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Crítica | Madame Teia - Plano


Crítico
Luiz Santiago

7–10 minutos

Todos nós já tivemos pesadelos. Se precisássemos


defini-los, diríamos tratar-se de “um sonho
desagradável que pode causar uma forte resposta
emocional da mente, normalmente medo, mas também
desespero, ansiedade, nojo ou tristeza“.
Figurativamente, a mesma sensação, frequentemente
manifestada com ódio, descrédito ou percepção de ter
sido enganado, pode apresentar-se como uma reação ao
nosso contato com determinadas obras de arte. Nos
“filmes de bonequinho“, tal status é a tônica das
produções (e sim, as exceções provam a regra). Mais
particularmente no caso da Sony, este parece ser o único
propósito do estúdio a cada novo aracnofilme: criar,
progressivamente, o pior longa-metragem de super-
herói já realizado na História do cinema. A última
pergunta do Universo, portanto, ecoa: quantos outros
filmes, elencos e vergonha mundial serão necessários
para que nos livremos desse experimento bizarro da
empresa? Existe alguma possibilidade de a equipe de
criação do estúdio conhecer a teoria de que é possível
realizar um bom filme de super-herói? Pelo visto,
saberemos no próximo atentado contra a humanidade
que eles cometerem através de seu pseudo-Aranhaverso
em live-action.

A vítima da vez é Madame Web, personagem que


apareceu pela primeira vez na revista O Espetacular
Homem-Aranha #210 (lançada em novembro de 1980),
com roteiro de Denny O’Neil e desenhos de John Romita
Jr.. Não diria que é uma personagem “para o gosto de
todos” e nem que tem um impacto ou histórias
inesquecíveis da Nona Arte, mas definitivamente não é
uma personagem ruim; e se a sua premissa como
heroína for bem utilizada, pode gerar enredos
marcantes, misturando sci-fi, fantasia e mistério. Não é
o caso, porém, desta produção assinada por S.J.
Clarkson, diretora com sólida carreira na televisão.
Talvez a conjunção de fatores negativos deste Universo
cinematográfico, começando com o pavoroso roteiro
(co-assinado pela diretora, diga-se de passagem), tenha
criado o melhor solo fértil possível para que ela
compusesse uma tapeçaria visual nula de qualquer
sentido, tentando contar uma história que começa em
“nada” e termina em “lugar nenhum“.

O título do filme é enganoso, e o enredo, como não sabe


para onde vai, dissipa-se em direções que não chamam a
nossa atenção. Deveríamos, em tese, conhecer os
caminhos que levaram Cassandra Web à posição de
Madame Web, correto? Em vez disso, acompanhamos
uma narrativa picotada, com piscadelas não-lineares,
mostrando Cassandra confusa diante de suas
premonições; e inserindo um vilão à caça de jovens
Mulheres-Aranha que supostamente irão matá-lo. À
primeira vista, só parece um texto bagunçado, mas é
muito mais do que isso. É um texto que se anula toda
vez que algo minimamente aceitável aparece em tela,
gerando, a longo prazo, uma coleção de coisas sem
sentido ou que geram muito mais perguntas do que o
filme consegue responder. Se temos migalhas de
motivação na sequência de abertura, na Amazônia
peruana, essa motivação transmuta-se em obsessão
vazia quando Ezekiel (Tahar Rahim, um bom ator, por
sinal) desaparece do filme e volta, em determinado
momento, já encarnado na figura de um “aranhão
malvado” querendo acessar a melhor tecnologia de
reconhecimento facial existente em 2003 (ano em que o
filme se passa) para localizar as futuras Mulheres-
Aranha de suas premonições. Não há trajetória, não há
continuação dramática ou compensação narrativa nem
mesmo para as ações do vilão ao se dar conta do que
Cassandra Web é capaz de fazer. Tudo é impulso, reação
imediata e preenchimento de buracos cênicos com
situações risíveis, vexatórias ou patéticas.

