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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS - PUCMINAS

Curso: Cinema e Arte Visual

Disciplina: Análise e Crítica de Filmes

Trabalho: Top 10 Melhores filmes a partir dos anos 2000.

Docente: Prof. Drº Robertson Burgarelli Mayrink

Discente: Lucas Costa Barbosa Ladeia

Belo Horizonte

Novembro de 2022
Cidade de Deus – Brasil, 2002. Direção: Fernando Meirelles, Kátia Lund.
Roteiro: Bráulio Mantovani (baseado no livro de Paulo Lins).
Elenco: Alexandre Rodrigues, Matheus Nachtergaele, Leandro
Firmino, Phellipe Haagensen, Douglas Silva, Jonathan Haagensen, Seu Jorge.
Duração: 130 min.

Um dos marcos finais do cinema brasileiro da chamada


Retomada, Cidade de Deus de Fernando Meirelles e Kátia Lund, é um dos
maiores sucessos comerciais e críticos do cinema nacional. A estrutura
narrativa do filme é brilhante, iniciando-se em um momento em que o
protagonista está correndo enorme risco de morte. Ele, então, começa a
relembrar todos os acontecimentos que levaram a este ponto até retornar ao
momento exato de onde saíra, que é o clímax da fita. Tudo é contado com uma
naturalidade que evita que o espectador mais distraído se perca, mesmo
considerando o grande número de personagens. O filme também usa com
habilidade os seus fatos reais, chegando a incorporar uma passagem do Jornal
Nacional de 1979 em sua história.

A trama gira em torno de Buscapé (Alexandre Rodrigues), um morador da


Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, que desde pequeno fora um espectador de
camarote da violência que assola a favela em questão. Através de uma câmera
que gira em torno do personagem, o relógio volta no tempo e somos levados
aos anos 1960, quando tudo ainda era diferente e a violência dentro da
comunidade não alcançava os níveis que vemos no desfecho da obra. A partir
daí, em uma narrativa não-linear, acompanhamos a história dos criminosos da
Cidade de Deus, do Trio Ternura a Zé Pequeno (Leandro Firmino).

Um dos ingredientes para a fórmula do sucesso de Cidade de Deus é a


escolha de Meirelles e Lund em trabalhar com atores ainda inexperientes,
convocados de favelas do Rio de Janeiro, o que garante uma autenticidade ao
que vemos em tela. Há uma sinceridade na atuação de cada um deles, desde
Dadinho até o protagonista. Os diretores naturalmente, não simplesmente os
jogou em cena; uma extensa preparação misturada a teste de elenco foi
realizada, na qual uma escola de atores foi formada e que, posteriormente,
daria origem ao Nós do Morro e o Cinema Nosso, que, desde então, já formou
competentes profissionais na área do cinema.

O roteiro de Bráulio Mantovani faz um verdadeiro milagre da adaptação ao


colocar no cinema um livro com mais de duzentos personagens sem fazê-lo
soar apressado ou arrastado. Dito isso, a fim de transmitir uma maior fluidez, o
longa assume uma estrutura capitular – pulamos de bandido em bandido
enquanto a história da comunidade é formada.  Unindo esses episódios temos
Buscapé e sua narração em off (além da presença na tela), que impedem uma
quebra de ritmo e constrói a ideia de que está tudo conectado:

“Os eventos mostrados no início do filme diretamente impactam o que vemos


em seu desfecho. A coesão é garantida por esses recursos simples, mas
magistralmente utilizados”.

A montagem de Daniel Rezende caminha lado a lado com o roteiro, fazendo o


necessário para que o dinamismo constante seja mantido. Cada transição entre
os capítulos é realizada de forma orgânica, fluida. Para isso é mantida uma
linearidade nessa narrativa não-linear – enquanto a história progride
naturalmente na passagem dos anos, ela vai e volta a fim de nos trazer um
olhar dedicado sobre determinados personagens. Flashbacks e elipses
temporais são constantes e mais de uma vez um dos indivíduos retratados é
deixado de lado, somente para ser abordado posteriormente.

A narração em off de Buscapé aqui se faz essencial, nos dá vislumbres do que


veremos depois, mantendo-nos curiosos acerca do papel de cada peça nesse
complexo tabuleiro.

A direção de Meirelles e Lund é o pilar que mantém tudo isso unido, com uma
decupagem que nos transporta para dentro desse cenário, ora com um olhar
externo dos acontecimentos, quase documental, ora com closes em seus
personagens, garantindo a humanidade em cada um deles. Sentimo-nos como
se estivéssemos ali no meio daquele problemático ambiente e a sensação de
perigo nos assola, transmitindo um pungente naturalismo à narrativa, que
chega a nos deixar com um nó no estômago ao término da projeção.

Ao lado da direção temos a emblemática fotografia de César Charlone, que já


nos planos iniciais tira o nosso fôlego, não é à toa que o plano circular do início
do filme se tornou tão famoso. Charlone apresenta um domínio de sua arte,
sabendo trabalhar de forma impecável mesmo nas diversas cenas noturnas.

É um filme nacional interessante, bem escrito e que deveria servir de modelo


para as produções brasileiras, nomeado a quatro estatuetas do Oscar (direção,
roteiro adaptado, montagem e fotografia), o filme certamente se classifica como
um dos melhores filmes brasileiros.

Kung Fu Panda (EUA, 2008). Direção: Mark Osborne, John Stevenson.


Roteiro: Jonathan Aibel, Glenn Berger. Elenco: Jack Black, Ian McShane,
Angelina Jolie, Jackie Chan, Dustin Hoffman, Seth Rogen, Lucy Liu, David
Cross, Randall Duk Kim. Duração: 92 min

Inovação, a DreamWorks Animation se superou de vez. Uma história


incrível, com o roteiro fantástico, atuações dos personagens hilárias. É uma
animação com gráficos incríveis, como na cena em que Tai Lung foge da
prisão. As cenas de lutas são aplausíveis, deixando o filme empolgante, além
de vários ingredientes de humor. O estúdio já havia acertado em cheio
com Shrek, depois criou esse personagem com tanto potencial que tornou -se
uma nova franquia milionária quanto o ogro verde: O panda Po.Dublado pelo
excelente comediante Jack Black, que lhe forneceu alguns dos movimentos e
diálogos além da voz, o ursídeo protagoniza Kung Fu Panda. 

Com pouquíssimas pretensões narrativas a não ser 90 minutos de bem-


humorada aventura, o filme destaca-se especialmente pela direção de arte.

A técnica da computação gráfica atenta aos menores detalhes plásticos e


extremamente colorida, estilizada mas com algo de oriental. O design dos
personagens e sua pesquisa é igualmente digno de nota. Os "Cinco Furiosos"
- Louva-a-Deus (Seth Rogen), Macaco (Jackie Chan), Garça (David
Cross), Tigresa (Angelina Jolie) e Víbora (Lucy Liu) usam nomes de animais
cujos movimentos inspiraram escolas do kung-fu. Já o diminuto Mestre
Shifu (Dustin Hoffman) tem seu nome derivado do chinês "sifu", que significa
"mestre" num sentido quase paternal. A coreografia dos cinco primeiros nas
lutas é empolgante e criativa, digna de produções chinesas de artes marciais,
imaginando como seria se os animais realmente lutassem o kung-fu que eles
inspiraram os humanos a inventar.

