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#CAPÍTULO 1: Apresentação
#CAPÍTULO 4: Personagens
- Os personagens.
- Caracterização.
- O ponto de vista.
- As funções dramatúrgicas.
- Os personagens da Comedia dell’Arte
- O Começo.
- A situação dramática.
- A cena: limites de tempo e espaço.
- Passado, presente e futuro: motivo, intenção e objetivo.
Módulo II
#CAPÍTULO 7: Gêneros
#CAPÍTULO 8: Adaptações
- Tudo pode virar filme: romances, peças teatrais, contos, biografias, crônicas, poemas,
ensaios, quadrinhos, músicas, pinturas, notícias, games, piadas. (“Fazer samba filme não
é contar piada e que faz filme assim não é de nada”)
#CAPÍTULO 9: Formatos
#CAPÍTULO 1: APRESENTAÇÃO
“Se você não está em dúvida é porque foi mal informado”. Pasquim.
Se pensarmos em “regra” como “fórmula, algo que indica o modo correto de fazer algo”,
ou ainda como “aquilo que foi determinado, ou se tem como obrigatório, pela força da
lei, dos costumes”, neste caso podemos afirmar com certeza que não existem regras
para escrever um bom roteiro.
Mas se pensarmos em “regra” com “medida” (do latim, regula, régua de pedreiro ou
carpinteiro, usada para aferir e tornar reta uma superfície), aquilo que pode servir de
modelo, exemplo, padrão, princípio, neste caso existem algumas regras para escrever um
bom roteiro.
O roteiro é uma das várias etapas da realização de um filme. Digamos que sejam onze.
1. IDÉIA
Um filme começa com uma idéia. Lembre-se que você precisa de centenas de idéias para
fazer um filme, mas alguma tem que ser a primeira. “Tive uma idéia para um filme”. Que
idéia é essa?
. uma situação dramática. Édipo, Hamlet, Romeu e Julieta, Cabra Marcado para
Morrer, Oréstia.
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MERGEFORMATINET
Clitemnestra hesita antes de matar Agamenon adormecido. Ao seu lado, Egisto a incita
para que o execute. Óleo de 1817, obra de Pierre-Narcisse Guérin.
Oréstia, de Ésquilo.
Agamenon entrega Ifigênia em sacrificio aos deuses. Clitemnestra, para vingar a morte da
filha, mata o marido. Orestes, filho de Agamemnon e Clitemnestra, vinga a morte de seu
pai assassinando sua mãe e também seu amante Egisto. A trilogia de Ésquilo
(Agamemnon, Coéforas e Euménides) termina com o julgamento de Orestes, que termina
num empate. A deusa Atena dá o voto de desempate (em Roma, o “voto de Minerva”) e
absolve Orestes, que foi vítima de “leis contraditórias”. A decisão de Atena dá fim a
sucessão de vinganças.
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MERGEFORMATINET
INCLUDEPICTURE "http://www.festivaldeipopoli.org/images/dbImages/thumbs/
tire_die_1_thumb.JPG" \* MERGEFORMATINET
. um ângulo pitoresco dos costumes humanos. Eu, tu, eles, o “filme chinês dos
limpadores de trilhos no deserto”, Pantaleão e as visitadoras.
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. um tema. No caso de uma série de tv, por exemplo, Sex and the City, Mad Men, House,
Bicho Homem.
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Estes conceitos, é claro, não são estanques. Todas as histórias visuais são construídas com
imagens, grandes personagens vivem situações dramáticas num ambiente social, suas
histórias necessariamente incluem ângulos pitorescos dos costumes humanos, têm um ou
mais temas e podem ser contadas com diversos conceitos narrativos.
Repetindo: um filme precisa de muitas idéias, alguma tem que ser a primeira.
A primeira idéia vem, em geral, de um roteirista, diretor ou produtor mas, numa equipe
de cinema, ter idéias é tarefa de todos.
* Se der tempo, ver, no final, “11 idéias e meia para ter idéias”.
2. ARGUMENTO
O que acontece. Também é chamado de fábula. Pode ser um romance, um conto, uma
peça de teatro, uma notícia, um poema. Ou pode ser um argumento especialmente escrito
para o filme.
Deve conter, mesmo na sua forma mais reduzida, uma idéia básica dos personagens e
seus objetivos, do conflito, do ambiente e época em que a história se passa. E o fim da
história.
Tarefa do autor.
3. ROTEIRO
Tarefa do roteirista.
4. PROJETO
Tarefa do produtor.
5. DECUPAGEM
Tarefa do diretor.
6. PRé PRODUçãO
Análise técnica (decupagem de produção). Cronograma e planejamento de filmagens.
Tarefa da equipe.
7. FILMAGEM ou PRODUÇÃO
Produção: "Ato ou efeito de produzir, criar, gerar, elaborar, realizar. Aquilo que é
fabricado pelo homem."
Tarefa da equipe.
8. PRé MONTAGEM
Tarefa do montador.
Tarefa da equipe.
11. FINALIZACãO
Tarefa da equipe.
Nosso assunto aqui é o roteiro, as idéias e o argumento que lhe dão origem, mas é bom
lembrar que o roteiro pode ser (e geralmente é) reescrito até a finalização do filme, ou
mesmo além dela.
Roteiristas podem ser solicitados a mexer no roteiro para resolver problemas revelados na
decupagem, por exemplo, por características da locação ou do cenário ou, o que é mais
frequente, pela disponibilidade ou não do elenco.
Há sempre diálogos e offs escritos nas mesas de montagem, isso para não falar das
inversões de ordem ou cortes de cenas inteiras, que podem exigir (ou não) a participação
do roteirista.
Coppola submete diferentes cortes do filme a diferentes grupos e, a partir de debates com
os espectadores, faz alterações. Ele afirma que o diretor percebe no máximo 90% do
filme, o resto só o público vê.
David Mamet também afirma que, sobre um filme, o público sempre sabe mais que o
diretor.
Cada roteirista cria seu próprio método de trabalho, que pode variar a cada projeto.
Há quem goste de escrever seus roteiros primeiro em forma de prosa, há quem escreva
diários dos personagens. (HQC)
Bunuel decupava o filme diretamente do texto literário, com marcas que transformavam
frases em planos, parágrafos em cenas. Dependendo do texto, é um ótimo método:
Hammet, Chandler, McCain, James Elroy e os melhores policiais podem ser roterizados
assim.
Há quem goste de trabalhar com cartões, escrevendo um resumo da cena em cada cartão,
às vezes com diferentes cores para diferentes núcleos dramáticos ou linhas narrativas, o
que facilita a mudança de ordem ou inclusão de novas cenas. Este método era muito
comum antes da invenção dos computadores. Em roteiros de séries de muitos capítulos
algum tipo de tabela do roteiro (com diferentes cores para os diferentes núcleos), é muito
útil. (Tentei algo assim em HQC, não deu certo).
(Jovens apaixonados de famílias inimigas se suicidam. Sujeito come a mãe por engano e,
ao descobrir, fura os olhos. Extra-terrestre se perde e volta para casa com a ajuda de um
garoto. Narigudo inteligente e tímido ajuda o rival a lhe botar chifres. Príncipe emo
acredita nas fofocas de um fantasma provocando sete assassinatos e um suicídio. Sujeito
diz que é filho de Deus e acaba crucificado.)
O jogo de Gary: Um velho, sozinho num parque, joga xadrez contra si mesmo e ganha,
recuperando sua dentadura.
Sinopse: resumo breve da trama, com não mais de uma página no caso de um curta ou
média, duas ou três no caso de um longa. Contém uma descrição breve da história e dos
personagens, com começo, meio e fim. (Sem suspense ou revelações secretas! Na sinopse
“para a imprensa” você não conta o fim. Na sinopse de trabalho, conta tudo.)
Argumento: (já descrito nas etapas de realização do filme) Nos roteiros adaptados, o
argumento é a obra original (romance, peça, conto). Nos roteiros originais, o argumento
desenvolvido, em prosa literária, só é feito se for o caso de convencer produtores ou
patrocinadores pouco familiarizados com a leitura de roteiros.
Escaleta: índice das cenas do filme, descritas de forma sintética, na ordem em que
aparecerão no roteiro. Em inglês, “outline” ou “step-outline”.
A escaleta é fundamental quando o roteiro será escrito por mais de uma pessoa, o que
acontece na imensa maioria das vezes. Depois de feita a escaleta, em grupo, o trabalho
pode ser dividido. (Faço escaleta mesmo quando escrevo sozinho.)
O termo escaleta foi criado pela grande roteirista Suso Cechi d’Amico (*21.07.1914 +
31.07.2010, em Roma, Itália), autora de 118 roteiros, entre eles “Roma, cidade aberta”,
“Ladrões de bicicleta”, “Milagre em Milão”, “Belíssima”, “Rocco e seus irmãos”, “O
Leopardo”, “Violência e paixão”, “O Inocente” e “Parente é serpente”.
Trecho de primeira anotação para o roteiro de “Houve uma vez dois verões”
Chico, em Porto Alegre, recebe um telefonema. É Roza, quer encontrar com ele.
Decidem que um aborto é o melhor a fazer. Ela não tem grana e não pode pedir dinheiro
para o pai. O aborto custa mil e quinhentos reais.
Ele raspa a poupança, vende o som e o scaner, consegue mil reais. Juca empresta 500.
Chico encontra com Roza, ele entrega o dinheiro. Ela dá um beijo nele e desaparece.
Outro verão. Juca e Chico na mesma praia, jogam fliper. Chico finalmente consegue ficar
entre os dez melhores escores da máquina e vai escrever seu nome na lista. E vê que o
primeiro, segundo, quarto e quinto lugares da lista de recordes são de Roza. As datas dos
récordes são anteriores ao primeiro encontro dos dois.
Chico encontra Roza. Diz que descobriu tudo: ela é craque no flíper, estava mentindo
para ele. Ela confessa, aplicou aquela com trinta garotos no verão passado, ganhou uma
grana. Ela pergunta o que ele vai fazer. Ele quer transar com ela mais uma vez.
- O que é um roteiro.
“Podemos distinguir dois tipos de processos imaginativos: o que parte da palavra para
chegar à imagem visiva e o que parte da imagem visiva para chegar a expressão verbal.
O primeiro processo é o que ocorre normalmente na leitura: lemos por exemplo a cena
de um romance ou a reportagem de um acontecimento no jornal, e conforme a maior ou
menor eficácia do texto somos levados a ver a cena como se esta se desenrolasse diante
de nossos olhos, se não toda a cena, pelo menos fragmentos e detalhes que emergem do
indistinto.
No cinema, a imagem que vemos na tela também passou por um texto escrito, foi
primeiro “vista” mentalmente pelo diretor, em seguida reconstruída em sua corporeidade
num set, para ser finalmente fixada em fotogramas de um filme. Todo filme é, pois,
resultado de uma sucessão de etapas, imateriais e materiais, nas quais as imagens
tomam forma. Nesse processo, o “cinema mental” da imaginação desempenha um papel
tão importante quanto o das fases de realização efetiva das sequências, de que a câmera
permitirá o registro e a moviola a montagem. Esse “cinema mental” funciona
continuamente em nós – e sempre funcionou, mesmo antes da invenção do cinema – e
não cessa nunca de projetar imagens em nossa tela interior”.
Antonio Damásio, um neurologista:
“Os filmes são a representação exterior mais próxima da narrativa dominante que
ocorre em nossa mente. O que acontece em cada plano, o enquadramento diferente de
um assunto que o movimento da câmera pode mostrar, o que se passa na transição de
planos, produto da edição, e o que ocorre na narrativa construída por uma específica
justaposição de planos é comparável, em alguns aspectos, ao que está se passando na
mente, graças ao mecanismo incumbido de produzir imagens visuais e auditivas e aos
numerosos níveis de atenção e de memória operacional.
Toda ação dramática do filme, que inclui descrições significativas de personagens, ações
e cenários e todas as falas (incluindo narrações off e sons importantes) deve estar no
roteiro.
O músico que compõe uma sinfonia ao piano e a escreve numa partitura precisa, além de
conhecer os instrumentos que vão executar sua música, saber como colocar no papel os
sons, o silêncio, o espaço, o ritmo, a harmonia recém imaginada. Ele também precisa que
os músicos que vão executar sua composição conheçam os mesmos signos que ele
utilizou. (O silêncio na Quinta Sinfonia)
Não é preciso entender nada de cinema para assistir e entender um filme, parte de sua
força é a “semelhança de vida real”, mas é preciso entender algumas coisas sobre o
cinema para escrever o roteiro de um filme.
(Atenção: vou chamar de filme mas, salvo indicação contrária, me refiro a qualquer tipo
de linguagem audioviosual, em qualquer formato, duração ou mídia).
O roteirista deve escrever pensando que outras pessoas, que não ele, vão transformar o
roteiro em filme. O roteiro deve fazer o seu leitor “imaginar” o filme. Imaginar, convém
não esquecer, é criar imagens.
O roteiro também tem a função – e para isso foi inventado - de determinar a duração, as
necessidades de produção e, portanto, o custo do filme. Serve para convencer produtores
e patrocinadores a bancar o projeto, imaginando que espécie de filme será aquele, a que
público se destina. (E quanto pode dar de lucro. Ou de prejuízo.)
É possível fazer um bom filme sem roteiro? Sim, é possível, basta que o elenco, a equipe
e os patrocinadores acreditem firmemente no diretor, a ponto de atender suas
determinações e seus desejos sem saber muito bem para que servem. (“Tem um que
explica.”)
De qualquer maneira, sempre haverá um custo extra para a produção que não puder
planejar seus passos. Uma locação, uma trilha, um figurino, um adereço ou mesmo um
ator escolhidos de última hora serão necessariamente mais caros (ou piores) que aqueles
definidos com alguma antecedência.
3. Um roteiro não é um texto para o público. (Embora alguns roteiros sejam ótimos de ler,
ver Bergman ou Woody Allen.)
Exemplos de não-roteiro:
Os exemplos seguintes foram todos extraídos – por mim e pelo Giba Assis Brasil - de
roteiros de cinema e televisão, a maior parte deles escritos por alunos ou jovens
realizadores, alguns por experientes roteiristas. Nomes e referências foram alterados de
modo a não identificar os seus autores, entre eles eu.
Os trechos de não-roteiro estão em itálico.
Um carro se desloca na avenida. O céu tem todas as cores do mágico entardecer sobre a
cidade. A fotografia ressalta a densidade cromática dos laranjas e o azul ciano formando
uma abóboda de cor e luz.
Luiz acorda em seu quarto e descobre que Cláudia não está lá.
João percebe que tem que fingir estar calmo, senão porá todos em risco.
Everaldo abre um buraco na terra e enterra sua pistola, colocando uma estaca sobre ela,
para indicar o lugar, caso algum dia ela seja necessária. Célio observa, de longe,
sabendo que é uma revelação para daqui a muitos anos.
O Delegado pára e pensa até que ponto valeria a pena manter aquele tiroteio contra a
quadrilha de Palito. Aquele era seu território e por mais homens que a polícia tivesse na
operação a probabilidade de efetuar alguma prisão seria mínima.
Nélson está desconfiado: foi preso e solto no mesmo dia, isso cheira a armação.
Cinara é uma ex-namorada que casou-se com Romeu, um grande amigo que Bernardo só
voltaria a ver um ano depois desse encontro.
Duas semanas depois, Laura encontra Patrícia para desabafar sobre seu casamento.
Gabriele, em jejum, vai fazer um aborto. Passa na frente de uma confeitaria e vê um bolo
de laranja que dá água na boca. Resolve comer o bolo e ter o bebê. Sai cantarolando
uma canção.
(Essa me fez lembrar o Diário de Kafka: “Quinta-feira. Hitler invadiu a Rússia. Natação
à tarde.”)
A carícia enche-a de orgulho filial, mas Lúcia não crê no que o pai acabou de lhe dizer.
...eles meio que fingem ser tudo normal e continuam o trabalho, tentando não parecer
preocupados, mas se cagando.
Dr. Lopes mete-se no carro, logo depois do almoço. Vai buscar Laura.
Júlia fica durante três dias no quarto, onde passa quase todas as horas.
De repente: Toc, toc, toc. Batem moderadamente forte a porta. No clima de tensão... FIM
DO SEGUNDO BLOCO
Na manhã seguinte, Marisa faz compras. Adora provar roupas novas. É consumista e
fútil.
Luis Paulo dirige, louco para encontrar um conhecido. O que ele mais queria naquele
momento era estar na calçada. Ao mesmo tempo, sente medo de tudo não passar de um
sonho e cair da cama.
Pedro tem uma imagem tão austera que, se dissessem que ele é um engenheiro, todos
acreditariam.
O time resolve jogar com muita garra e fazer tudo que não fez durante o primeiro turno
do campeonato.
“Aliás, alguma vez um artista perdeu um mínimo de gênio por formular com clareza os
dados positivos de sua técnica? Creio, porém, que, entre todas as artes, a do teatro é a
que mais recorre a este gênero de conhecimentos, de cálculos, de formulações. Quem
protestasse contra a idéia de qualquer cálculo nesses domínios, sisplemente estaria
provando que nada entende da arte teatral, na qual sempre existiu muitos cálculos ou, se
esta palavra ofende alguns sentimentais, muitos artifícios engenhosos e longamente
meditados. Aliás, em que arte não há?”
Etienne Souriau.
Quando o roteirista escreve “O time resolve jogar com muita garra e fazer tudo que não
fez durante o primeiro turno do campeonato” ele não está apenas escrevendo algo não-
filmável (e, portanto, não-roteiro): ele está criando a ilusão de uma cena, a falsa idéia de
uma dramaturgia, algo que pode iludir o leitor do roteiro mas que não estará no filme e,
portanto, não vai iludir o público.
Quando o roteirista diz que “Marília se sente feia, mal vestida e desinteressante” ou que
os personagens “não percebem, mas estão se envolvendo emocionalmente”, está matando
serviço, esqueceu de dramatizar, e é esta a sua função.
No cinema, é preciso tornar externo o que é interno. “Drama” quer dizer “ação”,
“dramatizar” significa “transportar um texto discursivo qualquer para a linguagem
dramática por meio de diálogos e/ou ação cênica”.
Quando o roteirista escreve que “João põe a mão na testa e percebe que está com febre”
está passando para o diretor resolver, na filmagem, um problema que era dele.
(“Dramatizar”)
Lembrando que "a história da criação humana é a história da quebra de regras" (E.H.
Gombrich) e que para melhor quebrar uma regra é útil conhecê-la, aqui vão algumas para
a escritura de um bom roteiro, digamos que sejam onze.
Jean-Claude Carriére: "A gente é sempre tentado a pôr no papel que "reina na sala uma
atmosfera morosa" ou "que os personagens parecem estar à vontade". O que isto quer
dizer? É necessário que um roteirista seja extremamente honesto com o filme que vai
nascer de suas palavras. Não pode escrever uma coisa que não vai acontecer, que será
diferente do que verá o espectador".
Há bons diretores que aceitam ou até gostam de rubricas do tipo “livre dos traumas da
infância, João parte para a liberdade”. Entendo esta descrição do estado de espírito do
personagem como uma rubrica de direção, algo que o diretor quer ter anotado para
lembrar de transmitir ao ator. Ao roteirista cabe escrever cenas que dramatizem, tornem
exteriores e visíveis, os sentimentos de João de estar livre dos traumas de infância e
assim partir para a liberdade.
(“João joga no lixo seu boneco do Gargamel, entra no táxi e diz ao motorista: Estou indo
para a Liberdade.”)
Lembre-se que, é claro, você é livre (!) para usar qualquer palavra no filme fora das
rubricas: nos diálogos, narrações, letreiros, legendas, cartões, etc... Aqui falamos de
palavras perigosas nas rubricas.
. Palavras que exprimem não-existência: sem, não há, não tem, não está, ninguém está...
“Gertrudes dá uma olhada ao redor da sala, mas ninguém está prestando atenção nela”.
Alguém está fazendo tricô? Não? Então, ninguém está fazendo tricô. Alguém está
jogando gamão? Não? Então, ninguém está jogando gamão.
Se o roteirista escreve que “ninguém está” fazendo alguma coisa, transfere ao diretor a
tarefa de criar ações (às vezes no set de filmagem), dizer aos figurantes o que fazer.
“Gertrudes dá uma olhada ao redor da sala. Dona Silvia faz tricô, Dona Marta e Seu
Antonio jogam gamão e comem biscoitos.” (Ou seja: ninguém está olhando para ela.)
“Gertrudes dá uma olhada ao redor da sala. Dona Silvia faz tricô, Dona Marta e Seu
Antonio jogam gamão e comem biscoitos. Dona Marta, distraída, engole uma peça do
gamão.”
“Se é verdade que a narrativa por imagens é natural, também é verdade que a palavra
representa com maior exatidão a complexidade do pensamento humano e uma linguagem
composta só por imagens seria bastante limitada. A primeira destas limitações é
lembrada por Sol Worth em seu ensaio "Pictures Can’t Say Ain’t" (Uma imagem não
pode dizer "eu não sou"). A imagem não pode afirmar a inexistência da coisa
representada, mesmo que René Magritte brinque com esta impossibilidade ao desenhar
um cachimbo e sob esta imagem escreva "isto não é um cachimbo". Para afirmar uma
negação, Magritte precisou usar palavras.”
GOMBRICH, Ernst Hans. Meditações sobre um cavalinho de pau e outros ensaios sobre
a teoria da arte.
INCLUDEPICTURE "http://www.armariogeek.com.br/wp-content/uploads/magritte-
pipe.jpg" \* MERGEFORMATINET
HYPERLINK "http://www.armariogeek.com.br/wp-content/uploads/magritte-
pipe.jpg"http://www.armariogeek.com.br/wp-content/uploads/magritte-pipe.jpg
. Palavras que exprimem duração de tempo: longamente, alguns dias, horas a fio, sem
demora...
Fazer sentir o passar do tempo é uma das ciências do roteiro. Dramatizar passagens de
tempo sem recorrer a clichês é sempre um desafio a ser enfrentado.
. Palavras que exprimem ordem não-vizível: depois, de repente, então, antes de...
. Palavras que exprimem mudança não-vizível: no lugar de, ao invés de, ao contrário,
diferente...
Se você escrever “alguns homens estão na praia” o produtor vai lher perguntar se alguns
são 6 ou 36 ou, o que é mais provável, vai decidir por conta própria que são 5.
. Palavras que exprimem faculdades volitivas: quer, sente, deseja, pretende, sem querer,
por obrigação, por acaso...
. Palavras que exprimem operação afetiva (não visível): amar, apaixonar-se, sentir falta,
com saudade...
Não confundir com emoções visíveis como triste, alegre, furioso, surpreso...
Além destas “palavras invisíveis”, o roteiro deve evitar também, em suas rubricas,
expressões redundantes ao ato cinematográfico: câmera, câmera mostra, vemos, o
espectador vê, o público vê...
O mínimo a dizer: onde se passa a cena (local, cenário), quem faz parte dela
(personagens, atores) e o que acontece.
Numerar as cenas é uma opção. O número da cena aparece no filme? (Regra 1) Sim, é a
ordem da cena no filme.
Vantagens: poder trabalhar em parceria e poder se referir a uma outra cena (“...mesmo
figurino da cena 8...”).
Desvantagem: ter que mudar a numeração quando cenas são descartadas ou novas cenas
surgem. (“... mesmo figurino da antiga cena 28...” ou “... cena 34B...”).
Sugestão: só numere as cenas quando tiver uma primeira versão inteira do roteiro e outras
pessoas precisarem lê-lo.
CENA SEQ "AutoNr" \*Arabic 1 SUPERMERCADO, INTERIOR / DIA
ANDRÉ, 18 anos, magro, roupas simples, mochila nas costas, está na fila de um caixa de
supermercado. Atrás dele, um HOMEM, 50 anos, com dois pacotes na mão. Atrás do
homem, uma SENHORA, 40 anos, e uma CRIANÇA de 5 anos, com um carrinho cheio
de compras. André tira do bolso a carteira de dinheiro enquanto a MOÇA do caixa vai
passando as compras de André: esponja para lavar pratos, detergente, leite, pão,
margarina. André confere o dinheiro na carteira.
ANDRÉ
Quanto deu até agora?
MOÇA
Oito e vinte e cinco.
ANDRÉ
Quanto deu até agora?
MOÇA
Oito e vinte e cinco.
Em seqüências de montagem que intercalam várias cenas, penso que é melhor indicar as
várias cenas num único cabeçalho e depois descrevê-las sem interrupções, facilitando a
leitura. (Neste caso, caberá à Produção e ao Assistente de Direção refazer a numeração
das cenas antes do filme entrar em produção.)
Exemplo:
André em seu quarto, fazendo contas. Detalhes de suas contas no papel, detalhes do
contracheque. Detalhe do número 302, desenhado por André.
ANDRÉ (OFF)
Eu ganho dois salários mínimos, são trezentos e dois reais por mês,
André numa calçada. Olha para uma vitrine, tênis com etiqueta de preço (R$ 290,00),
Sílvia passa, quase imperceptível, no reflexo da vitrine.
ANDRÉ (OFF)
Duzentos e noventa com os descontos.
ANDRÉ (OFF)
Não gasto em transporte, vou a pé para a loja e não saio nunca.
ANDRÉ (OFF)
Minha mãe paga o supermercado com a pensão dela, eu pago metade do
aluguel...
André desenha uma HQ sobre uma planta baixa. Xerox falhado da planta baixa de um
apartamento. Quarto de empregada, uma empregada encaixotada.
ANDRÉ (OFF)
... dois quartos com dependência de empregada, se a gente tivesse
empregada e ela conseguisse dormir de pé.
ANDRÉ (OFF)
Sala, vista para o prédio em frente, tudo isso por apenas...
HQ: Cozinha, mãe colando recibo na geladeira.
ANDRÉ (OFF)
... trezentos e trinta reais, trezentos e oitenta com o condomínio.
ANDRÉ (OFF)
Sobram cem.
André tenta passar na roleta com a caixa da televisão e dinheiro para pagar o ônibus.
ANDRÉ (OFF)
Pago metade da prestação da tv, quatorze polegadas, controle remoto,
sessenta e quatro reais, trinta e dois a minha parte, sobram sessenta e oito.
ANDRÉ (OFF)
Gasto com bobagens: uma revista, uma cerveja...
ANDRÉ (OFF)
...uma caneta.
André tira binóculo da caixa. André com o binóculo, na janela. André sem binóculo olha
para o 4º Distrito. André colocando binóculo no olho. Gondoleiros, ruas do 4º Distrito,
Ponte. André fazendo zoom no binóculo. André fechando na ponte, ponte abre.
ANDRÉ (OFF)
Para comprar o meu binóculo em precisei economizar um ano.
Tudo que vai estar no filme, e em cada cena do filme, deve aparecer no roteiro na mesma
ordem em que vai aparecer no filme.
Contra-exemplo:
O Dr. Gustavo aproxima-se e pára na frente da casa.
DR. GUSTAVO
(gritando) Helena!
HELENA
O que foi?
DR. GUSTAVO
Venha aqui fora, quero conversar com você.
HELENA
Agora eu não posso. O senhor entre, estou teminando o almoço.
Se o personagem vai ter um nome no filme ele é indicado por este nome desde sua
primeira entrada. Não fosse assim, ele seria chamado de duas maneiras diferentes (Por
exemplo, “Homem” e “Dr. Gustavo”) o que confundiria a produção e também o ator.
Esta exceção à regra tem um frequente efeito colateral: personagens que só têm nome por
escrito. No exemplo citado, o personagem (Dr. Gustavo) ainda não tem nome. Se o nome
do seu personagem é importante - por exemplo, se personagens se referem a ele e isso é
fundamental para a compreensão da história - certifique-se que ele será ouvido no filme.
(Cuide para que essa necessidade do roteiro seja também do personagem. “Quando casei
com Gertrudes, sua mãe,...”)
O improviso dos atores pode ser valioso, pode contribuir muito para a qualidade do filme,
mas é uma opção do diretor. A tarefa do roteirista é escrever todas as falas, narrações e
textos que estarão no filme. Não são admissíveis num roteiro, salvo pedido expresso do
diretor, frases como “Janice e Gonçalves discutem a respeito de seu casamento”,
“Alfredo pede para ir ao banheiro”.
Para facilitar a visualização, as falas devem estar muito claramente destacadas do resto do
texto, a ponto de constituir, visualmente, na página, dois blocos: o “bloco das falas” e o
“bloco da rubricas/descrição/narração/”.
