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João Tordo
Dom Quixote
Numa linha introdutória, diria que o romance As Três Vidas, de João Tordo, é
uma obra "para todos os gostos" ou, mais exactamente, uma obra destinada a públicos
muito heterogéneos. Não se trata meramente, porém, de um livro de "massas" motivado
por objectivos comerciais. A obra vende e conquista, de facto, até por várias frentes,
mas não porque se proponha fazê-lo.
Tudo isto nos parece expectável num "romance-padrão", o que não é de forma
alguma depreciativo, até porque é, em grande medida, essa familiaridade que cativa o
grosso dos leitores. No entanto, pensar-se-á, e com razão, não foi com certeza o
constituinte vulgar da obra que a consagrou vencedora do Prémio Saramago em 2009. O
que faz, então, deste romance não apenas mais um romance? A resposta não é linear,
mas assenta num facto, quanto a mim, indiscutível: a genialidade de João Tordo reside
na sua mestria em fazer do ordinário extraordinário.
Outra das noções que o autor esboça para análise, porventura a noção basilar que
permeia toda a obra, prende-se com o título: "As Três Vidas". A expressão poderá ter
várias aplicações, mas não remete seguramente para a vida depois da morte; pelo
contrário, remete para a vida depois da vida. De outra perspectiva, as três vidas
representam genericamente as três personagens principais e também as três fases da
vida de cada uma delas: Camila desperta para a vida com o sonho (idealizando a mãe, o
funambulismo, o futuro), depois confronta-se com a realidade (deparando-se com a
discrepância entre o sonho e o real) e finalmente caminha para a obstinação (quando
cria o seu próprio mundo, no qual se refugia em crescente obsessão, quase loucura pelo
risco). Já Milhause Pascal primeiramente incorre no crime (na sua insólita participação
na guerra), depois procura a reconciliação (consigo mesmo e com parte dos outros) e
acaba por desligar-se progressivamente da existência. O protagonista deixa-se arrebatar
pela novidade e pelas emoções, que o conduzem a um prolongado período de frustração,
do qual finalmente ressuscita para um recomeço por narrar.