Na história, co-dirigida por John Stevenson e Mark Osborne, Po, um urso


preguiçoso e comilão que ajuda o pai na sua vendinha de macarrão, descobre
que é "O Escolhido" e, segundo uma profecia, deve salvar o Vale da Paz
quando o leopardo Tai Long (dotado do icônico vozeirão de Ian McShane)
escapa de sua prisão (seqüência, aliás, excepcionalmente bem feita). Cabe
então à equipe de mestres transformar o gorducho panda no lutador que ele
precisa ser para encarar seu destino e salvar seu lar.

O roteiro é despretensioso, fora uma ou outra cena inofensiva de "budismo pra


ocidental ver" e umas lições de auto-afirmação, isso não significa que tenha
momentos de puro brilhantismo. A cena com Po fora do templo onde está
sendo conduzido o torneio para definir o Guerreiro Dragão é excelente por não
mostrar nada do que está acontecendo lá dentro. A sugestão, através do som,
um narrador e eventuais pirotecnias que escapam à edificação, é
desesperadora.

Assim como o Panda, que não consegue enxergar seus ídolos lá dentro,
ficamos angustiados. Outro detalhe é a hilária relação do urso com o pai (um
ganso!), que o filme deixa sem qualquer explicação, num delicioso
momento nonsense. Se os dois são tão tapados e estão felizes daquele jeito,
pra quê você vai querer saber suas origens? A cativante irrelevância desse
momento é outro dos trunfos do texto, que inclui ainda outros detalhes
divertidos, como o fato de todos os cidadãos serem "comida chinesa" (porcos,
patos, coelhos...). Comida chinesa e lições à parte, esta é uma comédia de
ação animada sem vergonha de ser apenas isso: Uma comédia de ação
animada. Dessa forma, de todos os princípios budistas, fica a certeza que ao
menos um é perfeitamente entendido pela produção, o de que o homem deve
viver uma vida honesta. Sim, porque honestidade não falta a Kung Fu Panda.
Minha animação preferida, história engraçada, envolvente e lutas épicas, dá
para entender quem não se interessa pelo protagonista, mas é tão bom dar
esse tipo mensagem esperançosa (mesmo sendo clichê) de um zé ninguém
dando a volta por cima. A trilha sonora então simplesmente magnífica.

Onde Os Fracos Não Tem Vez (No Country For Old Men) – EUA, 2007.
Direção: Joel Coen e Ethan Coen. Roteiro: Cormac McCarthy, Joel Coen e
Ethan Coen. Elenco: Tommy Lee Jones, Javier Bardem, Josh Brolin, Woody
Harrelson, Kelly Macdonald, Garret Dillahunt, Tess Harper, Barry Corbin.
Duração: 122 minutos

“A vida é uma História contada por um idiota: cheia de som e fúria, significando
nada.” William Shakespeare, Macbeth, Ato V, Cena V.

Quando Clint Eastwood encarnou seu “pistoleiro sem nome” na célebre Trilogia


dos Dólares, de Sergio Leone, o gênero western ganhou um novo arquétipo.
Não mais o cowboy bom-moço de outros clássicos do gênero, como os
interpretados por John Wayne. Agora o protagonista demonstrava claramente
sua moral duvidosa e seus óbvios traços de cinismo. Não é segredo para
ninguém que ali o protagonista de western ganhou contornos bem mais
humanos e quase que fronteiriços entre o herói e o anti-herói.

Os irmãos Coen conheciam muito bem essa evolução quando filmaram Onde


Os Fracos Não Tem Vez.  Mas a obra-prima de 2007 é muito mais que um
simples decalque modernizado do gênero. Os diretores adicionaram elementos
que modificaram sua estrutura e seu espírito. Se o longa-metragem o subverte
ao dar o protagonismo a um anti-herói inequívoco, ele acaba também por
modificar os próprios moldes dos vilões tradicionais, já que Anton Chiguhr é em
tudo atípico.
Qualquer análise sobre Onde Os Fracos Não Tem Vez gravitará
necessariamente em torno de seu anti-herói – um dos grandes vilões da
história do cinema. Javier Bardem interpreta Chiguhr de modo
assombrosamente inspirado e o compõe de uma série de maneirismos que
revelam sua frieza, sua soberba e sua completa loucura. Seu corte de cabelo
excêntrico parece ser usado por ele como uma ironia ou um deboche.
Impressiona seu ritualismo a cada cena. Ele caminha calmamente até suas
vítimas e dialoga com elas sem jamais se exaltar. O personagem decide com
lances de uma moeda se seu interlocutor morrerá ou viverá. Anton Chiguhr
nega o livre arbítrio. Seus atos são reflexos de uma força que não demora a se
revelar – o psicopata dos irmãos Coen encarna a própria força da morte.
Irreprimível e atemporal. Nenhum dos personagens do longa-metragem
apresenta registros de historicidade. Nada sabemos sobre eles. Nem suas
motivações nem seus objetivos. Presente, passado e futuro tornam-se um só.

Se o tempo parece tão insignificante no filme, a solidão toma conta de seus


enormes espaços desérticos. Nos primeiros minutos de Onde Os Fracos Não
Tem Vez, são os planos gerais que nos dizem isso.

Os diretores, realizaram o melhor trabalho de direção de sua carreira, sabem


que enquadrar a amplidão dessas locações diz muito mais que explicá-las com
diálogos e narrações. Sabem que suas imagens exprimem melhor o peso do
mundo sobre os ombros frágeis de homens cujas vidas valem tão pouco. Esse
vazio é aumentado pela ausência de trilha sonora. Em seu lugar, o filme utiliza
alguns ótimos efeitos. Valorizam-se os sons dos passos, das respirações
ofegantes, dos disparos de armas e dos motores das caminhonetes que cortam
as ermas estradas.

O trabalho de edição e de mixagem de som valoriza os menores detalhes


sonoros e um exemplo disso é visto na famosa “cena da moeda”, em que o
ruído desagradável de um papel se abrindo anuncia o perigo em um momento
importante.
Os irmãos Coen fazem um exímio trabalho na criação de suspense ao longo de
todo o filme. Um dos momentos que mais facilmente enerva o espectador é
aquele em que o personagem Llewellyn Moss (Josh Brolin) descobre
o transponder dentro da mala de dinheiro. Em silêncio absoluto, o plano se
fecha em um close-up no rosto tenso do caçador. Corte para um plano médio
entre ele e a porta, com a câmera estática. Corte novamente para o rosto de
Moss, para a porta e, a seguir, mais uma vez para o rosto do personagem.
Corte, então, para a soleira da porta, onde um feixe tênue de luz entra
sorrateiramente e cria a expectativa de um disparo que virá a qualquer instante
do extracampo. Os cortes seguintes repetem o padrão e sustentam o suspense
até a resolução da cena. Essa inteligente decupagem dispensa quaisquer
cacoetes previsíveis do ator e quaisquer rasgos manjados da trilha sonora para
criar tensão. Sem auxílio de muletas, o filme consegue um dos momentos mais
impressionantes na história recente do cinema.

Se essa cena constrói todo o suspense pela iminência do embate entre Anton
Chiguhr e Llewellyn Moss, o possível assassinato do último pelo primeiro, que
tanta expectativa criou no público, surge na tela de modo inesperadamente
prosaico. É neste momento que a obra muda subitamente seu ponto de vista e
a morte de Moss é mostrada pelo olhos do xerife Ed Tom Bell (Tommy Lee
Jones) como se fosse apenas mais um crime. Uma morte qualquer, sem
nenhuma glória e que o filme mal permite que se sinta. A escolha é
surpreendente e o filme zomba do envolvimento do espectador.

