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Gabrielly Sthefane Dias Romero

Denilson Menezes da Silva


Itallo Ricardo Gonsalves
Elias Francisco de Almeida
Francisco Antunes Junior

Poe, Edgar Allan. O Gato Preto. Trad. Oscar Mendes e Milton Amado – Rio Grande do Sul:
Globo, 1965.

O título “O Gato Preto” é um dos diversos contos memoráveis de Edgar Allan Poe,
escritor, crítico literário e editor nascido em Boston, no ano de 1809. Apesar de sua vida boêmia
e instável, ao se tornar diretor de uma revista, Poe criou sua marca na literatura mundial (sendo,
inclusive, nomeado como o criador do conto de terror moderno). A poesia “O Corvo” de 1845,
o conto “O Gato Preto” de 1843 e “A Queda da Casa de Usher” de 1839 são alguns dos títulos
mais famosos do autor. Faleceu no ano de 1849, deixando seu legado de horror, melancolia e
emoção em seus textos.
Sobre o conto “O Gato Preto”, inicialmente, temos que se trata da história de um
narrador anônimo, um homem que sofreu a consequência de seus atos horrendos e descreve
uma “série de acontecimentos domésticos” que o assombram até seus últimos dias.
Anteriormente um homem que amava animais e extremamente doce, o protagonista se torna
extremamente violento por conta de uma grave doença – o alcoolismo. Os sentimentos de
melancolia, irritabilidade e indiferença se tornaram comuns, o guiando para um precipício, onde
a queda levava a um mar de malicia e violência.
Uma das características mais marcantes do texto, é a forma como o narrador se apresenta
cada vez mais desestabilizado com o que estava ocorrendo em seu lar e em sua mente. Um
homem cujo amor pelos animais se tornou ódio e desejo de vingança, refletido por seus atos
malévolos (Plutão, seu belo gato preto, sendo o principal alvo destes) que o levaram até mesmo
a arrancar um dos olhos do felino, e consequentemente, matá-lo enforcado. O remorso e medo
- medo da retaliação, da vingança, da entidade demoníaca que possuía o belo Plutão – surgiram
no protagonista ao perder sua casa em um incêndio e reencontrar sua vítima perfeitamente
ilustrada na única parede restante da construção, com uma corda em volta de seu pescoço e uma
ameaçadora orbe vazia.
A construção do conto se baseia, após o ato horrendo do narrador, no fator da culpa e
do horror, mas nunca do arrependimento. Ou seja, Poe representou o dano que o alcoolismo
causou no protagonista, tornando-o psicologicamente incapaz de sentir qualquer tipo de afeição
pelos animais que antes amava. O teor psicológico foi abordado de forma sucinta aos olhos de
quem lê: adotar outro gato, sentir asco do mesmo, se sentir desprezível (um homem feito à
imagem e semelhança do Criador! Como era possível um ser humano cometer tal ato
hediondo?), ter pesadelos todos os dias... e, por fim, atingir a insanidade. Matar sua esposa com
uma machadada e esconder seu corpo nas paredes de seu próprio porão claramente (e
sombriamente, por ironia), apontam a loucura do narrador, um homem anteriormente amoroso,
que se tornou uma casca apodrecida de terror por conta de um demônio na forma de um belo
gato preto (Plutão, por coincidência – ou não – sendo o nome do deus do submundo na mitologia
romana).
O tema da ação contra a consequência, do temor da retaliação, do pavor daqueles que já
se foram, da perseguição pelo arrependimento nunca dando resultados; todos estes citados são
abordados por Edgar Allan Poe. Para se entender “O Gato Preto”, o fim é a resposta de tudo:
O assassino, espontaneamente, aponta para a parede, onde o cadáver de sua outrora esposa
descansava em uma busca da polícia. O homem não se sentia realmente culpado por seus atos,
mas inconscientemente buscava punição (não por arrependimento, mas pelo seu próprio ego –
e medo, talvez, de Plutão, sempre relacionado à morte), enquanto elogiava a construção bem-
feita daquele porão. Outra vez, para o choque de todos, a Morte ressurge e chora como uma
criança. Ora, aqui está o plot twist, a Morte (o gato adotado após o terrível fim de Plutão,
propriamente dito) havia sido emparedada junto com o corpo decadente da mulher, e no fim,
Hades realmente se vingou de um homem que buscava se sentir bem com seus próprios crimes
(e que ainda assim desejava sua punição).
De forma simples, não é necessário para o leitor possuir conhecimentos prévios para
entender o conto. A estrutura do texto e a mensagem podem ser analisadas por diversos pontos
de vista e crenças: Karma? Efeito Borboleta? Intervenção sobrenatural? Ansiedade
persecutória? Destino? Simplesmente Psicologia? A resposta fica para quem lê! Por fim,
podemos resumir “O Gato Preto” em - nunca mexa com um gato preto, ou ele voltará de noite,
durante seus sonhos, até que você enlouqueça em busca de não ter misericórdia durante a
punição caída sob seus ombros!
A conclusão de “O gato preto” é algo deixado parcialmente em competência do leitor,
pois o narrador da história não pode ser confiado devido ao seu estado de transtorno mental,
notado que até ao final da história o mesmo ainda culpava o felino de suas ações, como visto
no trecho “o horrendo animal cuja astúcia me induzira ao crime e cuja voz delatora me havia
apontado ao carrasco”. O narrador buscava, assim como dizia no começo do seu conto, aliviar
sua alma, coisa que ele faz ao colocar o fardo de suas ações sobre o gato.
O leitor pode se questionar, porque o gato iria querer que o narrador matasse sua esposa?
Se o gato se havia deixado ser emparedado junto com a esposa do homem propositalmente,
porque ele não miou antes do homem bater na parede? Como o gato sobreviveu quatro dias
preso na parede sem água e comida caso ele não seja uma criatura sobrenatural? Essas e outras
questões o leitor pode buscar responder após realizar a leitura do conto.