O nome do personagem que fala deve anteceder cada fala, com destaque (normalmente
indicado por letras maiúsculas).
Devem ter indicação específica, entre parênteses ao lado do nome de quem fala, as falas
em que o personagem está fora de quadro (FQ) ou com voz sobreposta (VS). Em inglês
usam-se as expressões “off-screen” (OS) e “voice-over” (VO). No Brasil, sabe-se lá por
quê, adotou-se o termo inglês OFF para ambos os casos. (Meu caso.)
Rubrica é um conceito que vem do teatro, no sentido de “tudo que não é fala”. Eu uso
neste sentido, mas a palavra rubrica costuma ter no cinema um significado mais
específico, um trecho de frase, colocado entre parênteses dentro do bloco das falas, para
indicar a intenção do personagem ao dizer a fala (rubrica de intenção) ou uma pequena
ação realizada pelo personagem enquanto ele diz a fala (rubrica de ação simultânea).
Etimologia: o latim, rubricus, 'terra vermelha', argila utilizada para escrever e pôr em
destaque os títulos da lei. Rubrica: cinema, teatro, televisão, em um roteiro de filme,
teatro, televisão etc., texto que não faz parte do diálogo, mas indica aos atores, ao diretor
e à produção (arte, figurino etc.) detalhes imprescindíveis da cena.
As intenções dos personagens (atores) podem ser visíveis: agitado, furioso, vacilante,
sonolento... e portanto podem estar no roteiro. Estas indicações podem vir (entre
parênteses) intercaladas no diálogo, quando se referirem a fala, ou dentro das rubricas,
quando se referirem à ação.
Exemplos:
Deitada na banheira, sonolenta, Maria Eduarda lê o jornal. Ela cochila e deixa o jornal
tocar na água. Desperta, assustada, pega uma toalha e tenta secar o jornal.
ERNESTO
(irritado) Foi você que molhou o jornal deste jeito?
MARIA EDUARDA
(indignada) Eeeu??
Use as indicações de intenção para os atores com moderação. Bons atores costumam se
irritar – com razão - com indicações óbvias e banais: alegre, animado, triste... Se a cena
não foi capaz de indicar a intenção, o problema é de dramaturgia e não será resolvido
com uma rubrica.
Exemplo de má rubrica de intenção:
“João está pensativo, catatônico. Maria olha para ele franzindo a testa, baixando uma
sobrancelha mais que a outra.”
(Nelson Rodrigues escrevia quase uma rubrica por fala, virou estilo.)
É importante criar, no roteiro, uma imagem dos cenários e personagens. Descreva o que é
visível (ou audível) e o que é dramaticamente significativo. E não descreva o que não é
visível ou dramaticamente significativo.
PAULINHO
Pode deixar. (irônico) Eu cuido dela como se fosse minha irmã.
CARLA
Ah, você está aí? (fechando a porta) Eu desisti de ir.
CARMEM
(com ares de admiração e desconfiança na crença das reais possibilidades da
execução do trabalho) Gabriel, você tem certeza que não vai precisar de ajuda?
Um filme é uma experiência externa, que acontece numa tela colocada à nossa frente, a
uma certa distância, com outras pessoas ou personagens. Por isso, todo roteiro deve ser
narrado em terceira pessoa.
Vai até o armário, abre o armário e pega a concha de sopa.
E não...
Fui até o armário, abri o armário...
Assistir a um filme é uma experiência que acontece no tempo, como a música ou o teatro,
e ao contrário da pintura, da escultura e da literatura, que acontecem no espaço. O tempo
de visualização de um filme é sempre o presente.
João levanta, pega a arma e aponta para o papagaio.
E não...
João levantou e apontou a arma para o papagaio.
Cada narração, cada descrição, cada rubrica, deve ser escrita de forma a ter um tempo de
leitura o mais próximo possível do tempo que se imagina que eles terão no filme.
Não se deve contar longamente uma ação breve ou brevemente uma ação longa. Ler um
roteiro em voz alta - inclusive ação e diálogo - não deve tomar nem mais nem menos que
o tempo que se terá para ver o filme.
Versão 1:
Benjamim posiciona-se num dos mijadouros. Olha o mijadouro. Há dois tocos de cigarro
com filtro. Benjamim observa os tocos de cigarro: um com bocal amarelo e outro com
bocal branco manchado de batom. Benjamim nota que a guimba branca com batom traz
impressa em dourado quatro argolas e a marca Dam. Benjamim se afasta.
Versão 2:
Benjamim posiciona-se num dos mijadouros. Olha o mijadouro. Há dois tocos de cigarro
com filtro. Benjamim se afasta.
Roteiro não é decupagem. Mas um bom roteiro deve se preocupar em SUGERIR uma
decupagem.
Exercício:
Raymond Chandler, O sono eterno. Tradução de Paulo Henriques Britto. Ed. Brasiliense,
São Paulo, 1974.
“Naquele exato momento, três tiros soaram dentro da casa. Depois ouviu-se um ruído
como se fosse um suspiro prolongado e áspero. Depois o desabar desastrado de alguma
coisa mole. E então passos rápidos se afastando lá dentro.
A casa à minha frente estava silenciosa como um túmulo. Não havia pressa. Fosse o que
fosse, o que está dentro dela estava lá dentro. Pulei a cerca e me debrucei no parapeito de
uma janela, com cortinas mas sem tela, e tentei olhar pelo intervalo das cortinas. Vi uma
parede iluminada e a ponta de um estante. (...) Subi na cerca e quebrei a janela com um
chute. Agora é só enfiar a mão e soltar o ferrolho. O resto foi fácil. Entrei e empurrei as
cortinas para longe do meu rosto. As duas pessoas que estavam na sala ignoraram minha
presença, embora só uma delas estivesse morta.
Capítulo 7
Era uma sala larga, com a largura total da casa. Tinha o teto rebaixado, com vigas, e as
paredes de reboco marrons, enfeitadas com bordados chineses e gravuras chinesas e
japonesas em moldura de madeira. Havia estantes baixas, um tapete chinês rosado tão
espesso que uma marmota poderia passar uma semana nele sem ser vista. Havia
almofadas espalhadas pelo chão, e retalhos de seda, como se a pessoa que morrase ali
precisasse sempre pegar um para ficar passando a mão. Havia um divã largo e baixo,
forrado com uma tapeçaria antiga, também rosada. Em cima dele, um monte de roupas,
entre elas alguma lingerie de seda lilás. Havia um abajur grande de madeira trabalhada
sobre um pedestal, dois outros abajures de pé com quebra-luz verde e borlas compridas.
Havia também uma escrivaninha preta com gárgulas nos cantos, e atrás dela uma cadeira
preta polida, com braços os braços e os encostos trabalhados e uma almofada de cetim
amarelo. Havia uma ombinação estranha de cheiros na sala, dos quais o mais forte no
momento era a enjoativa presença do éter.
Havia uma espécie de plataforma baixa numa das extremidades da sala, e nela uma
cadeira alta, na qual a srta. Carmen Sternwood estava sentada, sobre um alaranjado xale
de franja. Estava toda esticada, as mãos nos braços da cadeira, os joelhos bem juntos, o
corpo rigidamente ereto numa pose de deusa egípcia, o queixo na horizontal, seus
dentinhos reluzentes brilhando entre os lábios abertos. Os olhos estava arregalados. O
negro da íris havia devorado as pupilas. Eram olhos loucos. Ela parecia estar
inconsciente, mas sua postura não era a da inconsciência. Tinha o ar de quem acha que
está fazendo uma coisa muito importante e está se saindo muito bem. De sua boca saía
um barulhinho metálico, era quase um riso, mas não a fazia mudar de expressão nem
sequer mover os lábios.
Usava um par de longos brincos de jade. Eram bonitos, deviam ter custado uns duzentos
dólares. Não estava usando mais nada. Tinha um belo corpo, pequeno, elástico,
compacto, firme, arredondado. À luz do abajur, sua pele tinha o brilho sedoso de uma
pérola. Olhei-a de alto a baixo sem vergonha nem desejo. Como moça nua, para mim ela
nem estava lá. Era apenas uma pateta. Para mim ela nunca passara de uma pateta.
Parei de olhar para ela e olhei para Geiger. Ele estava de costas no chão, perto da franja
do tapete chinês, à frente de uma coisa que parecia um totem. Vista de lado, parecia uma
águia, e o olho grande e redondo era a lente de uma câmera. A lente estava virada para a
moça nua na cadeira. Havia uma lâmpada de flash queimada presa à lateral do totem.
Geiger estava de chinelos chineses de solas grossas de feltro, suas pernas em um pijama
de cetim preto, e o tronco vestia um casaco chinês bordado, todo ensanguentado na
frente. O olho de vidro brilhava para mim, era de longe a coisa mais viva que havia nele.
À primeira vista pude constatar que nenhum dos três tiros que eu ouvira tinha errado o
alvo. Ele estava mortíssimo.”
Um bom conselho, acho que do Balzac: “Crie com vinho, revise com café”.
"Há praticamente cinco anos (acabo de fazer 66 de idade), venho tentando escrever um
romance e não consigo passar do segundo capítulo. Ele é sempre interrompido e, pelo
menos no meu caso, quando um romance é interrompido, principalmente no começo e em
alguns pontos imprevisíveis, ele desanda inteiramente, tem-se que começar tudo de novo.
Não é exagero: às vezes um só dia dedicado a outras atividades pode prejudicar o
trabalho de meses."
William Goldman:
"Você tem que proteger seu tempo dedicado à escrita. Você tem que protegê-lo até as
últimas conseqüências."
Recapitulando:
"Uma fala literária e dramática envolvida por imagens." Paulo Emílio Salles Gomes,
1960.
"Um complexo ritual que envolve mil e um elementos diferentes, a começar pelo seu
gosto para este tipo de espetáculo, a publicidade, pessoas e firmas estrangeiras e
nacionais que fazem e investem dinheiro em filmes, firmas distribuidoras que
encaminham estes filmes para os donos das salas e, finalmente, estes, os exibidores que
os projetam para os espectadores que pagaram para sentar numa poltrona e ficar olhando
as imagens na tela." Jean-Claude Bernardet em "O que é cinema", 1980.
"A primeira tentativa, desde o início da nossa civilização individualista moderna, para
produzir arte para o público em massa." Arnold Hauser em "História social da literatura e
da arte", 1951.
Maxim Gorki, em 1896, previu que em pouco tempo o cinema se resumiria a um único
gênero: a pornografia.
"OMNIOGRAPHO
Com este nome, tão hibridamente composto, inaugurou-se ontem, às duas horas da tarde,
em uma sala à Rua do Ouvidor, um aparelho que projeta sobre uma tela colocada ao
fundo da sala diversos espetáculos e cenas animadas, por meio de uma série enorme de
fotografias. Mais desenvolvido do que o Kinetoscopio, do qual é uma ampliação, que tem
a vantagem de oferecer a visão, não a um só espectador, mas a centenas de espectadores,
cremos ser este o mesmo aparelho a que se dá o nome de cinematographo.
Em uma vasta sala quadrangular, iluminadas por lâmpadas elétricas de Edison, paredes
pintadas de vermelho-escuro, estão umas duzentas cadeiras dispostas em fila e voltadas
para o fundo da sala onde se acha colocada, em altura conveniente, a tela refletora que
deve medir dois metros de largura aproximadamente. O aparelho se acha por detrás dos
espectadores, em um pequeno gabinete fechado, colocado entre as duas portas de
entrada.
Apaga-se a luz elétrica, fica a sala em trevas e na tela dos fundos aparece a projeção
luminosa, a princípio fixa e apenas esboçada, mas vai pouco a pouco se destacando.
Entrando em funções o aparelho, a cena anima-se e as figuras movem-se.
Talvez por defeito das fotografias que se sucedem rapidamente, ou por inexperiência de
quem trabalha com o aparelho, algumas cenas movem-se indistintamente em vibrações
confusas; outras, porém, ressaltavam nítidas, firmes, acusando-se em um relevo
extraordinário, dando magnífica impressão de vida real. Entre estas, citaremos: a cena
emocionante de um incidente de incêndio, quando os bombeiros salvam das chamas
algumas pessoas; a da dança da serpentina; a da dança do ventre, etc. Vimos também
uma briga de gatos, uma outra de galos, uma banda de música militar, um trecho de
boulevard parisiense, a chegada do trem, a oficina de um ferreiro, uma praia de mar,
uma evolução espetaculosa de teatro, um acrobata no trapézio e uma cena íntima.
Bernard Shaw, em 1930, escreveu que o cinema poderia vir a se tornar uma arte, "desde
que desistissem das imagens e projetassem só as legendas".
O cinema é também uma arte, uma arte que se alimenta de todas as outras formas de arte,
utiliza elementos da literatura, do teatro, da música, da fotografia, das artes plásticas, da
dança, do circo.
Tal efeito era conhecido desde o antigo Egito, e vários inventores empregaram a
descoberta em brinquedos, com desenhos: Zootróprio, Fenaquistoscópio, Fantoscópio...
(Veja Bem)
2) O Efeito Esteriocinético
3) O "Estado de Cinema".
Antonio Damásio:
O conceito ("the willing suspension of disbelief”) foi formulado por Samuel Taylor
Coleridge, filósofo inglês (21/10/1772 – 25/07/1834) em “Biographia Literaria”, ensaio
publicado em 1817. O trecho, na tradução de Liziane Kugland:
"… ficou entendido que meus esforços deveriam ser direcionados a pessoas e
personagens sobrenaturais, ou pelo menos românticos, e ainda com o intuito de buscar
em nossa natureza interior um interesse humano e uma aparência de verdade suficientes
para fornecer a estas sombras de imaginação aquela momentânea suspensão voluntária
da descrença, a qual constitui a fé poética."
”... It was agreed, that my endeavours should be directed to persons and characters
supernatural, or at least romantic, yet so as to transfer from our inward nature a human
interest and a semblance of truth sufficient to procure for these shadows of imagination
that willing suspension of disbelief for the moment, which constitutes poetic faith.”
Étienne Souriau:
"O microcosmo cênico representa um macrocosmo no qual ele se insere. Este
microcosmo tem o poder de por si só representar e sustentar satisfatoriamente todo o
macrocosmo teatral, sob a condição de ser tão "focal", a tal ponto "estelarmente
central", que seu foco seja o mundo inteiro que nos é apresentado".
Até prova em contrário, o espectador está disposto a participar do jogo ficcional proposto
pela linguagem cinematográfica.
Cinema e televisão utilizam a mesma linguagem, com os mesmos signos, a mesma força
da fotografia, a mesma ilusão de volume provocada pelas imagens que se movem em
planos sobrepostos, música, palavras, luz e movimento. A diferença não está na
linguagem em que se constrói a narrativa no cinema ou na televisão e sim na maneira
como uma e outra são apreendidas. A diferença não é como se faz mas sim como se vê.
Uma sala iluminada apenas pelas imagens que por algum tempo numa grande tela se
movimentam, sem que sobre elas tenhamos qualquer controle, é cinema. Uma pequena
tela se esforçando para chamar atenção o tempo que for possível, sempre e enquanto nós
deixarmos, é televisão.
Desde o momento em que alguém tem a idéia para um filme até que você o veja na tela
de um cinema passam-se alguns anos. Tudo que chega ao filme foi visto muitas vezes por
muitas pessoas. Você vê um filme sabendo que nada está ali por acaso. Na televisão tudo
pode acontecer. Mesmo um filme na televisão pode ser interrompido a qualquer momento
pela queda de um ministro ou de um avião. Televisão é sempre ao vivo.
Este parâmetro sugere, por exemplo, que um roteiro de televisão deveria ter, no máximo,
uma locação para cada 4 páginas (40 páginas, máximo de 10 locações), já que é muito
difícil para uma equipe filmar (direito) em mais de duas locações por dia.
Diferença entre a televisão e o cinema que mais interessa para o roteirista: a quantidade
de atenção.
Para o roteirista, o mais importante é que o cinema é uma linguagem, isto é, "um sistema
de signos que serve de meio de comunicação entre indivíduos e pode ser percebido pelos
diversos órgãos do sentido”. Dos cinco sentidos, o cinema utiliza dois: visão e audição.
A linguagem cinematográfica pode ser traduzida em palavras, num roteiro do filme. Para
que possamos melhor utilizar o potencial da linguagem cinematográfica e traduzi-la em
palavras no roteiro, é útil que conheçamos os seus elementos. Digamos que sejam onze.
1. PERSONAGEM
É cada um dos "seres fictícios construídos à imagem e semelhança dos seres humanos".
Em grego antigo, personagem era ÉTHÉ, que significa "aquele que escolhe". Para
Aristóteles, o personagem era o resultado da interação da DIANÓIA (pensamento) com o
ETHOS (ação, escolha).
Em cinema (como em teatro), o personagem não existe apenas no papel, mas é também o
ATOR que o interpreta, seu FIGURINO e sua CARACTERIZAÇÃO. É o conjunto das
FALAS previstas no roteiro (somadas à DICÇÃO ou forma de falar do ator) e das
AÇÕES previstas no roteiro (somadas ao GESTUAL ou forma de agir do ator).
Há filmes sem personagens? Sim, em qualquer Bienal, mas eles dialogam com as artes
plásticas, não com as artes dramáticas.
2. CENÁRIO
É o espaço dentro do qual acontece a ação. “Alguns autores dizem que o cinema deixou
de ser "teatro filmado" quando a concepção do cenário evoluiu do "espaço em frente ao
qual a ação acontece" para o "espaço dentro do qual a ação acontece". Giba.
3. ENQUADRAMENTO
. Tipos de planos
Existem dezenas de classificações diferentes, mas quase todas as listas têm como ponto
de partida as diferentes formas de enquadrar o corpo humano: plano de rosto, plano de
peito, plano de coxa... Para o roteirista, julgo serem suficientes imaginar quatro tipos de
plano:
- CLOSE (ou Plano de Rosto, ou Primeiríssimo Plano.). O importante é a expressão do
personagem. Cenário, figurino e tudo o mais em torno não tem importância.
- PLANO MÉDIO (ou de Coxa, de Corpo Inteiro...). A atenção se divide entre o
personagem e o que está em torno (cenário, outros personagens.).
- PLANO GERAL (ou de Conjunto.). Dá mais atenção ao cenário e ambiente do que a
expressão do personagem.
- DETALHE. Chama a atenção do público para um detalhe da cena: uma palavra escrita,
um relógio, uma tatuagem ou sinal.
. Ângulo horizontal
Uma vez definido o "objeto" de um plano ainda podemos escolher o ângulo horizontal
formado entre a câmera, o personagem e o seu olhar. Assim, um plano pode ser:
- FRONTAL
- DE 3/4
- DE PERFIL
- DE 1/4
- TRASEIRO
. Ângulo vertical
- AO NÍVEL do olhar do personagem
- PLONGÊ (do francês plongée, mergulho)
- CONTRA-PLONGÊ
- PLONGÊ ABSOLUTO
- CONTRA-PLONGÊ ABSOLUTO
. Profundidade de campo
- PRIMEIRO PLANO
- SEGUNDO PLANO
- Etc...
Quando o personagem entra ou sai de quadro, ou quando olha para fora de quadro, pode
fazê-lo por qualquer um destes seis lados.
. Composição
Para enquadrar, portanto, precisa-se definir o objeto, o tipo de plano, os ângulos
horizontal e vertical e a utilização da profundidade de campo e do espaço fora de quadro.
Mas isto não é tudo. Em cinema, como em pintura ou fotografia, dá-se o nome de
COMPOSIÇÃO à arte de combinar todos estes elementos num quadro.
Repetindo: O enquadramento, embora pareça uma lista fascinante, geralmente não diz
respeito ao roteirista. O roteiro só deve INDICAR enquadramento quando ele tem UMA
FUNÇÃO DRAMÁTICA OU NARRATIVA. No entanto, veremos que há muitas
maneiras de SUGERIR enquadramentos (e cortes, e movimentos de câmera...) sem as
utilização de indicações técnicas. (Ex: "O Bom, o Mau e o Feio", o gibi em Dorival, os
pés de Oscarito.)
4. LUZ
Elemento fundamental, não há cinema sem ela. Além da indicação DIA e NOITE,
importante para a produção, o roteirista, como no caso dos enquadramentos, só deve dar
indicações de luz quando ela tem uma função dramática ou narrativa. A definição e o
detalhamento da luz são prerrogativas do diretor e do diretor de fotografia. Tome cuidado
especial com AMANHECER ou ENTARDECER. Lembre-se que eles são muito curtos.
A Luz inclui um elemento fundamental da linguagem cinematográfica: a COR. A Cor
pode ser dramaticamente significativa ou mesmo fundamental para a narrativa. Nestes
casos, deve estar no roteiro.
5. DURAÇÃO
O tempo decorrido, que não existe numa pintura ou numa fotografia. Não há como
classificar os planos apenas quanto à sua duração. Determinar a duração de cada plano,
de cada cena, é dos segredos do ofício cinematográfico. (ver “Em algum lugar”, de Sofia
Coppola. “Elegia Soviética”, deo Sukorov).
O cinema, como a música, é uma arte "contra o relógio". Comparação com outras artes:
teatro, pintura, literatura.
6. MOVIMENTO
- Do personagem
Entrando ou saindo de quadro, aproximando-se ou afastando-se da câmera. A
movimentação dos personagens é muitas vezes indicada pelo roteiro. Ela pode ajudar a
construir o personagem.
- Do cenário
Por exemplo, quando os personagens e a câmera estão dentro de um veículo em
movimento. O cenário também pode se movimentar de outras formas: caindo, sendo
erguido, sofrendo ação do vento ou da chuva ou de algum personagem.
- Da luz
Quando se deslocam, em quadro ou fora dele, fontes luminosas (faróis de automóveis,
lanternas, o sol ou a lua, etc.) ou obstáculos à luz (nuvens, pessoas, animais, etc.),
provocando sombras ou alterações na sua intensidade.
- Do enquadramento
São os movimentos de câmera e movimentos de lente.
- Da câmera
A câmera imita o olho humano, e seus dois principais tipos de movimento imitam nossa
capacidade de olhar em movimento: mexendo os olhos ou caminhando.
PANORÂMICA (pan) é todo movimento de câmera em que ela não se desloca, mas
apenas gira em torno de um eixo. Alguns autores chamam de TILT a panorâmica vertical
A panorâmica pode ser:
(a) DESCRITIVA, quando descreve um cenário.
(b) DE ACOMPANHAMENTO, quando segue o movimento de um personagem,
veículo, etc..
(c) PONTO DE VISTA, quando mostra o que é visto por um personagem parado, que
apenas mexe os olhos.
(d) GEOGRÁFICA, quando estabelece a relação espacial entre duas coisas
(personagens, grupos de personagens, objetos, trechos de cenário, etc.)
- Da lente
ZOOM é um tipo de lente que pode alterar a sua distância focal e, portanto, o seu ângulo
de visão. MOVIMENTO DE ZOOM é a abertura (ZOOM OUT) ou fechamento
(ZOOM IN) de zoom realizada durante o plano, dando a impressão de que o objeto se
afasta ou se aproxima. Ao contrário do traveling, o zoom não corresponde a um
movimento possível do olho humano. o zoom altera o enquadramento sem mudar a
perspectiva (isto é, a relação entre personagem e cenário, entre objeto e fundo, entre os
diferentes planos).
Há filmes sem movimento? Pode haver, mas não me convide para vê-los.
7. SOM
Durante mais de 30 anos houve cinema mudo. Desde 1929 o som é um elemento
fundamental da linguagem cinematográfica, "audiovisual", sons e imagens.
- MÚSICA
- RUÍDOS
8. FALAS
Mesmo antes de ter som, o cinema já tinha "falas", expressas em cartões intercalados às
cenas. (“E se eu te disser que ela é morfética?”) São o tipo fundamental de som em
cinema: cinema sonoro é, antes de mais nada, cinema falado. E isso por um motivo
simples: a fala é ao mesmo tempo som e ação dramática.
- DIÁLOGO, quando é dita em quadro por um personagem que fala com outro.
O estudo dos diálogos seria tema para um curso inteiro. Na indústria cinematográfica
americana “dialoguistas” pode ser uma profissão expecífica. Na televisão brasileiria
também há dialoguistas, roteiristas que não trabalham nas tramas ou escaletas, são
especialistas em diálogos.
CHION:
O equilíbrio do diálogo deveria ser encontrado entre a concentração excessiva do texto
escrito e o caráter demasiado diluído da verdadeira conversa "realista".
JEAN-CLAUDE CARRIÉRE:
Parece-me essencial e evidente jamais anunciar o que se vai ver, jamais contar o que se
viu. Isso parece simples e infantil, um novo ovo de Colombo. Entretanto, quando se vai
ao cinema, os personagens comentam a ação, dissertam sobre a imagem, o que é
completamente inútil, ou pior, proclamam e expõe o que vai acontecer, o que vai ser
mostrado. É uma perda de tempo considerável, uma redundância. Evitá-la é difícil e dá
muito trabalho, mas é uma regra que me imponho e cada roteirista cria suas próprias
exigências. Isto força a não ceder à facilidade da narrativa e a procurar e imaginar
soluções narrativas que, sem isso, não teriam sido pensadas.
Escrever sempre a favor do personagem, o maior dos canalhas tem lá os seus motivos.
Considerar que cada fala é um acontecimento dramático e, como tal, deve ser ao mesmo
tempo “surpreendente e inevitável”.
Personagens são construídos à imagem e semelhança dos seres humanos, que mentem
muito. (Os homens mentem menos em fevereiro.) A maneira como falamos revela sobre
nós tanto ou mais que o significado das nossas palavras. Seja assim com os personagems
que criamos. Personagens que falam sempre o que pensam e sentem são, além de
iverossímeis, chatos. Elias Cannetti: “Não acredite em alguém que sempre diz a
verdade”.
“Eu não sou Deus. Deus tem barba branca e escreveu o Código Da Vinci.”
“Bem, ele pode ter todo o dinheiro do mundo, mas tem uma coisa que ele não pode
comprar: um dinossauro.”
“Quando eu seguro uma arma na mão eu sinto um enorme poder, como Deus deve ter se
sentido quando segurava uma arma.”
“Fatos não significam nada. Você pode usar os fatos para provar qualquer coisa que seja
só remotamente verdadeira”.
“Existem três frases curtas que levarão sua vida adiante: ‘Não diga que fui eu’, ‘Oh, boa
idéia chefe’ e ‘Já estava assim quando cheguei’.”
“Deus, porque eu tenho que gastar 2 horas do domingo na igreja ouvindo as diferentes
maneiras que irei para o inferno?”
“Bart, com 10 mil dólares nós seremos milionários. Nós poderíamos comprar todo tipo de
coisas úteis, como amor.”
“Eu tenho 3 filhos e 1 dólar. Por quê eu não posso ter 3 dólares e 1 filho?”
Encontrando Aliens: “Por favor, não me comam! Eu tenho mulher e filhos. Comam eles!”
“Bart vou lhe contar como são as mulheres… as mulheres são como uma geladeira, elas
tem 2 metros de altura e fazem gelo.”
“‘Para iniciar pressione uma tecla qualquer’. Onde está a tecla qualquer?”
“A fama se parecia com uma droga, mas o que mais se parecia com uma droga eram as
drogas.”
“Livros são inúteis!” Eu só li um livro em minha vida, “Para matar um pássaro” (“To kill
a mockingbird”) e ele não me ensinou absolutamente nada sobre como matar um pássaro.
É claro que ele me ensinou a não julgar um homem pela sua cor, mas em que isso me
ajudou?”
“É importante aprender a abandonar o navio, como fazem os ratos. É o que nos diferencia
dos animais, exceto dos ratos”.
“Filho, mulheres são como cerveja. Elas são bonitas, cheiram bem e você pisa sobre a sua
própria mãe só para conseguir uma! Mas não consegue parar na primeira, você logo quer
beber mais uma mulher!”
“Você não faz amigos com saladas.”
“Oh, eu não estou em condições de dirigir... Espere um pouco: eu não devo dar ouvidos a
mim mesmo, estou bêbado!”
“Eu cheguei até aqui com meu próprio esforço, como qualquer otário”.
- NARRAÇÃO OFF, quando é dita por alguém que está fora de quadro, que pode ser:
“Sim, esta é a Sunset Boulevard, em Los Angeles, Califórnia. São umas 5:00 da manhã.