Quem vive e quem morre é algo que não parece ter a menor importância
em Onde Os Fracos Não Tem Vez. O que interessa mesmo é a força destrutiva
personificada em Chiguhr e que chega sem dar avisos. Repentina como o
arrombamento da fechadura (marca ritualística do psicopata) e assustadora
como o head-on que registra a chegada do protagonista do outro lado de uma
porta.

É importante nesse momento perceber que a câmera centrava-se basicamente


nos travellings, muitas vezes fechados nos pés dos personagens e que
permitiram a criação de todo o clima de perseguição implacável entre Chiguhr e
Moss. Curiosamente, a obsessão de ambos em perseguir uma mala de
dinheiro, que se reflete na própria obsessão da câmera por seguir em seu
encalço, acaba sendo esvaziada de sentido. Os protagonistas trilham um
caminho eivado de violência e de morte, mas nunca fica claro o porquê de toda
a devastação que causam, nem aonde pretendem chegar com uma
perseguição que nunca parece ter fim nem razão. Percebemos que na obra-
prima dos irmãos Coen, Anton Chighur e Llewellyn Moss é uma alegoria da
nossa própria história. Sempre fomos eficientes em matar. Matamos em nome
da fé, da ausência dela, de uma postura ideológica ou da sua contrária.
Criamos razões e aperfeiçoamos os métodos. Matamos uns aos outros como
animais em outro tipo de selva. Não é por acaso que Chiguhr utiliza uma arma
de matar gado quando ataca suas vítimas.
A questão maior e mais espinhosa de Onde Os Fracos Não Tem Vez é:  para
onde a história nos conduz enquanto deixamos nosso rastro de ruína? A
mensagem final não é nada otimista: o mal segue adiante. Prevalece e se
renova. E seguimos com ele sem qualquer ponto de chegada. Somos todos
como o xerife Ed Tom Bell e seu velho pai – cavalgando sem norte em um
sonho banal.
Em suma, um filme dinâmico, não é lento, cansativo. É engraçado como o filme
tem uma pegada social fortíssima, a maldade como protagonista da história,
sendo representada primorosamente pelo incrível Javier Bardem – Oscar
merecidíssimo. O enredo foi bem adaptado, os diálogos são inteligentes e
importantes para a narrativa e caracterização de cada personagem. A cena do
cara e coroa apresenta como a maldade é suscetível a todos nós. Basta você
ter a sorte de escolher o lado certo.

The Dark Knigth. Ano 2008

DURAÇÃO:152 min
DIREÇÃO:Christopher Nolan
ROTEIRO:Christopher Nolan, Jonathan Nolan
ELENCO:Aaron Eckhart, Maggie Gyllenhaal, Christian Bale, Michael Caine,
Heath Ledger, Morgan Freeman, Gary Oldman
Batman Begins, como o nome já deixa bem claro, era uma promessa de
um início e não uma ressureição ou volta. Bruce Wayne (Christian Bale) está
de volta a Gotham City mais rico e poderoso do que nunca. Batman já deixou
de ser apenas um mascarado para se tornar um fio de esperança para a cidade
e um enorme perigo para os criminosos. O herói está formado, amadurecido. E
isso tem suas conseqüências: 1. O crime organizado se mobiliza com um
objetivo em comum: destruí-lo; 2. Pessoas sem treinamento se fantasiam
inspirados nos atos de bravura do herói; 3. Surgem malucos dispostos a
desbancá-lo por ganância ou simples vontade de ver o circo pegar fogo.

Esta última definição é uma descrição simples e rápida do maior nêmesis


(vingança ou indignação justificada) do Cavaleiro das Trevas, o Coringa (Heath
Ledger). O personagem criado é um psicopata, assassino sem dó, anarquista
que só pensa em uma coisa: criar o caos.

Do lado oposto surge um "Cavaleiro Branco", o promotor de Justiça de Gotham


City, Harvey Dent (Aaron Eckhart). Lutando com as armas que têm em mãos,
Dent vai trabalhando duro para se tornar um herói sem máscara, símbolo de
uma luta que pode, sim, ter fim, se todos acreditarem e fizerem o que é certo.
Seu discurso e suas atitudes levaram para o seu lado a jovem assistente da
promotoria Rachel Dawes (Maggie Gyllenhaal), o tenente Jim Gordon (Gary
Oldman) e até mesmo o verdadeiro Bruce Wayne, que nada tem a ver com
o playboy festeiro criado como disfarce ideal para o defensor de Gotham.
Para contar as histórias de tantos persongagens do jeito que queria, o
diretor Christopher Nolan, que assina o roteiro ao lado do seu
irmão, Jonathan, criou um filme longo, 152 minutos. A projeção parecem
pouco em um filme que não diminui o ritmo e vai emendando um suposto
clímax em algo ainda mais grandioso e dramático. Duas cenas, aliás, merecem
destaque especial: o desfecho da cena do hospital e a seqüência do caminhão.
Nada de computação gráfica: tudo aconteceu de verdade e foi captado pelas
câmeras em um único take que não permitia segundas tomadas. O realismo a
que Nolan gosta tanto de falar, vai além de buscar personagens reais. Ele cria
também situações reais e que deixam qualquer um de boca aberta.

Em 2008, foi o ano em que o cinema de super-heróis passou para o próximo


nível e espectadores pelo mundo todo sentiram esse abalo sísmico.

 Cavaleiro das Trevas, quem o viu na estreia se lembra dessa energia e ainda
hoje é possível sentí-la. Lá pelo meio da história, o Coringa de Heath Ledger
diz ao Batman vivido por Christian Bale: “Você mudou as coisas, para
sempre”. Hoje, parece que ele se referia também ao filme. A “escalada”, noção
importante dentro da narrativa da bat-trilogia de Nolan – representou também a
escalada do subgênero de super-herói.

O diretor e seus co-roteiristas Jonathan Nolan e David S. Goyer não nos


explicam nada sobre o Coringa. Não sabemos quem é ou de onde veio. Ele
parece ter saído de um buraco do inferno, conta várias versões sobre as
origens das suas cicatrizes, sem nunca nos dar certeza sobre nenhuma delas e
está a fim de fazer experimentos sociológicos perigosos com a população de
Gotham. Não é um personagem humanizado, e nem é para ser. Essa é uma
decisão muito acertada.

Boa parte da energia do longa também se deve ao conflito entre a atuação de


Ledger e a direção. Um cineasta eminentemente racional, sempre obcecado
com os pormenores de uma história e para o qual tudo precisa ser explicado,
Nolan é controlado na sua mise-en-scène e na sua visão. E neste filme, ele
dirigiu um personagem e um ator que floresceram no caos. É notório que
Ledger como Coringa chegou a assustar até alguns dos seus colegas de cena.
Sempre que ele aparece, a trilha sonora vira um acorde de guitarra dissonante
e a câmera treme, fica inquieta, vira de cabeça para baixo.
O elenco é muito bom: ajuda muito rodear figuras de quadrinhos como Batman
e Coringa de atores vencedores de Oscar como Oldman, Michael Caine e
Morgan Freeman. Maggie Gyllenhaal substitui Katie Holmes com facilidade e
graça e, curiosamente, até atores de filmes B como Eric Roberts e Michael Jai
White aparecem e estão muito bem.

