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Crítica | Megamente - Plano


Crítico
Luiz Santiago

7–10 minutos

Megamente (2010), da Dreamworks, é uma animação com


leve sabor vintage de heroísmo x anti-heroísmo, cujos
ingredientes principais vão de alusões a um clássico da
série Superman – cujo papel de Marlon Brando é
satirizado – até a mais recente explosão de heróis
atrapalhados, como em Os Incríveis; ou dos anti-heróis
que resolveram sair da marginalidade e povoar o cinema
de animação dos últimos anos.

Metro Man e Mega Mente são inimigos desde a infância e


ambos vieram parar na Terra ainda bebês, fugindo de
problemas em seus planetas. Metro Man, por uma série de
fatores aleatórios, conseguiu estacionar sua nave em uma
casa luxuosa, crescer em um lar próspero, ter uma boa
educação e ser admirado por todos pelos seus
superpoderes. Mega Mente (pelos mesmos fatores
aleatórios mas que sempre pendem para o azar em relação
a ele) estacionou no pátio de um presídio e foi “educado”
pelos detentos. O reencontro dos dois extraterrestres, anos
depois, na escola, marcaria o início oficial da rivalidade.
Mega Mente, após diversas tentativas infrutíferas de
ganhar a atenção da turma (que era totalmente voltada
para Metro Man, o “Senhor Certinho”), resolve que ser
mau é a sua verdadeira especialidade e a partir de então
torna-se um grande malfeitor a quem Metro Man precisa
deter, principalmente do sonho de dominar Metro City.

Para todos os efeitos, Megamente é uma ótima comédia de


animação. O roteiro garante momentos de fino humor e
besteirol, uma mistura aparentemente impossível, mas
que deu muito certo nas piadas e situações-limite. Porém,
a história não é de admirável originalidade (até porque é
uma homenagem ao Superman e outros tantos heróis e
por isso mesmo faz um amálgama de temas e histórias das
mais diversas fontes).

Por dentro da Mente

Sêneca disse que “a maldade bebe a maior parte do


veneno que produz”, e é justamente ante essa máxima que
em Megamente vemos acontecer as derrotas e quase-
vitórias do vilão da grande cabeça azul. O bem parece
triunfar perpetuamente sobre as tentativas fracassadas da
“suprema vilania”, contudo, eis aí o gancho para o futuro
desenvolvimento do roteiro, que desemboca em algumas
questões: o Mega Mente era, de fato, mau? Sua educação
no presídio influenciou sua opção pela maldade? O
ambiente externo interferiu nas suas atitudes e escolhas
para ser um vilão?

Do processo educacional de Rousseau à existência


sartreana, podemos pensar em alguns motivos para o
comportamento crescentemente ambíguo do vilão, que
hora apresenta planos malignos para a morte do seu
arqui-inimigo e domínio pleno de Metro City, hora
demonstra apaixonar-se, sentir medo e um vazio
existencial quase depressivo, quando do desaparecimento
de Metro Man, o verdadeiro significado de sua existência
má.

A ausência do bem esvazia o mal e o paradoxo que se


segue é uma situação que já foi e é exaustivamente
discutida: Mega Mente, o entediado representante da
maldade, começa a trabalhar em um projeto para criar o
bem, alguém para se opor aos seus planos, para caçá-lo,
para disputar Metro City com ele. Então aparece Titan, o
herói construído que pouco depois de seu “treinamento
extraterrestre”, passa agir de forma completamente
diversa da qual programado para agir. Se a discussão
sobre a construção do mal esteve evidente na primeira
parte do filme, agora é sobre a construção do bem e
remissão do mal que o enredo passa a discorrer.