Esta é a patrulha de homicídios acompanhada de detetives e jornalistas. Foi noticiado
um homicídio numa dessas mansões no quarteirão dez mil. Tenho certeza de que vão ler
esta notícia em edições posteriores. Vão ouvir na rádio e ver na televisão, porque tem a
ver com uma antiga estrela de Hollywood, uma das maiores. Mas antes que a ouçam
distorcida e exagerada, antes desses colunistas de Hollywood lhe porem as mãos em
cima, talvez queiram ouvir os fatos, toda a verdade. Se assim é, vieram ao lugar certo.
Estão vendo, foi encontrado o corpo de um jovem flutuando na piscina de sua mansão
com dois tiros nas costas e um no estômago. Na verdade, não é ninguém importante. Só
um argumentista com alguns filmes de série B no currículo. Pobre alma. Ele sempre quis
uma piscina. Bem, acabou por tê-la. Só que o preço pago por ela foi bem alto. Recuemos
seis meses até o dia em que tudo começou.”
Ex: Curta francês, texto off, voz masculina, sobre rosto de mulher, descreve uma mulher
(que imaginamos ser ela). Logo descobrimos que não é um OFF e sim um FQ, quem fala
é o marido, que entra em quadro, refere-se a uma outra mulher.
Uma teste: escreva a cena, com o OFF. Retire o OFF. Se a cena funcionar sem o OFF,
você pode (ou não) colocar o OFF de volta. Se a cena não funcionar sem o OFF,
reescreva a cena. O OFF deveria ser um “brinde”, uma “camada extra” da narrativa, não
sua base de sustentação.
IN ou OFF:
Tecnicamente, as falas de um filme se dividem em dois tipos: com ou sem sincronismo
labial dos atores. Se há, a fala deve ser gravada em som direto ou dublada. Se não há,
pode (e deve) ser gravada depois da filmagem (e quanto mais perto do corte final,
melhor.)
Exemplo mais recente: Carol, em Antes que o mundo acaba, telefona para a mãe, avisa
que o irmão passa mal. Uma fala extra de Carol foi gravada, com o filme já editado,
informando que a mãe “já está chegando, tá aqui na frente”, o que permitiu encurtar a
cena.
9. AÇÃO DRAMÁTICA
Há filmes sem ação dramática? Se o filme quiser contar uma história, não.
10. PLANO
O cinema se torna uma forma de linguagem realmente nova quando se descobre que ele
pode mudar bruscamente de ponto de vista, isto é: passar de um enquadramento a outro
totalmente diferente sem precisar passar pelos enquadramentos intermediários. Giba
Assis Brasil
11. CORTE
O décimo-segundo elemento.
Ex: Tootsie. Alguém começa a ver o filme não sabendo que ele irá se passar por uma
mulher? (Talvez seja essa informação prévia do público que permita o alongamento do
primeiro ato.)
Um dos erros mais frequentes provocado por este desequilíbrio são as longas cenas onde
os personagens, parados, falam, aproximando o filme de um programa de rádio. “Talking
heads”, na dramaturgia ou no documentário, são sempre a solução mais fácil e, por isso
mesmo, a mais usada. Lembre-se que é possível falar e agir (caminhar, trabalhar, etc.) ao
mesmo tempo, que o movimento é um dos elementos fundamentais do cinema, e que toda
ação pode ser dramática. (“Dramatizar!”)
. Combinações
Informações que, somadas, geram uma nova informação. Eisenstein e a escrita chinesa.
. Repetição
Toda informação fundamental pode ser reiterada, às vezes repetida. Para não ser chato,
podemos repetir a informação usando diferentes signos. O tempo de apreensão da
informação no cinema, na televisão, no romance.
. Coordenação
Lembre-se:
Use o menor número possível de especificações técnicas. (Syd Field e o uso da palavra
“câmera”.)
Um roteiro vai ser lido e, portanto, deve ser bem escrito. Se você conseguir escrever um
roteiro agradável de ler, ótimo. Se tiver que optar entre ser agradável ou claro, seja claro.
Aquilo que não é visível ou audível. (trechos de “não-roteiro” em itálico):
O Pássaro Preto
A Sra. Wonderly, num vestido justo de crepe de seda verde, abriu a porta do apartamento
1001 do Hotel Coronet. Seu rosto estava corado. O cabelo vermelho escuro, dividido do
lado esquerdo, penteado para trás em ondas suaves sobre a fronte, do lado direito, estava
um pouco desarrumado. Spade tirou o chapéu dizendo: - Bom dia.
Seu sorriso trouxe ao rosto dela um reflexo de sorriso, mas os olhos, de um azul quase
violeta, não perderam a expressão perturbada. Ela abaixou a cabeça e disse numa voz
tímida, sussurrante: - Entre, Sr. Spade.
A moça conduziu-o a uma sala de estar vermelha e creme, passando pelas portas abertas
da cozinha, do banheiro e do quarto, e pedindo desculpas pela desordem: - Está tudo
remexido. Nem acabei de desarrumar as malas.
Pôs o chapéu dele sobre uma mesa, e sentou-se em um grande sofá de nogueira. Ele
sentou-se numa cadeira de brocado de encosto oval, na sua frente. A moça olhou para os
dedos, trançando-os, e disse: - Sr. Spade, tenho uma terrível confissão a lhe fazer. - Spade
sorriu de modo educado (ela não levantou os olhos para ele) e não disse nada.
- Essa... essa história que eu lhe contei ontem era só... uma história - gaguejou, e então
levantou o olhar para ele com uma expressão angustiada, amedrontada.
- Oh, quanto a isso... - disse Spade despreocupado. - Nós não acreditamos muito na sua
história.
(HAMMET, Dashiel. O Falcão Maltês, pág 36. Editora Brasiliense, Rio de Janeiro, 1984.
Tradução: Cândida Villalva)
DOM CASMURRO
CAPÍTULO 13
CAPITU
E no quintal:
- Mamãe!
- Vem cá!
Não me pude ter. As pernas desceram-me os três degraus que davam para a
chácara, e caminharam para o quintal vizinho. Era costume delas, às
tardes, e às manhãs também. Que as pernas também são pessoas, apenas
inferiores aos braços, e valem de si mesma, quando a cabeça não as rege
por meio de idéias. As minhas chegaram ao pé do muro. Havia ali uma
porta de comunicação mandada rasgar por minha mãe, quando Capitu e eu
éramos pequenos. A porta não tinha chave nem taramela - abria-se
empurrando de um lado ou puxando de outro, e fechava-se ao peso de uma
pedra pendente o uma corda. Era quase que exclusivamente nossa. Em
crianças, fazíamos visita batendo de um lado, e sendo recebidos do outro
com muitas mesuras. Quando as bonecas de Capitu adoeciam, o médico era
eu. Entrava no quintal dela com um pau debaixo do braço, para imitar o
bengalão do Doutor João da Costa, tomava o pulso à doente e pedia-lhe
que mostrasse a língua. “É surda, coitada!”, exclamava Capitu. Então eu
coçava o queixo, como o doutor, e acabava mandando aplicar-lhe umas
sanguessugas ou dar-lhe um vomitório: era a terapêutica habitual do
médico.
- Capitu!
- Mamãe!
A voz da mãe era agora mais perto, como se viesse já da porta dos
fundos. Quis passar ao quintal, mas as pernas, há pouco tão andarilhas,
pareciam agora presas ao chão. Afinal fiz um esforço, empurrei a porta,
e entrei. Capitu estava ao pé do muro fronteiro, voltada para ele,
riscando com um prego. O rumor da porta fê-la olhar para trás. ao dar
comigo, encostou-se ao muro, como se quisesse esconder alguma coisa.
Caminhei para ela. naturalmente levava o gesto mudado, porque ela veio a
mim, e perguntou-me inquieta:
- Que é que você tem?
- Eu? Nada.
Quis insistir que nada, mas não achei língua. Todo eu era olhos e
coração, um coração que desta vez ia sair, com certeza, pela boca fora.
Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta, forte
e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos
grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à
moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes,
nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos, a
despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor, não cheiravam a
sabões finos nem águas de toucador, mas com água do poço e sabão comum
trazia-as sem mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que
ela mesma dera alguns pontos.
E emendei logo.
- É uma notícia.
- Notícia de quê?
- Então?
- Você sabe...
A INSCRIÇÃO
BENTO
CAPITOLINA
#CAPÍTULO 4: OS PERSONAGENS
"Certa manhã, ao despertar de sonhos agitados, Gregor Samsa viu-se transformado num
inseto gigantesco".
Verbo e sujeito. Uma narrativa precisa de:
- Caracterização
1. Pouco tempo.
- Só uma meia hora, acho - respondeu Fritz, devagar, transparecendo uma satisfação
inconfundível - Posso apresentar o sr. Isherwood – sra. Bowles? O sr. Isherwood é mais
conhecido como Chris.
- Não – respondi – Fritz é a única pessoa que me chama de Chris em todo o mundo.
Sally deu uma risada. Ela trajava seda preta, tinha uma pequena capa nos ombros e usava
um chapeuzinho como os dos pajens, ajustado com muitas elegância, de lado, sobre a
cabeça.
- Venha para o outro quarto, Chris. Quero lhe mostrar uma coisa.
Era óbvio que ele estava ansioso por saber a minha opinião a respeito de Sally, sua mais
recente aquisição.
- Pelo amor de Deus, não me deixem sozinha com esse homem! – ela exclamou – Posso
acabar seduzida pelo telefone. Ele é muito assanhado.
Enquanto ela discava o número, percebi que suas unhas estavam pintadas de verde-
esmeralda, uma escolha infeliz, pois destacavam suas mãos, muito manchadas pelo
cigarro e sujas como as de uma garotinha. Sally era escura o suficiente para ser irmã de
Fritz. O rosto magro e afilado tinha a brancura mortiça do pó-de-arroz. Os olhos
castanhos eram enormes e deveriam ser mais escuros para combinar com os cabelos e o
lápis que ela usava nas sobrancelhas.
- Olá – disse em tom amoroso, contraindo os lábios cor de cereja como se fosse beijar o
bocal – Ist das Du, mein liebling?” A boca entreabriu-se em um sorriso estupidamente
doce. Eu e Fritz ficamos a observá-la, como no teatro.
1. Idade
No cinema, o personagem tem quase sempre a idade do ator. (“Pequeno grande homem”)
Exemplo: Bandeirinha, no filme "Barbosa".
Contra-exemplo: Roger Rabitt. Qual a sua idade?
2. Ocupação
Frequentemente o público se pergunta sobre um personagem: ele vive de quê?
3. Relacionamentos.
O personagem é casado? Tem namorada? É patrão ou empregado? Pais, vizinhos,
cachorro.
1. Passado.
O roteiro e a fala.
O roteiro e o figurino.
“As roupas são sempre úteis para determinar o caráter, a classe o estilo de vida dos
personagens, em especial no caso de exibicionistas como Sally. O figurino de seda preta
(usado numa visita casual à tarde) evidencia o desejo de impressionar, a teatralidade (a
capa) e a provocação sexual (no decorrer da história, o chapeuzinho de pajem adquire
significância a partir de várias referências à ambivalência e à perversão, inclusive
travestismo). A impressão é reforçada pelos modos de falar e agir: Sally pede para usar
o telefone a fim de impressionar os dois homens com sua mais recente conquista erótica,
e o narrador aproveita a ocasião para descrever sua mãos e seu rosto. É o que Henry
James chama de “método cênico” e também o que pretendia fazer quando se exortou a
“Dramatizar! Dramatizar!”
David Lodge em A Arte da Ficção. Tradução de Guilherme da Silva Braga, L&PM
editores, Porto Alegre, 2009
INCLUDEPICTURE "http://28.media.tumblr.com/
tumblr_lmk0n9NsHw1qzdvhio1_r6_500.jpg" \* MERGEFORMATINET
O roteiro deve descrever o figurino do personagem sempre que isto for dramaticamente
significativo (como no exemplo de Sally e tantos outros).
O roteiro e o cabelo.
Roteiristas, felizmente, não precisam opinar sobre o cabelo dos personagens – uma
questão crucial para os atores – a não ser que isto seja dramaticamente significativo.
(muitas vezes é)
Exemplo:
“O cabelo faz do homem um ser misterioso que carrega na cabeça, na parte do corpo
que é mais nítida e mais marcada, uma coisa rebelde como um mar e confusa como uma
floresta. Está quase fora do corpo, é uma espécie de jardim privado, onde o dono exerce
à vontade sua fantasia e sua desordem. É qualquer coisa que cresce e que transborda
como se estivesse livre do domínio da alma.” Gustavo Corção em “Três alqueires e uma
vaca”.
O caráter do personagem
Exemplo: Escritório onde alguém vai chegar. Várias pessoas estão conversando
alegremente, comendo pedaços de pizza, tomando cerveja. Alguém entra correndo na
sala, assustado, e diz: "O Dr. Gustavo está chegando". Todos ficam muito nervosos,
correm para todo lado arrumando a sala, escondem a bebida, sentam em seus lugares e
fingem estar trabalhando. O Dr. Gustavo ainda não apareceu e nós já sabemos muitas
coisas sobre ele: ele tem poder sobre aquelas pessoas, não aceitaria aquele
comportamento delas no local de trabalho e, provavelmente, não era esperado.
Exemplo: O Dr. Gustavo entra no escritório. É um executivo, terno e gravata, muito sério,
fuma um cachimbo e carrega em baixo do braço uma prancha de surf amarela.
Criamos uma expectativa quanto ao seu caráter e quebramos (em parte) esta espectativa
com uma informação contraditória. Criamos com isso um personagem mais rico.
Pode se revelar o caráter de um personagem pela descrição de sua casa, seus objetos, seu
ambiente de trabalho. Início de “De volta ao futuro”.
Os vários aspectos da caracterização não precisam - nem devem - ser expostos todos no
início do filme. Eles devem ser "liberados" ao longo do filme, de acordo com a
necessidade da narrativa.
Ex: Cabaret (Bob Fosse), vários do Jim Jarmush. Big Bang Theory.
(batem na porta)
Entra o personagem B.
Galeria de bons personagens secundários: Tootsie, Nós que nos amávamos tanto,
Testemunha de acusação.
Que cada um de seus personagens seja, sob algum aspecto, você mesmo.
"Observe os homens a sua volta, olhe-os viver, e procure sempre sentir, interiormente e
por profunda e intuitiva simpatia humana, a maneira pela qual cada um deles vê, sente e
vive sua relação com outros seres do microcosmo onde se acha particularmente
centrado". E.S.
Jean Paris:
“O dramaturgo é, por vontade própria, um inimigo da singularidade. Se as memórias e
os diários íntimos levam o escritor a se considerar como fim, o teatro, por sua vez, o
compete a afastar-se, esquecer-se de si mesmo, a transformar-se. Nada menos adequado
às confidências do que essa arte, na qual ninguém se conhece senão através de uma
centena de máscaras”.
1. A Força
2. O Bem
3. O Receptor do Bem
4. O Oponente
5. O Juiz
6. O Cúmplice
4. O Oponente: Marte
O obstáculo. A força temática só é dramatúrgica quando encontra resistência. Também
não precisa ser um personagem: é aquilo que se opõe à Leão. Hamlet é Leão e também
Marte (luta contra si mesmo, assim como os personagens de “Um corpo que cai”, “Touro
indomável”, “Cassino”). Leão e Marte sobre dois personagens diferentes dá o tema mais
óbvio, da rivalidade, que tem as vantagens e inconveniências da simetria. O que produz a
assimetria, geralmente, é o ponto de vista (mocinho ou bandido, depende quem conta a
história). Pode esta força (Marte) ser impessoal ou cósmica, a opinião pública (O Inimigo
do Povo) ou Deus (Amadeus, Deus é o antagonista de Salieri). Mas isso só é dramático se
o confronto ocorrer EM CENA. (Salieri enfrenta Mozart, o preferido de Deus).
5. O Juiz: Libra
Aquele que atribui o Bem. Pode ser o próprio Bem: Libra e Sol sobre o mesmo
personagem. Exemplo: a mocinha que não sabe se casa ou não com o pretendente. Marte
e Libra: julgar o inimigo ou suplicar ao rival, conforme o ponto de vista. (Os pais de
Romeu e Julieta são Libra, Claudio é Libra de Hamlet, o Imperador da Áustria é Libra de
Salieri, que é Libra e Marte de Mozart).
6. O Cúmplice: a Lua.
O co-interessado. Une-se a uma das outras forças, é um satélite. Pode duplicar cada um
dos outros 5 mas nosso drama será tanto mais intenso e concentrado quanto mais
delineado num pequeno número de personagens. (Não confundir com o "confidente" do
teatro clássico, ou "a amiga orelha" dos romances.)
As funções dramatúrgicas podem mudar durante a história, se muda o ponto de vista
narrativo.
Ex: Nos primeiros 110 minutos de “O Homem que copiava”, André é Leão e Terra, Silvia
é Sol, Antunes (pai de Silvia) é Libra (e depois Marte), Feitosa (amigo de André) é Lua (e
depois Marte), Cardoso e Marinês são Lua. Nos últimos 10 minutos, Silvia é Leão e
Terra, André é Sol e Terra, Paulo é Sol, Antunes é Marte.
Ex: Psicose. Marion Crane (personagem de Janet Leigh) é Leão, seu noivo Sam Loomis
(John Gavin) e o Dinheiro são o Sol, tudo isso até Marion resolver tomar banho de
chuveiro na pensão Bates. Por alguns momentos, Norman Bates (Anthony Perkins) é
Leão, Marte e Libra, o rapaz é cheio de problemas. Depois que Normam esconde o corpo
de Marion, sua irmã Lila (personagem de Vera Miles) passa a ser Leão, Sam e o detetive
Arbogast (Martin Balsam) são Lua, Norman é Marte.
Um personagem que representa uma das funções dramatúrgicas pode estar ausente:
1. ausência provisória
2 se o personagem que a representa morre
3. se é uma força atmosférica: Deus, a cidade, o país...
4. se a força é representada num objeto ou acessório
"Por mais diminuto, estreito, limitado e fechado em si mesmo que seja o mundo
apresentado, sem irrupção do microcosmo cênico pelo universo da obra não existe
teatro. E precisamente este fechar-se em si mesmo e essa limitação (por exemplo, no
pequeno número de personagens) têm por função permitir a estelaridade sem a qual o
microcosmo cênico não poderia instalar e comandar o macrocosmo teatral. Cabe à arte
dar-nos um universo onde o foco estelar do mundo esteja neste grupo, atuante e
palpitante, de alguns personagens, cujas relações no interior deste sistema
caleidoscopicamente cambiante, condicionarão o mundo onde eles estão". Etienne
Souriau
A Comedia dell Arte foi uma forma de teatro popular improvisado que começou no séc.
XV na Itália, se desenvolveu na França. Se manteve popular até o séc. XVIII em toda a
Europa.
HYPERLINK "http://pt.wikipedia.org/wiki/Commedia_dell'arte"http://pt.wikipedia.org/
wiki/Commedia_dell'arte
Por quase trezentos anos o teatro sobreviveu com uma dúzia de personagens, com eles é
possível contar muitas histórias (talvez todas). Os nomes e algumas das características
destes personagens variam muito conforme o país e a época.
Os Zanni (criados):
ARLEQUIM. O empregado esperto, ágil, sedutor e amoral que faz de tudo para
sobreviver. Gosta de comer e dormir bem, quase nunca consigue. Servo do Pantaleão ou
do Dottore. Ama Colombina, ela faz dele gato e sapato. João Grilo, Malazartes, Scapino,
Lazarillo de Tormes (1553), Guzmán de Alfarache, de Mateo Alemán (1547-1614).
(Grouxo Marx, Didi Mocó).
BRIGUELA. O empregado brigão e fiel ao patrão, correto, egoista, rival (menos esperto)
do Arlequim. (Chico Marx, Dedé).
PIERRÔ. Outro da turma dos criados, só que romântico, apaixonado, vivia só cantando.
É o palhaço triste. (Zeppo Marx, Zacarias.)
Os Vecchi (Velhos):
Os Enamoratti (apaixonados):
Goldoni fixa o texto da peça (o que já não é mais Comedia dell Arte) e cria, no roteiro,
novos personagens, como o de Mirandolina.
A jornada do herói.
A jornada do herói, descrita por Joseph Campbell em "O Herói de Mil Faces" (e também
por Christopher Vogler em "A Jornada do Escritor", espécie de versão cinematográfica
dos estudos de Campbell).
É uma estrutura simples mas é, sem dúvida, clássica, já que remonta às origens das
fábulas e, portanto "seu valor foi posto à prova do tempo". Seria ainda, numa visão
junguiana, uma estrutura "natural", "orgânica".
O Mentor. Normalmente um homem ou mulher mais velho, mais sábio, que representa o
lado da nossa personalidade que está mais atento às coisas, mais ligado ao conhecimento
e à evolução. Dramaticamente, o Mentor ajuda o Herói de várias formas: ensinando-o,
dando-lhe um objeto especial ou informação essencial, sendo a sua consciência ou
motivação, ou iniciando-o em qualquer tipo de mistérios (incluindo os sexuais).
O Guardião da passagem. Muitos dos obstáculos que o Herói tem de ultrapassar na sua
viagem são passagens, portais para outro nível de evolução da história. É frequente que
nessas passagens haja um tipo de personagens, os Guardiões, que as defendem dos
transgressores, tornando-se assim antagonistas do Herói. Não são geralmente os
antagonistas principais, mas cumprem a função de dificultar ou atrasar o progresso do
Herói.
O Arauto. É um personagem que traz notícias, normalmente más. Está muitas vezes
associado ao gatilho, ao detonador da história, aquele evento que torna impossível ao
herói continuar com a sua vida normal e o obriga a lançar-se à viagem para repôr o
equilíbrio perdido. A sua função é anunciar a necessidade de mudança.
Obs: Talvez o erro mais comum quanto aos personagens seja o de escalação: um ator mal
escolhido pode destruir um personagem e o filme. Esta é uma responsabilidade do diretor
(talvez a maior de todas elas) e da produção, não do roteirista. Ex: Luna Caliente (versão
mexicana).
Repetindo: Não existe ação sem personagem. O personagem, no cinema, se constrói pela
ação, portanto não existe personagem sem ação.
Segundo Hegel, a ação dramática "é a vontade humana que persegue seus objetivos,
consciente do resultado final".
(citado em Pallottini, Renata. Introdução à Dramaturgia. São Paulo, Ed. Brasiliense,
1983)
“Romeu, apaixonado por Julieta, quer unir-se a ela, fazer dela sua esposa. Macbeth quer
ser o rei da Escócia. Hamlet quer vingar o assassinato de seu pai, restabelecer a justiça
no reino da Dinamarca. Tudo o que essas personagens fazem em sua trajetória
dramática relaciona-se com seus respectivos objetivos (e, secundariamente, com seu
caráter). Romeu, por exemplo, invade o jardim do palácio dos Capuleto, declara-se a
Julieta, tem uma entrevista com Frei Lourenço pedindo sua intercessão, pede a Julieta
(através de sua ama) que vá "confessar-se" com Frei Lourenço, etc. Hamlet finge estar
louco, utiliza-se da trupe de atores para confirmar o assassinato de seu pai, agride
Ofélia (para livrar-se do impedimento que seu próprio amor representa), mata o espião
que se esconde atrás da cortina do quarto de sua mãe...”
“Todas as ações de Ricardo são atrozes, mas todas essas atrocidades se ligam a um
objetivo. Ricardo tem um plano de conduta e sempre que nós vemos um plano nossa
curiosidade é despertada. Nós esperamos de bom grado para ver se ele será bem
sucedido, como e de que forma ele o será. Nós gostamos tanto de ver uma seqüência de
intenções que independentemente da moral do objetivo isso nos dá prazer.”
- O Começo.
Uma das mais sintéticas e profundas lições de como se contar uma história foi dada pelo
Rei de Copas a Alice: "Comece do começo. Vá até o fim. E então pare".
Parece simples, não é. Onde é o começo? Qual o melhor caminho até o fim? Onde é o
fim?
A primeira cena de um filme tem, ao meu ver, uma importância extraordinária, deve ser
uma síntese do filme. “Agarre o espectador pela garganta. E não solte”. Billy Wilder.
. Um corpo que cai (um homem tenta ficar vivo e salvar um amigo)
. Cabaret (um rapaz careta vai morar com uma mulher decadente, e agora?)
. "Ao despertar após uma noite de sonhos agitados, Gregor Samsa encontrou-se em sua
cama transformado num inseto gigantesco." A Metamorfose, Franz Kafka.
. "Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se
poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte." Memórias Póstumas de
Brás Cubas, Machado de Assis.
. "Você vai começar a ler o novo romance de Ítalo Calvino, Se Um Viajante Numa Noite
de Inverno. Relaxe." Se um Viajante Numa Noite de Inverno, Italo Calvino.
. "Mamãe e papai não passavam de duas crianças quando se casaram. Ele tinha dezoito
anos, ela dezesseis e eu, três." Autobiografia de Billie Holiday.
. "A arte de amolecer diariamente o tijolo, a tarefa de abrir caminho na massa pegajosa
que se proclama mundo, esbarrar cada manhã com o paralelepípedo de nome
repugnante, com a satisfação canina de que tudo esteja em seu lugar, a mesma mulher ao
lado, os mesmos sapatos e o mesmo sabor da mesma pasta de dentes, a mesma tristeza
das casas em frente, do sujo tabuleiro de janelas de tempo com seu letreiro Hotel de
Belgique." Histórias de Cronópios e de Famas, Julio Cortazar.
. "Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde
eu nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que meus pais faziam antes que eu
nascesse, e toda esta lengalenga tipo David Copperfield, mas, para dizer a verdade, não
estou com vontade de falar sobre isso." O Apanhador no Campo de Centeio, J.D.
Salinger.
. “A primeira coisa que posso dizer para vocês é que a gente morava no sexto andar por
escada e que para Madame Rosa, com aqueles quilos todos que carregava com ela e
somente duas pernas, aquilo era uma verdadeira fonte de vida cotidiana, com todas as
preocupações e sofrimentos.” Toda vida pela frente, Emile Ajar.
. "As famílias felizes são todas iguais, cada família infeliz é infeliz a sua maneira". Ana
Karenina”, de Leon Tolstoi.
In medias res
Origem: Wikipédia
In media(s) res (latim para "no meio das coisas") é uma técnica literária onde a narrativa
começa no meio da história, em vez de no início (ab ovo ou ab initio). Os personagens,
cenários e conflitos são frequentemente introduzidos através de uma série deflashbacks
ou através de personagens que discorrem entre si sobre eventos passados. Obras clássicas
tais como a Eneida, de Virgílio, a Ilíada, de Homero, ou a obra renascentista Os Lusíadas,
de Luís de Camões, começam no meio da história.
Os termos in medias res e ab ovo (literalmente "desde o ovo") provém das linhas 147–
148 da Ars Poetica do poeta romano Horácio, onde ele descreve seu poeta épico ideal:
O "ovo duplo" é uma referência à origem da Guerra de Tróia com o nascimento mítico de
Helena e Clitemnestra de um ovo posto pela mãe de ambas, Leda, depois que esta foi
violentada por Zeus sob a forma de um cisne.
Alguém não acordou hoje? “I woke up this morning and...” (Pesquisa no Google em
28.08.11, mostrou “aproximadamente 5.400.000 resultados” para “I woke up this
morning and”.) Pule esta parte, a não ser que você tenha acordado na forma de inseto.
“O roteirista muitas vezes perde tempo apresentando o personagem antes que comece a
trama. Creio que é natural, porque os roteiristas novatos não conhecem seus personagem
e por isso inventam situações que lhes permita explorar quem são. Todos os filmes de
estudantes começam com alguém na cama”. Steven Zaillian, em Roteiristas de Cinema.
A SITUAÇÃO DRAMÁTICA
"Para que haja ação é preciso que a resposta à pergunta: "O que acontece em seguida?"
surja "forçosamente" da própria situação e dos dinamismos interiores de cada momento
cênico". E.S.
“Toda cena deve ser ao mesmo tempo surpreendente e inevitável.” Eugene Vale.
- A Cena
O espaço da cena
A escolha do espaço. Os elementos dramáticos do espaço. Pobre? Rico? Local de
trabalho ou moradia? Campo ou cidade? Velho ou novo?
Cada espaço tem uma luz, uma atmosfera, um som. Um espaço pode sugerir uma cena ou
mesmo um filme inteiro. (Casa de areia)
A cena no espaço.
O tempo da cena
A montagem paralela.
O "alongamento dramático".
"Amarcord" (estações).
Carriére:
A cena no tempo.