“O Cavaleiro das Trevas” mantém sua força, mas é a forma como impactou a
cultura popular que talvez impressione mais. Atualmente, não são muitos os
filmes que plantam falas icônicas na mente do público, porém “por que tão
sério?” e “ou você morre como herói ou vive o bastante para se tornar o
vilão” instantaneamente se tornaram parte do vocabulário cinéfilo.
 A forma como o filme encapsula as tensões da guerra ao terror dos Estados
Unidos, pós-atentados de 11 de setembro, também ressoaram junto ao
público. Batman: O Cavaleiro das Trevas é um dos raros filmes
hollywoodianos, a abordar o tema do terrorismo doméstico, o maluco
escondido em alguma cidade norte-americana, pronto para explodir ou atirar
em seus compatriotas, sabe-se lá por qual razão. E a partir de certo ponto da
trama, a situação fica tão desesperadora que o Batman se vê forçado a
espionar os cidadãos e comprometer seus valores, para encontrar o vilão –
uma alusão ao “vale-tudo” empregado pela doutrina Bush de caça aos
terroristas pós-11/09.

O Sushi dos Sonhos de Jiro (Jiro Dreams of Sushi, EUA, 2011)


Direção: David Gelb. Roteiro: David Gelb. Com: Jiro Ono, Yoshikazu
Ono, Takashi Ono, Masuhiro Yamamoto, Daisuke Nakazama, Hachiro
Mizutani, Harutaki Takahashi, Hiroki Fujita, Tsunenori Ida
Duração: 82 min.

Sinopse: Jiro Ono, 85 anos, é um especialista em sushi que trabalha


incansavelmente no seu restaurante, Sukiyabashi Jiro. Yoshikazu, filho de Jiro,
enfrenta o desafio de assumir o comando do renomado, minúsculo e caríssimo
estabelecimento e deixa o pai livre para dedicar-se ao seu objetivo de vida:
criar o sushi perfeito.
É um filme em tese sobre culinária, sobre um microscópico restaurante
surpreendentemente tri-estrelado pelo notório guia Michelin, algo muito mais
profundo, uma verdadeira lição de vida. Focando em Jiro, o senhor japonês de
85 anos (mas que não parece mais do que 60) dono do cobiçado local com um
único tipo de prato – sushi – em uma estação de metrô de Tóquio, David Gelb,
produtor, roteirista e diretor dessa pequena pérola documental faz um favor ao
mundo ao mostrar o que a dedicação e humildade podem alcançar.

Sim, dedicação e humildade. E não especificamente a uma profissão ou a uma


causa. O exemplo do octogenário Jiro, capturado tão bem pelas lentes de Gelb,
transcendem barreiras culturais e sociais. Mostra que o mergulho profundo em
um objetivo aumentará em muito as chances de sucesso e que esse sucesso,
normalmente tão fugaz, não é algo que vem da noite para o dia, mas sim ao
longo de décadas de duríssimo esforço. O documentário aborda o “segredo do
sucesso” de um mini-restaurante que por fora ninguém daria nada, que só
serve um tipo de prato e que fica localizado no subterrâneo de uma cidade e
que nem banheiro tem.

Para alcançar esse posto, Jiro começou a trabalhar com 10 anos de idade,
sempre na mesma atividade. Nunca mudou. Muitos, hoje, podem torcer o nariz
para isso. “Como assim ele nunca fez outra coisa que não sushi?” “Cadê a
ambição nele?” Hoje, o mundo é volúvel demais, com prazeres efêmeros.
Todos querem sucesso e dinheiro imediatos, como se ele nascesse em árvore
e como se todos fizessem por merecer só porque trabalharam “muito” no
conceito turvado do “muito” que muitos têm. Sucesso verdadeiro só vem com
dedicação e 70 anos, fazendo sushi elevaram Jiro a um patamar diferenciado.

E Jiro é o sol no centro de uma constelação de excelência. Não são só os


fornecedores, mas também seus dois filhos, o mais velho Yoshikazu e o mais
novo Takashi. A tradição japonesa determina que o mais velho siga os passos
do pai, mas Jiro fez questão que ambos aprendessem sua profissão e de
maneira completamente “não japonesa”, sugeriu que os dois não fizessem
faculdade e largassem tudo para se juntarem a ele. E a dedicação dos dois deu
certo. No entanto, a tradição – certa ou errada, pouco importa – também se
manteve, pois Takashi, por sugestão de Jiro, fez voo solo e abriu outro
restaurante de sushi – exatamente igual ao do pai, mas sem o pai, claro –
enquanto que Yoshikazu se manteve com Jiro, algo que continuava pelo
menos até o final da produção do documentário. E vemos em Yoshikazu a
vontade de dar seus próprios passos, mas também entendemos sua
resignação e respeito pela posição do pai, sem que isso signifique que ele não
tenha que se tornar um sushiman melhor ainda que seu progenitor. Será difícil,
com certeza. Quase impossível. Mas isso não o faz ficar sentado em berço
esplêndido.

David Gelb, sabe que muitos espectadores esperarão ver um documentário


sobre culinária. E, para esses, há também suculentos momentos que são
engrandecidos por uma lente íntima, a médio plano durante as entrevistas, às
vezes em close-up e o abuso de câmeras lentas e de time lapse no que diz
respeito à comida em si. Observamos a preparação do sushi desde a aquisição
dos frutos do mar e do arroz até a degustação por convidados no restaurante.

A montagem não é linear e ele não começa em uma ponta para acabar em
outra. Ele conta pequenas histórias e anedotas sobre as vidas de Jiro e seus
filhos por suas próprias palavras e também pelos de seus fornecedores e por
um crítico gastronômico inseridas em um contexto maior que precisa ser
“remontado” na mente do espectador. Aprendemos muito sobre o processo,
mas quase nada sobre os segredos, pois o segredo de Jiro não é uma receita
passada de geração em geração que ele esconde a sete chaves, mas sim uma
coisa só que já mencionei exaustivamente aqui: dedicação. Sem dedicação,
nada tem significado. Sem dedicação não há excelência. Sem dedicação, tudo
se torna banal.

Oldboy (Oldboy, Coréia do Sul, 2003)


Roteiro: Garon Tsuchiya e Nobuaki Minegishi. Direção: Chan-wook Park.
Elenco: Min-sik Choi, Ji-tae Yu, Hye-jeong Kang, Dae-han Ji, Dal-su Oh,
Byeong-ok Kim, Seung-Shin Lee, Jin-seo Yun. Duração: 120 min.
Esse é um dos filmes que compõem a Trilogia da Vingança sob a
direção de Park Chan-wook, cada fotograma parece ter sido feito manualmente
até virar um sequência/ cena do filme. Atores, roteiro e tudo o mais impecáveis
ou "pecáveis" (dependendo da culpa de cada um). Como cinema é um dos
melhores filmes que já vi na vida. Park Chan-wook nos leva para onde quer em
um clima surpreendente.
Oldboy, é a segunda parte da elaborada Trilogia da Vingança e trouxe para
Chan-wook o reconhecimento merecido e uma repercussão nada menos que
digna para sua trilogia. Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, Chan-wook
viu na conquista do prêmio a oportunidade de suas obras serem mais
conhecidas comercialmente, algo obtido com êxito.
É considerado a obra-prima do diretor sul-coreano, o que não seria uma
afirmação nada injusta: o diretor se aperfeiçoa no requinte visual, na narrativa
viciante, na elaboração de cenas não recomendadas para os fracos de
estômago, mas que jamais soa gratuitas. 

