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INTRODUÇÃO À LINGUAGEM

CINEMATOGRÁFICA

AULA 04
Professor Rodrigo Carreiro
» O personagem

Aristóteles dizia que o personagem é subordinado à trama. Ibsen, no século


XX, vai dizer o contrário. As duas abordagens podem ser válidas, embora o
ponto de vista aristotétilo prevaleça – a trama é mais importante, e os
personagens agem em torno dela.

Para Ibsen, o personagem era o elemento mais fundamental da história. Ele


dizia que a ação natural de personagens bem estruturados provocaria o conflito
– e, portanto, o drama. Filmes assim possuem estrutura mais orgânica, embora
costumem ter ritmo mais lento.

Neste tipo de filme, é bastante comum que a direção


de arte e a fotografia – isto inclui cenários, locações,
figurinos, cores predominantes, tipos de lente, filtros,
enquadramentos – estejam subordinados aos
sentimentos dos personagens.

Nesse caso, mais do que simplesmente oferecer a


aparência de realismo, o visual do filme deve refletir
subjetividades do personagem em questão.
FILME: SPIDER (FILME + MKO)
» Composição de personagem

Tudo gira em torno de uma pergunta: quem é esta pessoa?

Esta resposta é dada por um enorme conjunto de sinais: roupas, lugares onde
mora e trabalha, decoração, tiques nervosos, jeito de olhar e andar, voz,
assuntos, expressões favoritas, etc.

A caracterização do personagem vem se tornando cada vez


mais intensa ao longo da história do cinema (sobretudo a
partir dos anos 1960).

Essa caracterização pode ser providenciada pelo roteirista,


pelo diretor ou pelo ator. Eles produzem muitas vezes dossiês
complementares: um passado completo para o personagem
(memórias de infância, relações familiares, amizades,
traumas, sonhos, desejos).

Toda a equipe de pré-produção (inclusive diretores de


arte, figurinistas, maquiadores, cabeleireiros) contribui
para a construção correta do personagem.

Exemplos: ALIEN e TOURO INDOMÁVEL.


FILME: A IDENTIDADE BOURNE
» Dimensões do personagem

Um personagem bem construído é tridimensional.

- FÍSICA: idade, sexo, altura, peso, cor da pelo, cor dos olhos, maneira de
andar e sentar, jeito de falar, postura diante dos outros, etc.

- SOCIAL: classe social, profissão, vida familiar, relação no casamento, relação


com os filhos e pais, orientação política, etc.

- PSICOLÓGICA: padrões morais, ética, projeto de vida, vida sexual, conduta,


sonhos e desejos e medos mais íntimos, traumas, etc.

Boa parte da preparação dos atores consiste em compreender todas as


características e motivações do seu personagem, de modo que consigam
pensar e agir como como eles, de modo instintivo.
FILME: O LABIRINTO DO FAUNO – MKO
» Nuances da atuação

São duas as técnicas fundamentais de interpretação. A primeira, construtivista,


propõe que o ator mantenha distância do personagem e o contrua a partir de
uma elaboração intelectual. Essa escola é hegemônica na Inglaterra.

A outra, criada por Stanislavski e popularizada nos EUA através do Actor’s


Studio (Lee Starsberg, em 1947), propõe o contrário: o ator submerge dentro
do personagem ao ponto de pensar como ele.

A técnica de Stanislavski se baseia em dois conceitos fundamentais:

MEMÓRIA SENSORIAL: capacidade dos atores de reagir de


forma instantânea a estímulos externos (ruídos, sons,
cheiros, palavras, gestos).

Durante MENINA DE OURO, Hillary Swank conviveu com


boxeadoras (uma delas interpretou sua maior rival no filme)
durante as filmagens, e aprendeu técnicas de boxe.

MEMÓRIA FÍSICA: capacidade do ator em utilizar


memórias pessoais para ajudar a compor o personagem.
Os atores mais espontâneos são os chamados “atores de reação”.
Normalmente, eles são grandes ouvintes.

A atuação também é modelada pelas técnicas de direção (O ESTRANHO NO


NINHO, O ILUMINADO) e, sobretudo, na mesa de edição.

Atores falam pausadamente, sem sotaques. Ninguém fala enquanto o outro


não termina a sua frase. Exceção: Howard Hawks.
FILME: DRÁCULA (MKO)
» Os atores e o star system

Desde os primórdios de Hollywood (anos 1930), os atores criam “personas”:


James Cagney –gângsteres, Marlene Dietrich – “femme fatale”, Greta Garbo –
papéis melodramáticos.