Em que época se passa uma cena? "O Labirinto", início.
O que mais determina a época em que o filme se passa? Na ordem: tecnologia (carros,
celulares, eletrodomésticos), moda, arquitetura, costumes.
Cada cena deve conter um conflito, deve fazer a história avançar ou revelar algo sobre os
personagens.
Cada uma das cenas de um filme deve ser fundamental ou descartada. (“O que não conta
a história não faz parte da história”.)
Exceções:
Cenas que regulam o ritmo da narrativa. (Paulo José: cena do cachorro cruzando a rua.)
Às vezes os climas sem diálogo, os “momentos triviais” são importantes para estabelecer
a empatia com os personagens, ou valorizar os momentos mais animados.
Os cortes entre as cenas são interrupções bruscas na narrativa. A dramaturgia deve fazer a
ligação entre as cenas, mas é possível (se quisermos) atenuar esta fragmentação com
artifícios "tópicos":
O uso excessivo destes elementos “mata-junta” (como o uso excessivo de qualquer coisa)
pode desgastá-los, use com moderação. O roteiro deve fazer parte deste serviço, (toda
cena deve ser “surpreendente e inevitável” E.Vale), mas é o roteiro decupado pelo diretor
que resolve a maioria das ligações entre as cenas.
Uma cena pode (mas não precisa) começar e encerrar um conflito. Ela pode, ao contrário,
terminar com um “gancho”, um momento de suspense. Muitas cenas com “começo, meio
e fim” podem fazer o filme andar aos solavancos, como se fosse uma série de esquetes ou
curta-metragens. Muitas cenas terminadas em “ganchos” podem gerar frustração,
banalizando o suspense. Aristóteles ensina que o caminho mais justo é o do meio.
Bom conselho de Billy Wilder: “Trate as cenas como festas: chegue tarde e saia cedo”.
Depois de escrita, submeta sua cena a “regra da festa”, veja quanto do seu início e do seu
final podem ser cortados sem prejuízo da ação dramática.
(David Mamet diz que quase todos os filmes ficariam melhores sem o primeiro rolo, um
exagero com alguma base de verdade.)
. cena inútil, não revela nada sobre os personagens, não faz avançar a história, nem tem a
função de dar ritmo à narrativa.
. cena “apertada”, com muitos acontecimentos ou informações demais em pouco tempo
(Cabem muitas informações num único fotograma, mas o espectador precisa de algum
tempo para perceber cada uma delas.)
. cena “frouxa”, com tempos inúteis, dramaticamente irrelevantes (O que não quer dizer
que pausas, silêncios e tempos mortos não possam ser dramáticos.) (Nona sinfonia: pausa
também é música.)
. excesso de cenas sem ligação (sensação de desordem narrativa)
. excesso de cenas com início, meio e fim (história anda aos trancos)
. excesso de cenas terminando em suspense (frustração do espectador)
. ligação artificial entre as cenas
O presente, a rigor, não existe. É apenas um ponto, em que o futuro se torna passado. O
passado e o futuro não tem limites. Como nós estamos sempre no presente, os fatos que
se afastam de nós, em direção ao passado se tornam cada vez menos interessantes. O
passado, na narrativa, só tem interesse como motivação para intenções futuras. O futuro é
o tempo mais importante.
MOTIVO
Ex: Fome, frio, curiosidade, A Arca Perdida, o E.T. quer voltar para casa, uma faca
cravada nas costas. O motivo causa uma intenção. (ou não).
INTENÇÃO
A intenção contém uma dúvida: ela pode eliminar ou não o motivo, pode se cumprir ou se
frustrar. Ela pode ser impedida por obstáculos ou intenções contrárias.
OBJETIVO
O objetivo determina distância e direção.
Objetivo é alguma coisa, no futuro, a ser alcançada. (A Arca da Aliança, para o Indiana
Jones) A Arca não é um objetivo em si. Ela torna-se um objetivo quando conhecemos a
intenção do Indiana em alcançá-la. Intenções diferentes podem ter um mesmo objetivo.
Uma história pode ter dois objetivos. Isto é comum quando há romance e aventura:
Indiana, Casablanca, Meu Primo Viny, Tudo por uma esmeralda. Para evitar que a
história se divida em duas, os objetivos devem ser tão ligados quanto seja possível.
Recapitulação:
Considerando que...
* A HISTÓRIA
“Alguém quer muito alguma coisa e tem dificuldades para obtê-la” Frank Daniel
Umberto Eco:
"É fácil entender por que a ficção nos fascina tanto. Ela nos proporciona a oportunidade
de utilizar infinitamente as nossas faculdades para perceber o mundo e reconstituir o
passado. A ficção tem a mesma função dos jogos. Brincando as crianças aprendem a
viver, porque simulam situações em que poderão se encontrar como adultos. E é por
meio da ficção que nós, adultos, exercitamos nossa capacidade de estruturar nossa
experiência passada e presente".
Ernesto Sabato:
“A arte é para a comunidade o que o sonho é para o indivíduo. Talvez sirva para salvar
a comunidade da loucura. E essa seria a grande missão da arte (...) Os personagens de
Shakespeare, ou seja, Shakespeare, assassinam, traem, torturam, violam, suicidam-se,
enlouquecem. Por muito menos que isso a sociedade o jogaria na prisão ou no
manicômio. Mas levanta monumentos para ele. Estranho, não é mesmo? A única
explicação é que a sociedade intui que esse criminoso louco preserva todos nós do crime
e da loucura. Quanto aos que não podem ser Shakespeare, sonham à noite.” in
“Diálogos Borges Sabato”, tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro, São Paulo, Editora
Globo, 2005
"Todos os acontecimentos se devem suceder em conexão tal que, uma vez suprimido ou
deslocado um deles, também se confunda ou mude a ordem do todo. Pois não faz parte
de um todo o que não altera este todo". Aristóteles.
Uma história que não interessa aos personagens, dificilmente interessará ao público. Os
sentimentos devem ser intencionalmente exagerados (na medida certa).
Os Templários
De Alphonse Allais
Eis aí um sujeito que era bem um tipo, um tipo rude e agressivo! Eu o vi vinte vezes,
apenas apertando o cavalo com as coxas, deter todo um esquadrão, sem mais. Na ocasião
ele era brigadeiro. Um pouco exigente no serviço, mas agradável na convivência social.
Ora bolas, como é que ele se chamava? Um danado nome alsaciano, não consigo me
lembrar, algo como Wurtz (Lingüiça) ou Schwartz (Preto). Sim deve ser isso Schwartz.
Aliás, o nome nada acrescenta à coisa. Natural de Neufbrisach, não propriamente à
Neufbrisach, mas dos arredores. Que tipão, esse Schwartz!
E eu, de minha parte respondi: - O que você quiser, meu velho Schwartz.
Realmente não, não é Schwartz que ele se chamava. Tinha um nome mais comprido que
isto, como quem dissesse Schwartzbach. Vá lá, que seja Schwartzbach! Então
Schwartzbach me disse:
Mas, reapresentar se de que jeito? O vento soprava feito tempestade. A vela foi arrancada
por uma rajada de vento, um remo se manda, carregado por uma onda forte. Ei-nos à
mercê dos vagalhões. Nós ganhávamos o mar numa velocidade deplorável e um sacolejar
terrível. Prontos para o que desse e viesse, tiramos as botas e as nossas túnicas. A noite
caía e o furacão se enraivecia. Ah! Que bela idéia tivemos de ir contemplar teu azul, ó
Mediterrâneo! Depois a escuridão nos envolve completamente. Já era quase meia noite.
Onde estávamos? Schwartzbach, ou melhor, Schwartzbacher, pois agora me lembro é
Schwartzbacher. Schwartzbacher, como eu ia, dizendo, que conhecia geografia na ponta
da ponta dos dedos (os alsacianos são muito instruídos), me disse:
Mas cá entre nós, será que a administração não deveria pôr placas indicativas em todas as
ilhas do Mediterrâneo, pois é um inferno para a gente se guiar no meio delas, quando não
se está acostumado.
Estava preto que nem breu. Nós, molhados como pintos, escalamos a custo pelos
rochedos da falésia.
- Vamos faltar ao toque da alvorada - disse eu, para dizer alguma coisa.
E nós marchávamos pelos pequenos juncos ralos e pelas giestas picantes. Andávamos
sem saber por onde, unicamente para nos aquecer.
- Por onde?
Schwartzbacher dizia: "Procuremos uma saída", mas ele queria dizer: "Procuremos uma
entrada". Aliás, como é a mesma coisa, não julguei que devesse observar seu erro
relativo, que talvez não passasse de um lapso causado pelo frio.
Havia muitas entradas, mas todas fechadas, e não havia campainhas. Então era como se
não existissem entradas. Por fim, de tanto rodar em tomo do castelo, descobrimos um
pequeno muro que passamos a escalar.
Era provável que no imóvel não existisse cozinha, pois nenhum cheiro de bóia vinha
coçar nossas narinas.
Na curva de um corredor, os cânticos que tínhamos ouvido, vieram ferir nossas orelhas,
vindos de bem perto. Estávamos num grande recinto que devia comunicar se com a
capela.
Lá dentro, havia uma porção de homens, ajoelhados, algumas com armadura, capacete na
cabeça, de alta estatura.
Então, com o mesmo gesto, eles gritaram: - Sabre em punho! e marcharam contra nós,
espada em riste.
- Ah! Em nome de Deus! Senhores Templários, ainda que fosse mil... tão verdade como
eu me chamo Durand...!
Ah! Agora me lembro... ele se chamava Durand. Seu pai era alfaiate em Aubervilliers.
Durand, sim, é isso mesmo... Danado Durand, pois é! Que tipo!
Em “Bagombo Snuff Box: Uncollected Short Fiction”, Kurt Vonnegut lista oito regras
para escrever uma história curta:
1. Use o tempo de um completo estranho de tal maneira que ele ou ela não sinta que este
tempo foi desperdiçado.
3. Todo personagem deve desejar algo, mesmo que seja apenas um copo de água.
4. Toda sentença deve fazer uma ou duas coisas: revelar o personagem ou avançar na
história.
5. Sempre que possível, comece sua história pelo ponto mais próximo do seu final.
6. Seja sádico. Não importa quão simpáticos e inocentes sejam seus personagens
principais, faça coisas terríveis acontecer com eles para que o leitor perceba do que eles
são feitos.
7. Escreva para agradar apenas uma pessoa. Se você abrir uma janela e fizer amor com o
mundo, sua história vai pegar uma pneumonia.
8. Dê aos seus leitores o máximo de informação o mais cedo possível. Que se dane o
suspense. Leitores devem ter um entendimento tão completo do que está acontecendo,
onde e porque, que possam finalizar a história por eles próprios se as baratas comerem as
últimas páginas.
Ditas pelo próprio, no Youtube:
HYPERLINK "http://www.youtube.com/watch?
v=4bn6zc0Hywk&feature=player_embedded"http://www.youtube.com/watch?
v=4bn6zc0Hywk&feature=player_embedded
Clichês e arquétipos.
"A situação de Hamlet é a mesma de Cinderela, com exceção de que os sexos são
invertidos. Seu pai acabou de morrer. Ele se sente infeliz. E imediatamente sua mãe se
casa com o seu tio, que é um bastardo." Kurt Vonnegut
"O Paraíso Perdido, o Dragão, o Círculo, são exemplos de arquétipos que se encontram
nas mais diversas civilizações". (...) exatamente como o corpo humano representa um
verdadeiro museu de órgãos, cada qual com sua longa evolução histórica, da mesma
forma deveríamos esperar encontrar também, na mente, uma organização análoga, um
inconsciente coletivo. Nossa mente jamais poderia ser um produto sem história, em
situação oposta ao corpo, no qual a história existe". C.J. Jung.
Lacan:
"O filme já começa num lugar mágico de per si, o Marrocos, o Exótico, inicia com um
quê de melodia árabe que se esfuma na Marselhesa. Quando entra para o ambiente de
Rick, ouve-se Gershwin. África, França, Estados Unidos. A essa altura entra em cena um
emaranhado de Arquétipos Eternos. São situações que presidiram as histórias de todos os
tempos. Mas habitualmente para fazer uma boa história basta uma única situação
arquetípica. E sobra. Por exemplo: O Amor Infeliz. Ou A Fuga. Casablanca não se
contenta: coloca todas. A cidade é o local de uma Passagem, rumo à Terra Prometida.
Para passar, porém, é necessário submeter-se a uma prova, A Espera ("esperam, esperam,
esperam", diz a voz off no começo). Para passar do vestíbulo de espera à Terra
Prometida, é preciso uma Chave Mágica: o visto. Em torno da Conquista desta chave
desencadeiam-se as paixões. A mediação da chave parece ser feita pelo Dinheiro (que
aparece em diversas tomadas, geralmente sob a forma de Jogo Mortal, ou roleta): mas por
fim se descobrirá que a chave somente pode ser dada através de um Dom (que é o dom do
visto, mas é também o dom que Rick faz de seu Desejo, sacrificando-se). Porque esta é
também a história de um turbilhão de desejos, dos quais apenas dois acabam sendo
satisfeitos: o de Victor Laszlo, o herói puríssimo, e o do casalzinho búlgaro. Todos
aqueles que tem paixões impuras fracassam. E então, outro arquétipo, triunfa A Pureza.
Os impuros não chegam à terra prometida, somem antes. No entanto realizam a pureza
através do Sacrifício: é a Redenção".
[...]
"Em torno dessa dança de mitos eternos estão os mitos históricos, ou seja, os mitos do
cinema devidamente revisitados. Bogart personifica pelo menos três deles: o Aventureiro
Ambíguo, misto de cinismo e generosidade. o Asceta por Desilusão Amorosa e ao mesmo
tempo o Alcoólatra Redimido. Ingrid Bergman é a Mulher Enigmática ou a Mulher Fatal.
Em seguida há Ouça Querido a Nossa Canção, o Último Dia em Paris, a Legião
Estrangeira (cada personagem tem uma nacionalidade diferente) e finalmente o Grande
Hotel Gente-Que-Vai-Gente-Que-Vem. (...) De modo que Casablanca não é um filme, é
muitos filmes, uma antologia. E por isso funciona, a despeito das teorias estéticas e das
teorias filmográficas. Porque nele se desdobram, em força quase telúrica, as Potências da
Narratividade em estado selvagem, sem que a Arte intervenha para disciplinar.
Pergunta: Acha realmente que a arte de escrever de forma criativa pode ser ensinada?
VONNEGUT: Mais ou menos da mesma maneira que o golfe pode ser ensinado. Um
profissional pode apontar falhas óbvias no seu modo de mover o taco. (...) Sei apenas a
teoria.
VONNEGUT: Ela foi formulada por Paul Engle, o fundador da Oficina de Escritores em
Iowa. Ele me disse que, se a oficina um dia arrumasse um prédio próprio, estas palavras
deveriam ser inscritas sobre a entrada: "Não leve isso tudo a sério".
VONNEGUT: O romance gótico. Dezenas de coisas são publicadas todo ano e todas
vendem. Meu amigo Borden escreveu recentemente um romance gótico apenas por
diversão. Eu lhe perguntei qual era o enredo e ele disse: "Uma jovem arruma um emprego
em uma casa velha e depois fica morrendo de medo lá dentro".
VONNEGUT: Os outros não são tão engraçados de se descrever. Alguém entra em apuros
e depois escapa. Alguém perde alguma coisa e a recupera. Alguém é enganado e se vinga.
Cinderela. Alguém começa a andar para trás e a sua situação só piora cada vez mais.
Duas pessoas se apaixonam e outras atrapalham. Uma pessoa virtuosa é falsamente
acusada de um delito. Uma pessoa má é julgada virtuosa. Uma pessoa encara um desafio
com bravura e tem sucesso ou não. Uma pessoa mente, uma pessoa rouba, uma pessoa
mata. Uma pessoa pratica fornicação.
VONNEGUT: Eu lhe garanto que nenhum esquema de histórias modernas, mesmo sem
enredo, dará a um leitor satisfação genuína, a menos que um destes enredos antigos seja
introduzido em algum lugar. Não valorizo enredos como representações precisas da vida,
mas como maneiras de manter o leitor lendo. Quando eu ensinava redação criativa, dizia
ao meus alunos para fazer com que seus personagens quisessem algo logo, mesmo que
fosse apenas um copo d'água. Até personagens paralisados pela falta de sentido da vida
moderna têm que beber água de tempos em tempos. (...) Quando você exclui o enredo,
quando exclui alguém que deseje alguma coisa, você exclui o leitor, o que é uma atitude
mesquinha. Você também pode excluir o leitor não contando imediatamente onde a
história se desenrola e quem são estas pessoas. E você pode fazê-lo dormir se não colocar
os personagens em confronto uns com os outros. Estudantes gostam de dizer que não
apresentam confrontos em seus textos porque as pessoas evitam confrontos na vida
moderna. "A vida moderna é tão solitária...". Isso é preguiça. É o trabalho do escritor
apresentar confrontos, para que os personagens digam coisas surpreendentes e
reveladoras, eduquem e divirtam a todos nós. Se um escritor não sabe ou não quer fazer
isso, deveria retirar-se do negócio.
Um clichê pode ser a base da nossa história, um bom começo. (Hitchcock: “É melhor
começar por um clichê do que terminar nele”).
A NARRATIVA
A narrativa precisa de uma história + meios para transmitir a história. Toda a narrativa
precisa de uma construção dramática.
Antiga lenda “tirada de um livro de magia”, narrada por Italo Calvino em “Seis propostas
para o próximo milênio”, Companhia das Letras, São Paulo,1990. Tradução de Ivo
Barroso.
1. Estado Inalterado
2. Alteração
3. Luta
4. Ajuste
1. O Estado Inalterado
Não tem conflito. Pode ser usado para descrição de circunstâncias e caracterização do
personagem.
2. A Alteração
Algo acontece. Motivo para a ação. Intenção do personagem. Apaixonar-se. Ficar
sabendo. Ouvir. Ver. Lembrar. Conflitos internos do personagem.
3. A Luta
O relato de uma intenção em direção a um objetivo só se torna interessante se existe a
possibilidade deste objetivo não ser alcançado, quando existe entre intenção e objetivo
uma dificuldade.
Exemplos de dificuldades:
Um obstáculo. Uma montanha. Um rio cheio de piranhas. Pouco tempo para chegar no
objetivo, antes que ele desapareça. O personagem sabe da sua existência e vai em direção
a ele com a intenção de vencê-lo.
Uma contra-intenção. João está apaixonado por Maria. Pedro também está apaixonado
por Maria. Os dois querem casar com ela.
Indiana Jones não enfrenta o exército nazista apenas para colocar a arca no museu. Ele o
faz para impedi-los de usar o poder da arca para ganhar a guerra.
Quando não existe uma dificuldade entre intenção e objetivo, podemos colocar a ação
fora de cena.
O personagem revela uma intenção: "vou até o bar da esquina". Algo o impede de chegar
ao bar da esquina? Não. Algo vai acontecer no caminho do bar da esquina? Não. O
caminho do personagem até o bar da esquina contribui para a narrativa de alguma
maneira? Não. Neste caso, quando ele diz: "vou até o bar da esquina" podemos cortar
imediatamente para o bar da esquina, com o personagem chegando ou já sentado numa
mesa. Neste caso, o personagem nem precisa (nem deve) dizer: vou até o bar da esquina.
Corta para o bar da esquina.
Um louco está no telhado de uma igreja com uma metralhadora, assassinando todas as
pessoas que tentam entrar no bar da esquina. Corta para o apartamento do nosso
personagem onde ele diz: "vou até o bar da esquina". Corta para o bar da esquina, onde o
nosso personagem toma tranquilamente um cafezinho. O público imediatamente vai se
perguntar como ele passou pelo louco.
4. O Ajuste
O protagonista (Leão) da lenda narrada por Calvino é o Arcebispo Turpino, é ele quem
age para livrar o imperador do encantamento do anel. Seu objetivo é que Carlos Magno
tenha serenidade e volte a cuidar dos “deveres do império”. Quando isso acontece, a
história acaba.
“Na Sicília, os contadores de histórias usam uma fórmula: “lu cuntu num metti
tempu” (o conto não perde tempo), quando quer saltar passagens inteiras ou indicar um
intervalo de meses ou de anos. A técnica da narrativa oral na tradição popular obedece
a critérios de funcionalidade: negligencia os detalhes inúteis mas insiste nas repetições,
por exemplo quando a história apresenta uma série de obstáculos a superar. O prazer
infantil de ouvir histórias reside igualmente na espera dessas repetições: situações,
frases, fórmulas. Assim como na poesia e nas canções as rimas escandem o ritmo, nas
narrativas em prosa há acontecimentos que rimam entre si. A eficácia narrativa da lenda
de Carlos Magno está precisamente naquela sucessão de acontecimentos que se
respondem uns aos outros como as rimas numa poesia”. Italo Calvino.
- Intenções Secundárias
Em uma história pode haver uma intenção principal (em direção ao objetivo), intenções
secundárias (intermediárias, que apoiam a narrativa) e outras intenções independentes. Se
a intenção não apóia a narrativa (em direção ao objetivo) ela deve ser descartada.
“A arte que permite a Sherazade salvar sua vida a cada noite está no saber encadear
uma história na outra, interrompendo-a no momento exato: duas operações sobre a
continuidade e a descontinuidade do tempo. É um segredo de ritmo, uma forma de
capturar o tempo que podemos reconhecer desde suas origens: na poesia épica por
causa da métrica do verso, na narrativa em prosa pelas diversas maneiras de manter
aceso o desejo de ouvir o resto”. Italo Calvino.
- "Lector in Fábula"
Eco:
"... todo o mundo ficcional se apóia parasiticamente no mundo real, que toma por seu
pano de fundo. (...) Na verdade, espera-se que os autores não só tomem o mundo real por
pano de fundo para sua história, como ainda intervenham constantemente para informar
aos leitores os vários aspectos do mundo real que talvez desconheçam."
Um romance: a prisão sueca em “Os homens que não amavam as mulheres”. (Trilogia
Milenium)
- Antecipação
É a capacidade do espectador de prever algo que vai acontecer. Isto é importante porque o
mantém atento ao relato. Se não há nada para esperar, o espectador fica desatento.
O espectador é capaz antecipar o resultado provável de uma ação utilizando seus próprios
conhecimentos, sua experiência.
- Suspense
Mantendo alguma informação oculta para revelá-la no futuro, o autor consegue um efeito
curto. Liberando-a (para o público, não necessariamente para os personagens), pode
conseguir um efeito de tensão constante que dá interesse à cena.
Exemplo 1, surpresa: Dois jovens namoram, ficam noivos, casam. Ficam sabendo que são
irmãos.
Exemplo 2, suspense: Dois jovens, que não sabem que são irmãos (o leitor sabe),
namoram, ficam noivos, casam.
Contra-exemplo: Psicose.
Lembre-se: cada situação pode ser "triplamente diversificada" conforme a relação que lhe
serve de base for real, equivocada ou ignorada.
Ex 1: os amantes descobrem que são irmãos, os amantes acham que são irmãos, os
amantes não sabem que são irmãos.
Ex 2: o filho não sabe que o pai foi assassinado, filho acha que o pai foi assassinado, o
filho descobre que o pai foi assassinado. (três estágios de Hamlet)
Ex 3: Jorge descobre que Luiza o traiu (e ele está certo, em Primo Basílio), Otelo pensa
que Desdêmona o traiu (e ele está errado, em Otelo), Bento não sabe se Capitu o traiu (e
está certo em não saber, em Dom Casmurrro).
O Ponto de Vista.
Ex: “All about Eve” (A Malvada). Cidadão Kane. “Guildenstern e Rozencratz estão
mortos”, peça e filme de Tom Stoppard, Hamlet no ponto de vista dos amigos que o
príncipe mandou para a morte. “Rashomon”, filme de Akira Kurosawa baseado no livro
de Ryunosuke Akutagawa. Os quatro livros do Novo Testamento.
Experimente trocar o ponto de vista do narrador da sua história. Talvez você tenha outra
história, ou uma história melhor, ou outras linhas narrativas.
"Nisso consiste toda a arte teatral: descobrir sob que ângulo de visão o mundo a ser
representado é mais interessante, mais pitoresco, mais estranho, mais vibrante ou mais
significativo. É fazer no moral o que o cineasta faz no físico com sua câmera,
procurando o melhor ângulo de tomadas. Mas a literatura fez isso em espírito muito
antes de os cineastas terem deparado tecnicamente com esse problema (cuja
universalidade estética nem sempre compreendem)." Etienne Souriau.
“...os grandes efeitos de ponto de vista figuram sobretudo nas obras de autores-atores
(como Shakespeare e Moliére). Ao inventarem, ao pensarem geralmente suas obras junto
com a encenação, eles tomam partido franco e forte a este respeito, e prevêem os
recursos técnicos, como homens que conhecem seu ofício ou que o sentem
intensamente.” Etienne Souriau.
Trecho do prólogo de Jorge Luis Borges para o livro “A Invenção de Morel”, de Adolfo
Bioy Casares.
..
Stevenson, por volta de 1882, anotou que os leitores britânicos desdenhavam um pouco
as peripécias, opinando que era muito hábil redigir um romance sem argumento, ou de
argumento infinitesimal, atrofiado. José Ortega y Gasset – La Deshumanización del Arte,
1925 – tenta defender o desdém anotado por Stevenson e estatui, na página 96, que “é
muito difícil hoje inventar uma aventura capaz de interessar nossa sensibilidade
superior”, e, na 97, que essa invenção “é praticamente impossível”. Em outras páginas,
em quase todas as outras páginas, advoga o romance “psicológico” e opina que o prazer
das aventuras é inexistente ou pueril. Esse é, sem dúvida, o comum parecer de 1882, de
1925 e mesmo de 1940. Alguns escritores (dentre os quais aprecio contar Adolfo Bioy
Casares) pensam ser razoável dissentir. Resumirei, aqui, os motivos dessa dissensão.
O primeiro (cujo ar de paradoxo não quero destacar nem atenuar) é o intrínseco rigor
do romance de peripécias. O romance característico, “psicológico”, tende a ser informe.
Os russos e os discípulos dos russos demonstram até o fastio que ninguém é impossível:
suicidas por felicidade, assassinos por benevolência, pessoas que se adoram a ponto de
separar-se para sempre, delatores por fervor ou por humildade... Essa liberdade plena
acaba por equivaler à plena desordem. Por outro lado, o romance “psicológico” quer
ser também romance “realista”: prefere que esqueçamos seu caráter de artifício verbal e
faz de toda inútil precisão (ou de toda lânguida vagueza) um novo traço verossímil. Há
páginas, há capítulos de Marcel Proust que são inaceitáveis como invenções: a eles, sem
saber, resignamo-nos como ao insípido e ao ocioso de cada dia. O romance de aventuras,
por sua vez, não se propõe como transcrição da realidade: é um objeto artificial que não
sofre nenhuma parte injustificada. O temor de incorrer na mera variedade sucessiva do
Asno de Ouro, do Quixote ou das sete viagens de Simbad impõe-lhe um rigoroso
argumento. Aleguei um motivo de ordem intelectual; há outros, de caráter empírico.
Todos tristemente murmuram que nosso século não é capaz de tecer tramas
interessantes; ninguém se atreve a comprovar que, se este século tem alguma primazia
sobre os anteriores, esta primazia é a das tramas.
Em “Obras Completas de Jorge Luis Borges, Volume IV”, página 27. Editora Globo,
2001. Tradução de Josely Vianna Baptista.
As tramas de Tootsie, Testemunha de Acusação ou Quanto mais Quente Melhor são bem
mais sofisticadas que as de qualquer peça de Shakespeare.
CHION: Para uma história funcionar, muitas vezes é preciso que haja uma "distribuição
desigual de informações" (entre os personagens e o público também). Muitas vezes é este
desequilíbrio que move a história e mantém o interesse.
A elipse:
- para cortar tempos mortos
- para reservar alguma surpresa para o futuro. "Eu tenho um plano..." (elipse)
- para evitar repetições. (a reação de quem não sabia. "O Veredito").
O "mal-entendido". Quid pro quo (isto por aquilo). "Quanto mais quente melhor". "A
Comédia dos Erros".
- Os Três atos
ou
É onde há (ou precisa haver) mais "informações por minuto". Este é o risco maior do
primeiro ato. É preciso "dramatizar" a informação, para que ela seja passada ao público
de maneira natural, sem parecer uma informação importante.
