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Centro de Humanidades
Unidade Acadêmica de Arte e Mídia
Curso de Bacharelado em Arte e Mídia
Avaliação – II Unidade
Análise Fílmica
Com esse contexto, não tinha como o resultado ser outro: um filme com total
liberdade para a reconstrução da linguagem cinematográfica, uma abertura, de fato, para
o cinema autoral, ao modo como acontecia no cinema europeu. Ou seja, eram outros
espaços e tempos para a sociedade, e o cinema anunciaria ou denunciaria isso por meio
da sua linguagem apurada para as percepções humanas.
Através dos flashbacks, compreendemos que Joe foi uma criança abandonada
pela mãe, entregue à avó e que sofreu abusos sexuais da mesma, além de sofrer um
estupro por um homem quando adulto, em função de perseguição ao seu relacionamento
com Anne, aparentemente uma jovem desejada por outros homens. Os flashbacks sobre
esses fatos são bastante repetitivos, e também não seguem fielmente uma ordem
cronológica como, a exemplo, no primeiro flashback, que já mostra Joe uma criança
maior, em relação a outro que já o mostra mais novo, quando foi entregue para a avó.
A forma como os primeiros flashbacks são inseridos se dá pelo efeito fade in como,
por exemplo, quando Joe está deixando a cidade e observa um salão de beleza e
relembra um momento em que a avó lhe pede massagem, em que há uma transição
criativa entre Joe, o seu reflexo no vidro e o fade in da cena em flashback. Depois tem
um flashback introduzido pela voz da avó mandando-o orgulhá-la ao ser o vaqueiro
mais bonito no desfile, também transitando com fade in para a imagem dele enquanto
criança de chapéu de cowboy, depois com a vó se despedindo e dizendo que arrumou
um novo galã, aqui com acréscimo. E em seguida tem outro flashback quando ele se
lembra de Anne, ainda no ônibus, ao ler a seguinte frase escrita em uma espécie de
caixa d’água da cidade: “A louca Anne ama Joe Buck”. Esse flashback é introduzido
pela voz de Anne, através de um som suave e longe, transitando também com fade in
para a imagem dela correndo em meio a uma plantação de milho.
Apenas quando anoitece, ainda no ônibus, com uma senhora ao lado de Joe, é que a
forma de introduzir o flashback muda, agora passando de um esmaecimento de tela
preta para a imagem de memória, imagem esta que mostra o abandono de Joe pela mãe
e que começa a apresentar o tema do possível abuso ocasionado pela própria avó. Ou
seja, enquanto Joe está deixando a cidade, as suas memórias vão surgindo aos poucos,
deixar a cidade de infância, estando parado dentro de um ônibus, vendo pela última vez
as paisagens locais e de suas experiências, o deixam reflexivo, e depois, quando a noite
já não permite mais tanta distração visual, Joe aprofunda suas reflexões nas causas
dessas memórias.
Flashback introduzido com cortes secos e fragmentado: transmitindo a agonia tanto da cena de memórias do
batismo quanto da cena diegética de fuga do discurso fanático proferido pelo cafetão.
Ao sofrer um golpe de Ratso, o homem que lhe arranjou o cafetão e lhe cobrou
dinheiro por isso, Joe corre pela cidade fugindo do cafetão e com o pensamento à
procura de Ratso, cenas imaginadas por Joe tentando pegá-lo no metrô antecipam um
flashback, também bastante fragmentado, com cenas de um grupo de homens que
persegue Joe e Anne, em que um deles acaba estuprando Joe, e outro estupra Anne. As
cenas imaginadas são em preto e branco, mas o flashback continua em colorido. Dessa
forma, esse flashback intensifica a percepção do espectador para a questão trágica que é
o estupro, aumentando a sensação do desejo de fuga de um abuso como esse.
Diluição do flashback, entrelaçando temas tabus, fazendo o espectador descontruir, aos poucos, a ideia
estereotipada de cowboy.
Introduzir o flashback por meio de um sonho de Joe foi outra maneira de John dar
maior liberdade ainda na construção desse recurso de memória, pois no sonho as lógicas
são criadas de forma aleatória, mas que convergem para um sentido. Nesse flashback,
Joe começa sonhando com a voz de Anne, em tela preta, depois surge a imagem em cor
de Anne beijando Joe, que transita para o preto e branco, anunciando novamente as
cenas do estupro junto à Anne, e posteriormente com inserção de cenas da avó o
surpreendendo quando criança, e depois abusando dele sexualmente. A passagem de um
momento que a princípio parece ser de descanso para Joe, o sono, se torna o seu
pesadelo diário, transformando o flashback em uma montanha-russa: da tranquilidade
do sono, passando pelo início do sonho com Anne perguntando se ele a ama, chegando
às tensões de abusos em preto e branco, evidenciando os tabus.
Flashback introduzido pelo recurso do sonho, deixando em preto e branco as cenas de abuso sexual.