Exemplos atuais: Tom Hanks, Tom Cruise, Denzel Washington (sempre


bonzinhos), Jeremy Davies e Michael Shannon (sempre malucos).

Escalação para papel pode criar diálogo


intertextual entre o personagem e a
“persona” projetada pelos trabalhos
anteriores do autor.

Exemplo: Jodie Foster em VALENTE.


» Ação x Exposição

Exposição: diferentes maneiras de informar a platéia sobre informações


relevantes para o andamento da história.

Boa exposição: cenas ágeis, poucos diálogos, muito subtexto. Expor através
da ação é melhor do que expor com diálogos.

Má exposição: muitos diálogos, narração em off, conversas “com o melhor


amigo” ou sozinho diante da câmera.

Uso excessivo de Ajudantes é uma característica dos roteiros preguiçosos que


não usam criatividade para bolar maneiras de fazer exposição.

Diálogos explicativos: roteiristas põem o Agente para


conversar com um Ajudante, em geral ignorante sobre a
trama. É um artifício comum para fazer a audiência
compreender a trama sem esforço.

Os melhores filmes devem ser como o jogo de ligar pontos:


toda a informação está lá, mas a participação da platéia
é minimamente exigida para que se possa compreender
a ação dramática.
FILME: O CÓDIGO DA VINCI
Bons diálogos são econômicos. Comprimem a ação real. O jantar que dura
duas horas na vida real tem quatro ou cinco minutos na tela, e o público nem
percebe que o tempo foi comprimido.

A comunicação não-verbal é um dos maiores trunfos do cinema.

Bons roteiristas partem do princípio de que as pessoas raramente expressam


diretamente aquilo que desejam conseguir. Elas dizem uma coisa, mas têm em
mente conseguir outra. Os melhores filmes trabalham sempre com a idéia do
subtexto.

Uma das maneiras muito utilizadas pelos grandes diretores para revelar o
estado de espírito dos personagens, sem usar palavras, é utilizar o ambiente (o
cenário) como metáfora visual para o interior dos personagens.
FILME: BUG – POSSUÍDOS
» Plano, Cena e Seqüência.

As unidades básicas de um filme são plano, cena e seqüência. São como os


componentes de um texto: palavra (plano), frase (cena), parágrafo (seqüência).

Todo filme é decupado nestas unidades antes das filmagens. O conceito de


decupagem é fundamental para entender a produção de um filme.

- PLANO: Tudo o que está contido entre um corte e outro.

- CENA: Aquilo que acontece dentro de um lugar e de um momento específico.


A cena contém todos os planos filmados dentro destes limites de espaço e
tempo.

- SEQÜÊNCIA: Um grupo de cenas ligadas por um único objetivo dramático.


» Conceitos assessórios

MCGUFFIN: Artefato, informação ou pessoa que tem muita importância para os


personagens do filme, mas não tem qualquer importância para a história como
um todo. Trata-se de uma desculpa do roteiro para fisgar a atenção dos
personagens (e da platéia, por conseqüência).

Na série INDIANA JONES, por exemplo, o protagonista está sempre


perseguindo algum objeto histórico de valor incalculável. Pouco importa se no
final ele conquistará ou não seu objetivo; o interesse do herói
cria o drama, e portanto move a história adiante.

Em RELÍQUIA MACABRA, diversos personagens


se digladiam à procura da estátua valiosa
de um falcão. A estátua não é vista em nenhum
momento do filme.
ÍNDICE: Antecipações veladas de algo que vai acontecer. Sinais quase
imperceptíveis que antecipam uma revelação importante do filme.

Exemplos: O SEXTO SENTIDO (a cor vermelha), SINAIS (os copos de água).

METALINGUAGEM: Segundo o Dicionário Aurélio, a expressão se refere aos


casos em que “a linguagem fala de si mesmo”.

Portanto, são metalinguísticos todos os filmes que versam sobre a atividade


cinematográfica, como A NOITE AMERICANA, QUANDO PARIS ALUCINA,
ASSIM ESTAVA ESCRITO.
» Suspensão da descrença

Nos filmes ancorados em premissas inacreditáveis, em circunstâncias que não


existem na vida real, o roteirista precisa trabalhar com base no princípio da
“suspensão da descrença”: criar ou alimentar situações narrativas que ajudem
o espectador a suspender, voluntariamente, a incredulidade naquela situação
impossível.

O artifício mais comum consiste em criar personagens – melhor ainda se for o


protagonista – que demonstre incredulidade para com aquele elemento
impossível no enredo.

Exemplos: O HOMEM ARANHA, O SENHOR DOS


ANÉIS, GUERRA DOS MUNDOS, OS OUTROS.

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