Pergunte-se:
Primeiro ato:
O imperador Carlos Magno, já em avançada idade, apaixonou-se por uma donzela alemã.
Os barões da corte andavam muito preocupados vendo que o soberano, entregue a uma
paixão amorosa que o fazia esquecer sua dignidade real, negligenciava os deveres do
Império. Quando a jovem morreu subitamente, os dignitários respiraram aliviados...
Segundo ato:
...mas por pouco tempo, pois o amor de Carlos Magno não morreu com ela. O imperador
mandou embalsamar o cadáver e transportá-lo para sua câmara, recusando separar-se
dele. Arcebispo Turpino, apavorado com essa paixão macabra, suspeitou que havia ali
um sortilégio e quis examinar o cadáver. Oculto sob a língua da morta, encontrou um anel
com uma pedra preciosa. A partir do momento em que o anel passou às mãos de Turpino,
Carlos Magno apressou-se em mandar sepultar o cadáver e transferiu seu amor para a
pessoa do arcebispo.
Terceiro ato:
Turpino, para fugir àquela embaraçosa situação, atirou o anel no lago Constança. Carlos
Magno apaixonou-se então pelo lago e nunca mais quis se afastar de suas margens.
Segundo ato: Páginas 25 – 75. (A primeira “virada” até a página 75). Seger menciona
também a possibilidade da existência de um “ponto central” (perto da página 50) que
divide o segundo ato (e o filme) ao meio. Segundo Seger, nem todos os filmes tem este
“ponto central” mas, quando tem, o filme, segundo ela, parece mais estruturado.
Terceiro ato: Páginas 75 – 100, com a solução final perto da página 95.
“...é mais fácil equilibrar bem o interior de cada sequência do que o de um conjunto de
sequências. Pode acontecer ter-se um certo número de sequências em que tudo é
controlado no respectivo conteúdo. O equilíbrio parece perfeito, mas, quando as
juntamos, o conjunto não funciona. Ora, é o conjunto que interessa. É preciso então
rever as sequências, umas a seguir as outras, eventualmente desestruturar os extremos,
seja fazendo cortes rasos, seja, pelo contrário, alongando-os (mesmo que isso pareça
inútil), para assegurar a coesão do conjunto.”
Duvido que algum bom roteiro tenha sido escrito tendo como ponto de partida estas
medidas, mas acredito que os melhores roteiros, por instinto autoral, acabam por cumpri-
las. Acredito que pode ser uma boa idéia, depois de pronta a primeira versão de um
roteiro, ver se ele se afasta muito destas medidas. Seger fala em colocar “bandeiras
vermelhas” nestes pontos do roteiro.
“Dois verões” foi pensado com uma rígida estrutura de 3 atos, os três terminando com a
mesma frase, dita pela Roza: “Eu estou grávida.”
- O Fim.
As coincidências:
(Um dia desses vi, num programa de televisão, uma curiosa combinação de clichês:
alguém que escutava atrás da porta a conversa de um personagem que, em seu quarto,
falava sozinho, revelando seus planos de conquista amorosa. O roteirista estava mesmo
com muita sorte!)
Pode uma coincidência resolver a trama? (Deus ex-machina). Sim, como piada. Ex: O
mundo segundo Garp, romance de John Irving, filme dirigido por George Roy Hill.
O fim:
Paulo José: “Se você não tem o fim, não tem história”.
Vonnegut: “Não importa se, ao fundo, os marcianos estejam invadindo a terra: quando os
amantes se beijam, acabou a história.”
Se o público não sabe se a história acabou ou não, você está com um problema.
‘Escrever é reescrever’
“Para mim, e para a maior parte dos escritores que conheço, a escrita não é coisa que
nos deixe em êxtase. Na verdade, a única maneira que encontrei para conseguir escrever
seja o que for é escrever primeiras versões realmente de merda. A primeira versão é a
versão da criança, aquela em que deixamos sair tudo para fora, e vamos para todo o
lado, sabendo que ninguém vai ver o que estamos escrevendo e que podemos sempre dar-
lhe forma mais tarde. Devemos deixar a criança dentro de nós tomar o controle e decidir
quais as vozes e visões que vão vir à superfície e aparecer na página. Se um dos nossos
personagens quer dizer “E então, Sr. Calça Cagada?”, nós deixamos que o faça.
Ninguém mais vai ler essas palavras. Se a criança quiser aventurar-se por territórios
sentimentais, lamúrias emocionais, deixemos que ela vá. Devemos pôr tudo no papel,
porque pode haver algo de excepcional nessa meia dúzia de páginas alucinadas, algo a
que não chegaríamos nunca pelos nossos meios racionais, de adultos. Pode haver algo
na derradeira linha do derradeiro parágrafo da página seis que vai nos encantar, algo
tão maravilhoso ou selvagem que nos mostra sobre o que estamos realmente escrevendo,
ou em que direção devemos ir, mas não há como chegar lá se não tivermos passado
primeiro pelas outras cinco páginas e meia.”
Anne Lamott
x
#CAPÍTULO 7: GÊNEROS
Narrativa artificial: (ficção) finge dizer a verdade sobre o universo real ou afirma dizer a
verdade sobre um universo ficcional (contando com "a suspensão da descrença", a
cumplicidade do espectador, que quer acreditar no jogo ficcional). A narrativa artificial
permite ao espectador "presenciar" acontecimentos (dramatizados) da esfera privada.
Tomemos por exemplo as primeiras imagens do cinema, registradas por Lumière: a saída
da fábrica a chegada do trem na estação.
A fábrica:
INCLUDEPICTURE "http://i037.radikal.ru/0905/be/f4b91af8d44f.jpg" \*
MERGEFORMATINET
HYPERLINK "http://www.youtube.com/watch?
v=HI63PUXnVMw&NR=1&feature=fvwp"http://www.youtube.com/watch?
v=HI63PUXnVMw&NR=1&feature=fvwp
Já na saída da fábrica, uma dúvida: Lumière esperou que o apito da fábrica tocasse e
acionou sua câmera (o que poderia significar um desperdício do raro negativo) ou
acionou sua câmera e gritou "ação" aos operários?
Lumière era o dono da fábrica, tinha pouco negativo, certamente posicionou sua câmera e
mandou abrir a porta, talvez tocar a sirene. Ele avisou seus operários da filmagem, eles
estavam com roupas de passeio, não de trabalho.
O Trem:
INCLUDEPICTURE "http://kinodinamico.files.wordpress.com/2010/08/
df04252005g.jpg" \* MERGEFORMATINET
“Talvez querendo garantir que haveria muita ação para registrar, Lumière posicionou sua
mãe, sua esposa e seus dois filhos, com a babá, ao longo da plataforma da estação. La
Ciotat fica na costa sul da França, entre Marselha e Toulon, onde as pessoas iam para
tomar sol e pescar. Todos se aventuraram, em um dia ensolarado do Mediterrâneo, até à
estação ferroviária, no extremo norte da cidade, com os montes verdejantes dos Alpes da
Provence fazendo pano de fundo para a ferrovia.
A mulher Louis, de chapéu branco, num elegante vestido que lhe cobria do pescoço aos
pés, e a babá foram orientadas a correr pela plataforma, como se estivessem tentando
localizar alguém que chega enquanto o trem está parando. A mãe, em um xale, observa
em silêncio, como deve fazer uma boa matriarca.
Louis não poderia posicionar sua câmera de modo a deixar o trem cruzar da direita para a
esquerda, porque assim ele iria capturar apenas um borrão. Ele posicionou-a perto dos
trilhos, para que o trem fosse visto em toda a sua extensão antes de se aproximar do
telespectador, sacudindo. O pessoal da estação, de uniforme, caminha na direção
contrária à multidão que parte da plataforma até que o trem pare. (...) Duas mulheres,
trazendo os filhos pela mão, andam de um lado para o outro a procura de alguém. A
matriarca fica parado - observando. Um jovem camponês perambula, aparentemente não
sabe bem para onde ir. Então as portas se abrem e os passageiros começam a sair do trem.
E o negativo acabou.”
A dúvida pouco importa: Lumière logo descobriu que poderia "encenar" a realidade, com
atores e ações previamente combinadas.
INCLUDEPICTURE "http://3.bp.blogspot.com/_9PVLD1w5iTc/SmX5SjOd_NI/
AAAAAAAAA8Q/HrIPxDNP_Fs/s320/el-regador-regado.jpg" \*
MERGEFORMATINET
HYPERLINK "http://www.youtube.com/watch?v=0E0IenGJ09o&feature=related"http://
www.youtube.com/watch?v=0E0IenGJ09o&feature=related
(Quando vi este filme pela primeira vez, me perguntei: porque ele não molhou o
menino?)
O regador regado – 1896:
INCLUDEPICTURE "http://100books.kr/data/cheditor4/0910/
ZOz6ZffzCOPsnlEgmlDQSANBxPjyOUk.jpg" \* MERGEFORMATINET
HYPERLINK "http://www.youtube.com/watch?v=-
i6eZGMSZcU&feature=related"http://www.youtube.com/watch?v=-
i6eZGMSZcU&feature=related
O personagem, regando as plantas, está de frente para a câmera. O menino (mais velho)
entra ao fundo, se aproxima lentamente: suspense. A cena tem mais profundidade, os dois
atores estão em planos diferentes. Na fuga, o menino corre por outro caminho, diferente
do pelo qual chegou. O regador dá uma surra no menino e, é claro, usa a mangueira para
dar-lhe um banho. O menino se afasta sob o jato d’água.
HYPERLINK "http://www.institut-lumiere.org/francais/films/1seance/accueil.html"
http://www.institut-lumiere.org/francais/films/1seance/accueil.html
INCLUDEPICTURE "http://3.bp.blogspot.com/_Vkrceahx6Gw/TJyqjSmvDhI/
AAAAAAAAAJo/3nx8_2L9h2E/s1600/A+Nanuk1.jpg" \* MERGEFORMATINET
Quizumba, Temporal, Dorival, Barbosa, Ilha, Esta não é a sua vida, Um dos três, Oscar
Boz, Cena Aberta.
Uma análise rápida do realismo “da visão de mundo”, teoria sintetizada pelo cineasta e
crítico russo Pudovkin indica os seguintes passos decisivos:
(1) existe uma realidade objetiva independente da nossa consciência e de qualquer forma
narrativa, ficcional ou jornalística. (Existe?)
(4) o que todos os métodos têm em comum é o fato de serem sempre uma visão humana
da realidade, ou seja, “uma representação em perspectiva mediada por uma
subjetividade”.
A narrativa artificial não denuncia (ou não precisa denunciar) a presença da câmera, que
inevitavelmente transforma a realidade.
Aristóteles:
"Não é ofício de poeta narrar o que aconteceu. é, sim, o de representar o que poderia
acontecer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade."
A "vida real" na televisão: comédias da vida privada.
Descreve fatos que o narrador afirma que oconteceram. E nós acreditamos nele.
O cinema de documentário já foi definido como aquele que "registra fatos que se
desenvolveriam igualmente sem a presença da câmera".
Vídeo cassetadas, pegadinhas, acidentes: por que isto estaria sendo filmado?
4) Interpretação (fingimento).
“Realísmetro”
Grau de realismo Características Exemplo
100 Não existe. Galinha, nos primeiros
filmes mostrados na
África. “Isto não é um
cachimbo”. Esta não é a
sua vida.
90 Câmera escondida, Acidente de trânsito.
ninguém sabe, situação
não-encenável.
80 Câmera escondida, alguém Assalto, bandido
sabe, situação não- mascarado, crime com
encenável. mortes.
70 Câmera escondida, alguém Flagrantes de crime
sabe, situação encenável. (suborno), cenas de sexo.
60 Todos sabem da existência Briga no futebol, bate-boca
da câmera, situação não no debate, etc.
encenável.
55 Todos sabem da existência Evitando o escanteio.
da câmera, situação não
encenável, porém O real ficcionalizado. (O
encenada. gol de Jardel, o foco é o
narrador.)
A apreensão absoluta de uma realidade pelo cinema, jornal ou pela tv é uma completa
utopia. (A ser perseguida?)
Na narrativa não-natural (ficção) não há dúvidas, não há fatos fora da narrativa. (ET
voltou para casa. Romeu e Julieta morreram.)
O roteiro do documentário.
Um roteiro de ficção pode incluir todas as cenas, todas as falas, todos os personagens do
filme, graduar sua importância e seu papel na narrativa. O roteiro de um documentário
não tem o mesmo poder.
. um personagem. Santiago.
. um ângulo pitoresco dos costumes humanos (o “filme chinês dos limpadores de trilhos
no deserto”.)
. um conceito narrativo ou dramático. Esta não é a sua vida.
Relembrando: estes conceitos não são estanques. Grandes personagens vivem situações
dramáticas num ambiente social, suas histórias necessariamente incluem ângulos
pitorescos dos costumes humanos, têm um ou mais temas e podem ser contadas com
diversos conceitos narrativos.
Às vezes o documentarista não tem nem mesmo como assegurar qual será o personagem
principal de sua história. Acontecimentos da filmagem podem direcionar o filme para um
lado ou outro, podem sugerir finais inesperados, podem revelar personagens
surpreendentes.
Euclides e Os Sertões.
Mas, excluído este padrão comum (que, reconheço, não é de pouca importância), sempre
estranho o uso do termo "clássico" associado ao cinema. O que seria um filme "clássico"?
O cinema nasceu faz pouco e já nasceu múltiplo. Se Lumière, fascinado pela "magnífica
impressão da vida real" provocada por sua invenção, buscou representar "naturalmente" a
realidade observada ou encenada, Méliès, ao contrário, procurou logo criar, através do
cinema, uma nova realidade, filha da mágica e da poesia. (Se pudéssemos – e felizmente
não podemos – dividir o cinema em dois grandes grupos, cujos patronos seriam Lumière
e Méliès, sou Méliès de carteirinha, o realismo nunca me enganou.) Volto ao início: o que
seria, portanto, um filme clássico?
É uma estrutura simples mas é, sem dúvida, clássica, já que remonta às origens das
fábulas e, portanto "seu valor foi posto à prova do tempo". Seria ainda, numa visão
junguiana, uma estrutura "natural" e "orgânica". Jung pensava que "exatamente como o
corpo humano representa um verdadeiro museu de órgãos, cada qual com sua longa
evolução histórica, da mesma forma deveríamos esperar encontrar também, na mente,
uma organização análoga, um inconsciente coletivo. Nossa mente jamais poderia ser um
produto sem história, em situação oposta ao corpo, no qual a história existe".
Se a estrutura dramática do cinema "clássico" pode ter algo de natural e orgânico, seus
procedimentos narrativos são apenas convenções eficientes: personagens que
desconhecem a presença da câmera, atuam e falam segundo o que se convencionou
chamar de naturalismo. cenas que mostram só aquilo que serve ao desenvolvimento da
fábula. cenários, figurinos e situações que simulam uma realidade possível. nada de
dúvidas ou ações sem justificativa. A linguagem deve permanecer escondida, de modo
que o espectador em nenhum momento lembre-se de estar no cinema. O padrão é a
ficção, onde a "fé poética" permite usufruir com segurança o prazer do jogo dramático.
Se o cinema é tão múltiplo, talvez seja melhor procurar nas outras linguagens a chave
para a compreensão dos gêneros. Poderíamos assim, por analogia, entender melhor as
diferenças entre as várias formas de representar a vida. A literatura é uma forma de
expressão muitíssimo mais sofisticada que o cinema, não só pelo seu acesso fácil ao
inconsciente alheio, mas também porque começou quatro ou cinco mil anos antes. Se
achamos que "Cidadão Kane" é um clássico por ter sido o seu "valor posto à prova do
tempo", o que dizer de Homero, Aristóteles, Montaigne, Shakespeare e Cervantes?
Petrônio tem piadas que continuam boas depois de dois mil anos, isto é que é clássico!
(Uma do "Satiricon", do banquete de Trimalcião: "Ele é tão rico que, se quiser, toma leite
de galinha!").
Eu, é claro, não fui o primeiro a buscar na literatura a chave para a compreensão dos
procedimentos narrativos do cinema.
"Deixemos Dickens e toda a plêiade de antepassados, que remontam inclusive aos gregos
e a Shakespeare, lhes lembrarem mais uma vez que ambos, Griffith e nosso cinema,
provam que nossas origens não são apenas as de Edison e seus companheiros inventores,
mas se baseiam num enorme passado cultural. Cada parte deste passado, em seu
momento da história mundial, impulsionou a grande arte da cinematografia. Que este
passado seja uma reprovação às pessoas inconscientes que trataram com arrogância a
literatura, que contribuiu tanto para esta arte aparentemente sem precedentes e é, em
primeiro lugar, e no mais importante: a arte de observar – não apenas ver, mas observar."
Eisenstein, em "A Forma do Filme".
Usando como guia o livro "Mimesis", de Erich Auerbach, resolvi fazer (para mim
mesmo, publico quando tiver sessenta anos e estiver exilado na Turquia) um paralelo
entre os modos de representação da realidade na literatura e no cinema. Sendo o cinema
(como eu já disse) uma forma mutante, a cronologia da lista vai para o espaço. Alguns
tópicos do meu "estudo", por enquanto tenho pouco mais que os títulos dos capítulos:
(Para uma análise da vida de Cristo como tragédia, ver MILES, Jack. Cristo, uma crise na
vida de Deus. Companhia das Letras, 2001.)
Como o assunto aqui é "O Sujeito Extraordinário", me concentro nos séculos 15 e 16,
período em que a decadência da idéia de "destino" e a queda do ibope de Deus fizeram
ressurgir a tragédia (e o ser humano foi reinventado pela ficção e pelos ensaios
(documentários?) nas palavras de Montaigne, Shakespeare e Cervantes.
"As pessoas finas observam mais curiosamente e mais coisas, porém as criticam e, para
que façam valer sua interpretação e persuadam, não podem deixar de alterar um pouco a
História. Jamais mostram as coisas puras, as inclinam e as máscaram conforme as
viram. (...) Gostaria que cada um escrevesse o que sabe e na medida em que o sabe."
Montaigne, Ensaios, Livro I, capítulo 31.
"Ser ou não ser - eis a questão. Será mais nobre sofrer na alma pedradas e flechadas do
destino feroz ou pegar em armas contra o mar de angústias - e, combatendo-o, dar-lhe
fim? Morrer. dormir. Só isso. E com o sono - dizem – extinguir dores do coração e as mil
mazelas naturais a que a carne é sujeita. Eis uma consumação ardentemente desejável.
Morrer - dormir - dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo! Os sonhos que hão de vir
no sono da morte quando tivermos escapado ao tumulto vital nos obrigam a hesitar: e é
essa reflexão que dá à desventura uma vida tão longa."
"Um dos dilemas inerentes à interpretação de Hamlet é que jamais sabemos a certo
quando ele está representando o papel de Hamlet, a despeito da "atitude extravagante".
A mímese, isto é, a imitação que o ator faz de um ser humano, é algo que preocupa
Hamlet, mas não é problema que aflija Falstaff. (...) Hamlet poderia ter escrito Hamlet,
ao passo que Falstaff acharia redundante escrever Falstaff. (...) Falstaff é feliz consigo
mesmo e com a realidade. Hamlet é infeliz nos dois aspectos. Hamlet é o Falstaff de si
mesmo. Não acredita em nada, nem em si mesmo, nem em Deus, nem na linguagem. Os
dois ocupam uma posição central na invenção do humano por Shakespeare. (...) Kenneth
Burke ensinou-me a aplicar a Hamlet a grande máxima de Nietzsche: "O que
expressamos com palavras já está morto em nossos corações. Sempre haverá algo de
desprezível no ato da fala". Observação alguma poderia se aplicar tanto a Hamlet e tão
pouco a Falstaff."
"E a primeira coisa que fez foi limpar uma armadura que tinha sido dos seus bisavós, e
que, desgastada de ferrugem, jazia para um canto esquecida há séculos. Limpou-a e
conservou-a o melhor que pôde. Porém viu que tinha uma grande falta, que era não ter
celada de encaixe (a). senão só morrião simples (b). a isto porém remediou a sua
habilidade. arranjou com papelões uma espécie de meia celada, que encaixava com o
morrião, representando celada inteira. Verdade é que, para experimentar se lhe saía
forte e poderia com uma cutilada, sacou a espada e lhe atirou duas. e com a primeira
logo se desfez o que lhe tinha levado uma semana para a arranjar. não deixou de
parecer-lhe mal a facilidade com que dera cabo dela, e, para forrar-se a outra que tal,
tornou a corrigi-la. por modo que se deu por satisfeito com sua fortaleza, sem aventurar-
se em mais experiências".
"Cervantes sustentou que o seu Dom Quixote fora feito para acabar com os romances de
cavalaria. Mas o que ele fez foi criar um protótipo do romance, o gênero mais popular da
literatura moderna. (...) Por sorte ou por malícia Cervantes criou uma nova forma, que
outros autores puderam desenvolver e aperfeiçoar - uma maquete para versões da
comédia humana. Ele criava não apenas um romance, criava o romance ocidental, que
lhe deu um lugar entre os inventores do nosso mundo moderno, lugar comparável ao de
Copérnico no mundo dos descobridores. Mas enquanto Copérnico mudou o nosso olhar
da terra para o sol, Cervantes mudou-o do alto espaço para o mundo interior do homem.
E da mesma forma que o físico Dalton iria revelar muitas mais espécies de matéria do
que se imaginava, Cervantes mostrou aos literatos variedades desconhecidas e
insuspeitadas de pessoas que vivem dentro do próprio homem. Enquanto os agentes
estatísticos descobriam novas uniformidades entre grupos de pessoas, Cervantes
mostrava primeiro as variedades do indivíduo, inovando no esforço da literatura
moderna de incluir toda a experiência no romance. O criador estava entrando em
território novo. O romance se estendia para fora ao mesmo tempo em que olhava para
dentro. Ele ia democratizar ao mesmo tempo o público e o assunto da arte literária.
"Recriando a vida com a vida" o romance vai descobrir o homem moderno para o
homem moderno. O que a estatística e a ciência social iam conquistar para a experiência
pública, a arte do romance fez para a experiência privada”. (...) “Infligindo a seu herói
de classe média a ilusão de que as convenções do romance conhecido eram reais, ele
abriu a janela para uma vida diária não encontrada na epopéia ou no romance. Agora o
leitor participava do embate de outra pessoa entre seus sentimentos íntimos e a vida lá
fora. Assim o romancista ficava sendo o guia do leitor para a entrada em outra pessoa."
Daniel Boorstin, “Os Criadores”.
Não tenho nada a acrescentar à defesa que Aristóteles, em oposição a Sócrates e Platão,
fez da poesia e da arte. Retomo a analogia porque acho que o cinema, na lógica platônica,
estaria afastado da realidade em dois graus e meio. Um filme sobre uma vida não é uma
vida, assim como a pintura de uma cama não é uma cama e a pintura de um cachimbo
não é um cachimbo. Mas um quadro que representa uma cama sempre contém uma
dúvida: ele pintou uma cama que via ou uma cama que imaginava? O quadro é a imitação
de uma idéia ou de uma cama real? Por mais realista que seja a pintura, a intermediação
da subjetividade do artista está sempre presente.
INCLUDEPICTURE "http://www.vangoghpaintings.net/wp-content/uploads/2009/12/
van-gogh-bedroom-in-arles-drawing-02.jpg" \* MERGEFORMATINET
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Vincent_van_Gogh_-_Vincent's_Bedroom_in_Arles_-
_Letter_Sketch_October_1888.jpg" \* MERGEFORMATINET
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AAAAAAAA6Oc/90O3D5L3PH8/s1600/Van-gogh-bedroom.jpg" \*
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INCLUDEPICTURE "http://www.artjunction.org/blog/pics/van_gogh_bedroom.jpg" \*
MERGEFORMATINET
Todos nós sabemos que esta "não-subjetividade" é falsa, e mais falsa se torna em tempos
de imagens digitais, com atores que continuam em cena até depois de mortos. E tanto
mais elaborada se torna a linguagem cinematográfica mais aumenta a subjetividade.
"(...) Por que é que ensinaste a clareza da vista se não me podias ensinar a ter a alma
com que a ver clara? Por que é que me chamaste para o alto dos montes se eu, criança
das cidades do vale, não sabia respirar?"
Fernando Pessoa, Ficções do Interlúdio, poesias de Álvaro de Campos.
Algumas delas:
Mimesis: Um documentário representa uma vida, como uma pintura representa uma
cadeira, e a cadeira existe, tem vida real. A ficção é sempre intermediada pela consciência
de uma mimesis, pelo acordo tácito que envolve qualquer representação, qualquer jogo
dramático.
Registrar uma vida real é uma grande responsabilidade, compreende uma enorme
quantidade de dilemas morais, éticos, em cada etapa da filmagem: no enquadramento, na
iluminação, na edição de som e, principalmente, na montagem.
"O que expressamos com palavras já está morto em nossos corações." A literatura, ao
mergulhar no mar de sentimentos inconfessáveis, é capaz de representar a vida de forma
muito mais complexa que o cinema. E, por mais que os melhores documentários (como
"Cabra marcado para morrer", por exemplo) revelem, por habilidades da imagem ou da
montagem, sentimentos inconfessos de seus personagens, muito mais pode o jogo
dramático na ficção.
Mais uma vez, a saída é a literatura e a ficção. A cena em que Laura (Julianne Moore)
está à mesa de jantar com seu marido e filho, me remete imediatamente a Emma Bovary:
"Mas era sobretudo às horas da refeição que ela não agüentava mais, nesta pequena sala
do andar térreo, com a estufa que fumegava, a porta que rangia, os muros que gotejavam,
as lajes úmidas. toda a amargura da existência parecia-lhe servida no seu prato e, como a
fumaça do cozido, subiam do fundo de sua alma como em outras baforadas de enjôo.
Carlos era vagaroso ao comer. ela mordiscava algumas avelãs, ou então, apoiada no
cotovelo, divertia-se a fazer riscos com a ponta da faca na toalha."
Comédia
Ex.: a c. da vida
cena cômica, ridícula ou escandalosa
Ex.: não se dá por satisfeito enquanto não representa a sua c.
pessoa, evento ou fato cômico
Locuções
c. à italiana
Rubrica: teatro.
m.q. commedia del' arte
c. antiga
Rubrica: teatro.
no teatro cômico da Grécia antiga, gênero iniciado em 460 a.C., e representado
esp. pela obra de Aristófanes, de conteúdo satírico e caráter predominantemente político-
social
c. atelana
Rubrica: teatro.
no teatro cômico da Roma antiga, tipo de comédia-farsa de temática político-
social, subgênero que provinha da cidade de Atela
Obs.: tb. se diz apenas atelana
c. bufa
Rubrica: teatro.
a que procura provocar o riso por meio de processos grosseiros, farsescos
c. das máscaras
Rubrica: teatro.
m.q. commedia del' arte
c. de caracteres
Rubrica: teatro.
peça ou gênero em que o autor destaca os traços psicológicos e de caráter dos
personagens, chegando, por esse meio, a uma interpretação de determinado segmento da
sociedade ou da sociedade em geral
c. de costumes
Rubrica: teatro.
aquela que retrata satiricamente os costumes, usos e idéias de uma classe social,
de uma época ou de uma profissão
c. de improviso
Rubrica: teatro.
m.q. commedia del' arte
c. histórica
Rubrica: teatro.
gênero teatral que põe em ação um fato ou episódio da história
c. italiana
Rubrica: teatro.
m.q. commedia del' arte
c. média
Rubrica: teatro.
gênero de transição da comédia grega antiga (três primeiros quartéis do sIV a.C.),
quando o coro é suprimido e o conteúdo do texto torna-se alegórico e mitológico
c. moral
Rubrica: teatro.
gênero de comédia de costumes que põe os princípios éticos em destaque
c. musical
Rubrica: cinema, teatro.
gênero de comédia em que o canto e a dança se misturam com a ação
c. nova
Rubrica: teatro.
na Grécia do tempo de Alexandre (fins do sIV a.C.), gênero teatral que satirizava
essencialmente a vida familiar e cujos principais autores foram Menandro e Filêmon
c. romântica
Rubrica: cinema, teatro.
gênero ou subgênero que apresenta histórias de amor de maneira sentimental e
não raro piegas
c. sentimental
1 Rubrica: teatro.
gênero do sXVIII em que os personagens vivem aventuras que provocam emoção
e piedade na platéia
2 Rubrica: cinema.
gênero ou subgênero cinematográfico em que predomina o sentimentalismo
c. tabernária
Rubrica: teatro.
na antiga Roma, comédia de usos e costumes da classe menos favorecida. fábula
tabernária
alta c.
