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Soa
estranho ou bobo, mas felizmente, o filme não se limita a este elemento criativo. “Ela” retrata
as novas formas do amor de maneira geral, e consegue transformar o relacionamento entre o
escritor Theodore e o sistema operacional Samantha em um dos mais belos romances que o
cinema construiu no século XXI.
Spike Jonze apresenta seu protagonista com um olhar afetuoso, mas também o coloca em
praticamente todos os conflitos afetivos, éticos e morais que uma história de amor deste tipo
poderia provocar. O roteiro explora o ciúme, a possessão, o sexo, a distância e a noção de
pertencimento nos relacionamentos atuais, sem jamais parecer um “filme-tese”. Pelo
contrário, com seu tom leve e trilha sonora agridoce, a narrativa constrói uma viagem linear,
agradável e hilária em diversos momentos, sem a necessidade de plot twists e reviravoltas
para despertar o interesse do espectador.
O futuro imaginado por Jonze é triste, individualista, melancólico, onde a tecnologia fornece
apenas meios de encontrar o amor pela Internet, fazer sexo virtual, pagar para terceiros
escreverem cartas pessoais, divertir-se sozinho com videogames realistas. O diretor não aposta
em um conflito entre humanos e máquinas, e sim numa fusão tão completa entre os dois que
não se consegue mais imaginar uma interação humana sem a intermediação de um sistema
virtual. Para os personagens, o virtual é visto como um ideal a alcançar, um modelo de
perfeição para o real.
E por que questionar? Amamos livros. Amamos personagens da ficção, brinquedos e canções.
Amamos ideias e seus criadores. Amamos alguém com quem conversamos no Facebook ou no
Whatsapp e com quem vivemos relações que começam, se desenvolvem e mesmo terminam
através dos balõezinhos impessoais e artificiais de um aplicativo de telefone – o que não torna
estes sentimentos menos dolorosos ou reais. Os avatares que vemos nas redes sociais se
tornam eventualmente tão autênticos quanto os indivíduos que representam – e, em maior ou
menor grau, podemos dizer que amamos não aquelas pessoas com as quais nos envolvemos,
mas sim a ideia que construímos delas. Uma representação concebida através de suas ações e
de nossa percepção e interpretação destas.
Por fim, quando o espectador tem certeza de que esta será apenas uma linda história de amor
que celebra as paixões virtuais e defende a inclusão cada vez maior de máquinas em nossas
vidas, Spike Jonze reserva um final surpreendente, amargo e extremamente inteligente. Não,
este filme não é uma ingênua celebração da tecnologia, e sim uma reflexão profunda sobre
todos os aspectos que ligam os homens à máquina, e à projeção que fazemos dos nossos
amores na invisibilidade do meio virtual.