Poe faz uso de diversos mecanismos para poder transmitir os temas de violência e terror,
o que demonstra seu grande domínio sobre a escrita. Ao longo do texto se identifica
mecanismos como metáforas, paradoxos, simbolismos, ironias, repetições e também símiles.
O texto de Edgar Allan Poe é um conto que critica a natureza humana e seu
egocentrismo, sendo um texto que conta a história da queda e desconstrução da moral de um
homem que já foi honrado a ponto de ser reconhecido por isso. No texto, do começo ao fim, o
livro faz parecer que há algo como uma maldição, uma espécie de fenômeno sobrenatural,
tentando emergir e tomar controle do homem que um dia já foi puro e amoroso. O homem
começou a utilizar do álcool que pode ter sido o que fez despertar os sentimentos próprios da
natureza humana que já existiam nele, e mesmo com esse comportamento transpunha a culpa
de si para o álcool e para a figura dos animais.
Logo ao final do conto, agora ranzinza e com raiva de tudo, o agora velho homem
acabou por matar a própria esposa, essa que era o único fio que o ligava com seu passado
bondoso. E como se a culpa não fosse dele, agindo confiante, ele despistou os policiais, casual
e sereno como um verdadeiro ser diabólico. A crítica nesse sentido centra-se na figura do
indivíduo que direciona a própria maldade a figuras indefesas e justifica suas ações com fatores
externos que podem assumir cunho sobrenatural. Esse pensamento egocêntrico como é
mostrado na história, só traz coisas ruins para os bons.
O aspecto gótico de “O Gato Preto” merece ser ressaltado, visto que seu autor é um dos
precursores do gênero em questão. A narrativa desenvolvida por Allan Poe sempre fez parte de
um projeto de romantismo que buscava representar a alma humana através de narrativas
sombrias. Nesse sentido, as relações com outras obras, que são múltiplas, podem se concentrar
em aspectos específicos, sejam eles referentes à literatura ficcional ou não.
Considerando o cenário literário mais recente, tem-se figuras como Stephen King
assumindo papéis de destaque no gênero terror. Em seu conto “O Gato dos Infernos” King
também faz uso da figura do gato como sendo central para a narrativa. Mesmo que, de certa
forma, King não busque desenvolver simbologias em seu texto, não se pode negar que a figura
do gato recorrentemente aparece como estando relacionada ao sobrenatural, e em ambas as
obras não é diferente. Em ambas as obras o gato transmite a sensação de ser uma entidade
dualista, e esse dualismo aparece representado pela coloração. Em “O Gato Preto” de fato há
dois gatos com diferenças na coloração do pelo buscando representar justamente o processo de
transição da figura. Já em “O Gato dos Infernos” há um gato somente, porém com uma
coloração dupla, preto e branco, representando, assim, o bem e o mal, ou a pureza e a malícia
que se desenvolve no decorrer do conto.
Além da figura do gato, pode-se encontrar paralelos no que diz respeito às dependências
dos personagens em ambas as narrativas. A dependência se traduz nos dois contos de acordo
com o contexto vivido pelos autores. Enquanto em King há a presença de analgésicos e
antidepressivos, no texto de Poe há a presença de álcool como sendo responsável por parte da
problemática central do conto.
Como mencionado anteriormente, a multiplicidade da obra de Allan Poe não se resume
à literatura ficcional. Ela transcende as barreiras de uma simples narrativa e ganha nuances
psicológicas complexas que podem ser elucidadas a partir de outras obras não ficcionais. A
título de exemplo, tem-se a obra “Os Progressos da Psicanálise” da psicanalista austríaca
Melanie Klein. Em seu livro, Klein desenvolve conceitos como o de ansiedade persecutória,
que pode ser definido como um medo de retaliação. No conto de Poe, esse conceito é traduzido
pelo medo por parte do eu-lírico da segunda aparição do gato e pelas tentativas de evitá-lo
recorrentemente como se o gato estivesse o tempo todo planejando uma vingança pelo mal
sofrido.
Detendo-se agora em um ato específico da narrativa de Poe, tem-se o momento decisivo
que marca a guinada do conto, e também seu fim. Na reta final, o eu-lírico põe a prova o próprio
trabalho ao declarar implicitamente o triunfo diante daqueles que seriam os seus carrascos. Suas
ações nesse momento perdem o sentido e pode-se dizer que ganham um aspecto teatral. Nesse
sentido, invoca-se a obra de Antonin Artaud, “O Teatro e Seu Duplo”, especificamente o
capítulo de nome “O Teatro e a Peste”. Neste capítulo Artaud empreende um breve relato das
consequências da peste bubônica no território europeu durante o século XVIII como pano de
fundo para descrever um fenômeno definido como uma “gratuidade imediata que leva a atos
inúteis e sem proveito para o momento presente”. Os atos do eu-lírico, ao convencer-se da
própria salvação, ganham um aspecto teatral e carnavalesco como os descritos por Artaud, onde
as ações dos indivíduos perdem todo o caráter teleológico. Artaud enfatiza que o causador desse
fenômeno é a peste, e no conto de Poe a peste nada mais é do que o conjunto de acontecimentos
que acarretaram na gratuidade das últimas ações e falas do eu-lírico, que acarretaram na sua
derrocada.
Allan compôs um conto verdadeiramente incrível que fornece diversas interpretações
dependendo de quem o lê, se provando recomendável tanto para estudantes em sua juventude,
como profissionais que busquem se aprofundar, maravilhar e conhecer as técnicas que são
empregadas em uma das histórias de um escritor que é reconhecido como o criador do terror
moderno. Como dito anteriormente, não é necessário conhecimentos prévios para se realizar a
leitura do conto, basta um pouco de curiosidade.

