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Belo Horizonte
Novembro de 2022
Cidade de Deus – Brasil, 2002. Direção: Fernando Meirelles, Kátia Lund.
Roteiro: Bráulio Mantovani (baseado no livro de Paulo Lins).
Elenco: Alexandre Rodrigues, Matheus Nachtergaele, Leandro
Firmino, Phellipe Haagensen, Douglas Silva, Jonathan Haagensen, Seu Jorge.
Duração: 130 min.
A direção de Meirelles e Lund é o pilar que mantém tudo isso unido, com uma
decupagem que nos transporta para dentro desse cenário, ora com um olhar
externo dos acontecimentos, quase documental, ora com closes em seus
personagens, garantindo a humanidade em cada um deles. Sentimo-nos como
se estivéssemos ali no meio daquele problemático ambiente e a sensação de
perigo nos assola, transmitindo um pungente naturalismo à narrativa, que
chega a nos deixar com um nó no estômago ao término da projeção.
Assim como o Panda, que não consegue enxergar seus ídolos lá dentro,
ficamos angustiados. Outro detalhe é a hilária relação do urso com o pai (um
ganso!), que o filme deixa sem qualquer explicação, num delicioso
momento nonsense. Se os dois são tão tapados e estão felizes daquele jeito,
pra quê você vai querer saber suas origens? A cativante irrelevância desse
momento é outro dos trunfos do texto, que inclui ainda outros detalhes
divertidos, como o fato de todos os cidadãos serem "comida chinesa" (porcos,
patos, coelhos...). Comida chinesa e lições à parte, esta é uma comédia de
ação animada sem vergonha de ser apenas isso: Uma comédia de ação
animada. Dessa forma, de todos os princípios budistas, fica a certeza que ao
menos um é perfeitamente entendido pela produção, o de que o homem deve
viver uma vida honesta. Sim, porque honestidade não falta a Kung Fu Panda.
Minha animação preferida, história engraçada, envolvente e lutas épicas, dá
para entender quem não se interessa pelo protagonista, mas é tão bom dar
esse tipo mensagem esperançosa (mesmo sendo clichê) de um zé ninguém
dando a volta por cima. A trilha sonora então simplesmente magnífica.
Onde Os Fracos Não Tem Vez (No Country For Old Men) – EUA, 2007.
Direção: Joel Coen e Ethan Coen. Roteiro: Cormac McCarthy, Joel Coen e
Ethan Coen. Elenco: Tommy Lee Jones, Javier Bardem, Josh Brolin, Woody
Harrelson, Kelly Macdonald, Garret Dillahunt, Tess Harper, Barry Corbin.
Duração: 122 minutos
“A vida é uma História contada por um idiota: cheia de som e fúria, significando
nada.” William Shakespeare, Macbeth, Ato V, Cena V.
Se essa cena constrói todo o suspense pela iminência do embate entre Anton
Chiguhr e Llewellyn Moss, o possível assassinato do último pelo primeiro, que
tanta expectativa criou no público, surge na tela de modo inesperadamente
prosaico. É neste momento que a obra muda subitamente seu ponto de vista e
a morte de Moss é mostrada pelo olhos do xerife Ed Tom Bell (Tommy Lee
Jones) como se fosse apenas mais um crime. Uma morte qualquer, sem
nenhuma glória e que o filme mal permite que se sinta. A escolha é
surpreendente e o filme zomba do envolvimento do espectador.
Quem vive e quem morre é algo que não parece ter a menor importância
em Onde Os Fracos Não Tem Vez. O que interessa mesmo é a força destrutiva
personificada em Chiguhr e que chega sem dar avisos. Repentina como o
arrombamento da fechadura (marca ritualística do psicopata) e assustadora
como o head-on que registra a chegada do protagonista do outro lado de uma
porta.
