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TEL – Departamento de Teoria Literária e Literatura

Disciplina: Literatura Japonesa 4


Docente: Wanderson Tobias
Discente: Matheus Henrique Amorim de Souza, matrícula: 16/0036577

Ensaio Crítico sobre a obra “Múmia”, de Banana Yoshimoto –


“Sexo, morte e afeto em ressonância à natureza humana e a
percepção de si mesmo e do outro.”

É característico do estilo de Banana Yoshimoto conduzir o leitor para lugares


dentro dele mesmo que despertam um desconforto e, logo em seguida, uma
profunda reflexão sobre o que constitui nossa humanidade . Assim como a distância
entre a crosta terrestre do planeta e o seu núcleo, ou a prórpia dimensão do planeta
em relação à infinita solitude do universo, tal percurso rumo ao nosso “núcleo”, às
vezes, é inimaginável para muitos. A autora explora a profundidade de nossa
existência à partir de vários pontos de vista. Na obra em questão, o pano de fundo
para tal reflexão se materializa na quebra da rotina da narradora-personagem.
A protagonista do conto encontra-se em uma situação delicada quando, ao
retornar de mais um dia comum na universidade, se depara com uma figura familiar
porém sem muito significado para ela. Ao se dirigir a esta pessoa, e após uma rápida
conversa sobre um estranho assassinato que havia ocorrido no exato local onde os
dois estavam, o estranho homem se oferece para acompanhá-la, assim a
protagonista experiencia um medo comum às mulheres, tendo em vista que elas
sofrem diversas violências diárias que colocam suas vidas em risco; e o que é
reconhecidamente um dos conceitos mais fundamentais da psicanálise: o impulso.
Em especial, o impulso sexual. É quase como se, perante esta situação adeversa, a
personagem fora apresentada à uma escolha, a de temer por sua vida ou a de se
sentir excitada; a autora ainda nos da a entender que a personagem prefere “unir o
útil ao agradável”, e usar sua excitação para “acabar logo com aquilo”, já que, se ela
recusasse qualquer pedido de seu acompanhante, ele poderia por um fim a sua
vida.
À medida em que a história se desenrola, tanto o homem (que agora a
personagem se refere como Tajima, um pesquisador de Arqueologia e do Egito
Antigo) quanto ela mesma, se encontram na casa da estranha figura. As intenções
de Tajima são de fazer sexo com a personagem. Porém, onde outras garotas se
sentiriam numa situação desconfortável de não consentimento, a protagonista
demonstra que ela também queria fazer sexo com Tajima. A descrição que a
personagem nos da sobre Tajima, agora mais minuciosa, vai no sentido oposto do
que uma pessoa “normal” desejaria encontrar em seu parceiro sexual. Incrívelmente,
essas características de Tajima, excitam mais ainda a protagonista e eles acabam
passando a noite inteira fazendo sexo. Ai começam as reflexões acerca do ato na
cabeça da personagem. A sensação dos vários orgasmos que ela tem é apenas
descrita como uma sensação de “gratificação” e ela diz, nunca ter pensado num
relacionamento em que o único objetivo fosse o sexo. “La petit mort” é uma
expressão utilizada pelos franceses para se referir ao orgasmo no sentido que
depois que chegamos ao ponto máximo de nosso prazer, nos esvaziamos e
experienciamos uma pequena morte, uma sensação de vazio.
Após consumado o ato, Tajima mostra para a personagem o cadáver
mumificado de seu gato e diz que ele mesmo havia feito o procedimento de
preservação. Segundo ele, todo o processo foi muito triste e doloroso e, a
personagem percebe, quase que contra a sua vontade, que seu parceiro de
aventura é um ser humano também, e não apenas um animal cuja única função é
dar e sentir prazer. Neste momento da obra, atingimos um dos picos da reflexão.
Sexo e morte são tabus para muitas culturas no mundo, para a japonesa em
especial. Tanto um quanto o outro, seguem ritualísticas milimetricamente precisas
que são incutidas em todos nós durante nossos primeiros anos de vida, baseadas
numa estrutura primordial de afeto. Mas a morte, diferente do sexo e de um
orgasmo, é algo que apenas podemos contemplar, sem saber seu real
desdobramento para quem morre. A experiência posterior à morte só pode ser
descrita da perspectiva de quem permance vivo, nunca de quem morreu, através do
afeto que se contrói e se pratica em vida. O que acontece depois que morremos é
uma incógnita.
Após sentir várias “pequenas mortes”, a personagem se vê na fragilidade de
Tajima ao mostrar o corpo de seu gato e, talvez, isso tenha gerado o incômodo
dentro dela. Ela tenta ir embora, pois seus pais poderiam estar preocupados e
chamando a polícia, mas Tajima a impede e tenta recomeçar as relações sexuais. A
protagonista se assusta e pega um vaso que estava próximo e ataca Tajima num
reflexo desesperado de sobrevivência. O homem cai no chão sangrando e, ao se dar
conta do que havia feito, a personagem o toma em seus braços na tentativa de o
ajudar, demonstrando ai que por mais que ela não quisesse reconhecer, ela já tinha
criado um sentimento de afeto com ele. Depois de estancado o ferimento, eles
fazem mais sexo e acabam dormindo. Ao acordar, a protagonista encontra Tajima
sentado numa cadeira encarando sua barriga e, nesse momento, ela imagina se ele
estaria pensando em dar o mesmo fim à ela que teve o gato, mumificando-a. Será
que ele também havia criado o mesmo sentimento de afeto para com ela logo,
constituindo uma relação afetuosa? Será que ele também a exergava como um ser
humano que possui suas necessidades, emoções e pudores? A personagem parece
não se importar com tais indagações e decide apenas viver o momento
contemplando os trovões que interrompiam o silêncio ensurdecedor entre os dois
enquanto eles permaneciam deitados no colchão.
O conto é finalizado nos mostrando que, desde então, Tajima e a personagem
nunca mais se viram e que a vida tomou rumos diferentes para os dois. Agora,
apenas como uma recordação de um tempo distante, a protagonista se pergunta o
que teria sido dos dois se as coisas tivessem tomado outro rumo. Se ela tivesse sido
mumificada. Ou se Tajima tivesse morrido com a impacto do vaso na sua cabeça ou
por causa das complicações da ferida exposta. O que podemos notar é que a visão
sobre sexo, morte e afeto da personagem principal entrou em sinergia com a visão
de Tajima, possibilitando esta situação atípica, este ponto fora da curva rotineira em
que nossa passagem por esse realidade se constitui. Somo reféns da nossa rotina,
de nossos sentimentos, da nossa realidade, de nós mesmos ou dos outros? Talvez a
própria existência de cada uma dessas perguntas seja a manifestação da natureza
humana.

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