Referência bibliográficas
ARTAUD, Antonin. Teatro E seu duplo, O. [S.l.]: Martins Martins Fontes, 2006.
CAVALCANTI, A. K. S.; SAMCZUK, M. L. BONFIM, T. E. O Conceito Psicanalítico do
Luto: Uma Perspectiva a Partir de Freud e Klein. Psicólogo inFormação, [S. l.], v. 17, n. 17, p.
87–105, 2013. DOI: 10.15603/2176-0969/pi.v17n17p87-105. Acesso em: 1 nov. 2021.
SOUZA, Warley. Edgar Allan Poe. In: SOUZA, Warley. Edgar Allan Poe: Biografia de Edgar
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https://mundoeducacao.uol.com.br/literatura/edgar-allan-poe.htm. Acesso em: 1 nov. 2021.
TEIXEIRA, Sarah Augusta Iransos; MAZZO, Sarah Caroline; CASSOLI, Elaine Regina.
GOTICISMO ONTEM E HOJE: O HORROR NA REPRESENTAÇÃO DO GATO EM POE
E KING. Revista Eletrônica da Educação, [S.l.], v. 2, n. 2, p. 99-114, aug. 2019. ISSN 2595-
0401. Disponível em:
<http://revista.fundacaojau.edu.br:8078/journal/index.php/revista_educacao/article/view/91>.
Acesso em: 01 nov. 2021. doi: https://doi.org/10.29327/230485.2.2-8.

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