DURAÇÃO:152 min
DIREÇÃO:Christopher Nolan
ROTEIRO:Christopher Nolan, Jonathan Nolan
ELENCO:Aaron Eckhart, Maggie Gyllenhaal, Christian Bale, Michael Caine,
Heath Ledger, Morgan Freeman, Gary Oldman
Batman Begins, como o nome já deixa bem claro, era uma promessa de
um início e não uma ressureição ou volta. Bruce Wayne (Christian Bale) está
de volta a Gotham City mais rico e poderoso do que nunca. Batman já deixou
de ser apenas um mascarado para se tornar um fio de esperança para a cidade
e um enorme perigo para os criminosos. O herói está formado, amadurecido. E
isso tem suas conseqüências: 1. O crime organizado se mobiliza com um
objetivo em comum: destruí-lo; 2. Pessoas sem treinamento se fantasiam
inspirados nos atos de bravura do herói; 3. Surgem malucos dispostos a
desbancá-lo por ganância ou simples vontade de ver o circo pegar fogo.
Cavaleiro das Trevas, quem o viu na estreia se lembra dessa energia e ainda
hoje é possível sentí-la. Lá pelo meio da história, o Coringa de Heath Ledger
diz ao Batman vivido por Christian Bale: “Você mudou as coisas, para
sempre”. Hoje, parece que ele se referia também ao filme. A “escalada”, noção
importante dentro da narrativa da bat-trilogia de Nolan – representou também a
escalada do subgênero de super-herói.
“O Cavaleiro das Trevas” mantém sua força, mas é a forma como impactou a
cultura popular que talvez impressione mais. Atualmente, não são muitos os
filmes que plantam falas icônicas na mente do público, porém “por que tão
sério?” e “ou você morre como herói ou vive o bastante para se tornar o
vilão” instantaneamente se tornaram parte do vocabulário cinéfilo.
A forma como o filme encapsula as tensões da guerra ao terror dos Estados
Unidos, pós-atentados de 11 de setembro, também ressoaram junto ao
público. Batman: O Cavaleiro das Trevas é um dos raros filmes
hollywoodianos, a abordar o tema do terrorismo doméstico, o maluco
escondido em alguma cidade norte-americana, pronto para explodir ou atirar
em seus compatriotas, sabe-se lá por qual razão. E a partir de certo ponto da
trama, a situação fica tão desesperadora que o Batman se vê forçado a
espionar os cidadãos e comprometer seus valores, para encontrar o vilão –
uma alusão ao “vale-tudo” empregado pela doutrina Bush de caça aos
terroristas pós-11/09.
Para alcançar esse posto, Jiro começou a trabalhar com 10 anos de idade,
sempre na mesma atividade. Nunca mudou. Muitos, hoje, podem torcer o nariz
para isso. “Como assim ele nunca fez outra coisa que não sushi?” “Cadê a
ambição nele?” Hoje, o mundo é volúvel demais, com prazeres efêmeros.
Todos querem sucesso e dinheiro imediatos, como se ele nascesse em árvore
e como se todos fizessem por merecer só porque trabalharam “muito” no
conceito turvado do “muito” que muitos têm. Sucesso verdadeiro só vem com
dedicação e 70 anos, fazendo sushi elevaram Jiro a um patamar diferenciado.
A montagem não é linear e ele não começa em uma ponta para acabar em
outra. Ele conta pequenas histórias e anedotas sobre as vidas de Jiro e seus
filhos por suas próprias palavras e também pelos de seus fornecedores e por
um crítico gastronômico inseridas em um contexto maior que precisa ser
“remontado” na mente do espectador. Aprendemos muito sobre o processo,
mas quase nada sobre os segredos, pois o segredo de Jiro não é uma receita
passada de geração em geração que ele esconde a sete chaves, mas sim uma
coisa só que já mencionei exaustivamente aqui: dedicação. Sem dedicação,
nada tem significado. Sem dedicação não há excelência. Sem dedicação, tudo
se torna banal.
É um filme recomendado para poucos, não apenas por sua narrativa crua e
sombria (o trabalho de fotografia acentua esse clima), mas também pelo
sadismo das cenas elaboradas por Chan-wook. Remetendo de imediato
(embora o objetivo talvez não tenha sido esse) ao cinema de Quentin
Tarantino, Oldboy traz um bom número de sequências insanas e escatológicas,
que vão desde Oh Dae-sue comendo um polvo vivo (e como já dito, nenhuma
destas cenas soa gratuita, cada uma possui seu objetivo), até a longa
sequência de luta num corredor mal iluminado, num dos plano-sequência mais
impressionantes já vistos nos últimos anos, onde durante três minutos
acompanhamos a câmera capturando, sem pudor nenhum, a intensidade do
confronto diante de uma coreografia bem elaborada.
