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Módulo I

#CAPÍTULO 1: Apresentação

- Etapas da realização de um filme.


- Etapas de realização de um roteiro.
- O que é roteiro.
- O que não é roteiro.

#CAPÍTULO 2: A escritura do roteiro

- O roteiro como instrumento de trabalho.


- Regras e exceções.

#CAPÍTULO 3: A linguagem cinematográfica

- Cinema, o que é e como funciona.


- Elementos da linguagem cinematográfica.
- Arranjos e combinações de elementos.
- Limites do roteiro, roteirista x diretor.

#CAPÍTULO 4: Personagens

- Os personagens.
- Caracterização.
- O ponto de vista.
- As funções dramatúrgicas.
- Os personagens da Comedia dell’Arte

#CAPÍTULO 5: Ação dramática

- O Começo.
- A situação dramática.
- A cena: limites de tempo e espaço.
- Passado, presente e futuro: motivo, intenção e objetivo.

#CAPÍTULO 6: História e Narrativa

- Qual é a história? O que é uma boa história?


- "Lector in Fábula": princípios de narratologia.
- Clichês e arquétipos.
- Estabilidade, alteração, conflito, ajuste.
- Intenções secundárias.
- Antecipação e suspense.
- Quem sabe o quê? Quando e como sabe?
- Os três atos.
- O Fim.

Módulo II

#CAPÍTULO 7: Gêneros

- Documentário, ficção e misturas.


- A mimesis camuflada.
- Tragédia, comédia, drama e misturas.

#CAPÍTULO 8: Adaptações

- Tudo pode virar filme: romances, peças teatrais, contos, biografias, crônicas, poemas,
ensaios, quadrinhos, músicas, pinturas, notícias, games, piadas. (“Fazer samba filme não
é contar piada e que faz filme assim não é de nada”)

#CAPÍTULO 9: Formatos

- Roteiros de curta, média e longa-metragens.


- Roteiros de séries, sitcons, minisséries, novelas.
- Games.

#CAPÍTULO 10: Mídias

- Cinema, televisão, internet, dvd, celular, semelhanças e diferenças.


#CAPÍTULO 11: Bibliografia

#CAPÍTULO 1: APRESENTAÇÃO

“Se você não está em dúvida é porque foi mal informado”. Pasquim.

Sobre conteúdo e velocidade: Woody Allen e a leitura dinâmica.

Ser radical, ser original.

Como se escreve um roteiro de cinema?

Esta pergunta sugere a existência de um método. Um método sugere regras.

Se pensarmos em “regra” como “fórmula, algo que indica o modo correto de fazer algo”,
ou ainda como “aquilo que foi determinado, ou se tem como obrigatório, pela força da
lei, dos costumes”, neste caso podemos afirmar com certeza que não existem regras
para escrever um bom roteiro.

Mas se pensarmos em “regra” com “medida” (do latim, regula, régua de pedreiro ou
carpinteiro, usada para aferir e tornar reta uma superfície), aquilo que pode servir de
modelo, exemplo, padrão, princípio, neste caso existem algumas regras para escrever um
bom roteiro.

O roteiro é uma das várias etapas da realização de um filme. Digamos que sejam onze.

11 Etapas da realização de um filme.

1. IDÉIA

"Representação mental de uma coisa concreta ou abstrata, concepção intelectual,


lembrança."

Um filme começa com uma idéia. Lembre-se que você precisa de centenas de idéias para
fazer um filme, mas alguma tem que ser a primeira. “Tive uma idéia para um filme”. Que
idéia é essa?

. uma situação dramática. Édipo, Hamlet, Romeu e Julieta, Cabra Marcado para
Morrer, Oréstia.

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MERGEFORMATINET

Clitemnestra hesita antes de matar Agamenon adormecido. Ao seu lado, Egisto a incita
para que o execute. Óleo de 1817, obra de Pierre-Narcisse Guérin.

Oréstia, de Ésquilo.

Agamenon entrega Ifigênia em sacrificio aos deuses. Clitemnestra, para vingar a morte da
filha, mata o marido. Orestes, filho de Agamemnon e Clitemnestra, vinga a morte de seu
pai assassinando sua mãe e também seu amante Egisto. A trilogia de Ésquilo
(Agamemnon, Coéforas e Euménides) termina com o julgamento de Orestes, que termina
num empate. A deusa Atena dá o voto de desempate (em Roma, o “voto de Minerva”) e
absolve Orestes, que foi vítima de “leis contraditórias”. A decisão de Atena dá fim a
sucessão de vinganças.

. um personagem, ou mais de um, e a relação entre eles. Amadeus (e Salieri), Taxi


Driver, Hora da Estrela, The Office, Cazuza, Gray Garden, Santiago.

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MERGEFORMATINET

Santiago, de João Moreira Salles.