Rubrica: teatro.
a de tema e desenvolvimento elevados, com tratamento de estilo refinado
baixa c.
Rubrica: teatro.
a de caráter grosseiro, bufo ou licencioso
Tragédia
na antiga Grécia, peça em verso, de forma ao mesmo tempo dramática e lírica, na qual
figuram personagens ilustres ou heróicos e em que a ação, elevada, nobre e própria para
suscitar o terror e a piedade, termina ger. por um acontecimento funesto
peça, ger. em verso, cuja ação termina de ordinário por acontecimentos fatais
o gênero trágico.
"A morte é o fato primeiro e mais antigo, e quase me atreveria a dizer: o único fato."
Se não o único, a morte é nosso medo mais antigo. Para enfrentá-lo inventamos de tudo, a
começar pela religião, onde nasceu o teatro. "Faz de conta que ele não morreu, que ele
está vivo aqui, neste altar ou neste palco, faz de conta que eu sou ele, vejam!"
Faz de conta que você está só no mundo, completamente só, no meio da noite gelada, no
alto de uma torre, e escuta passos. Afinal, você não está só. "Quem está aí?" O medo gela
sua espinha: talvez seja um fantasma. O fantasma do pai - rei, chefe, sacerdote - foi nosso
primeiro Deus.
"Quem está aí?" A morte não ser o fim é boa e má notícia. Fantasmas e deuses têm humor
inconstante e, problema, não morrem. Mas talvez possam ser acalmados, com belos
túmulos, flores, velas, quem sabe? O teatro nasceu destes ritos propiciatórios.
Um velho truque humano para superar medos é o "desfazimento mágico" (para Freud,
Ungeschehenmachen): já que não podemos derrotar a morte em vida, podemos derrotá-la
em nossa imaginação.
"O homem primitivo nega a morte trazendo de volta o falecido sob a forma de espírito, e
o rito do ancestral ou adoração do espírito converte-se numa representação dessa
ressurreição. (...) Muitas das tragédias gregas (Édipo em Colona de Sófocles, Medéia de
Euripídes) estavam relacionadas a rituais que louvavam um herói ou heroína primitivos."
*
Alguns destes rituais primitivos incluíam sacrifícios de animais, sua morte era oferecida
aos deuses e, às vezes, sua carne era compartilhada para que os vivos absorvessem sua
força. A morte do animal purgava os pecados, o "bode expiatório" morria por nós, para
nos salvar. Pobre do bichinho! Para atenuar a culpa da morte de um caprino inocente, o
sacerdote vestia sua pele (Ungeschehenmachen) e cantava, num renascer simbólico. Era o
"canto do bode", em grego "tragoedia", tragédia.
A tragédia nasceu na Grécia e quase morreu na cruz: na ressurreição de Cristo nasceu sua
igreja, cuja difusão no Ocidente quase acabou com o teatro: "Mais sofreu Cristo!". Quase.
O teatro renasceu, outra vez dentro da religião, na representação da vida dos Santos e da
própria vida de Cristo, os Passos da Paixão que ornamentavam os altares laterais das
igrejas viraram quadros vivos em ocasiões festivas.
Não por acaso o mais antigo texto preservado deste novo teatro cristão chama-se "Quem-
quaeritis" ("A quem procurais?", século IX), quase a mesma pergunta que abre o Hamlet.
Os Anjos (metade do elenco) faziam a pergunta às Mulheres (outra metade do elenco)
que visitavam o túmulo de Cristo. Elas respondiam: "Jesus de Nazaré, que foi
crucificado". A tréplica dos Anjos informava que Cristo não estava mais lá: conforme o
anunciado, ascendera aos céus. "Ide e anunciai que ele ascendeu de seu sepulcro". Cristo,
o velho Rei Hamlet, Clitemnestra (que aterroriza Orestes, seu filho matricida), Duncan
(rei da Escócia assassinado por Macbeth) e tantos outros fantasmas, recusam-se ao
sepulcro.
Mas é bom lembrar que existe algo além da morte: a vida, este sim o fato primeiro. A
maneira mais eficaz de enfrentar a morte é nascer e procriar, rituais de fertilidade são tão
antigos quanto homenagens aos mortos. Ritos fálicos, orgias cerimoniais, festins sexuais
existem em todas as culturas, desde sempre: o sujeito ou a sujeita se veste de bode, pirata,
rei ou odalisca, bebe e se diverte por três noites e, na quarta-feira pede desculpas a todos
no escritório, não sabe onde estava com a cabeça.
Destes rituais eróticos nasceu o avesso da tragédia, a comédia, "com sua imensa alegria e
com o riso que silencia muitas ansiedades e dores de coração do espectador. A proverbial
leviandade do palco é uma das suas mais antigas heranças; de forma sublimada é também
um legado muito precioso".*
Nascemos sabendo que morreremos, a vida é ótima mas, no fim, vai dar bode, é
inevitável. Inevitável, mas não insuportável. Para suportar a vida, que termina em morte
nas tragédias ou em casamento nas comédias, é que fazemos teatro.
Da wikipedia:
No Tratado Coisliniano, define-se comédia como “uma imitação de uma ação risível e
desprovida de grandeza, acabada, separada em cada uma das partes no tocante aos
formatos” e “representada por atores e também por meio de narrativa, consumando pelo
prazer e pelo riso a purgação destas afecções”. O autor estabelece que o efeito desejado
na comédia é o riso, o qual é gerado “seja pelas falas, seja pelas ações”, e tece uma breve
listagem das estratégias verbais – ou seja, textuais – e daquelas provenientes das ações
para que se obtenha tal efeito cômico. Este último rol parece ser o mais aplicável ao
gênero cômico através dos tempos – diz o autor que o riso surge a partir das ações pelos
seguintes modos: assimilação, para melhor ou para pior; engano; impossível; possível e
incoerente; quebra da expectativa; caracterização vulgar das personagens; uso de danças
(gestos) grosseiras; aceitação, por um personagem, do que é melhor, deixando-se de lado
o que é melhor para si; desarticulação do discurso pela falta de coerência.
HYPERLINK "http://www.ifcs.ufrj.br/~fsantoro/ousia/traducao_coisliniano.html"http://
www.ifcs.ufrj.br/~fsantoro/ousia/traducao_coisliniano.html
(...)
Siglae
[ ] delenda
{ } inserenda
( ) translatio ins.
{III. Cátharsis}
{VIII. Bufão}
{IX. Symmetria}
Deve haver uma proporção do terror nas tragédias e do riso nas comédias.
{XI. Enredo}
Enredo cômico é aquele que tem sua construção com ações em torno do risível.
{XII. Personagens}
{XIII. Pensamento}
Há duas partes do pensamento: opinião e prova. {Há cinco provas} : juras, pactos,
testemunhos, confissões, leis.
{XIV. Elocução}
O poeta cômico deve atribuir às personagens a língua pátria das mesmas, mas na língua
local dele.
Da comédia:
1) Antiga : que se excede no risível;
2) Nova : que o dispensa e inclina-se para o sério;
3) Média : que é uma mistura de ambas.
X
“Podemos dizer uma coisa ao menos de duas maneiras: uma maneira como quem a diz
quer dizer aquela coisa e somente ela; e uma maneira como queremos dizer, sim, aquela
coisa, mas ao mesmo tempo recordar que o mundo é muito mais complicado, e vasto e
contraditório. A ironia ariostesca, o cômico shakespeariano, o picaresco cervantino, o
humor sterniano, a truanice de Lewis Carroll, de Edgar Lear, de Jarry, de Queneau
valem para mim na medida em que, por meio deles, alcançamos essa espécie de
distanciamento do específico, de sentido da vastidão do todo”.
A definição de Koestler, “o humor é aquilo capaz de provocar riso” é, como ele mesmo
afirma, incompleta. Que tipo de humor? Chiste? Sátira? Paródia? Farsa? Provocar riso em
quem? Em que condições? Por quanto tempo? O que mais, além do riso, o humor
provoca?
Meu filho, quando tinha pouco mais de cinco anos e era fã da MTV, me perguntou por
que os clipes das músicas lentas tinham mais fusões e os das músicas rápidas tinham mais
cortes. A resposta não é simples. O sentimento de compaixão ou ternura quase sempre
precisa de algum tempo para se formar. Quem já tentou editar um filme “emocionante”
de 15 ou 30 segundos sabe do que eu estou falando. A ciência diria que a questão é
hormonal, como afirma Aldous Huxley: “Levamos conosco, de um lado para outro, um
sistema glandular que era admiravelmente bem adaptado à vida no Paleolítico, mas não
muito à vida atual. Assim, tendemos a produzir mais adrenalina do que é bom para nós e,
ou nos reprimimos e dirigimos as energias destrutivas para dentro, ou não nos reprimimos
e passamos a ferir as pessoa”. Outra opção é chorar.
O riso, ao contrário do choro (um efeito extremo de emoções extremas), é rápido, cabe
em quinze segundos, até em menos. O humor é uma relação cerebral, de inteligência,
circula pelo poderoso e moderno telencéfalo em correntes elétricas, não se utiliza do
nosso paleolítico sistema glandular.
X
“Tragedie is to seyn a certeyn storie / As olde bookes maken us memorie. / Of hym that
stood in greet prosperitee. / And is yfallen out of heigh degree / into myserie, and endeth
wretchedly.”
“Uma tragédia é uma narrativa sobre a vida de um personagem, antigo ou eminente, que
sofreu um declínio da fortuna num desenlace desastroso. (...) Pelo fato de sua ação ser a
da alma que ascende da sombra ao brilho estelar, da dúvida temente à alegria e à
certeza da graça, Dante intitulou seu poema de uma commedia.” George Steiner, A
morte da tragédia.
Eugene Vale:
Situação cômica:
3. obtém-se o caráter cômico por uma redução ativa, artisticamente desejada e dinâmica
dessa dimensão. Essa redução se obtém ou através da maneira como o tema é tratado nas
suas minúcias ou, sobretudo, pelo pressuposto de conjunto que atenua o lado doloroso da
natureza humana, que reduz a angústia garantindo-nos (o que é essencial para a
convenção cômica) que nada demasiado grave sobrevirá e que tudo se arranjará sem
sangue, lágrimas ou gritos de dor verdadeira, sem esquecer aquela perpétua
inverossimilhança que tende também a minimizar a participação emocional no
acontecimento e impedir que se leve a sério a situação dramática.
HYPERLINK "http://www.youtube.com/watch?
v=GSC6RayVSqI&feature=player_embedded" \l "!" http://www.youtube.com/watch?
v=GSC6RayVSqI&feature=player_embedded#!
#CAPÍTULO 8: ADAPTAÇÕES
Mudando de linguagem.
Aspectos técnicos:
O terceiro aspecto técnico a ser considerado é que o cinema, como a música, é uma
forma de expressão em que o tempo de apreensão das informações é definido
exclusivamente pelo autor. Cada um de nós estabelece o próprio ritmo de leitura. Cada
um de nós passa o tempo que quiser observando um quadro. Mesmo no teatro, o ator
pode esperar que o público pare de rir de uma piada para dar seqüência ao texto. Mas um
filme de 1 hora e 32 minutos é visto por qualquer espectador em 1 hora e 32 minutos.
Mas é importante lembrar que o cinema não é só literatura. Ele mistura fotografia, teatro,
música, dança pintura e literatura, criando a sua própria linguagem, que está em constante
transformação, como qualquer linguagem. Muitos outros elementos, não presentes na
literatura são utilizados pela linguagem do cinema, como os movimentos de câmera, os
enquadramentos, a música, a cor e a luz. Cabe ao roteirista agregar esses elementos ao
filme de modo a ser fiel - ou não - ao espírito do texto.
As relações entre o cinema e a literatura são antigas e nem sempre amistosas. Antes da
invenção do direito autoral, em 1910, os cineastas simplesmente roubavam histórias dos
livros. Em 1911, Gabriele d'Annunzio vendeu toda a sua obra, já escrita e futura, para
uma empresa cinematográfica italiana. Desde lá, milhares de livros têm sido adaptados
para o cinema. Segundo Ely Azeredo, a Bíblia é o livro campeão de adaptações, com
incontáveis filmagens. O segundo lugar é de Sir Arthur Conan Doyle, com mais de 200
versões de Sherlock Holmes. Em terceiro lugar aparece o Drácula, de Bram Stoker.
Imagino que poucos de vocês já tenham ouvido falar em Cornell Woolrich. No começo
dos anos 50 ele publicou numa revista barata de contos policiais uma história intitulada
"Tinha que ser assassinato". Em 1954 o conto de Woolrich se tornaria um dos maiores
clássicos da história do cinema, adaptado por Alfred Hitchcock com o título de "Janela
Indiscreta". Isso não me faz concordar com a divertida afirmação de Hitchcock de que
"livros ruins é que dão filmes bons". Dashiell Hammet e James Cain eram grandes
escritores e seus livros deram ótimos filmes. James Ellroy é um ótimo escritor e seu livro
“Los Angeles, Cidade Proibida” virou um ótimo filme. Shakespeare, para citar o maior
dos autores, já foi transformado em pelo menos quatro grandes filmes: Ran (baseado em
Rei Lear) e Trono manchado de sangue (baseado em Macbeth), duas adaptações de Akira
Kurosawa, Fallstaff, de Orson Welles, e o Hamlet de Laurence Olivier.
Mas é certo que a boa literatura não necessariamente dá bons filmes. William Faulkner,
além de nunca ter virado um bom filme, trabalhou em Hollywood e foi um roteirista
medíocre. Dostoievski, Kafka, Cervantes, Proust, Machado de Assis ou Eça de Queirós
ainda não entraram para a história do cinema.
Mesmo quando um romance ou conto serve de ponto de partida de um filme, pode ser útil
fazer o story-line (uma síntese do conflito) e uma sinopse (um resumo da trama).
O sentido da obra.
Um roteiro deveria preservar o sentido da obra. Muitas vezes, para isso, é preciso mudar
a história.
Caso o autor esteja vivo ou a família detenha seus direitos autorais (menos de 70 anos da
morte do autor), é fundamental definir claramente a autonomia do roteiro sobre o texto,
se há restrições ( e quais são) e mudar a obra.
Exemplos práticos:
Temporal, Veríssimo.
Dorival, Tabajara.
Barbosa, Perdigão.
Agosto, Rubem Fonseca.
Luna Caliente, Mempo.
Maria Moura, Raquel de Queiroz.
O mambembe, Artur Azevedo.
Comédias, Veríssimo.
Sargento de Milícias, Millôr.
O Alienista, Machado.
Veja Bem, Drummond e João Cabral
O comprador de fazendas, Monteiro
Os Sertões, Euclides.
Negro Bonifácio, de Simões Lopes Neto.
Meia Encarnada Dura de Sangue, Lourenço Casarré.
Lisbela, Osman Lins.
O Coronel e o Lobisomen, José Cândido de Carvalho.
Benjamin, Chico Buarque.
Decamerão, Boccaccio.
Ex:
Luna Caliente
Dona Flor
Agosto
O Coronel e o Lobisomem
As informações e os diálogos.
Muitas informações da trama de um livro estão fora dos diálogos (se é que há diálogos).
Aspectos éticos:
Para falar sobre o os aspectos éticos da relação do cinema com a literatura, eu começo
lembrando uma frase de Thomas Edison, um dos pioneiros do cinema: "estou trabalhando
numa invenção extraordinária e em pouco tempo as crianças não precisarão ler nenhum
livro". A profecia de Edison, felizmente, não se cumpriu, pelo menos não inteiramente.
(“Não contem com o fim do livro”), mas é certo que parte da necessidade de ouvir e
contar histórias, que até o século dezenove era atendida pela literatura (e, para a maioria
analfabeta, pelo teatro) foi parcialmente substituída pelo cinema e depois pela televisão.
Quem tem filhos sabe da dificuldade de convencê-los a enfrentar a longa, silenciosa e
solitária leitura de um romance. Mas quem ama realmente seus filhos e já sentiu pelo
menos uma vez o prazer da leitura, não desiste de tentar. E quase sempre tem sucesso.
O cinema aprofundou uma transformação chamada por Daniel Boorstin de "a revolução
gráfica". Ela começou nos EUA no século dezenove. Graças às novas tecnologia de
impressão de fotos, os jornais foram inundados de imagens. Alguns críticos começaram a
se queixar do excesso de ilustrações da imprensa. O cinema, surgido no final do século
dezenove e desenvolvido no início do século vinte, elevou os efeitos desta revolução ao
cubo. Na opinião de Boorstin, o que esta enchente de imagens tem de mais preocupante é
que ela possa incentivar apenas o pensamento imagético, "pensar em termos de uma
imitação ou representação artificial da forma externa de qualquer objeto e, sobretudo, de
uma pessoa".
Este pensamento nasce à custa do pensamento ideal: "pensar em termos de alguma idéia
o valor ao qual se pode aspirar." Neal Gabler afirma que "a profusão de imagens nos
direciona para o aqui e o agora, para algo imediatamente útil. O ideal nos direciona para
algo acima e além, para algo cuja utilidade não é aparente de pronto". Para Boorstin a
revolução gráfica foi também uma revolução moral porque substituía a aspiração pela
gratificação.
Neil Postman acrescenta uma observação a isso: o texto impresso exige raciocínio.
Empregar a palavra escrita significa seguir uma linha de pensamento que exige um poder
considerável de classificação, de inferências e argumentação. Uma sociedade baseada
sobretudo no texto escrito seria aquela em que a lógica, a ordem e o contexto
predominam. Numa sociedade baseada em imagens, por outro lado, lógica e contexto
perdem terreno para a gratificação imediata. A revolução da imagem transformou nossa
maneira de pensar. Não seria o caso de afirmar, como Godard, que o cinema foi um erro,
mas é fundamental reconhecer que ele supre parcialmente nossa necessidade de
compartilhar histórias e ocupa um espaço antes preenchido pela literatura.
João Nunes
Contos e romances
“ Os romances mais ricos e interessantes têm por vezes uma narrativa não-linear, com
saltos temporais e espaciais dentro da mesma página e até do mesmo parágrafo.
Frequentemente têm mais do que um protagonista, e enredos paralelos de importância
semelhante. Além disso, dão uma presença importantíssima à vida interior dos
personagens, aos seus pensamentos, emoções, sensações, a toda a sua subjectividade.
Ora tudo isto é muito difícil de traduzir na linguagem do cinema, onde o espectador só
pode conhecer o que é possível filmar, ou seja as manifestações visuais e audíveis da
história: as ações, reações e palavras dos personagens. Assim, um dos grandes desafios
de um roteirista ao fazer uma adaptação é como mostrar externamente todo esse
universo interior dos personagens.
Acresce a tudo isto que muitos romances têm uma dimensão tal que a sua adaptação
para um filme de duração normal (90 a 120 minutos) implica grandes cortes em cenas e
por vezes enredos secundários completos. É por isso que muitas vezes é mais fácil
adaptar para cinema um conto ou uma novela do que um romance - a estória está
normalmente mais focada num protagonista, o enredo é geralmente mais simples e
sequencial, e o desafio de perceber os temas e preocupações do autor é um pouco
menor.”
João Nunes
http://joaonunes.com/2007/guionismo/curso-rapido-encontrar-a-ideia-2/
#CAPÍTULO 9: FORMATOS
Novas formas de narrativas audiovisuais são criadas constantemente, todas podem ter (e
quase sempre têm) roteiros. Os limites entre estas muitas formas são quase* inteiramente
subjetivos, tênues e mutantes.
Não acredito que se possa determinar - com alguma utilidade - distinções éticas ou
estéticas entre formas de expressão artística segundo o seu tamanho. Pense no ridículo
que seria tentar emitir qualquer juízo de valor sobre poemas pelo número de seus versos
ou de pinturas segundo sua metragem. Vale o mesmo para filmes, romances ou programas
de tevê.
Acredito que os princípios básicos de estrutura do roteiro, incluída a divisão em três atos,
são os mesmos em qualquer formato ou duração, mas podemos fazer algumas reflexões
sobre a relação entre a estrutura do roteiro e a duração do filme.
É comum, por absoluta falta de tempo do autor para dramatizar informações, que os
personagens das telenovelas escutem atrás das portas ou falem em voz alta seus
pensamentos mais secretos. De fato, vi recentemente um episódio de uma série onde um
personagem escuta atrás da porta enquanto outro personagem fala sozinho, em voz alta,
confessando seus crimes. (O roteirista estava com muita sorte!)
Nunca tentei escrever uma telenovela e posso imaginar a dificuldade que seja manter com
equilíbrio uma trama diária (um longa a cada dois dias) que envolve mais de 50
personagens e ainda esteja sujeita ao gosto do espectador.
Classificação arbitrária:
Curta: até 20 minutos.
Média: 20 – 60 min.
Longa: mais de 60 min.
Roteiros de curtas (até 15 minutos?) devem temer (um pouco) menos o desinteresse
inicial do espectador, geralmente quando ele começa a se aborrecer, já acabou.
Nas comédias, os diálogos tendem a ser mais rápidos que nos dramas. Em nossos
programas de televisão eu e o Guel calculamos que um roteiro de drama tem, em média,
1000 caracteres (sem espaço) por minuto. A média cresce para 1150 caracteres por
minuto nas comédias. Atenção: isso não é uma regra: é uma constatação a partir de
trabalhos realizados.
Nos documentários este número varia conforme o projeto, mas a leitura do roteiro deve
levar, no máximo, a duração do filme.
Ernesto Sabato
in “Diálogos Borges Sabato”, tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro, São Paulo,
Editora Globo, 2005
Num de seus cadernos de notas Tchecov registrou este episódio: "Um homem, em Monte
Carlo, vai ao cassino, ganha um milhão, volta para casa, se suicida". A forma clássica
do conto está condensada no núcleo dessa narração futura e não escrita. Contra o
previsível e convencional (jogar-perder-suicidar-se) a intriga se estabelece como um
paradoxo. A anedota tende a desvincular a história do jogo e a história do suicídio. Essa
excisão é a chave para definir o caráter duplo da forma do conto.
O conto clássico (Poe, Quiroga) narra em primeiro plano a história 1 (o relato do jogo)
e constrói em segredo a história 2 (o relato do suicídio). A arte do contista consiste em
saber cifrar a história 2 nos interstícios da história 1. Uma história visível esconde uma
história secreta, narrada de um modo elíptico e fragmentário. O efeito de surpresa se
produz quando o final da história secreta aparece na superfície.
Cada uma das duas histórias é contada de maneira diferente. Trabalhar com duas
histórias significa trabalhar com dois sistemas diversos de causalidade. Os mesmos
acontecimentos entram simultaneamente em duas lógicas narrativas antagônicas. Os
elementos essenciais de um conto têm dupla função e são utilizados de maneira diferente
em cada uma das duas histórias. Os pontos de cruzamento são a base da construção.
O conto é uma narrativa que encerra uma história secreta. Não se trata de um sentido
oculto que depende da interpretação: o enigma não é senão uma história que se conta de
modo enigmático. A estratégia da narrativa está posta a serviço dessa narrativa cifrada.
Como contar uma história enquanto se está contando outra? Essa pergunta sintetiza os
problemas técnicos do
conto.
********************************************
Além de sua duração, os produtos audiovisuais podem ser divididos de acordo com a
forma de exibição e recepção, em duas grandes categorias:
1. “Dose única”: um filme (curta, média ou longa) pensado para ser visto (embora nem
sempre seja) do começo ao fim, sem interrupções.
É o caso dos filmes produzidos para serem exibidos em salas de cinema, sem
interrupções, ou na televisão, numa exibição única, com ou sem intervalos comerciais.
É cada vez mais difícil imaginar que um produto audiovisual será exibido unicamentre
em dose única, numa sala de cinema. Quase todos os filmes acabam na televisão, em
dvds, na internet e, a partir daí, serão exibidos ao gosto do exibidor e vistos ao gosto do
espectador. Isso não impede que a maioria dos realizadores – inclusive eu – escrevam
pensando que o filme será visto em “dose única”.
. Séries
A televisão (no Brasil, nos EUA e na Inglaterra) divide a programação em três categorias:
news (não-ficção: jornalismo, documentários, revistas de informação, entrevistas, etc.),
“dramaturgia” (“scripted entertainment”, literalmente, entretenimento com roteiro, séries,
minisséries, novelas, sitcons, etc.) e “unscripted entertainment” (que no Brasil tem o
nome genérico de “programa”: game shows, realitys, programa de auditório, talk-shows,
etc).
Os exemplos de mistura entre as várias categorias são tantos e tão variados que nem cabe
enumerá-los, embora o quase sempre execrável “jornalismo-comédia” e os abomináveis
“reality-shows” sejam a praga da hora e mereçam registro.
Os roteiros dos telefilmes, histórias de uma hora ou mais, com exibição única, se
assemelham em tudo aos roteiros de um longa metragem para o cinema e, lembrando as
já citadas diferenças de recepção, obedecem (ou desobedecem) as mesmas “regras”, tem
os seus mesmos problemas e desafios.
As séries, isto é, uma mesma história contada em vários capítulos, ou ainda, várias
histórias vividas com os mesmos personagens em diferentes capítulos, obedecem (ou
desobedecem) regras diferentes, tem problemas e desafios específicos.
Todos estes roteiros foram feitos em parceria, com diferentes autores. (Guel Arraes,
Giba Assis Brasil, Pedro Cardoso, João Falcão, Adriana Falcão e outros)
. Agosto
. Memorial de Maria Moura
. Brasil especial
. Cidade dos homens
. Antonia
. Os normais
. A vida ao vivo
. Ó-paí-ó
. Clandestinos
. Delegacia de mulheres
. Programa legal
. Doris para maiores
. Bicho homem
. Sexo oposto
COMÉDIA
Uma família:
Os Simpsons
Família Dinossauro
A Família Addams
A Família Buscapé
Os Monstros
A Grande Família
A Família Trapo
Everybody Loves Raymond
That ’70s Show
Third rock from de sun
Os Simpsons
Família Dinossauro
A Família Addams
A Família Buscapé
Os Monstros
A Grande Família
A Família Trapo
Everybody Loves Raymond
That ’70s Show
Third rock from de sun
Papai Sabe Tudo
DRAMA / ROMANCE
DRAMA / ROMANCE
POLICIAL / INVESTIGAÇÃO
Dois personagens:
A Gata e o Rato
Uma turma:
Os Intocáveis
Hawaii 5-0
As Panteras
S.W.A.T.
Mob Squad
Mad Men Pushing Daisies
Twin Peaks Presença de Anita
Incidente em Antares Riacho Doce
A Ilha da Fantasia
POLICIAL / INVESTIGAÇÃO
Dois personagens:
A Gata e o Rato
Uma turma:
Os Intocáveis
Hawaii 5-0
As Panteras
S.W.A.T.
Mob Squad
AVENTURA
Um personagem: MacGyver
O Super-Homem Chips
Zorro Bionic Woman
Daniel Boone 24 Horas
Batman Game of Thrones
O Homem de Seis Milhões de Dólares Jaspion
National Kid Jiraya
Kung Fu Jornada nas Estrelas
Vigilante Rodoviário O Incrível Hulk
James West The Tudors
MacGyver
Dois personagens:
O Agente da U.N.C.L.E.
O Túnel do Tempo
Carga Pesada
Uma família:
Perdidos no Espaço
Bonanza
Uma turma:
Terra de Gigantes
Jornada nas Estrelas
Thurderbirds
Mob Squad
AVENTURA
Um personagem: MacGyver
O Super-Homem Chips
Zorro Bionic Woman
Daniel Boone 24 Horas
Batman Game of Thrones
O Homem de Seis Milhões de Dólares Jaspion
National Kid Jiraya
Kung Fu Jornada nas Estrelas
Vigilante Rodoviário O Incrível Hulk
James West The Tudors
MacGyver
Dois personagens:
O Agente da U.N.C.L.E.
O Túnel do Tempo
Carga Pesada
Uma família:
Perdidos no Espaço
Bonanza
Uma turma:
Terra de Gigantes
Jornada nas Estrelas
Thurderbirds
Missão: Impossível
As Aventuras de Rin Tin Tin
GUERRA
Combate
SUSPENSE
Lost
Além da Imaginação
. Alguém (autor, produtor, ator, diretor) decide criar uma série. Vamos chamá-lo de
“criador”.
. Gravação do piloto.
. Análise do piloto e desenvolvimento (ou não) dos roteiros dos próximos episódios.