Oldboy tem basicamente tudo colocado na prateleira (na ordem e na posição
corretas) de forma a dar o efeito de sentido da vingança e da culpa necessárias
ao percurso narrativo de cada personagem. Assim, no plot narrativo, nada
sobra, pois todo signo se adapta à história. Assim, a clareza temática da
vingança se expande para outros subtemas: o remorso, a hipnose, o incesto, o
perdão.
Por outro lado, é difícil não lembrar de Kubrick diante da visão de futuro criada
por Chris Nolan e pelo irmão Jonathan Nolan. Pode-se dizer até que o futuro de
Nolan aqui é mais ambicioso do que o visto em 2001, para um filme de 1968.
O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (The Lord of the Rings: The Return
of The King, EUA/Nova Zelândia – 2003). Direção: Peter Jackson.
Roteiro: Peter Jackson, Fran Walsh, Philippa Boyens, J.R.R. Tolkien
(romance). Elenco: Elijah Wood, Sean Astin, Sean Bean, Cate Blanchett,
Orlando Bloom, Billy Boyd, Christopher Lee, Andy Serkis, Ian McKellen, Peter
McKenzie, Dominic Monaghan, Viggo Mortensen, John Rhys-Davies, Liv Tyler,
Hugo Weaving, Bernard Hill, Karl Urban, Miranda Otto, John Noble.
Duração: 201 min. (versão de cinema), 252 min. (versão estendida)
Peter Jackson nos mostra cada um dos desfechos dos personagens e finaliza
com os maiores heróis da história e criaturas preferidas do próprio Tolkien: Os
Hobbits. A trilha sonora que permeia todo a projeção. Howard Shore alcançou,
com a união das trilhas dos filmes anteriores, o seu ponto máximo. Nos entrega
nesse terceiro filme as músicas mais dramáticas da trilogia que perfeitamente
se encaixam no tom do filme.
A fita tem uma sinopse simples, que talvez geral já viu em outros
filmes, uma família pobre inteligente que quer se sair por cima da inocência e
da burrice da família rica, isso pode ser uma sinopse meio "meh", mas da
maneira q o diretor Boon Jong-Ho, formulou a história, estruturou ela,
desenvolveu ela, desenrolou a história, foi de um jeito muito simples mas
interessante, ai podemos perguntar, quem são os parasitas ali, se é uma
família ou se é a outra. A profundidade dos personagens é incrível como ele
trata cada personagem de uma maneira única e especial.
O contraste entre os espaços físicos é visto no tamanho das casas e nas cores
que desenho de produção e fotografia escolheram para cada um deles.
Quando vemos os Kim em seu ambiente familiar, temos como destaque
ambientes mais escuros, quando não noturnos, sempre com planos que
indicam um local apertado, onde esses indivíduos são vistos como insetos,
pragas, parasitas amontoados em seu habitat, que se entregam à fumigação
de forma simbólica já no início do longa.
Quando passamos para a mansão dos Park, vemos um ambiente mais
convidativo, entre marrom e bege no interior e com bastante iluminação, em
diferentes tonalidades. Neste lugar, os indivíduos se perdem em meio aos
grandes espaços, que de tão impessoal, possibilita a apreciação dos
comportamentos fingidos que o roteiro irá desenvolver, quase como se
assumisse a mansão como um museu de falsidades, o local onde os muito
ricos “são bondosos e ingênuos demais porque têm muito” e onde os pobres
veem a oportunidade de se esbaldar, de infestar o espaço de seus
empregadores.
Para isso há um inteligente, cômico e rápido plano de parasitação, ao longo do
qual o roteiro se ergue, jamais deixando as marcas sombrias de lado, mas
ainda não abraçando o thriller. Os diálogos afiados e deliciosamente orgânicos
mais a atuação excepcional de todo o elenco torna essa jornada de pseudo-
escalada da pirâmide social cativante desde o início, da qual a gente não
consegue tirar os olhos (é fato que as 2h10 do filme passam que a gente nem
vê).