Disperso e ineficiente ao criar uma história de origem


pela qual haja algum interesse da plateia, o roteiro de
Madame Teia tem algo ainda pior em sua constituição,
se é que isso é possível: seus horripilantes diálogos. Não
há um único ator ou atriz aqui que receba uma cena livre
de diálogos vergonhosos. As sentenças são óbvias,
desviam rapidamente do assunto principal da cena, não
sinalizam aprofundamento para absolutamente nada e
possuem uma queda para a comicidade que extermina
qualquer possibilidade de salvação. Artistas como Tahar
Rahim, Adam Scott e Dakota Johnson, que não são
maus atores, figuram como fantoches sem graça,
mexendo a boca e tentando criar um momento
compreensível em meio ao emaranhado de situações que
deságuam no que deve ser a pior sequência dirigida por
S.J. Clarkson: a luta “épica” do bloco final. Notamos um
aceno até interessante da direção de fotografia, com os
fogos de artifício, mas a impressão que temos é que
Mauro Fiore encarnou a persona de uma criança que faz
uma piada, todos acham bonitinha, e ela simplesmente
não sabe parar, terminando por arruinar a piada e
deixar todo mundo com raiva.

Não se entende muito bem o que está acontecendo na


última luta. A montagem trabalha com vultos e borrões.
A alteração de cores da fotografia estaciona num filtro
vermelho e fica por lá mesmo, mesclando contornos e
impedindo a demonstração de boa profundidade de
campo e eficiente troca de plano e ângulo, coisas cruciais
em longas cenas de batalha. Novamente, as motivações e
a colocação dos personagens em cena não possuem
unidade, carecem de sentido lógico, não engajam, não
emocionam e nada criam além de uma superficial
expectativa para o cumprimento das premonições. É
difícil gostar de uma obra que retrata adolescentes de
maneira tão progressivamente caricata, com verniz
contemporâneo e suposta construção de duas décadas
atrás, num longa que nem é sobre essas adolescentes.
Vejam como todas as escolhas criativas, mesmo as que
começam de maneira decente, se desenvolvem e
terminam de maneira negativa. Alguns poucos planos
inteligentes, algumas viradas de câmera, mudanças de
perspectiva e mistérios em torno dos poderes de
Madame Teia desaparecem frente ao absurdo e
irritabilidade que todo o restante da película nos traz.
Tudo bem que o ciclo dos “filmes de bonequinho” está
em decadência de qualidade e engajamento de público,
mas a Sony parece agir à frente de seu tempo, com
filmes que representam um futuro onde esse tipo de
produção culmina em prisão perpétua. Mais uma
franquia de longas-Dementadores capazes de sugar toda
a nossa vontade de pisar novamente em uma sala de
cinema.

Madame Teia (EUA, 2024)


Direção: S.J. Clarkson
Roteiro: Matt Sazama, Burk Sharpless, Claire Parker,
S.J. Clarkson
Elenco: Dakota Johnson, Sydney Sweeney, Isabela
Merced, Celeste O’Connor, Tahar Rahim, Mike Epps,
Emma Roberts, Adam Scott, Kerry Bishé, Zosia Mamet,
José María Yazpik, Kathy-Ann Hart, Josh Drennen,
Yuma Feldman, Miranda Adekoje, Deirdre McCourt
Duração: 117 min.

Luiz Santiago

Após ser escolhido para a Corvinal e virar portador do


Incal, fugi com a ajuda de Hari Seldon e me escondi em
Astro City, onde me tornei Historiador e Crítico de
Cinema. Presenciei, no futuro, os horrores de Cthulhu.
Hoje, com a ajuda da minha TARDIS, traduzo línguas
alienígenas para Torchwood e presto serviços para a
Agência Alfa. Minha partida para Edena é iminente. De
lá, o Dr. Manhattan arranjará o meu encontro definitivo
com a Presença. E então o Universo tremerá.

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