Você está na página 1de 8

planocritico.

com

Crítica | As 4 Filhas
de Olfa - Plano
Crítico
Ritter Fan
5–7 minutos

A história que a cineasta tunisiana


Kaouther Ben Hania tem para contar
em As 4 Filhas de Olfa é impressionante
e terrível, algo que desvela as garras
insidiosas do fanatismo religioso e
escancara o relacionamento complicado
e até condenável de uma mãe com suas
quatro filhas, duas delas que acabaram
fugindo de casa para fazer parte do
Estado Islâmico. E é por isso que eu não
consigo entender o porquê das escolhas
narrativas da diretora e roteirista para
guiar o espectador pelos meandros
dessa tragédia moderna de arrepiar os
cabelos da nuca. No lugar de prezar pelo
básico bem feito, ela preferiu um
caminho repleto de embelezamentos
que cria camadas artificiais a horrores
que não precisavam de absolutamente
nada a mais para chamarem atenção.
Aliás, chega a ser curioso e inusitado
que, se o espectador não ler uma
sinopse antes de embarcar na
experiência audiovisual, somente será
realmente possível descobrir o que
exatamente aconteceu com Rahma e
Ghofrane, as duas filhas mais velhas de
Olfa, no terço final da projeção, o que
cria um suspense completamente
desnecessário que, no final das contas,
esvazia o poder da narrativa central e,
pior, apressa sua resolução, quase como
se, de repente, a diretora tivesse clicado
no fast forward. Afinal, o ponto nodal
do documentário é justamente o destino
das duas jovens que, durante a maior
parte do longa, são mencionadas como
“desaparecidas”, com a família
remanescente, mãe e as duas filhas mais
novas, sofrendo com uma mistura de
saudade, inconformismo e remorso.
No entanto, esse nem é o maior dos
problemas. O conceito do documentário
em si é problemático. Ou melhor, a
execução do conceito é atabalhoada, se
eu quiser ser justo, pois, como disse, no
lugar de usar Olfa, a mãe, e Eya e
Tayssir, suas duas filhas mais novas,
como conduítes para uma narrativa
destruidora, Hania quis inovar e trazer
elementos metalinguísticos para sua
obra, que se torna um relato sobre o
périplo de Olfa e suas filhas ao mesmo
tempo em que é, também, um making of
de recriações de cenas da vida dessa
família com o uso de três atrizes para
viverem a própria Olfa em cenas mais
difíceis para a personagem real e as
duas filhas que se radicalizaram. É, sem
dúvida alguma, uma ideia interessante e
atraente, que poderia render bons
momentos, mas tudo o que a diretora e
roteirista consegue é criar confusão e
perder por diversas vezes o fio da meada
da história principal.
O objetivo era certamente o de criar
espaço para reflexão e, acima de tudo,
confrontar Olfa, Eya e Tayssir com
“novas encarnações” de Rahma e
Ghofrane e, ainda que isso por vezes
ocorra, tenho minhas dúvidas se o preço
que esse artifício mal executado cobra
valeu o esforço e, mais ainda, se isso
não ocorreria de qualquer forma sem
essa tentativa de inovação. Ao
acrescentar supostas camadas à
história, Hania faz seu documentário
descosturar-se na abordagem dos temas
centrais, primeiro lidando com a
maneira rígida com que Olfa criou suas
filhas e, depois, o que levou Rahma e
Ghofrane à radicalizão. No entanto, com
todos os floreios, nada é realmente
desenvolvido a contento, com as
entrevistas e as sequências em que as
irmãs reais interagem com as “irmãs
falsas” acrescentando pouco mais do
que uma infinidade de diálogos vazios
que fazem a progressão se arrastar
absurdamente.
Somente um esforço grande de
concentração leva o espectador a extrair
os fiapos aterradoras da narrativa e
montar mentalmente uma história
coesa, sem “enchimentos” que parecem
existir de maneira a evitar que a obra
chegasse a ser um longa metragem, pois
não há material suficiente, da forma
com que Hania conta a história, para
preencher mais do que uma duração
acanhada de curta metragem. E é uma
pena, pois a tragédia da família de Olfa
deve se repetir muito por aí e seria
importante que o documentário servisse
de alerta eficaz contra a perniciosidade
da lavagem cerebral religiosa.
Infelizmente, porém, o que fica é a
lembrança de um filme que carece de
coesão e que tenta inventar moda,
retirando muito do impacto que a
história em si já muito claramente
carrega em seu âmago.
As 4 filhas de Olfa (Les filles d’Olfa
– França/Alemanha/Tunísia/
Arábia Saudita, 2023)
Direção: Kaouther Ben Hania
Roteiro: Kaouther Ben Hania
Elenco: Hend Sabri, Olfa Hamrouni,
Eya Chikhaoui, Tayssir Chikhaoui, Nour
Karoui, Ichraq Matar, Majd Mastoura
Duração: 107 min.

Ritter Fan

Aprendi a fazer cara feia com Marion


Cobretti, a dar cano nas pessoas com
John Matrix e me apaixonei por
Stephanie Zinone, ainda que Emmeline
Lestrange e Lisa tenham sido fortes
concorrentes. Comecei a lutar inspirado
em Daniel-San e a pilotar aviões de
cabeça para baixo com Maverick. Vim
pelado do futuro para matar Sarah
Connor, alimento Gizmo religiosamente
antes da meia-noite e volta e meia tenho
que ir ao Bairro Proibido para livrá-lo
de demônios. Sou ex-tira, ex-blade-
runner, ex-assassino, mas, às vezes,
volto às minhas antigas atividades,
mando um "yippe ki-yay
m@th&rf%ck&r" e pego a Ferrari do pai
do Cameron ou o V8 Interceptor do
louco do Max para dar uma volta por
Ridgemont High com Jessica Rabbit.

Você também pode gostar