Oldboy é um filme ainda mais profundo no tema da vingança, além de ser um


dos thrillers mais inteligentes dos últimos anos. Baseado em um quadrinho
japonês de mesmo nome, é um daqueles filmes que pede poucas revelações
sobre sua sinopse, uma vez que qualquer tropeço pode estragar alguma das
surpresas dos filmes. Basta saber que após ficar preso num suposto quarto de
hotel durante 15 anos sem nenhum motivo aparente, Oh Dae-su (Min-sik Choi)
é libertado e praticamente de imediato, decide ir atrás de vingança e respostas
para o acontecido. Assim, está armado o cenário para que esta trama
aparentemente banal ganhe contornos surpreendentemente insanos, e ao
mesmo tempo, lógicos.

O melhor da trilogia de Chan-wook sobre este tema está na construção de seus


personagens, que jamais se entregam aos estereótipos do bom e do mau, do
mocinho e do bandido. Em Oldboy, temos figuras complexas e moralmente
desvirtuadas, onde o diretor evita julgar qualquer uma de suas ações, sejam
elas quais forem. Desta forma, é conferida uma humanidade inesperada aos
personagens, que sem perceber, acabam remetendo a nós mesmos, seres
gananciosos, nos permitindo refletir: o que faríamos se estivéssemos na
situação dos personagens? Iríamos atrás de respostas? Ou nos
conformaríamos com a libertação do cativeiro. Oldboy é um estudo sobre o
caminho mais trágico destas escolhas, assim como suas consequências.

 É um filme recomendado para poucos, não apenas por sua narrativa crua e
sombria (o trabalho de fotografia acentua esse clima), mas também pelo
sadismo das cenas elaboradas por Chan-wook. Remetendo de imediato
(embora o objetivo talvez não tenha sido esse) ao cinema de Quentin
Tarantino, Oldboy traz um bom número de sequências insanas e escatológicas,
que vão desde Oh Dae-sue comendo um polvo vivo (e como já dito, nenhuma
destas cenas soa gratuita, cada uma possui seu objetivo), até a longa
sequência de luta num corredor mal iluminado, num dos plano-sequência mais
impressionantes já vistos nos últimos anos, onde durante três minutos
acompanhamos a câmera capturando, sem pudor nenhum, a intensidade do
confronto diante de uma coreografia bem elaborada.
Oldboy tem basicamente tudo colocado na prateleira (na ordem e na posição
corretas) de forma a dar o efeito de sentido da vingança e da culpa necessárias
ao percurso narrativo de cada personagem. Assim, no plot narrativo, nada
sobra, pois todo signo se adapta à história. Assim, a clareza temática da
vingança se expande para outros subtemas: o remorso, a hipnose, o incesto, o
perdão.

É tudo mais sombrio, sujo e moralmente desvirtuado, uma obra-prima singular


e absolutamente fascinante. Oldboy, um filme que não vai envelhecer.

Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds)


Direção: Quentin Tarantino. Roteiro: Quentin Tarantino. Elenco: Brad Pitt,
Mélanie Laurent, Christoph Waltz, Diane Kruger, Michael Fassbender, Daniel
Brühl, entre outros. Origem: EUA/Alemanha. Ano: 2009
Quando penso no cinema de Quentin Tarantino em Bastardos
Inglórios (Inglourious Basterds) não consigo deixar de compará-lo a um mod
developer (modo de desenvolver) e um dos bons. Ele mistura linguagens,
épocas e escolas, que praticamente desaparecem no resultado, tornando-se
algo só dele. Dos faroestes de Sergio Leone (que já haviam inspirado Kill Bill
Volume 2) vêm a inspiração para a música (Ennio Morricone está na trilha) e a
tensão nos duelos (verbais ou físicos). De John Ford ele empresta a temática
da vingança, todo o "Capítulo 1" e um enquadramento arrancado de Rastros
de Ódio (The Searchers, 1956). A criação do personagem Aldo Rayne (Brad
Pitt) vem de atores como Aldo Ray (1926-1991) e John Wayne (1907-1979). De
um obscuro filme de guerra italiano de 1978 o título do filme. Da nouvelle
vague o teor do "Capítulo 3", com a Shosanna de Mélanie Laurent lembrando
as personagens dos filmes de Truffaut, a lista é extensa.
Tarantino, supernerd cinéfilo, apanha todas essas coisas que lhe são queridas,
com as quais cresceu, e as transforma. A história começa na França ocupada
pelos nazistas, onde Shosanna Dreyfus (Laurent) testemunha a execução de
sua família pelas mãos do coronel nazista Hans Landa (Christoph Waltz ). Após
uma introdução brilhante com uma intensa conversa entre os personagens
de Denis Menochet e Waltz, a jovem consegue escapar e foge para Paris, onde
cria uma nova identidade como dona de cinema. Enquanto isso, também na
Europa, o tenente Aldo Raine (Pitt) inferniza ao lado de seu grupo de soldados
judeus os nazistas. Conhecido por seus inimigos como Os Bastardos, o
esquadrão de Raine se junta à atriz alemã e agente infiltrada Bridget Von
Hammersmark (Diane Kruger) em uma missão para derrubar os líderes do
Terceiro Reich. E os destinos convergem para o cinema onde Shosanna está
planejando a sua própria vingança.

A trama investe nos atores e a direção de elenco é a melhor da carreira por


essa característica de Tarantino. Christoph Waltz o ator austríaco não dá
chance a quem quer que divida a cena com ele. É divertida a maneira como
Tarantino conscientemente reduz personagens aos seus estereótipos
conhecidos (o americano caipira e bruto, a francesa blasé, o inglês
supereducado, os nazistas engomadinhos...) para economizar tempo em
explicações e construção de personagens. O único com quem ele realmente se
preocupa é, de novo, Hans Landa. Adorar o nazista, mesmo com o tresloucado
e historicamente alucinado clímax que o filme oferece, não é algo de fácil
digestão mesmo.

Também passível de discussão é a eterna "violência tarantinesca". Uns amam,


outros odeiam. O cinema de Tarantino tem mesmo essa propriedade um tanto
anestésica em alguns em relação à sangreira.

Com uma carreira repleta de obras icônicas e um estilo para lá de marcante, o


cineasta ganhou os corações dos amantes da sétima arte e tudo que faz
parece cair nas graças do público. O longa ainda tem a estética e o estilo
inconfundível de Tarantino, que parece brincar de fazer cinema. Seja na cena
em que Shosanna se prepara para pôr seu plano em prática ao som de "Cat
People (Putting Out Fire)", de David Bowie; ou na espetacular cena de abertura
na fazenda, a técnica e o controle do diretor parecem melhores do que nunca,
em todos os sentidos.

Bastardos Inglórios é mais uma obra-prima de um diretor apaixonado pelo


cinema e que sabe produzi-lo como ninguém, mesmo quando resolve
reescrever fatos mais do que conhecidos pela humanidade, fazendo com que
sua verdade passe a ser o desejo de muitos, que queriam que a história tivesse
sido assim.

