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[Quando tinha cinco anos, a figurinha preferida do meu álbum era a do leopardo-das-
neves. Ele parecia ter uns buracos na pele e talvez por isso durante anos eu duvidei da
sua existência. Parecia um fantasma, afinal. Creio que fui ler esse livro pela curiosidade
sobre o animal e a beleza do título. Sei que isso nada tem a ver com minha análise.]
Quem citou Kafka nos textos críticos sobre esse romance curioso talvez não tenha lido
Murilo Rubião. Nada vi de kafkiano no livro, mas diversas passagens de uma literatura
fantástico-mágico-absurda lembram Rubião, que nunca mais li após o curso de Letras,
quando a leitura era obrigatória. Quem falou em Conan Doyle ou Stevenson... não sei
se acertou ou errou, pois o livro é uma mistura mesmo de coisas e talvez esse seja
justamente seu ponto fraco: você se pergunta o que é isso, no fim das contas? Mas
não confundamos algo importante nas artes. Se você se indaga pelo que está vendo,
afinal, num espetáculo de dança, teatro, se você se indaga pelo que lê ao ler um
romance “estranho”, talvez possa estar frente a frente com algo novo, que rompe
gêneros, discursos, temáticas e enredos. E o rompimento é justamente uma das
funções mais importantes da Arte. Dito isso, vem o comentário: não é o caso.
Esta “confluência” de gêneros já foi tentada por tanta gente, de Eco (com muito
sucesso), até Jô Soares (com terrível insucesso). Por outro lado, a literatura, se vive de
si mesma, vive também de se reinventar, inclusive testando outros gêneros e discursos
em sua escrita.
Não interessa localizar para o romance um nicho onde ele ficaria confortável. Há
elementos aqui e ali de uma fantasmagoria, de um policial, de uma realidade mágica,
mas quando o lé se junta com o cré, o leitor verá que não se trata de nada disso. A
impressão que me deu é que faltam algumas amarrações para que tivesse um
“sentido”, fosse tal sentido novo ou velho. E se, como crítico, eu preciso de uma
localização, de uma bússula, diria que se trata de um romance “de mistério”. (Quando
falar sobre “A morte e o meteoro”, eu volto ao assunto.)
Estilo e gênero. Palavras complicadas. Mas você pode falar do “estilo” de Terron, seu
modo de encontrar, no todo da língua, um modo único de se comunicar com o leitor
[leia o parágrafo anterior, por favor], suas buscas e interesses. E pode dizer que se
trata de um romance porque sim.
Veja-se: a questão não é discutir verossimilhança. Isso já foi razoavelmente investigado
pela Teoria Literária. A estranheza – resolvida na própria escrita – é uma das marcas de
Terron e em relação à estranheza as coisas se resolvem. Mesmo que o romance se
passasse num mundo paralelo, em outra galáxia, no além, num universo fantástico,
internamente ele teria sua coerência. O problema não é esse. É a falta de cuidado
mesmo. Ele tem muitos momentos ruins, de uma escrita iniciante (e não é o primeiro
livro do autor), errinhos de lógica, o que a todo tempo me fazia lembrar do famoso
texto de Eco em que cita os disparates de Carolina Invernizio.
Talvez essa solução muito banal ou muito rápida para o livro seja seu ponto mais
decepcionante. Há, porém, uma relação muito rica ali entre pai e filho (os grandes
momentos do livro são as descrições dessa relação, algo que tem frequentado
bastante a literatura recente, vide meu texto anterior), mas todo o restante cai numa
mesmice ou falta de zelo e, de repente, tudo se evapora. Parece o fim de “Os mistérios
do detetive Murdoch”, série em que a única coisa boa é a possibilidade de Murdoch
exibir seu corpinho de ex-surfista, mas nem isso. Em cada capítulo, a coisa vai, vai, e
depois tudo se resolve num estalar de dedos (daqueles quando o som não sai).