissociais que essa personalidade tem.

➢ Os distúrbios de caráter não são esquizofrenia.

➢ Winnicott divide os distúrbios de caráter em êxito ou fracasso, por parte da pessoa, na


tentativa da personalidade total de esconder o elemento de doença.
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➢ Se a pessoa teve êxito e conseguiu esconder, significa que a personalidade foi capaz de
socializar a distorção de caráter para descobrir ganhos secundários ou se ajustar a um
costume social.

➢ Se ela fracassou, significa que o enfraquecimento da personalidade gera a incapacidade


de estabelecer uma relação com a sociedade como um todo, em virtude desse elemento
oculto de doença.

➢ O TRATAMENTO, nos casos mais benignos, pode ser proporcionado pelo MEIO
AMBIENTE, porque a causa foi uma deficiência ambiental na área de apoio e proteção ao
ego dessa pessoa durante o estágio de dependência.

A terapia do distúrbio de caráter tem 3 objetivos:

1 – Fazer uma dissecação, até chegar à doença que está escondida e se manifesta na
distorção de caráter

2 – Ir ao encontro da tendência antissocial, que é a evidência da esperança no paciente

3 – A análise, que leva em consideração tanto a distorção do ego como a exploração pelo
paciente das pulsões do id, durante as tentativas de autocura.

➢ No tratamento da doença escondida, existe a necessidade de psicoterapia. Mas ao mesmo


tempo, a tendencia antissocial tem que ser envolvida no tratamento, como e quando ela
aparecer.

➢ A finalidade dessa parte do tratamento é chegar ao trauma original. O paciente precisa


retornar, através do trauma da transferência, ao estado de coisas que existia antes do trauma
original.

➢ É preciso lembrar que ele se encontra em estado de dependência e precisa de apoio ao ego
e de administração ambiental no contexto do tratamento. A fase seguinte precisa ser um
período de crescimento emocional na qual o caráter se constrói positivamente e perde suas
distorções.

➢ Para que a psicoterapia seja bem sucedida, o paciente deve ser visto enquanto passa pelas
fases difíceis de comportamento antissocial

➢ Em resumo: a psicanálise pode ser bem sucedida nesses casos, mas podem acontecer
algumas dificuldades.

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