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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE - CCS


CURSO: PSICOLOGIA
DISCIPLINA: TEOR P II: HUMANISTAS-EXISTENCIAIS
PROFESSOR(A): GINA
ALUNO: ARTHUR MENEZES, MARIA LUCÍ

Filme “Abril Despedaçado”

O filme “Abril Despedaçado”, é um drama brasileiro, dirigido por Walter Salles e


lançado em 2001. Estrelado por Rodrigo Santoro no papel de “Tonho” e Ravi Ramos
como “o menino” ou “Pacu”. Se passa no Brasil, no ano de 1910, ambientado no
sertão nordestino, acompanha a família de Tonho, composta por pai, mãe, Tonho e
Pacu, "o menino", que vivem da plantação de cana e produção de rapadura, onde
todos participam do trabalho.
O tema principal do filme se passa em torno de uma briga entre famílias por terra, o
que já vem de gerações e como narra o Menino no início do filme, eles nem sabem
mais o porquê dessa disputa. Ela se dá pelo assassinato e vingança de um ente de
cada família por vez, de ambos os lados. No filme, chega a vez de Tonho vingar a
morte de seu irmão mais velho, após fazer isso ele pede trégua, porém é negado. E
nos diias de espera para o assassinato ocorrer às questões existenciais que se
encontram no filme começam a ocorrer para Tonho. No questionamento de toda
aquela imposição, de uma briga sem sentido para eles e na aceitação difícil da
morte próxima. Essas dúvidas começam a ficar mais presentes logo após a
chegada da personagem Clara, uma integrante de circo, que da um nome para o
Menino, Pacu, e começa um interesse amoroso com Tonho, os fazendo viver e sair
da vida que viviam.
Isso os leva a começarem a ir "contra" o que lhes foi imposto pela tradição familiar,
fogem para ver o circo, Pacu se entrega a "leitura" do livro que ganhou, Tonho saí
em viagem com o circo, conhecendo outras cidades e vivências. Mesmo com isso,
acaba voltando para casa, o dia do assassinato se aproximava.
Porém, todas essas experiências mudaram Tonho e Pacu. Na noite marcada,
quando o sangue da camisa amarela e um membro da outra família sai atrás de
Tonho para vingar a morte de quem Tonho matou, Clara foge do circo e vai atrás de
Tonho, se encontram e realizam o amor correspondido, Pacu observa a felicidade e
a vida que o irmão pode ter, o que ele quer que o irmão viva, acaba optando por se
sacrificar para que Tonho possa ser livre com Clara. No escuro da noite e pela
chuva, Pacu coloca o chapéu e a tira de Tonho e sai para chamar atenção do
assassino de Tonho, este o confunde e acaba matando-o.
Os pais acordam, Tonho encontra Pacu morto, e enquanto o pai desesperado
manda Tonho ir vingar a morte de Pacu, assim dando continuidade à rivalidade,
Tonho decide ir embora, ver que não há sentido para nada daquilo, e vai atrás de
outra vida, a vida que tinha experimentando quando saiu com o circo. O pai ao ve-lo
partir e com o choque de perder os dois filhos percebe como nada daquilo fazia
sentido, notando como em vão toda essa rivalidade em detrimento da felicidade e
felicidade da sua família.
O filme se mostra uma crítica social a costumes da época, porém ainda é bastante
atual, podendo se relacionar com temas debatidos na psicologia humanista, por
retratar bem questões de vida, existência e relação com o outro e com o meio em
que vive para se constituir na vida quanto um ser no mundo.
Como para os humanistas, a existência requer uma consciência, consciência de si e
do mundo, no filme, Tonho e Pacu, personagens principais, tem consciência das
normas de onde vivem, consciência de si mesmos como agentes nesse meio, do
seu papel na família e na tradição. E é nessa consciência que se percebe a
presença da liberdade, a qual estamos fadados pela nossa existência. No filme,
Tonho se vê em uma certa dicotomia, ao mesmo tempo em que é livre, não o é por
conta do que lhe é imposto no meio em que nasceu, imposto a levar adiante a
tradição da disputa entre as famílias, e mesmo não querendo se vê obrigado a
ceder, como consequência disso, vem a solidão, o que os humanistas defendem
como uma consequência direta de se ter consciência. E é o que percebemos
durante boa parte do filme, a solidão marcada em todos da familia, Tonho sendo
obrigado a ser o próximo a entrar na mira do assassinato, se vê sozinho com a
certeza da morte próxima, Pacu, uma criança obrigada a trabalhar e que nem nome
tinha, chamado antes de “o menino”, a mãe obrigada a padrões de cuidar da casa e
dos filhos, o pai na obrigação de trabalhar para sustentar a todos. Cada um possui
consciência da sua existência, da existência da família, por conta disso tem suas
liberdades podadas e acabam cada um com a sua solidão.
Outro ponto importante debatido pela teoria humanista é a essência, onde
defendem que a existência precede a essência, e podemos notar no filme a
essência dos personagens, que mesmo no meio e com as pressões impostas
possuem algo seu, sua natureza íntima, sua essência, isso é bem retratado quando
Pacu ganha um livro, pois mesmo sem saber ler, sem nunca ter saído de onde
nasceu e visto o mundo, ele fantasia histórias sobre o mar, sereias e amor, coisas
que nunca deve ter vivenciado, coisas fora da sua realidade de trabalho e rigidez.
Essa seria a essência dele, algo que é íntimo e único, que mesmo o meio sem nada
disso, não o impede de fantasiar e se alegrar com tais coisas, ou seja, não o define.
E nesse movimento, acaba criando o que é ser-no-mundo, pela percepção dos