. um ambiente. Social, histórico, profissional, familiar. Cidade de Deus. Fibra, de


Fernando Belens. Ilha das Flores. Séries ambientadas em hospitais, redações de jornal,
delegacias, etc. Tire Dié, de Fernando Birri.

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tire_die_1_thumb.JPG" \* MERGEFORMATINET

Tire dié, de Fernando Birri.

. um ângulo pitoresco dos costumes humanos. Eu, tu, eles, o “filme chinês dos
limpadores de trilhos no deserto”, Pantaleão e as visitadoras.
INCLUDEPICTURE "http://3.bp.blogspot.com/_bSkzAZ9K6Ps/TKyN59yb9CI/
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Pantaleão e as Visitadoras, de Francisco Lombardi.

. um conceito narrativo ou dramático. Buñuel e a repetição. Fragmentação, HQC. Toda


a memória do mundo (ver em aula). Esta não é a sua vida. Um dos três. Retrato Falado.
Você Decide. O Feitiço do Tempo, de Harold Ramis.

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O Feitiço do Tempo, de Harold Ramis.

. um tema. No caso de uma série de tv, por exemplo, Sex and the City, Mad Men, House,
Bicho Homem.

INCLUDEPICTURE "http://themodernguilt.files.wordpress.com/2010/07/
madmen1-730316.jpg" \* MERGEFORMATINET

Mad men, criada por Matthew Weiner.

. uma imagem. Barbosa. Busby. (ver em aula)

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AAAAAAAAAC4/qxUjUHPvL7Y/s400/4+-+Barbosa+1950.jpg" \*
MERGEFORMATINET

Estes conceitos, é claro, não são estanques. Todas as histórias visuais são construídas com
imagens, grandes personagens vivem situações dramáticas num ambiente social, suas
histórias necessariamente incluem ângulos pitorescos dos costumes humanos, têm um ou
mais temas e podem ser contadas com diversos conceitos narrativos.

House é uma série que retrata um ambiente (hospital), um personagem (House), e um


gênero narrativo (policial). Cabra Marcado é uma situação dramática (interrupção e
retomada do filme, 20 anos depois), um grande personagem (Elisabeth) e um momento
histórico (ditadura e redemocratização).

Repetindo: um filme precisa de muitas idéias, alguma tem que ser a primeira.
A primeira idéia vem, em geral, de um roteirista, diretor ou produtor mas, numa equipe
de cinema, ter idéias é tarefa de todos.

* Se der tempo, ver, no final, “11 idéias e meia para ter idéias”.

2. ARGUMENTO

"Raciocínio pelo qual se tira uma consequência ou dedução."

O que acontece. Também é chamado de fábula. Pode ser um romance, um conto, uma
peça de teatro, uma notícia, um poema. Ou pode ser um argumento especialmente escrito
para o filme.

Deve conter, mesmo na sua forma mais reduzida, uma idéia básica dos personagens e
seus objetivos, do conflito, do ambiente e época em que a história se passa. E o fim da
história.

Tarefa do autor.

3. ROTEIRO

"Descrição de uma viagem". As etapas de realização do roteiro serão descritas a seguir.

Tarefa do roteirista.

4. PROJETO

Do latim projectu, de projicere, "lançar para diante".


Inclui orçamento, montagem da equipe e cronograma.

Tarefa do produtor.

5. DECUPAGEM

Découper: "Recortar, cortar formando figuras."

Tarefa do diretor.

6. PRé PRODUçãO
Análise técnica (decupagem de produção). Cronograma e planejamento de filmagens.

Tarefa da equipe.

7. FILMAGEM ou PRODUÇÃO

Produção: "Ato ou efeito de produzir, criar, gerar, elaborar, realizar. Aquilo que é
fabricado pelo homem."

Filmagem de cada cena. Copião. Replanejamento de filmagem. Desprodução.

Tarefa da equipe.

8. PRé MONTAGEM

Ordenação e sincronização do material filmado (copião). Escolha de tomadas.

Tarefas do diretor e do montador.

9. MONTAGEM E EDIÇÃO DE SOM

"Operação de reunir as peças de um objeto complexo, de modo que possa funcionar ou


preencher o fim a que se destina."

Tarefa do montador.

10. PRé FINALIZAçãO

Roteiro final de diálogos. Dublagem. Trilha musical. Ruídos.

Tarefa da equipe.

11. FINALIZACãO

"Por fim arrematar, concluir, ultimar". Mixagem. Marcação de luz. Cópia.

Tarefa da equipe.
Nosso assunto aqui é o roteiro, as idéias e o argumento que lhe dão origem, mas é bom
lembrar que o roteiro pode ser (e geralmente é) reescrito até a finalização do filme, ou
mesmo além dela.