Em meio à comédia, algumas discussões morais e éticas


(baseadas e desvios e remissão de condutas) dão um ar
mais sério e menos pueril ao filme. Essa seriedade, por sua
vez, é acompanhada por uma trilha sonora que
definitivamente espantou e encantou os espectadores
adeptos de obras clássicas como Crazy Train (Ozzy
Osbourne), Highway to Hell e Back in Black (AC/
DC), Welcome to the Jungle (Guns
N’Roses), Bad (Michael Jackson), A Little Less
Conversation (Elvis Presley, numa versão remix muito
boa) além de momentos de pura comicidade cênico-
musical, como a acidental reprodução de Lovin’
You (Minnie Riperton), na frente de toda Metro City, no
momento em que Mega Mente assume o pleno comando
da cidade. O que não temos em apuro estético na
construção da imagem do filme (apesar do ótimo gráfico),
temos em compensação através do campo sonoro, seja na
edição de som, seja na música (original ou não).

O incômodo aparece quando percebemos as lombadas e


barrigas do campo técnico e, a pior delas, é a montagem.
Uma das sequências que mais me incomodaram foi a
passagem do tempo e de espaços através do relógio
transformador de Mega Mente. A repetição da transição
com aquele relógio em chicote pela tela, além de ser muito
feio, lembra transições de desenhos animados, como Bob
Esponja, por exemplo. Ao fim da película, apenas Bad, em
louca coreografia segura a mensagem do filme e dá uma
certa simpatia ao epílogo. Sim, falta uma boa finalização
para a história, falta o elemento desencadeador da paixão
do espectador pelas personagens e por sua trajetória
durante a fita. Falta algo. E o filme termina com esse
vácuo.

Há poucas décadas, as animações populares deixaram de


ser feitas unicamente para crianças. A geração pós-
Monstros S.A. é a geração das “animações adultas”, cheias
de motivos que apenas um público acima da adolescência
vai entender completamente, como por exemplo, as
inúmeras alusões sexuais em A Era do Gelo 3. Uma obra
como Megamente chega aos cinemas e traça uma linha
divisória entre esses dois públicos: parte do filme só
entende os adultos (como a piada com o “pai espacial” do
“herói bom” Titan: que criança saberia dizer que se tratava
de uma imitação de Marlon Brando?), e por conter uma
narrativa extremamente dinâmica e menos infantilizada
(inclusive na mensagem que passa), também recebe o
efusivo aplauso do público infantil. Além disso, sequências
que tocam a sensibilidade de todos os espectadores
tornam algumas cenas absolutamente inesquecíveis: quem
não se encantou com o “olhar carente” do Servo, ou quem
não riu com os erros de linguagem do Mega Mente?

Embora falte uma boa finalização para a trama e mesmo o


seu desenvolvimento seja manco, o filme está acima de
muitas produções recentes e merece destaque.

A amizade, o amor, o bem e o mal são as colunas que


sustentam Megamente e a figura do anti-herói ganhou
aqui um trabalho digno de nota. Em um mundo nada
comum, situações bizarras e planos mirabolantes ganham
a graça do absurdo. Megamente é uma quase-vitória da
mega mente de Tom McGrath, que depois de co-dirigir os
dois volumes de Madagascar, assume sozinho a mega
direção de um mega vilão. Não resta
dúvida: Megamente não é um mega filme, mas engana e
encanta mega bem.

Megamente (Megamind, EUA, 2010)


Direção: Tom McGrath
Roteiro: Alan J. Schoolcraft, Brent Simons
Elenco (vozes): Brad Pitt, Jonah Hill, Tina Fey, Will
Ferrell
Duração: 96 min.

Luiz Santiago
Após ser escolhido para a Corvinal e virar portador do
Incal, fugi com a ajuda de Hari Seldon e me escondi em
Astro City, onde me tornei Historiador e Crítico de
Cinema. Presenciei, no futuro, os horrores de Cthulhu.
Hoje, com a ajuda da minha TARDIS, traduzo línguas
alienígenas para Torchwood e presto serviços para a
Agência Alfa. Minha partida para Edena é iminente. De lá,
o Dr. Manhattan arranjará o meu encontro definitivo com
a Presença. E então o Universo tremerá.

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