Interestelar (Interstellar – EUA/ Reino Unido, 2014)

Direção: Christopher Nolan. Roteiro: Jonathan Nolan, Christopher Nolan.


Elenco: Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Jessica Chastain, Wes
Bentley, Matt Damon, Mackenzie Foy, Michael Caine, Casey Affleck, Topher
Grace, John Lithgow
Duração: 169 minutos.

“O amor é a única coisa que transcende o tempo e espaço”.


Sinopse: Após ver a Terra consumindo boa parte de suas reservas naturais,
um grupo de astronautas recebe a missão de verificar possíveis planetas para
receberem a população mundial, possibilitando a continuação da espécie.
Cooper (Matthew McConaughey) é chamado para liderar o grupo e aceita a
missão sabendo que pode nunca mais ver os filhos. Ao lado de Brand (Anne
Hathaway), Jenkins (Marlon Sanders) e Doyle (Wes Bentley), ele seguirá em
busca de uma nova casa. Com o passar dos anos, sua filha Murph (Mackenzie
Foy e Jessica Chastain) investirá numa própria jornada para também tentar
salvar a população do planeta.

Interestelar é o filme mais ambicioso de Christopher Nolan, o diretor


decidiu realizar um longa sobre o homem, abordando sua natureza
devastadora, mas também exploradora e empreendedora. Fã de 2001 - Uma
Odisséia no Espaço, Nolan faz uma homenagem ao cinema de Stanley
Kubrick e à obra de Arthur C. Clarke, mas o espectador deve evitar entrar em
maiores comparações entre as produções, afinal estamos falando de um dos
maiores clássicos da história da ficção científica. Interestelar é um filme que
merece escrever sua própria história, sem ficar sofrendo com comparações
inadequadas.

Por outro lado, é difícil não lembrar de Kubrick diante da visão de futuro criada
por Chris Nolan e pelo irmão Jonathan Nolan. Pode-se dizer até que o futuro de
Nolan aqui é mais ambicioso do que o visto em 2001, para um filme de 1968.

A primeira parte do filme busca construir as relações humanas do protagonista,


que embarca em uma jornada importante que pode ser a última esperança
para a população do planeta. Ele é chamado para liderar uma missão espacial
que busca explorar novos planetas que podem substituir a Terra.

A montagem de Lee Smith merece elogios, principalmente pelo fato de


conseguir fazer o filme fluir bem nos momentos mais reflexivos e mesmo
contando com quase três horas de duração. A presença de depoimentos logo
no início do filme, sugerindo um falso documentário também é interessante,
fazendo uma ligação boa com o desfecho. A direção de arte minuciosa e o
ambicioso design de produção colocam o filme como um marco da ficção
científica na Hollywood do século XXI, principalmente por tudo (ou melhor,
quase tudo) parecer possível, como os robôs que são claras referências ao
monolito de 2001, num ótimo trabalho também da equipe de efeitos visuais.

A criação do som também é primorosa, lembrando muito o recente Gravidade,


especialmente nos momentos em que investe no completo silêncio do espaço.
O compositor Hans Zimmer, parceiro permanente de Nolan, a trilha tem
momentos bonitos e contemplativos, mas também soa exagerada em outras
sequências. A fotografia de Hoyte Van Hoytema, que consegue ser
deslumbrante por 90% do tempo, mas que gasta outros 10% com flares (com
luz sendo jogada diretamente na lente da câmera).

Interstellar (no original) aborda temas como o desperdício, abandono, solidão e


desespero. É um filme sobre humanidade, retratando a capacidade do homem
de ser devastador, mesquinho e ao mesmo tempo sonhador e iluminado.
Também é um longa sobre o nosso lugar, insignificante, dentro do universo,
sendo quase que uma declaração de amor do diretor à ciência. Não se trata de
uma obra completamente empírica e fundamentada. O sentimento também faz
parte das conquistas do homem e aqui é tratado como algo fundamental para a
narrativa. Neste sentido, o filme oferece algumas cenas realmente
emocionantes. Do ponto de vista da ação, também conta com momentos
marcantes.

Matthew McConaughey tem uma atuação incrível. Em determinado momento,


quando encontra problemas no espaço, a câmera foca apenas em seu rosto,
fazendo com que o espectador tenha noção do quão grave é a situação apenas
por sua expressão. Jessica Chastain, vive Murph quando adulta, enquanto
que Anne Hathaway mostra força e naturalidade como a Dra. Brand. Talvez
gaste um pouco de tempo de mais em sua primeira parte e sofra com o modelo
hollywoodiano de criar soluções simples, mas é realmente um filme especial.
Quem é fã de ficção científica pode se preparar para muitas emoções.

O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (The Lord of the Rings: The Return
of The King, EUA/Nova Zelândia – 2003). Direção: Peter Jackson.
Roteiro: Peter Jackson, Fran Walsh, Philippa Boyens, J.R.R. Tolkien
(romance). Elenco: Elijah Wood, Sean Astin, Sean Bean, Cate Blanchett,
Orlando Bloom, Billy Boyd, Christopher Lee, Andy Serkis, Ian McKellen, Peter
McKenzie, Dominic Monaghan, Viggo Mortensen, John Rhys-Davies, Liv Tyler,
Hugo Weaving, Bernard Hill, Karl Urban, Miranda Otto, John Noble.
Duração: 201 min. (versão de cinema), 252 min. (versão estendida)

Nem tudo que é ouro fulgura, 


Nem todo o vagante é vadio; 
O velho que é forte perdura, 
   Raiz funda não sofre o frio. 
Das cinzas um fogo há de vir. 
   Das sombras a luz vai jorrar; 
A espada há de nova, luzir, 
   O sem-coroa há de reinar. 

O Retorno do Rei, assim como seu predecessor, tem a sua história


dividida em diferentes focos, dessa vez dois: a jornada de Frodo e Sam; a
batalha de Minas Tirith. Na primeira metade do filme tudo gira em volta do
ataque iminente à capital de Gondor. Mesmo que efetivamente vejamos
Gandalf e Pippin na cidade e Aragorn, Legolas, Gimli e os Rohirrim em Rohan,
o foco é um só. Na criação de expectativa para a batalha, Peter Jackson não
deixa a desejar, é um deslocar de peças, como em um tabuleiro de xadrez,
cada um fazendo seus movimentos a fim de dar sua própria contribuição na
guerra. É o respirar profundo antes do mergulho. Ao mesmo tempo vemos uma
grande intensificação do drama: as dúvidas dos personagens vem à tona e a
tristeza pela separação (como vemos com Merry e Pippin).

Aumentando a dramaticidade das cenas está o trabalho de fotografia de


Andrew Lesnie que intercala closes e planos detalhes com grandes planos
abertos. Podemos ver isso na sequência onde Faramir cavalga para sua
perdição à mando do pai, Denethor (perfeitamente caracterizado por John
Noble), que come enquanto tudo isso ocorre. A cena é ainda acompanhada
pelo silêncio e a canção de Pippin que garante o tom que percorre todo o filme.