Então há um baque. Seco. Cru. Em questão de segundos o diretor faz com que
o nosso humor desça das alturas, e essa constante queda em direção ao
inferno social e emocional será a tônica da reta final da obra. O texto nos
prepara uma porção de surpresas que se apresentam através de diferentes
personagens e motivações.
De certa forma, há uma dupla via de interpretação para o que nós vemos no
final. Ainda assim, a permissão desse “sonho/desejo” ou de um real “olhar para
o futuro“, nessas cenas, interrompem uma jornada quase cínica de
pertencimento e não-pertencimento a certas camadas sociais, frustrando um
pouco certos caminhos do roteiro.O filme, no entanto, se mantém em altíssimo
patamar. Uma imensa surpresa de Bong Joon Ho, que desafia um pouco a si
mesmo e problematiza social e emocionalmente o status quo no mais amplo
aspecto possível: afinal, quem, nos arranjos de nossa sociedade, é o parasita
de quem?
Um filme completamente incrível, é uma obra prima do cinema mundial, assim
como existe vários outros filmes que também podem ser obras primas para o
cinema mundial.
O filme não é sobre um carro ou melhor, não é apenas sobre este elemento
central a todas as outras histórias que o filme se resume. Literalmente e
metaforicamente, este Saab transporta-nos pelos vários destinos da vida
revelados entre eles as noções de perda, luto, apegos, relações, imprudências
(um tópico omnipresente neste filme) e (na falta de uma tradução apropriada
para português) o muitas vezes indefinível conceito de closure.
O elenco secundário, que em si personifica uma incomum sinfonia poliglótica
(não ofuscando a harmonia necessária para que o equilibro entre as mesmas
não se torne uma cacofonia impercetível) trazendo a este palco dentro de
outro, o russo de mão dada naturalmente com a linguagem gestual. De notar
também um outro ponto fundamental a esta mesma experiência visual: este
filme consegue demonstrar que continuam a existir razões mais que
meramente saudosistas da reprodução cinematográfica num apropriado ecrã
de cinema.
Alguns aspetos que acredito sejam fundamentais para quem esteja a pensar
ver este filme: é uma viagem longa, mas para quem tenha vontade, valerá por
tudo aquilo se irá experienciar antes, durante e na chegada ao destino. Drive
My Car, se constrói como uma íntima investigação acerca da impossibilidade
de se comunicar a própria subjetividade, o que se resolve justamente com a
utilização de objetos exteriores aos próprios sujeitos e é aí que entra, por
exemplo, justamente a figura do carro. Se a centralização de Kafuku naquele
meio é constantemente colocada em cheque pelas personalidades que o
cercam, é o escape nos momentos em que Watari dirige que aliviam sua
condição de estranhamento. E é aqui que Hamaguchi mais brilha.
A cena mais potente de Drive My Car é, sem dúvida, uma longa sequência de
direção. É nela que novamente a instância representativa surge e as certezas
do protagonista acerca de seu passado (e de sua própria interioridade) são
colocadas em cheque por justamente o outro vilanizado que, ao mesmo tempo,
adquire uma instância de fixação por conta de Kafuku. Hamaguchi, possue em
sua veia uma vontade latente de jogar com a linguagem. Os planos extensos e
focados nas faces soam até invasivos perante aquela passividade das
personagens. O incômodo é sempre presente e intensificado. A dinâmica de
interpretação sob as várias línguas parece apenas ecoar toda essa
necessidade do diretor de trabalhar com essa instância.
Até porque Hamaguchi sabe: filmar é a grande essência da narrativa
cinematográfica. Enquadrar. E Drive My Car entende isso de maneira sumária.
Todas as imagens propostas giram em torno apenas de um ponto, no final:
compreender que antes de tudo é necessário compreender a si mesmo, não se
afastar, para poder enfim morrer em paz.
REFERÊNCIAL
OMELETE – 2022