Gênero
Drama, comédia, romance, musical, terror, suspense, crime, infantil, científica, animação,
documental, etc, etc, e todas as misturas possíveis entre os vários gêneros.
Drama:
Action-adventure or Thriller, Comedy-drama, Family drama, Legal drama, Medical
drama, Police procedural, Political drama, Science-fiction / Fantasy / Horror /
Supernatural drama, Serial drama, Soap opera, Teen drama
HYPERLINK "http://en.wikipedia.org/wiki/Television_program#Seasons.2Fseries"
http://en.wikipedia.org/wiki/Television_program#Seasons.2Fseries
Número
Três ou mais episódios, sem limites. (The Simpsons já tem mais de 500 episódios.
“Carlos”, “Sherlock”, 3 episódios cada.)
Periodicidade
Diária ou semanal, com ou sem um final previsto. Os episódios podem ter histórias mais
ou menos independentes, com arcos dramáticos que percoram vários episódios ou não.
Minissérie.
Ex: Agosto, Memorial de Maria Moura, Roma, Luna Caliente, Anos Rebeldes, Anos
Dourados, Som e Fúria, etc, etc.
(O Príncipe Cansado)
“Talvez um dos conceitos chave da teleficção dos nossos dias seja a profundidade. Não se
trata meramemente de uma questão de metragem, quer dizer, não só temos personagens e
tramas profundas porque os roteiristas dispõe de muitas horas de ação para desenvolvê-
las, falo de algo mais abstrato. Falo da da capacidade que tem certos personagens de
penetrar na consciência do leitor, de converter-se em familiares, tanto em sua miséria
como em seu esplendor.”
Questões:
Ter ou não ter “um arco dramático” que percorra a série. Os personagens se transformam?
Quanto?
Offs?
Flash-backs?
Testemunhais? Documentários?
HYPERLINK "http://www.amazon.fr/LArt-s%C3%A9ries-t%C3%A9l%C3%A9-
Vincent-Colonna/dp/2228905283" http://www.amazon.fr/LArt-s%C3%A9ries-t
%C3%A9l%C3%A9-Vincent-Colonna/dp/2228905283
Um filme (qualquer narrativa audiovisual) pode ser escrito e produzido para diferentes
mídias. Quase todos os filmes frequentam várias mídias.
O caminho mais comum a ser percorrido por um filme é: sala de cinema, dvds, televisão
a cabo, televisão aberta. Raros exemplos (Auto da Compadecida, telefilmes lançados em
dvds) vão no sentido contrário.
Séries de tevê são feitas, em maior número, para as tevês a cabo. Clips musicais são hoje
feitos preferencialmente para a internet. Os filmes pornográficos, um vasto e lucrativo
mercado audiovisual, hoje são produzidos para internet e dvds, não mais para o cinema.
Há filmes feitos para celular, para a internet (todos terminam lá), e também para mídias
físicas, como um dvd, é o procedimento comum na Nigéria, maior produtor mundial de
filmes, seguido pela Índia e Estados Unidos.*
Os filmes tratam de assuntos diversos, mas temas envolvendo religião, magia e dilemas
morais são recorrentes. Quanto aos gêneros, os dramas ocupam o topo da lista dos mais
vistos, seguidos pelas comédias. Como me confessou Charles Igwe, um dos principais
produtores cinematográficos nigerianos: “Somos muito emotivos e sentimentais.
Gostamos de assistir a filmes que tenham final feliz”. Isso é verdade para a grande
maioria dos filmes: se não tem final feliz, não faz sucesso.
HYPERLINK "http://www.fpa.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-
anteriores/cinema-nollywood-na-contramao-da-onda-globa" http://www.fpa.org.br/o-que-
fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/cinema-nollywood-na-contramao-da-
onda-globa
publicado em 25/03/2009
Living in bondage, dirigido por Chris Obi Rapu, roteiro de Kenneth Nnebue e
Okechukwu Ogunjiofor, produzido por Kenneth Nnebue.
(trecho)
HYPERLINK "http://www.youtube.com/watch?v=hr7wDcyoIsE" http://
www.youtube.com/watch?v=hr7wDcyoIsE
No que diz respeito à mídia preferencial do filme (sua primeira exibição), para o
roteirista interessam especialmente a quantidade de atenção, a fluência, o conhecimento
prévio do público, a escala de produção, o grau de interatividade.
Cinema X X X X X Rarament
e há
interrupçã
o. (só em
filmes
muito
longos).
Quando
exibido
na tevê,
as
interrupçõ
es são
definidas
pelo
exibidor.
(relação
com os
rolos do
negativo)
Dvds X X O
espectado
r
determina
a fluência.
Cabo X X X Há canais
que
exibem
filmes
com e
sem
intervalos
. TV
digital
pode ter
função
Dvds X X O
espectado
r
determina
a fluência.
Cabo X X X Há canais
que
exibem
filmes
com e
sem
intervalos
. TV
digital
pode ter
função
pause,
rewind.
TV X Sempre
Aberta há
intervalos
,
definidos
pelo
exibidor.
(com ou
sem
consulta
ao
produtor,
diretor).
Por
enquanto,
sem
função
pause.
Internet X O
espectado
r (e a
conexão)
determina
a fluência.
Celular X O
espectado
r (e a
conexão)
determina
a fluência.
. Definição maior ou menor do público alvo.
Definição Obs:
do saber
público (com
alvo maior ou
menor
precisão)
a quem se
fala, pode
interferir
na
concepçã
o do
roteiro.
(Públicos
de idades,
formação,
países
diferentes
.)
Cinema X X X Filmes
para o
cinema
tem
público
alvo pré-
determina
do, mas
há
surpresas.
Dvds X X Há
públicos
específico
s para os
diferentes
gêneros,
mas o
dvds
costumam
passar de
mão em
mão.
Cabo X X X X X Os canais
de tevê a
cabo
conhecem
muito
bem seu
público
dvds
costumam
passar de
mão em
mão.
Cabo X X X X X Os canais
de tevê a
cabo
conhecem
muito
bem seu
público
de
assinantes
. Cada
canal e
horário
tem seu
público.
(Quem
compra
tapetes ou
vacas pela
televisão?
)
TV X Para
Aberta todos. Há
nichos de
público
por
horário,
mas todos
(diferente
s classes
sociais,
idades,
gêneros e
graus de
instrução)
assistem
de tudo.
Internet X X Para
todos,
com
pesquisa
direta do
público
alcançado
.
Celular X X Para
todos,
com
pesquisa
direta do
público
pesquisa
direta do
público
alcançado
.
Celular X X Para
todos,
com
pesquisa
direta do
público
alcançado
.
Escala de Obs: há
produção séries
com
orçament
o de
cinema
(sucessos
e
fracassos)
, cinema
de baixo
orçament
o (idem),
etc.
Quanto
maior a
escala de
produção,
maior a
pressão
sobre o
roteiro, a
necessida
de de
vários
tratament
os, etc.
(“O único
risco é o
roteiro”)
Cinema X X X X X Um filme
de longa-
metragem
(no
Brasil) ,
raramente
os, etc.
(“O único
risco é o
roteiro”)
Cinema X X X X X Um filme
de longa-
metragem
(no
Brasil) ,
raramente
custa
menos de
1 milhão.
A média
anda em
torno de 3
milhões,
acho.
Dvds X Custo de
produção
reduzido.
Custo de
cópias
variável
conforme
a
demanda.
Cabo X X X Custo
variável,
dependen
do do
horário,
gênero,
formato,
duração.
TV X X X X Custo
Aberta variável,
dependen
do do
horário,
gênero,
formato,
duração.
Internet X X Custos de
produção
reduzidos,
retorno
financeiro
incerto.
(“Tudo
grátis”)
Celular X Não há
longas
para
do do
horário,
gênero,
formato,
duração.
Internet X X Custos de
produção
reduzidos,
retorno
financeiro
incerto.
(“Tudo
grátis”)
Celular X Não há
longas
para
celular.
Custo de
produção
reduzido.
. Grau de interatividade.
Interativi Obs:
dade Teatro x
jogo. A
tecnologia
digital
embaralh
ou os
conceitos.
Cinema X O prazer
do
espectado
r vem,
como no
teatro, da
incapacid
ade de
interferir
na trama e
no destino
dos
personage
ns.
Dvds X X Idiomas,
legendas,
formato
do
quadro.
Cabo X X X O
exibidor
sabe
exatament
na trama e
no destino
dos
personage
ns.
Dvds X X Idiomas,
legendas,
formato
do
quadro.
Cabo X X X O
exibidor
sabe
exatament
e que está
assistindo
,o
espectado
r pode
escolher o
idioma,
legendas.
TV X X Testes de
Aberta audiência
podem
determina
ro
destino de
personage
ns. (“Você
decide”)
Internet X X X X X O
espectado
r pode
fazer
tudo,
inclusive
criar a
história. E
comentá-
la.
Celular X X O
espectado
r pode
comentar
a história,
mandar
recados,
indicar a
amigos.
As mídias, no sentido geral (que não dizem respeito diretamente ao trabalho do
roteirista), variam ainda de acordo com:
. Qualidade da exibição.
Qualidad Obs: A
e da qualidade
exibição. das
projeções
e do som
variam
muito,
conforme
a sala, o
canal ou a
conexão.
Cinema X X X X X Há
excesso
de
publicida
de e
trailers.
Dvds X X X X Há
excesso
de
publicida
de e
trailers.
Cabo X X X X Com ou
sem
intervalos
, com ou
sem
vinhetas
gráficas.
TV X X X Há
Aberta excesso
de
publicida
de e
vinhetas.
Internet X X Problema
s de fluxo
de
imagem.
Está
melhoran
Aberta excesso
de
publicida
de e
vinhetas.
Internet X X Problema
s de fluxo
de
imagem.
Está
melhoran
do.
Celular X Telas
pequenas.
Está
melhoran
do.
. Público potencial.
Público Obs: A
potencial. expectativ
a do
público
no cinema
se traduz
em
número
de cópias
no
lançament
o. Na
televisão,
no horário
de
exibição
(trilho) e
na
campanha
de
lançament
o.
Cinema X X X No Brasil,
cerca de
15
milhões
de
pessoas
vão ao
cinema
uma vez
por ano.
Ingressos
vendidos
campanha
de
lançament
o.
Cinema X X X No Brasil,
cerca de
15
milhões
de
pessoas
vão ao
cinema
uma vez
por ano.
Ingressos
vendidos
por ano:
cerca de
100
milhões.
Dvds X X Mercado
pirata
muitas
vezes que
o
mercado
formal.
Cabo X X X X 11,3
milhões
de casas
(julho de
2011,
IBGE).
Crescime
nto de
15,6% no
primeiro
semestre.
Número
médio de
pessoas
por
domicílio
é 3,3
pessoas.
37,3
milhões
de
brasileiros
tem tv a
cabo.
TV X X X X X No Brasil,
Aberta quase
todos têm
muitas
vezes que
o
mercado
formal.
Cabo X X X X 11,3
milhões
de casas
(julho de
2011,
IBGE).
Crescime
nto de
15,6% no
primeiro
semestre.
Número
médio de
pessoas
por
domicílio
é 3,3
pessoas.
37,3
milhões
de
brasileiros
tem tv a
cabo.
TV X X X X X No Brasil,
Aberta quase
todos têm
televisão
aberta.
Um ponto
de Ibope,
+- 1,5
milhões
de
espectado
res.
Internet X X X X X Não há
medidas
confiáveis
sobre o
público
que
assistiu
inteiro um
filme na
internet.
Cresce o
número
de
pessoas
+- 1,5
milhões
de
espectado
res.
Internet X X X X X Não há
medidas
confiáveis
sobre o
público
que
assistiu
inteiro um
filme na
internet.
Cresce o
número
de
pessoas
que
baixam
filmes.
Acesso
fácil,
universal
(youtube
e outros).
Celular X Número
de
espectado
res
desconhec
ido.
. Durabilidade presumida.
Obs:
quase
todos os
filmes
frequenta
m quase
todas as
mídias.
Quanto
mais
cópias,
maior
chance do
filme
sobreviver
. (Ésquilo
escreveu
mais de
oitenta
peças, só
sete
sobrevive
ram,
graças às
cópias).
Cinema X X X X X Um filme
feito para
o cinema,
em
princípio,
é eterno.
Vi, este
ano, “A
chegada
do trem
na
estação”,
dos
irmãos
Lumiere.
Dvds X X Devem
durar
mais
alguns
anos.
Cabo X X X Um ano
no ar,
reprises.
Tudo
na
estação”,
dos
irmãos
Lumiere.
Dvds X X Devem
durar
mais
alguns
anos.
Cabo X X X Um ano
no ar,
reprises.
Tudo
termina
em dvd.
(e, na
internet)
TV X X X Grande
Aberta exposição
na estréia,
eventuais
reprises.
Alguns
produtos
terminam
em dvd.
Internet X 70% de
tudo que é
colocado
na
internet
desaparec
e em 4
meses.
Celular X Alguma
exposição
no
lançament
o, depois
internet.
Obs: varia
muito de
acordo
com o
produto,
mas as
salas de
cinema
continua
m sendo o
grande
lançament
o de um
filme.
Tevês
pagam o
filme de
acordo
com seu
público
nas salas.
Cinema X X X X X Jornais,
revistas,
sites,
festivais,
críticas,
programa
s de tv,
todos
tratam de
cinema.
Dvds X Um filme
acordo
com seu
público
nas salas.
Cinema X X X X X Jornais,
revistas,
sites,
festivais,
críticas,
programa
s de tv,
todos
tratam de
cinema.
Dvds X Um filme
feito
exclusiva
mente
para dvd
tem, em
geral,
baixa
visibilida
de.
Cabo X X Varia
muito,
dependen
do do
projeto,
da tevê,
do tema,
etc.
TV X X X X Alta
Aberta visibilida
de na
estréia
(especial
mente na
própria
tevê),
revistas e
colunas
especializ
adas,
muitas,
todas
voltadas
ao
público
da tevê.
Internet X X Acesso
fácil,
universal
(youtube
do do
projeto,
da tevê,
do tema,
etc.
TV X X X X Alta
Aberta visibilida
de na
estréia
(especial
mente na
própria
tevê),
revistas e
colunas
especializ
adas,
muitas,
todas
voltadas
ao
público
da tevê.
Internet X X Acesso
fácil,
universal
(youtube
e outros),
excesso
de oferta.
Celular X
TEXTOS COMPLEMENTARES
Um Mercedes preto roda na noite. Reflexos da cidade passam pelo seu capô. Um letreiro
sobreposto indica:
1o DE AGOSTO DE 1954
0 HORA E 15 MINUTOS
O Mercedes está parado em frente à garagem do edifício, com os faróis acesos, em luz
alta. RAIMUNDO, um pernambucano magro de testa pequena, meio ofuscado pela luz,
passa pela frente do carro e abre o portão. O carro entra na garagem. Raimundo aperta os
olhos, ainda sem enxergar direito, e acena discretamente para o motorista, sem ter certeza
de tê-lo reconhecido. Depois, torna a fechar o portão.
Raimundo entra pela porta envidraçada do edifício. Olha rapidamente para fora, para os
dois lados da rua. Tranca a porta e entra.
CENA 1-5 - INT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: GARAGEM
TEREZA, uma morena baixinha, 25 anos, vestida de forma simples, surge dos fundos da
portaria.
TEREZA
Então, Raimundo?
RAIMUNDO
Vamos esperar um pouco.
TEREZA
Não vai chegar mais ninguém. Tá todo mundo dormindo.
RAIMUNDO
Mais uma hora, Tereza. Mais uma hora.
TEREZA
Amanhã eu tenho que acordar cedo.
Raimundo levanta-se cautelosamente, vai até a porta, abre-a e olha para os dois lados.
RAIMUNDO
Tá bem. Mas eu não posso demorar.
RAIMUNDO
Tem que deixar um pouco aberta. Alguém pode chegar.
Tereza continua abraçando e beijando Raimundo. Ele, aos poucos, vai entrando no clima.
De repente, ouve-se um grito de gozo. Sobre a cama, a mão crispada de Paulo. A mão
relaxa e fica imóvel. O braço, imóvel. O rosto contraído, olhos e boca abertos, língua para
fora entre os dentes, marcas de esganadura no pescoço. Paulo está morto. O colchão se
move: a outra pessoa levanta-se da cama. A música é interrompida. Som de agulha de
vitrola sendo levantada sem cuidado, arranhando um pouco o disco.
Por trás da cortina do box, formas indefinidas de alguém tomando banho. Em seguida, o
chuveiro é desligado. A cortina do box se abre e revela o peito musculoso de um homem
negro, com uma marca de dentada, pouco abaixo do mamilo esquerdo. O homem passa a
mão no ferimento, que sangra. Ele tem um grande anel dourado. Tira o anel e examina o
sangue em sua mão. Vai até a pia, coloca o anel ao lado do sabonete e lava as mãos. O
sangue escorre pela pia.
O encanamento desce, aparente, pelo quarto de Raimundo, um cubículo sem janelas, com
uma cama estreita e um pequeno armário sem porta. Raimundo e Tereza estão deitados na
cama. Ouve-se o som da casa de máquinas do elevador. Raimundo se ergue, apressado.
Abotoa a calça e a camisa.
RAIMUNDO
Vem descendo alguém. Fica aqui.
Raimundo chega apressado à portaria e olha para o ponteiro do elevador que vem
descendo. Raimundo senta em seu posto e fica olhando para o ponteiro. Não consegue
ver ninguém pela portinhola. O elevador passa direto para a garagem.
RAIMUNDO
(com expressão de tédio) Garagem...
Raimundo abre o portão da garagem. Fica esperando algum carro sair. Nada acontece. Ele
olha a garagem. Nenhum movimento.
Pés de um homem na portaria do prédio. Ele pára no saguão, como se olhasse em torno, e
sai do prédio.
CENA 1-12 - INT/NOITE - CATETE: CORREDOR/QUARTO DE GETúLIO
PALáCIO DO CATETE
1 HORA E 40 MINUTOS
O homem é GREGóRIO Fortunato, 50 anos, negro, forte, corpo volumoso. Veste paletó e
gravata.
Obs: atenção ao figurino: o público deve acreditar que se trata do mesmo homem que
saiu do Deauville na cena 1-11.
Gregório vem pelo corredor até parar em frente a uma porta fechada. Escuta. Abre uma
fresta na porta. GETúLIO Vargas está de costas, sentado na cama, de pijama. Gregório
fica um tempo parado, olhando para o presidente, com um ar de quase devoção. De
repente, ouve uma voz às suas costas.
MANUEL
Tenente Gregório?
Gregório volta-se, calmo, com uma ponta de ódio no olhar. Vê MANUEL, um negro
franzino, 25 anos, com uma bandeja na mão.
GREGóRIO
(encostando a porta) O que foi, Manuel? Não vê que o presidente está
tentando dormir?
MANUEL
O senhor precisa de alguma coisa?
MANUEL
(assustado) É que eu pensei que o senhor...
GREGóRIO
(autoritário) Volta pra cozinha, Manuel.
Manuel sai. Gregório dá mais uma olhada para o interior do quarto de Getúlio e fecha a
porta. Afasta-se lentamente.
Os 25 enredos mais bem pagos, por Charles Simmos (autor e editor americano)
Uma criança amadurece
Um vício-inexplicável é revelado uma virtude
Uma situação misteriosa é explicada
Uma identidade complexa é revelada
O herói é libertado de sua falsa crença
Uma recompensa material é procurada e uma espiritual é encontrada
A agressão se volta contra o agressor
O herói incompetente prova seu valor
Uma tarefa impossível é realizada
Uma tarefa possível é realizada
Amigos ou amantes e se reconciliam
A unidade ameaçadas da família é restabelecida
O mal de um homem mau prevalece
O herói bom-mau chega ao equilíbrio
O herói é tentado mas sua virtude vence
O herói encontra a paz
O herói escolhe a alternativa mais sábia ou a melhor pessoa
Garoto ganha a garota, garota ganha o garoto, um ganha o outro.
Garoto perde a garota, garota perde o garoto, um perde o outro.
O herói repara sua única falta (falha trágica)
A felicidade é abandonado em troca do dever
A dúvida sobre o herói é dissipada
Uma faceta da natureza humana é revelada
A fé ou esperança vital do herói diminui e é revivida
A validade da magia é estabelecida
HYPERLINK "http://gordianplot.com/index.php?
title=PLOTS_THAT_SELL_TO_TOP_PAY_MAGAZINES" http://gordianplot.com/
index.php?title=PLOTS_THAT_SELL_TO_TOP_PAY_MAGAZINES
2. Realismo custa dinheiro - por isso determine bem suas opções estéticas e atenha-se a
elas.
3. Se você não pode realizar um filme "no-budget" sem ter um orçamento e ater-se a ele.
Saiba o custo de tudo, saiba quanto você já gastou, saiba quanto você ainda vai precisar
gastar.
4. Faça tudo o mais legalmente possível - consiga licenças, escreva memorandos, trate
dos direitos autorais, liberações, permissões, etc. Não deixe que nada venha a atrapalhar a
obtenção da licença final para a exibição do seu trabalho.
5. Não faça acordos para conseguir dinheiro que façam com que você se sinta
desconfortável ou que possam comprometer muito sua liberdade - seja preciso, claro e
inequívoco quanto a sua linha criativa fundamental.
6. Não seja um idiota com sua equipe (há duas formas de ser idiota: ser rude ou ser
desorganizado e desperdiçar o tempo deles).
7. Se você deixar, as pessoas desaparecem. Alimente bem o elenco e a equipe - uma boa
alimentação é meio caminho andado para compensar o mau pagamento. E dez horas de
descanso entre os dias de trabalho não é um luxo, mas uma necessidade.
Trecho de primeira anotação para o roteiro de “Houve uma vez dois verões”
Chico, em Porto Alegre, recebe um telefonema. É Roza, quer encontrar com ele.
Decidem que um aborto é o melhor a fazer. Ela não tem grana e não pode pedir dinheiro
para o pai. O aborto custa mil e quinhentos reais.
Ele raspa a poupança, vende o som e o scaner, consegue mil reais. Juca empresta 500.
Chico encontra com Roza, ele entrega o dinheiro. Ela dá um beijo nele e desaparece.
Outro verão. Juca e Chico na mesma praia, jogam fliper. Chico finalmente consegue ficar
entre os dez melhores escores da máquina e vai escrever seu nome na lista. E vê que o
primeiro, segundo, quarto e quinto lugares da lista de recordes são de Roza. As datas dos
records são anteriores ao primeiro encontro dos dois.
Chico encontra Roza. Diz que descobriu tudo: ela é craque no fliper, estava mentindo
para ele. Ela confessa, aplicou aquela com trinta garotos no verão passado, ganhou uma
grana. Ela pergunta o que ele vai fazer. Ele quer transar com ela mais uma vez.
Chico em seu quarto, estudando e ouvindo música. Pára de ler e tira do bolso a ficha do
flíper. Fica rodando a ficha na mesa.
CHICO (OFF)
Voltei para Porto Alegre e tinha prova de química orgânica, um saco. Eu
podia descobrir as impressões digitais dela na ficha, se eu já não tivesse
segurado e esfregado esta ficha mil vezes. Ligações covalentes, pra que eu
vou usar isso na vida? Talvez ela já esteja na Austrália.
CHICO
Alô?
CHICO
É.
CHICO
Claro.
CHICO
Tudo.
CHICO
Como é que tu conseguiu meu telefone?
CHICO
Sei.
CHICO
Não, estava estudando.
CHICO
Química orgânica.
CHICO
Quero, claro.
CHICO
Sei. Que horas?
CHICO
Tudo bem.
CHICO
Tá.
CHICO
Outro.
Chico fala olhando para si mesmo no espelho enquanto experimenta várias camisetas.
Juca vai alcançando camisetas e jogando as já experimentadas na gaveta.
CHICO
Ela disse alô, eu disse alô, já achando que era ela mas não podia ser ela.
Ela disse é o Chico? e eu disse é, aí já achando que era ela mesmo. Aí ela
disse é a Roza. Com z, lembra? Eu disse, claro. Ela disse, tudo bom?, eu
disse tudo. Aí ela disse que queria me ligar mas não tinha o meu número.
Eu perguntei como ela conseguiu. Ela disse que encontrou uma amiga da
praia que tinha, deve ser a Violeta.
JUCA
Argh.
CHICO
Eu disse sei e ela perguntou se estava interrompendo alguma coisa, eu
disse não, eu estava estudando química orgânica. Aí ela perguntou se eu
queria encontrar com ela, eu disse que sim, claro, é lógico. Não, eu acho
que eu só disse quero, claro. Aí ela perguntou se eu sabia de um bar na
Nilópolis, um que tem umas mesinhas brancas e um toldo amarelo, perto
do posto.
JUCA
O Coquinho.
CHICO
O Coquinho. Eu disse sei e perguntei que horas. Ela disse oito, oito e meia.
Eu disse tudo bem, ela disse então a gente se vê lá. Eu disse tá. Ela disse
um beijo. Eu disse outro.
JUCA
Vai com a azul. No Coquinho só tem moinhos, a azul é mais moinhos. O
que tu vai dizer? Tem camisinha?
CHICO
A gente não vai trepar no Coquinho.
JUCA
(dá uma camisinha para Chico) Leva camisinha.
CHICO
Uma só?
JUCA
Ué? Não ia trepar e agora quer duas?
CHICO
Só se der algum problema. Tudo bem, uma chega, a gente não vai trepar.
JUCA
Tu sabe o que vai dizer para ela?
CHICO
Sei.
CHICO
Eu pensei muito naquela noite. Claro que eu nunca vou esquecer, tu sabe
disso. Talvez tenha sido mais importante para mim do que para ti, deve ter
sido. Mas eu queria que fosse importante para ti também. Queria não, eu
quero. Eu não quero que aquela seja nossa única noite. Quero que seja a
primeira.
JUCA
Tá legal. Gostei do "queria não, quero". Parece que tu errou e corrigiu na
hora. Mas a camiseta azul é melhor.
Chico, de camisa azul, está sentado numa mesa de rua no Coquinho. Bebe um guaraná,
de canudo. O guaraná tem aquele gelos furados, Chico espeta um gelo e larga o canudo
sobre o copo, com o gelo pendurado como um anel.
Chico fica olhando o gelo derreter pendurado no canudo. O gelo pinga magicamente no
exato ritmo da música "Bird on the wire".
O anel de gelo está quase se partindo. Chico passa os olhos pelo bar, nada de Roza. O
anel de gelo se movimenta, vai cair. O gelo cai no copo.
ROZA
Oi.
CHICO
Oi.
Chico se levanta. Beijam-se de maneira meio atrapalhada. Sentam. Chico sorri, Roza
também.
CHICO
Bom te ver.
ROZA
Também queria te ver.
CHICO
Eu pensei muito naquela noite.
ROZA
Eu não pensei nada, acho que estava louca. A gente nem usou camisinha.
CHICO
Não, eu quero dizer que eu pensei muito sobre aquela noite. Claro que eu
nunca vou esquecer, tu sabe disso.
ROZA
Nem eu vou esquecer. Eu estou grávida.
ROZA
Olha aqui. Se ficar vermelho, ou cor de rosa, é porque tu não tá. Se der
verde, ou azul, é porque tu tá. Quanto mais azul, mais é certo que tu tá
grávida.
CHICO
E aí?
Ela mostra, numa agenda, uma tirinha de papel, metade branca, metade verde, bem
clarinho. Chico examina a tirinha na luz.
CHICO
É meio verde mesmo.
ROZA
Essa foi a primeira que eu fiz, semana passada. Esta eu fiz ontem.
Ela mostra a ele um folha da agenda com várias tirinhas, todas muito azuis.
Uma PAI e uma MÃE com seu TRÊS FILHOS estão comprando pipocas. Chico olha
para as crianças enquanto fala com Roza.
ROZA
Eu vou tirar.
CHICO
Como?
ROZA
Vou abortar.
CHICO
Mas como?
ROZA
Numa clínica. Uma amiga minha conhece.
CHICO
Não é perigoso?
ROZA
Sempre é, um pouco. Ela disse que é um lugar chique, sala de espera,
cheio de gente, na zona sul.
CHICO
Como é que faz?
ROZA
É uma máquina, um tubo, tipo um aspirador. O cara enfia o tubo, liga a
máquina e pronto.
CHICO
Pode ser perigoso.
ROZA
Se eu fizer logo, não é tanto, quanto mais cedo, menos perigoso.
CHICO
Eu posso te ajudar?