O Retorno do Rei é, definitivamente, o mais sombrio dos três filmes. Os


momentos cômicos são praticamente inexistentes, limitados a pequenas
intervenções, em geral pela parte de Gimli e Pippin. A caracterização de Frodo,
cada vez mais prejudicado pelo Anel, deixa claro o peso de sua jornada,
principalmente em contraposição com Sam. Aqui insiro elogios à atuação de
Elijah Wood que nos mostra um declínio palpável do personagem.Tratando da
atuação, todos, como nos filmes anteriores, nos dão trabalhos sólidos, nos
quais realmente acreditamos ver o personagem e não um ator. Em especial
coloco a retratação de Ian McKellen do “novo” Gandalf. Sua mudança é
tamanha que nos faz perguntar se estamos vendo o mesmo mago. Essa
dúvida vai embora, contudo, ao vermos as nuances de sua personalidade
antiga vindo à tona e, é claro, sua paixão palpável pelos Hobbits.

Na segunda metade da projeção já estamos praticamente sem esperanças.


Peter Jackson trabalha em todos os elementos da preparação da batalha de
forma que pelo menos um detalhe dê errado em cada um deles. Poucos
Rohirrim aparecem, não sabemos se Aragorn conseguiu seu exército de
fantasmas e as tropas de Minas Tirith estão totalmente desmotivadas, graças
ao seu regente. No topo de tudo isso estão as palavras venenosas de Gollum
que conseguem separar Frodo e Sam. Quando tudo parece perdido, chegam
finalmente os cavaleiros de Rohan, acompanhados pela marcante e ainda mais
dramática trilha sonora de Howard Shore, em um arranjo do tema que ouvimos
na destruição de Isengard pelos Ents. Essa sequência é marcada pela ótima
contraposição de luz e sombras e podemos quase que acompanhar o
desenrolar da luta através da iluminação.

O pouso do líder dos Nazgúl no campo de batalha se dá da forma mais


dramática possível. Seu aproximar visto por Theoden é mais um exemplo da
precisa montagem e fotografia, sem falar na própria atuação. Somos jogados
em uma crua e brutal cena e, em seguida, na luta contra o Rei Bruxo.

Enquanto toda a guerra acontece podemos presenciar o ótimo trabalho de


montagem que percorre todo o filme. Através dele, a passagem do tempo é
nítida e não mais temos a sensação de uma narrativa capitular como a vista no
filme anterior. Toda a trama e ritmo do filme funcionam em crescendo e mesmo
com a pausa após a batalha de Minas Tirith, sabemos que o clímax se
aproxima.

Com a chegada de Frodo e Sam ao sopé da montanha da perdição e o resto


dos guerreiros no portão negro, temos finalmente o que soa como um
reencontro. Todos os personagens novamente unidos com um objetivo único.
Essa sensação é ainda amplificada no que considero a melhor sequência do
filme, que inicia com as dramáticas palavras de Aragorn “por Frodo”. A partir
daí vemos a união dos heróis através da meticulosa montagem e o tema da
sociedade (agora com um coro).O filme, então, encaminha para seu desfecho,
mas antes devo colocar em foco os momentos finais de Gollum/ Sméagol. A
retratação da criatura e a composição da cena de seu reencontro com o Anel
finalmente colocam em primeiro plano sua obsessão e paixão pelo objeto de
poder.

Peter Jackson nos mostra cada um dos desfechos dos personagens e finaliza
com os maiores heróis da história e criaturas preferidas do próprio Tolkien: Os
Hobbits. A trilha sonora que permeia todo a projeção. Howard Shore alcançou,
com a união das trilhas dos filmes anteriores, o seu ponto máximo. Nos entrega
nesse terceiro filme as músicas mais dramáticas da trilogia que perfeitamente
se encaixam no tom do filme.

O Retorno do Rei fecha a trilogia O Senhor dos Anéis com chave de ouro.


Termina onde o primeiro começa, no condado, com a volta à normalidade. É
uma obra que busca arrancar, desde o início, as lágrimas dos espectadores e,
em diversos momentos, efetivamente consegue. Termina assim uma das
maiores sagas da Terra-Média. Peter Jackson encerra a trilogia de forma
magistral, num épico carregado de qualidade técnica que serve como pano
de fundo para personagens cativantes.

Parasita (Parasite / Gisaengchung), Coreia do Sul, 2019. Direção: Bong


Joon Ho. Roteiro: Bong Joon Ho, Jin Won Han. Elenco: Kang-ho Song, Sun-
kyun Lee, Yeo-jeong Jo, Woo-sik Choi, Hye-jin Jang, So-dam Park, Kang
Echae, Jeong Esuz, Andreas Fronk, Hyun-jun Jung, Ik-han Jung, Ji-so Jung,
Jeong-eun Lee, Ji-hye Lee, Joo-hyung Lee, Hyo-shin Pak, JaeWook Park,
Keun-rok Park, Myeong-hoon Park, Seo-joon Park. Duração: 132 min.

A fita tem uma sinopse simples, que talvez geral já viu em outros
filmes, uma família pobre inteligente que quer se sair por cima da inocência e
da burrice da família rica, isso pode ser uma sinopse meio "meh", mas da
maneira q o diretor Boon Jong-Ho, formulou a história, estruturou ela,
desenvolveu ela, desenrolou a história, foi de um jeito muito simples mas
interessante, ai podemos perguntar, quem são os parasitas ali, se é uma
família ou se é a outra. A profundidade dos personagens é incrível como ele
trata cada personagem de uma maneira única e especial.

Desde a sua estreia em longas-metragens, com o filme Cão Que Ladra Não


Morde (2000), Bong Joon Ho apresentava características de crítica e sátira
sociais aliadas a uma comédia de toques cruéis, cenas de violência e uma
abordagem direta sobre como o meio social (em situações normais e extremas)
influencia os indivíduos das mais diferentes maneiras.

Em Parasita (2019), filme vencedor da Palma de Ouro em Cannes, o cineasta


reafirma esses elementos nucleares de sua assinatura (aqui, ele escreve o
roteiro em parceria com Jin Won Han, que foi diretor de segunda unidade
em Okja) e mostra uma grande maturidade ao dirigir um filme longo,
relativamente parado, por  ser reflexivo na forma como o drama se constrói e
tremendamente engajante.
Duas famílias são o foco deste enredo. Os Kim, família pobre que vive de
dobrar caixas de pizza e que mal possui dinheiro para comer; e os Park, família
muito rica que acaba empregando, por indicação, o jovem Ki-woo (Woo-sik
Choi), que se torna tutor de inglês da filha mais velha dos abastados, a
insegura Da-hye (Ji-so Jung). Uma diferença de classes sociais é
imediatamente exposta pelo roteiro, que primeiro ressalta um lado não muito
conhecido ou mesmo escondido da Coreia do Sul, a pobreza, a periferia das
enormes cidades e depois usa dessa informação para criar um drama que,
embora seja político e crítico, não pontifica sobre esse abismo social.

O interesse do diretor é mostrar o meio marcando os indivíduos a ferro e fogo.


E essa marca se dá aqui através do trabalho. Ocorre que a família Kim é
trapaceira, embora não sejam exatamente más pessoas. O tipo de crime
cometido por eles é conduzido pelo roteiro como uma forma fácil de ganhar
dinheiro e, possivelmente, de garantir ascensão social.