outros e pela consciência de si, do olhar da família e nesse ponto, para Pacu, do
olhar de Clara, moça do circo que lhe dá um nome e um livro, ele se percebe como
um ser-no-mundo, com consciência e essência. Tonho, também vive essa questão
quando conhece Clara, essa experiência, o faz transcender, outro tema debatido
pela teoria humanista, tanto Pacu como Tonho, ao conhecerem Clara, que seria um
caminho para o mundo além do que vivem com a família, o fazem transcender a
consciência da realidade em que vivem, o fazem se transformar, se desenvolverem.
E é justamente nesse ponto, onde vivem novas experiências que eles descobrem o
seu sentido da vida, pois, como defendem os humanistas, o homem existe pelas
suas realizações, experiências. O Pacu, ao criar uma história para o livro, Tonho ao
viajar com o circo, experimentar o amor, ver outras cidades e a vida além do que
está acostumado, experimenta realizações que o fazem ver uma vida além do que
aquele determinado pela rivalidade entre as famílias, onde a sua morte já estava
próxima. Ou seja, através das experiências, ele transcende a sua consciência e
encontra nessa realização um outro sentido para sua vida. Antes, o sentindo era
trabalhar e esperar os dias até o assassinato, nesse ponto, acontece até mesmo o
que Heidegger, defendia, a aceitação da finitude dará sentido a vida, nesse caso,
com a morte tão próxima e ainda mergulhado naquela tradição, Tonho aceita aquele
sentido, de trabalhar e esperar. Mas quando conhece Clara, quando decide
experimentar realizações diferentes, ele muda o sentido que a aceitação daquela
morte o tinha imposto, que aquela vida de tradição rígida o tinha imposto.
Para os humanistas a aceitação da morte, da finitude, traz sentido à vida, mas não
da forma de aceitação da realidade em que vive e não se mover para mudar, como
Tonho se encontrava no início do filme, aceitando a morte iminente e continuando,
mas dá sentido na ideia de procurar as realizações e o seu próprio sentido de vida
antes que o fim chegue. Isso que Tonho, e até mesmo o pai, se dão conta no fim do
filme, com o sacrifício de Pacu, que nada daquilo, daquela tradição, fazia sentido,
que o fim é inevitável mas que pode se viver até lá de outra forma.
A teoria humanista também se atêm ao conceito de autenticidade, que é o que
distingue o homem dos outros seres, através do fenômeno da consciência. Em
oposição a isso, o filme inicialmente retrata a inautenticidade, marcada pelo trabalho
repetitivo, voltado à subsistência e causador de angústia na família como um todo,
mas principalmente nos filhos, que tem sua liberdade impedida pela subordinação
ao pai. Para Sartre, o homem autêntico é aquele que se submete à conversão
radical através da angústia e assume sua liberdade, e essa autenticidade vai sendo
construída ao longo do filme por Pacu e Tonho à medida que eles enfrentam a
autoridade, observada na ida ao circo e no desenvolvimento da relação amorosa de
Tonho. Retomando à angústia vivenciada por Tonho, em uma luta constante com a
ideia de morte predestinada, no humanismo, esse sentimento não é patológico ou
negativo, mas retrata o momento de tomada de consciência da sua condição
humana, e da posterior busca por um sentido de existência, encontrado na relação
amorosa com Clara. Tal angústia entretanto ainda é o principal objeto de sofrimento
da existência, em que ao mesmo tempo que nos faz perceber nossa condição,
revela a finitude através da angústia de morte, apresentada ao final do filme com a
morte de Pacu. O amor no filme, não se limita somente ao laço criado entre Tonho e
Clara, mas ele se apresenta com mais força na decisão tomada pelo Menino, de se
sacrificar para possibilitar uma vida feliz ao irmão. No pensamento humanista, esse
amor parte da identificação com o outro, sendo fruto da relação de dois seres
concretos como uma entrega afetiva que é o que atribui a vida de sentido. Além
disso, a teoria humanista também retrata a questão do tédio existencial, que é muito
bem representado no filme pelo trabalho braçal monótono e repetitivo, caracterizado
como um sofrimento por ver a passagem do tempo e não poder realizar desejos ou
outras possibilidades de existência.
A culpa, para o pensamento humanista, vem do questionamento quanto a nossa
condição atual e as possibilidades existenciais não escolhidas, bem como quando
deixamos de ver o outro como um ser dotado de consciência, anseios e sonhos,
muito presente no filme pela imposição do pai nas possibilidades de escolha dos
filhos e de suas próprias escolhas, e consequentemente leva à renúncia da
liberdade. No fim do filme é perceptível a culpa sentida pelo pai frente às
consequências de suas decisões. Além de tais questões, o Humanismo também se
volta ao fenômeno da felicidade, ao contrário à angústia, é marcado pela ausência
de desprazer, como representado na obra, é marcado por poucos momentos, visto
que a noção de felicidade depende também de momentos de tristeza como
referencial para que ela seja percebida. O momento do filme que marca esse
sentimento é durante a brincadeira de Tonho e Pacu no balanço, em que se denota
claramente a ausência momentânea do desprazer. Esse breve momento denota tal
característica da felicidade, que se parece cada vez mais distante na sociedade,
que se volta somente à realização material ou à sobrevivência, como observado no
filme.

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