ROZA
Não sei. Tu tem mil reais?
CHICO
Mil reais? Custa mil reais?
ROZA
Custa dois mil reais. Eu acho que consigo mil, já tenho seiscentos.
CHICO
Mil reais?
ROZA
Mil reais. Eu posso conseguir mais um pouco se vender o celular.
CHICO
Tu tem celular?
ROZA
Tenho, mas é de cartão. (anota o número, dá o papel a ele) Me liga. Se eu
conseguir mais que mil, te aviso. Se tu me ligar e outra pessoa atender é
porque eu vendi o celular.
CHICO
Tá.
CHICO
Eu acho que ia ser legal ter um filho contigo.
ROZA
É. Quem sabe, mais tarde.
CHICO
É.
CHICO (OFF)
O filho que eu não vou ter com Roza nunca vai mentir para a mãe que o
amplificador estragou para poder vender por seiscentos um amplificador
que vale mil e juntar com o dinheiro da poupança para pagar um aborto.
Chico e Roza numa mesa do bar. Ela chora, ele conta o dinheiro. Termina de contar, põe o
dinheiro na agenda dela.
CHICO
Falta duzentos. Vou pedir para o Juca, talvez ele tenha.
ROZA
Melhor não dizer para ninguém. Eu consigo.
CHICO
Quer que eu vá contigo?
ROZA
Não precisa. A minha amiga vai, ela tem carro.
CHICO
Quando tu vai?
ROZA
Logo que der. Eu te ligo.
CHICO
Liga?
ROZA
Ligo.
Chico em sua casa, sentado, olha o telefone. Ele pega o telefone e confere o botão que
regula a altura do toque, põe no volume máximo. Larga o telefone.
Levanta-se, caminha pelo quarto, pega um game-boy, liga. Fica jogando game-boy alguns
segundos. Desliga o jogo e vai até o telefone. Confere o fio do telefone, verifica se está
bem conectado na parede. Pega o fone e escuta rapidamente. Desliga e fica olhando para
o telefone.
Pega o telefone e disca.
CHICO
Roza?
CHICO
Marcos? Tu tá com a Roza?
CHICO
Ah, é? Quando?
CHICO
E... tu conhece a Roza de onde?
CHICO
Ah, é?
CHICO
Não, ela me falou que ia vender o celular, mas não pensei que fosse tão
rápido. Ela não te deixou nenhum número?
CHICO
Bom, se ela ligar tu podia dar um recado?
CHICO
Tudo bem, eu sei que ela não vai ligar, mas SE ela ligar, tu pode dizer que
o Chico telefonou?
CHICO
Tá bom, obrigado.
JUCA
Quem disse que o filho era teu?
CHICO
Não enche o saco.
JUCA
Tô falando sério. Quem disse que era teu?
Juca tem um espaço certinho para uma pedra comprida de quatro, vermelha. Mas ela não
vem.
CHICO
Eu sei que era meu. Ela sabia.
JUCA
Sabia que precisava de mil reais, isso é que ela sabia. Pode ter pedido pro
outro cara, ele não deu, ela te procurou.
CHICO
Era meu. Eu sei que era.
O espaço da pedra de quatro continua vago, Juca empilha as outras pedras nos cantos.
JUCA
Ela vendeu o celular.
CHICO
Ela disse que ia vender.
JUCA
Ela não te ligou, não te deu endereço. Tu não acha estranho?
CHICO (OFF)
Achei estranho. Passou uma semana e eu achei muito estranho. Passou um
mês e eu tive certeza que ela estava na Austrália, rindo da cara do idiota
que pagou o aborto para ela.
CHICO (OFF)
Passou um ano e eu estava no mesmo flíper, jogando na mesma máquina,
na mesma praia, a maior e pior do mundo. Felizmente era dezembro, o
meu pai juntou uma grana este ano. Prometeu que no ano que vem nós
vamos tirar férias em janeiro. Meu recorde no pimbal era quarenta e oito
mil e eu já estava com cinqüenta e seis. Sessenta! Sessenta e dois mil.
Sessenta e quatro!
CHICO
Setenta mil!
Juca se aproxima.
JUCA
Setenta mil?
CHICO
Setenta e dois!
CHICO
Merda!
JUCA
Recorde da máquina!
O cursor do placar dos recordes está piscando no décimo lugar. O primeiro, segundo,
terceiro, quinto e sétimo lugares estão ocupados por Roza, com z. O placar também
indica as datas dos recordes.
CHICO
Ela sabia jogar, sabia jogar muito bem. Ela fingiu que não sabia para eu
ajudar.
JUCA
Talvez o filho fosse teu.
CHICO
Que filho? Ela nem tava grávida.
JUCA
Tu disse que viu o exame.
CHICO
Vi umas tirinhas de papel, podia ser qualquer coisa. Ela me fez vender meu
pioneer. Eu vou matar aquela guria.
JUCA
Esquece.
CHICO
Esquece um cacete.
JUCA
Ela deve estar na Austrália.
CHICO
Eu encontro.
O ônibus passa pela estrada entre dunas e lagoas. Chico, com a cara grudada o vidro, olha
os fios que correm ao lado da estrada. Parece que é o fio que se move, descendo e
subindo, uma linha preta embarrigando sobre um céu azul e nuvens ralas.
Música.
Chico caminha por uma calçada cheia de gente, mesas nas calçadas. Uma guria está
chorando, outra guria consola. Um gordo ri alto. Um Garçom traz dois chopes.
Chico pede carona. Uma kombi, dirigida por uma freira, pára. Ele embarca na kombi.
Chico, com uma cara de enjôo, tenta sorrir para suas companheiras de viagem, 6 freiras.
Chico passa mal e vomita.
Chico desce da kombi no meio da estrada. As freiras partem, xingando. Chico volta a
pedir carona.
Chico senta numa mesa de bar. Come um sanduíche. Ouve o barulho de um pimbal,
alguém jogando muito bem. Chico interrompe a mordida no meio. Entra no flíper.
(últimos acordes da música).
Chico se aproxima por trás da máquina onde há alguém marcando muitos pontos. Chico,
de longe, espia quem está jogando.
É uma criança. Chico morde o sanduíche. Chico pára de mastigar, parece ter reconhecido
a criança. Aproxima-se.
CHICO
Oi.
CRIANÇA
Não atrapalha.
CHICO
Eu te conheço.
CRIANÇA
Sorte tua.
CHICO
A gente não se viu no ano passado?
CRIANÇA
Game-over! Tu me atrapalhou. Tu me fez perder uma ficha!
CHICO
Eu te compro outra.
Chico vai até o caixa. Pede uma ficha a moça do caixa. É Roza.
ROZA
Ó.
CHICO
Ó.
A Criança está dormindo no sofá de um pequeno apartamento de hotel. Roza tira o som
de uma televisão portátil. Chico está na sala Roza vai até o quarto, pega a carteira, tira o
talão de cheques. Chico pára na porta do quarto.
ROZA
Quer os juros da poupança?
CHICO
Quero. Quanto dá?
ROZA
Tu me deu oitocentos, faz um ano. Acho que dá uns mil.
CHICO
Tá bom.
CHICO
Esse cheque tem fundo?
ROZA
Vou botar o telefone atrás. Tá bom assim?
Ela entrega o cheque a ele.
CHICO
(ele confere) Outro celular? É teu mesmo?
ROZA
(mostra o celular) Quer conferir?
CHICO
Quero.
Chico senta na cama, pega o telefone do quarto e disca. O celular dela toca.
ROZA
Quer que eu atenda?
CHICO
O que tu ganhou com isso?
ROZA
No verão passado? Catorze mil reais. Vinte e dois caras, quinze caíram.
Estou devolvendo mil. Ganhei catorze mil.
CHICO
Vinte e dois caras?
ROZA
Vinte e três, na verdade. Mas um eu nem procurei, ele trabalha de office-
boy, sustenta a mãe e o irmão, só descobri depois. Deixei para lá.
Roza pega um vidro de mertiolate, abre. Roza senta numa cadeira e apía o pé sobre a
cama. Começa a passar mertiolate entre os dedos do pé.
CHICO
Tu não ficou com medo de engravidar de verdade?
ROZA
Eu tomo pílula.
CHICO
E a aids? Se o cara usa camisinha, não funciona.
ROZA
É um risco. Mas eu só escolho caras de pouca experiência. Ou nenhuma,
como tu.
CHICO
Dava para ver assim, de longe?
ROZA
Quase sempre dá. Mais alguma coisa?
CHICO
Ele é teu filho?
ROZA
Meu irmão.
CHICO
E a tua mãe?
ROZA
Não sei onde anda. Meu pai morreu.
CHICO
Não tem mais ninguém?
ROZA
Onde?
CHICO
Tua família.
ROZA
Tenho um tio. Um idiota.
CHICO
Isso tudo não dá muito trabalho? Porque tu não cobra para transar? É mais
prático.
ROZA
E tu acha que alguém ia pagar mil reais para transar comigo?
Chico olha para ela. Pega o cheque e rasga e pedacinhos. Joga os pedacinhos do cheque
sobre cama. Ela fecha e larga o vidro de mertiolate.
Roza, abrindo a blusa, vai até a porta do quarto e se certifica que a criança está dormindo
na sala. Fecha a porta do quarto.
A blusa de Roza cai no chão, junto aos tênis de Chico. A colcha da cama cai e provoca
uma revoada de pedacinhos de cheque.
Manhã, quase ninguém na rua. Chico caminha por um campo de minigolfe. Entra numa
das pistas. A pista, de cimento, tem como obstáculo um grande calombo. Chico chuta
uma tampinha, posiciona a tampinha no centro da pista. Chico observa o trajeto que a
tampinha deverá fazer para chegar no buraco, além do calombo. Chico olha para a
tampinha e dá um chute, seco.
Trezentos filmes com grandes roteiros, em ordem alfabética pelo sobrenome do diretor:
Quem pretende ser pago para contar histórias não pode ficar esperando visitas da Musa,
ela tem mais o que fazer.
I . Contra o originalidade.
Uma vez um jovem repórter perguntou para o Einstein se ele tinha um caderno onde
anotava suas idéias. Resposta: "Idéias, meu filho, eu tenho bem poucas" (1). Idéias são
raras, meia dúzia de boas dão e sobram para uma vida ou duas. Einstein era um gênio que
sabia que o mais valioso poder da mente é o de relacionar idéias e não propriamente de
criá-las. O número de idéias já existentes é mais do que suficiente para ocupar o cérebro
de qualquer um (2). Enquanto idéias não surgem, o melhor a fazer é tentar conhecer e
misturar idéias já nascidas, de preferência uma mistura de forma e proporção incomum
ou, melhor ainda, inédita, a ponto desta mistura poder até ser chamada de nova, embora
provavelmente os gregos já tenham tido uma idéia igualzinha, e antes deles os chineses e
os hindus.
Para conhecer e misturar idéias, primeiro é preciso encontrá-las. A vida real, os livros, a
música, as artes plásticas e o cinema são, nesta ordem, os cinco melhores lugares para
encontrar idéias. Idéias nascem no terreno pantanoso que separa certezas e dúvidas.
Certezas e dúvidas são bem mais freqüentes e não menos valiosas que as idéias, a ciência
e a arte vivem de sua luta constante. Na ciência as idéias vêm da natureza, obedecem leis,
valem até que surja uma idéia melhor e então viram refugo. Na arte, que é tudo que a
natureza não é, criar e transformar são sinônimos. A arte não é substitutiva, não se
desinventa nem se perde. Um bom laboratório pode identificar traços de Noel em Chico,
Glauber em Caetano, Cèzanne em Picasso, Lubisch em Billy Wilder, Montaigne em
Borges, Shakespeare e Cervantes em todo mundo. Um laboratório melhor pode achar
traços de Giotto em Caetano, Picasso em Billy Wilder, Borges em Chico. Há algo de
todos em todos, desde sempre e, espero, para sempre.
Numa maravilhosa entrevista sobre o conto (3), Jorge Luis Borges afirma não acreditar,
ao contrário da teoria de Edgar Allan Poe (4), "que a arte, a operação de escrever, seja
uma operação intelectual". "Penso", diz Borges, "que é melhor que o escritor interfira o
mínimo possível em sua obra. Isto pode parecer estranho, mas não é". Borges lembra que
esta é a doutrina clássica: Homero, "ou os gregos a quem chamamos de Homero", sabiam
que o poeta não inventa nada, ele é simplesmente "o amanuense de algo que ignora e que
em sua mitologia particular chama de a Musa" ("Canta, Musa, a cólera de Aquiles").
Borges continua: "Os hebreus preferiram falar de Espírito, e nossa psicologia
contemporânea, que não sofre de excessiva beleza, de subconsciência, inconsciente
coletivo, ou algo assim".
Ter idéias, portanto depende da Musa ou Qualquer Coisa Assim (não tenho o e-mail nem
telefone de contato).
Não ter idéias, ao contrário, só depende de você. Há várias maneiras de não ter idéias.
Seja reverente. O que já existe é ótimo e suficiente, para que trazer ao mundo mais
idéias? A chance que você tem de produzir algo realmente significativo (como
Aleijadinho, Freud, Marx ou Aristóteles) é praticamente nenhuma. Há livros demais no
mercado, filmes e quadros demais, há mercado demais. Você não precisa fazer mais nada.
E creia. Acredite no que diz o livro, a imprensa, o cinema, os artistas, os líderes políticos,
religiosos e empresariais. Acredite que um líder que é ao mesmo tempo político e
empresarial pode ser também um líder religioso. Acredite que tudo pode ser diferente se
você fizer tudo exatamente igual. Acredite em tudo, sem parar. Ou descreia de tudo, sem
parar. Nada fará diferença. Esqueça de você e pense no outro, a vida do outro, a dor do
outro, a idiotice do outro, a sua não importa. Desconhece-te a ti mesmo.
Idéias dependem da encomenda. Ter uma idéia para quê? Para o almoço? Para um
presente? Para um filme, um quadro? Autores que escrevem/pintam/filmam porque
querem são uma moda bem recente, quase toda a arte produzida pelo homem até o século
XIX foi sob encomenda: Giotto, Cervantes, Rembrandt, Velazquez, Michelangelo,
Mozart, Aleijadinho, só trabalharam sob encomenda. O melhor cinema americano
(1910-1960) foi todo feito sob encomenda, ninguém pensava estar fazendo arte, apenas
cumpriam prazos e orçamentos. Shakespeare escrevia por encomenda, quase sempre
adaptando histórias conhecidas, com prazo de entrega e exigências diretas da trupe. Tem
que ter nove personagens. Tem que ter uma cena com cachorro e outra com pirata. Tem
que ter beijo e duas músicas. E é para sábado. Assim, e ainda atuando (nos papéis que
tinham as falas mais complicadas mas não exigiam muita ação) e fazendo negócios
(morreu rico, sócio da companhia, do teatro, dono de terras e de uma das melhores casas
da cidade), ele produziu a maior obra de um ser humano. E mudou o mundo.
"Não se envergonhe de ser um artesão, isto não te impedirá de ser um gênio" (Delacroix).
Muitas das criações de Shakespeare surgiram a partir de detalhes técnicos. O novo teatro
tem um lugar para um conjunto de músicos? Que tal um pouco de música na peça? Pouca
gente percebe a importância da técnica na criação artística. É mais sedutor falar em
inspiração, revolta e originalidade, do que falar em prensas, grifas ou tipos de papel. Mas
uma prensa mudou a literatura, uma grifa (5) criou o cinema e um novo tipo de papel
mudou a história do mundo. O códex, que hoje chamamos de livro, com páginas cortadas
e costuradas, foi inventado provavelmente no século I, provavelmente pelos cristãos,
membros da classe baixa e iletrada no império romano. O livro se tornou possível com a
invenção de papéis mais resistentes, capazes de serem cortados em folhas e costurados.
Os antigos textos do Tanach (6) judeu eram escritos em peles de animais e guardados em
rolos, dentro de potes de cerâmica ou caixas de madeira. Os cristãos usaram a nova
mídia, o livro, para divulgar sua religião, como hoje usam as rádios e a televisão aberta.
Os livros costurados, ao contrário dos potes de cerâmica que guardavam os rolos do
Tanach, determinam uma ordem linear e imutável para a leitura dos textos: primeiro
Gênesis, depois Êxodo, etc. Talvez seja de montagem a principal diferença entre o Antigo
Testamento cristão e os livros do Tanach judeu. No Antigo Testamento o livro dos
Profetas (que anunciam a chegada do Salvador) foi para o final, imediatamente antes do
Novo Testamento. A montagem cristã é assim: Ele virá, alguém chega e, portanto, deve
ser Ele. Na leitura dos judeus (com rolos em potes, a montagem dos judeus é não-linear,
como nos editores digitais de imagens) os Profetas vinham no início: ele virá, não chega
ninguém e segue o drama. A tecnologia sempre altera a arte e a linguagem.
Atualização: as câmeras de alta resolução (Red, Alexia, e a decupagem).
Figura 1
Figura 2
Antes de virarem luz e som, as idéias devem virar palavras, escritas no roteiro. É por isso
que a regra única do bom roteirista, que deveria estar tatuada no dorso das mãos, é:
“Tudo o que está escrito no roteiro deve ser visível ou audível. Exceção: nenhuma”.
Parece óbvio e simples. É óbvio, mas não é nada simples. Volta e meia me pego
escrevendo uma cena: “João acorda e Maria não está no quarto”. Isto não é roteiro, é
literatura. Num roteiro, “não está no quarto” não significa nada. Maria não está no quarto,
Muhammad Ali não está no quarto, Skip, o Canguru, não está no quarto. Quarto: João
acorda, sozinho. Se o roteirista escreve que “Maria não está no quarto” segue o texto
pensando que Maria já existe em algum lugar. Mas Maria, que não está no quarto, é um
item de uma lista de ausências. No cinema, ou vemos e ouvimos Maria, ou não há Maria
alguma.
Figura 3
A idéia A (do autor) vira roteiro, a equipe transforma o roteiro em filme, que tem imagem
e som. Esta imagem e este som entram na cabeça do espectador, que forma a idéia B. A
diferença entre a idéia A e a idéia B pode ser chamada de número de Wilder. (Em
homenagem a Billy Wilder, roteirista e diretor. Seus filmes têm, para mim, a menor
distância possível entre intenção e gesto, A menos B é igual a zero.) Algumas raras vezes
o filme na cabeça do espectador é mais interessante do que era na cabeça do autor (A<B:
a equipe ou a imaginação do espectador melhoraram muito o roteiro). Muitas vezes a
realidade transformou tanto o roteiro que pouco sobra da intenção original (A>B). Paulo
José diz que o roteiro é a tese, as condições de produção são a antítese e o filme é a
síntese.
Menos a lingüiça, que tem dois. Um filme tem uma duração. No cinema, como na música
- e ao contrário da literatura e das artes plásticas - o tempo de apreensão da informação é
determinado exclusivamente pelo autor. Buñuel dizia que o filme devia respeitar a
inteligência e também a bexiga do espectador e, portanto, não devia ter mais que uma
hora e meia. Há alguns raros bons filmes que não contam história alguma, filmes que
dialogam mais com as artes plásticas e menos com as artes dramáticas. Os filmes
narrativos, que contam uma história, não deveriam durar mais do que a história. É
preciso, portanto, descobrir qual é a história: quem quer o quê? Quando o personagem
consegue o que quer - ou desiste de tentar, ou o que ele quer não mais existe - a história
termina.
Gosto muito do curso rápido de dramaturgia que o Rei de Copas dá a Alice na cena do
julgamento, quando ela pergunta como contar uma história: “Comece do começo. Vá até
o fim. E então pare!”
Cinema cria imagens, leitura cria imaginação. Quem quer fazer cinema deveria ler muito,
especialmente livros bons, alguns até sobre cinema.
É claro que nenhuma destas onze idéias é inteiramente original. Algumas foram achadas
na rua, muitas dentro de casa, outras em livros, músicas, quadros, filmes. De algumas
fontes eu não perdi o rastro. Aqui vão.
Notas:
(1) Imagine que maravilha poder perguntar alguma coisa para o Einstein. Se tivesse a
chance, o que você perguntaria?
(2) "O que os românticos chamam de genialidade ou talento ou ainda inspiração não é
nada mais do que encontrar a estrada certa seguindo o faro de alguém, só que pegando
atalhos." (Italo Calvino). "É melhor partir de um clichê do quer terminar nele." (Alfred
Hitchcock)"Tudo o que não é tradição é plágio." (Eugene d'Ors) "A originalidade é a
volta à origem." (Antonio Gaudi) "O clássico que escreve sua tragédia observando certo
número de regras que conhece é mais livre que o poeta que escreve o que lhe passa pela
cabeça e é escravo de outras regras que ignora." (Raymond Queneau)
(3) Entrevista de Jorge Luis Borges ao jornalista peruano Américo Cristófalo, publicada
no Brasil pela revista Porto e Vírgula, com tradução de Charles Kiefer.
(4) Poe dizia ter escrito "O Corvo" seguindo regras rígidas de construção, como quem
faz uma máquina de produzir melancolia ("o mais legítimo entre os tons poéticos"). O
tema escolhido deveria ser, portanto, a morte de uma mulher bonita, "sem dúvida o
argumento mais poético do mundo". Gosto da idéia (achei lendo Vonnegut, que deve ter
achado lendo Aristóteles) de que um texto é uma máquina, mas concordo com Borges
(nisso e em tudo mais) quando diz que a explicação de Poe sobre a feitura de "O Corvo"
é uma brincadeira, tão divertida quanto o método investigativo de Auguste Dupin, o
primeiro dos detetives, criação de Poe nos "Crimes da Rua Morgue".
(5) A grifa é uma peça das câmeras e dos projetores de cinema, uma espécie de garfo que
se encaixa nas perfurações do filme e o faz avançar. Antes da grifa os irmãos Lumière só
conseguiam fazer filmes borrados. O filme avançava de maneira contínua, mesmo
quando o obturador estava aberto, e por isso a imagem não ficava nítida. Louis Lumière
lembrou que o mesmo problema acontecia nas máquinas de costura, o tecido rasgaria se
avançasse enquanto a agulha o perfura. Na costura o problema foi resolvido com uma
grifa, que faz o tecido se mover e parar em frações de segundo. Era isso que eles
precisavam, uma grifa. Lumière disse que a idéia de usar a grifa nas câmeras e
projetores lhe surgiu numa noite de insônia, em 1894: "Eu estava meio doente e tive que
ficar de cama. Uma noite em que não conseguia dormir, a solução se apresentou
claramente a meu espírito".
(7) Roget achava que o fenômeno era puramente orgânico, que a imagem de um objeto
permanecia na retina por um tempo que variava de 1/20 à 1/5 de segundo. Se fosse
assim, o cinema seria impossível, as imagens iriam se embaralhar no cérebro. Mas em
1912 Max Wertheimer e Hugo Munsterberg descobriram que se trata de um fenômeno
também psicológico, uma espécie de ponte criada pelo cérebro entre uma imagem e
outra. Eles deram a isto o nome de fenômeno Phi. A persistência retiniana, percebida por
Roget, faz com que o tempo entre as imagens não seja percebido, mas quem cria a ilusão
de movimento é o tal fenômeno Phi. Sem ele, não haveria cinema.
(8) Verdade? Mentira! A fotografia reproduz parcialmente um ponto de vista num local e
num momento específico. Um filme sobre uma vida não é uma vida, assim como a
fotografia de uma cadeira não é uma cadeira e a pintura de um cachimbo não é um
cachimbo. Mas um quadro que representa uma cadeira sempre contém uma dúvida: o
artista pintou uma cadeira que via ou uma cadeira que imaginava? O quadro é a
imitação de uma idéia ou de uma cadeira real? Por mais realista que seja a pintura, a
intermediação da subjetividade do artista está sempre presente. Isto não acontece no
cinema, ao contrário. Na fotografia, e ainda mais no cinema, a imagem de uma cadeira
sempre leva a crer a existência de uma cadeira real e possível de ser fotografada. A
fotografia (e mais ainda o cinema) nos força a uma ilusão: eu estou vendo uma cadeira,
logo existe uma cadeira. A mimesis é camuflada pelo caráter mecânico e aparentemente
não subjetivo da linguagem fotográfica. Todos nós sabemos que esta não-subjetividade é
falsa. E na era das imagens digitais é cada vez mais falsa.
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No site da CCPA, na página de cada filme pode ser encontrado o seu roteiro, alguns em
várias versões. Por exemplo, aqui a página de “Houve uma vez dois verões”, em duas
versões:
HYPERLINK "http://www.casacinepoa.com.br/os-filmes/produção/longas/houve-uma-
vez-dois-verões"http://www.casacinepoa.com.br/os-filmes/produ%C3%A7%C3%A3o/
longas/houve-uma-vez-dois-ver%C3%B5es
Escritório de Direitos Autorais (EDA) da Biblioteca Nacional, onde devem ser feitos os
registros de roteiros:
HYPERLINK "http://www.bn.br/portal/?nu_pagina=25"http://www.bn.br/portal/?
nu_pagina=25
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HYPERLINK "http://en.wikipedia.org/wiki/Screenwriting" \l
"The_sequence_approach"http://en.wikipedia.org/wiki/
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Roteiro de Cinema, editado por Fernando Marés de Souza desde junho de 2002, ótimo
portal com muitos links e fontes de pesquisa:
HYPERLINK "http://www.roteirodecinema.com.br/"http://
www.roteirodecinema.com.br/
SCRIPT-O-RAMA
HYPERLINK "http://www.script-o-rama.com/oldindex.shtml"http://www.script-o-
rama.com/oldindex.shtml
Site bastante completo com centenas de roteiros disponíveis para download. Em inglês.
HYPERLINK "http://inflow.corky.net/"INFLOW'S
HYPERLINK "http://inflow.corky.net/scripts/"http://inflow.corky.net/scripts/
Dezenas de rorteiros para dowload, Monthy Phiton, Tarantino, Kubrick, irmãos Cohen
(inclusive Fargo). Em inglês.
- Direitos
Como e onde registrar: cópia datilografada, com as páginas numeradas e rubricadas, uma
a uma. Fundação Biblioteca Nacional.
Escritório de Direitos Autorais (EDA) da Biblioteca Nacional, onde devem ser feitos os
registros de roteiros:
HYPERLINK "http://www.bn.br/portal/?nu_pagina=25"http://www.bn.br/portal/?
nu_pagina=25
- Últimas Palavras
. Questione suas escolhas. Pergunte sempre por que fazer qualquer coisa. Pergunte
sempre por que não fazer qualquer coisa. Experimente outras possibilidades.
“Quando alguém nos contrata para escrever um roteiro está nos fazendo um elogio de
proporções inimagináveis. Estão nos pagando para colocar marcas pretas numa folha de
papel. Estão nos dizendo, “Aqui tens um monte de dinheiro… agora nos conte uma
história”. Se conseguirem encontrar um trabalho mais extraordinário do que este, por
favor digam-me.” J. Michael Strackzynski.
. Pense sempre que seu filme vai ter um público. Igor Stravinsky: "...a arte requer
comunhão, e o artista tem necessidade imperativa de levar outros a participarem da
alegria que ele experimenta".
. Lembre-se que um set de filmagem é normalmente um péssimo lugar para ser "criativo".
Muito barulho, muita gente, pouco tempo. Em casa, escrevendo o roteiro, você tem
tempo e condições para, no roteiro, fazer e refazer uma cena. Para isso, você só precisa de
papel, lápis e borracha. Não custa nada. Fazer e refazer uma cena no set de filmagem ou
numa ilha de edição custa muito dinheiro.
. Com as câmeras digitais, os editores digitais e a internet, não há desculpa aceitável para
não fazer um filme.
. Oscar Wilde: "Um pouco de sinceridade é uma coisa perigosa, e muita, é absolutamente
fatal."
. Kurt Vonnegut: "Se querem realmente magoar seus pais e não tem coragem de se tornar
gays, o mínimo que podem fazer é entrar para as artes. Não estou brincando. As artes
não são uma maneira de ganhar a vida, são uma maneira de tornar a vida mais
suportável. Cantem no chuveiro. Dancem ao som do rádio. Contem histórias. Escrevam
um poema a um amigo, até mesmo um poema horrível. Façam isso da melhor maneira
que puderem. Receberão uma enorme recompensa. Terão criado algo."
. “Tentaste sempre. Sempre falhaste. Não te aborreça. Tenta de novo. Falha de novo.
Falha melhor.” Samuel Beckett.
18.10.08
© Jorge Furtado
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