O contraste entre os espaços físicos é visto no tamanho das casas e nas cores
que desenho de produção e fotografia escolheram para cada um deles.
Quando vemos os Kim em seu ambiente familiar, temos como destaque
ambientes mais escuros, quando não noturnos, sempre com planos que
indicam um local apertado, onde esses indivíduos são vistos como insetos,
pragas, parasitas amontoados em seu habitat, que se entregam à fumigação
de forma simbólica já no início do longa.
Quando passamos para a mansão dos Park, vemos um ambiente mais
convidativo, entre marrom e bege no interior e com bastante iluminação, em
diferentes tonalidades. Neste lugar, os indivíduos se perdem em meio aos
grandes espaços, que de tão impessoal, possibilita a apreciação dos
comportamentos fingidos que o roteiro irá desenvolver, quase como se
assumisse a mansão como um museu de falsidades, o local onde os muito
ricos “são bondosos e ingênuos demais porque têm muito” e onde os pobres
veem a oportunidade de se esbaldar, de infestar o espaço de seus
empregadores.
Para isso há um inteligente, cômico e rápido plano de parasitação, ao longo do
qual o roteiro se ergue, jamais deixando as marcas sombrias de lado, mas
ainda não abraçando o thriller. Os diálogos afiados e deliciosamente orgânicos
mais a atuação excepcional de todo o elenco torna essa jornada de pseudo-
escalada da pirâmide social cativante desde o início, da qual a gente não
consegue tirar os olhos (é fato que as 2h10 do filme passam que a gente nem
vê).

Então há um baque. Seco. Cru. Em questão de segundos o diretor faz com que
o nosso humor desça das alturas, e essa constante queda em direção ao
inferno social e emocional será a tônica da reta final da obra. O texto nos
prepara uma porção de surpresas que se apresentam através de diferentes
personagens e motivações.

De repente chocam-se núcleos de disputa de poder, sentimento de vingança


(pela sensação de perda ou de se sentir discriminado) e pela marcação do
domínio entre aquele que tem dinheiro, alguma arma, coragem e aqueles que,
para oferecer, só tem mesmo a força de trabalho. As macro relações
econômico-sociais são vistas aqui em um pequeno recorte que mescla humor
ácido — que se dissipa rápido, dando lugar ao choque — e coloca na mesa
outros aspectos da vida dessas pessoas: suas diferentes relações parentais,
matrimoniais e de reação a uma situação extrema, tendo, nesse caso, a família
como alvo de defesa e ataque.

De Parasita eu só não gosto do final. O distanciamento do olhar impiedoso do


diretor para algo um pouco mais didático e de braços abertos para o verdadeiro
tema do conflito do filme trai parcialmente as consequências que o texto
reserva para esses personagens.

De certa forma, há uma dupla via de interpretação para o que nós vemos no
final. Ainda assim, a permissão desse “sonho/desejo” ou de um real “olhar para
o futuro“, nessas cenas, interrompem uma jornada quase cínica de
pertencimento e não-pertencimento a certas camadas sociais, frustrando um
pouco certos caminhos do roteiro.O filme, no entanto, se mantém em altíssimo
patamar. Uma imensa surpresa de Bong Joon Ho, que desafia um pouco a si
mesmo e problematiza social e emocionalmente o status quo no mais amplo
aspecto possível: afinal, quem, nos arranjos de nossa sociedade, é o parasita
de quem?
Um filme completamente incrível, é uma obra prima do cinema mundial, assim
como existe vários outros filmes que também podem ser obras primas para o
cinema mundial.

Drive My Car (Doraibu mai kā) – Japão, 2021. Direção: Ryusuke Hamaguchi


Roteiro: Ryusuke Hamaguchi, Takamasa Oe (baseado em conto de Haruki
Murakami). Elenco: Hidetoshi Nishijima, Toko Miura, Masaki Okada, Reika
Kirishima, Park Yu-rim, Jin Dae-yeon, Sonia Yuan, Ahn Hwi-tae, Perry Dizon,
Satoko Abe, Hiroko Matsuda. Duração: 179 min.
Um filme que valeria simplesmente pelo triunfo no departamento da
cinematografia, apresentado cenas e cenários longos, lentos, pensativos; um
verdadeiro teatro das imagens em movimento que vale por si. Ao mesmo foi
incumbido a missão de extrapolar para o grande tela uma short story de
Murakami (uma das sete da coletânea "Onna no inai otokotachi" pelo
renomeado autor). Dessa missão, curiosa e coincidentemente entra de todas,
a mais comum das críticas: a "pequena história" literária transportada para uma
longa metragem de 3 horas. Como tornar um "filme sobre um Saab 900 turbo"
(ao qual o título evoca como peça ou elemento central narrativo) numa história
envolvente e cativadora para um público que já há muito não consegue tolerar
um filme mainstream com esta duração?

O filme não é sobre um carro ou melhor, não é apenas sobre este elemento
central a todas as outras histórias que o filme se resume. Literalmente e
metaforicamente, este Saab transporta-nos pelos vários destinos da vida
revelados entre eles as noções de perda, luto, apegos, relações, imprudências
(um tópico omnipresente neste filme) e (na falta de uma tradução apropriada
para português) o muitas vezes indefinível conceito de closure.
O elenco secundário, que em si personifica uma incomum sinfonia poliglótica
(não ofuscando a harmonia necessária para que o equilibro entre as mesmas
não se torne uma cacofonia impercetível) trazendo a este palco dentro de
outro, o russo de mão dada naturalmente com a linguagem gestual. De notar
também um outro ponto fundamental a esta mesma experiência visual: este
filme consegue demonstrar que continuam a existir razões mais que
meramente saudosistas da reprodução cinematográfica num apropriado ecrã
de cinema.
Alguns aspetos que acredito sejam fundamentais para quem esteja a pensar
ver este filme: é uma viagem longa, mas para quem tenha vontade, valerá por
tudo aquilo se irá experienciar antes, durante e na chegada ao destino. Drive
My Car, se constrói como uma íntima investigação acerca da impossibilidade
de se comunicar a própria subjetividade, o que se resolve justamente com a
utilização de objetos exteriores aos próprios sujeitos e é aí que entra, por
exemplo, justamente a figura do carro. Se a centralização de Kafuku naquele
meio é constantemente colocada em cheque pelas personalidades que o
cercam, é o escape nos momentos em que Watari dirige que aliviam sua
condição de estranhamento. E é aqui que Hamaguchi mais brilha.
A cena mais potente de Drive My Car é, sem dúvida, uma longa sequência de
direção. É nela que novamente a instância representativa surge e as certezas
do protagonista acerca de seu passado (e de sua própria interioridade) são
colocadas em cheque por justamente o outro vilanizado que, ao mesmo tempo,
adquire uma instância de fixação por conta de Kafuku. Hamaguchi, possue em
sua veia uma vontade latente de jogar com a linguagem. Os planos extensos e
focados nas faces soam até invasivos perante aquela passividade das
personagens. O incômodo é sempre presente e intensificado. A dinâmica de
interpretação sob as várias línguas parece apenas ecoar toda essa
necessidade do diretor de trabalhar com essa instância.
Até porque Hamaguchi sabe: filmar é a grande essência da narrativa
cinematográfica. Enquadrar. E Drive My Car entende isso de maneira sumária.
Todas as imagens propostas giram em torno apenas de um ponto, no final:
compreender que antes de tudo é necessário compreender a si mesmo, não se
afastar, para poder enfim morrer em paz.

REFERÊNCIAL

ADORO CINEMA – 2022

CINEMA COM RAPADURA – 2022

PLANO CRÍTICO – 2022

OMELETE – 2022

OBSERVATÓRIO DE CINEMA – 2022

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