Anne Lamott, escritora americana: “Escrever é reescrever”. Escrever roteiros é


reescrever muitas vezes.

Há versões do roteiro especialmente elaboradas para fazer parte de projetos, são os


execráveis “roteiros para o júri” ou “roteiro para o patrocinador”. O roteirista pode ser
solicitado a “romantizar” rubricas (tipo “no ar, um perfume de jasmim e a esperança de
boas notícias”) a fim de seduzir jurados ou financiadores pouco experientes. Sinto dizer
que às vezes funciona.

Roteiristas podem ser solicitados a mexer no roteiro para resolver problemas revelados na
decupagem, por exemplo, por características da locação ou do cenário ou, o que é mais
frequente, pela disponibilidade ou não do elenco.

Roteiristas são frequentemente solicitados a mexer no roteiro por questões de produção.

Há sempre diálogos e offs escritos nas mesas de montagem, isso para não falar das
inversões de ordem ou cortes de cenas inteiras, que podem exigir (ou não) a participação
do roteirista.

Há muitos filmes pré-finalizados submetidos a sessões teste com o público e, conforme


resultados de pesquisas, refeitos. Na indústria, esta é a regra.

Coppola submete diferentes cortes do filme a diferentes grupos e, a partir de debates com
os espectadores, faz alterações. Ele afirma que o diretor percebe no máximo 90% do
filme, o resto só o público vê.

David Mamet também afirma que, sobre um filme, o público sempre sabe mais que o
diretor.

Ex: Chaplin e Bunuel.

Também há roteiros reescritos depois de pré-estréias de filmes finalizados.

Exemplos: Sunset Boulevard (Billy Wilder), Ensaio sobre a cegueira (Fernando


Meireles), Beijo 2348/72 (Walter Rogério).

“Escrevas quando escreveres, escrevas o que escreveres, nunca cometas o erro de


presumir que a audiência é menos inteligente do que tu.” Rod Serling (roteirista de
“Além da Imaginação”)
O público percebe todos os erros do filme, sempre.

Etapas da realização de um roteiro:

Cada roteirista cria seu próprio método de trabalho, que pode variar a cada projeto.

Há quem goste de escrever seus roteiros primeiro em forma de prosa, há quem escreva
diários dos personagens. (HQC)

Bunuel decupava o filme diretamente do texto literário, com marcas que transformavam
frases em planos, parágrafos em cenas. Dependendo do texto, é um ótimo método:
Hammet, Chandler, McCain, James Elroy e os melhores policiais podem ser roterizados
assim.

Há quem goste de trabalhar com cartões, escrevendo um resumo da cena em cada cartão,
às vezes com diferentes cores para diferentes núcleos dramáticos ou linhas narrativas, o
que facilita a mudança de ordem ou inclusão de novas cenas. Este método era muito
comum antes da invenção dos computadores. Em roteiros de séries de muitos capítulos
algum tipo de tabela do roteiro (com diferentes cores para os diferentes núcleos), é muito
útil. (Tentei algo assim em HQC, não deu certo).

Um método bastante tradicional segue a seguinte ordem:

Story-line: a trama, em pouquíssimas palavras.

(Jovens apaixonados de famílias inimigas se suicidam. Sujeito come a mãe por engano e,
ao descobrir, fura os olhos. Extra-terrestre se perde e volta para casa com a ajuda de um
garoto. Narigudo inteligente e tímido ajuda o rival a lhe botar chifres. Príncipe emo
acredita nas fofocas de um fantasma provocando sete assassinatos e um suicídio. Sujeito
diz que é filho de Deus e acaba crucificado.)

O story-line é um resumo poderoso da trama, serve para chamar a atenção de produtores


muito ocupados e para preencher páginas de programação de jornais e revistas. O melhor
story-line já feito é o de John Milton, que reduziu a Bíblia, antigo e novo testamento, a
quatro palavras: “Paraíso perdido, Paraíso recuperado”.

O jogo de Gary: Um velho, sozinho num parque, joga xadrez contra si mesmo e ganha,
recuperando sua dentadura.

Sinopse: resumo breve da trama, com não mais de uma página no caso de um curta ou
média, duas ou três no caso de um longa. Contém uma descrição breve da história e dos
personagens, com começo, meio e fim. (Sem suspense ou revelações secretas! Na sinopse
“para a imprensa” você não conta o fim. Na sinopse de trabalho, conta tudo.)

Argumento: (já descrito nas etapas de realização do filme) Nos roteiros adaptados, o
argumento é a obra original (romance, peça, conto). Nos roteiros originais, o argumento
desenvolvido, em prosa literária, só é feito se for o caso de convencer produtores ou
patrocinadores pouco familiarizados com a leitura de roteiros.

Escaleta: índice das cenas do filme, descritas de forma sintética, na ordem em que
aparecerão no roteiro. Em inglês, “outline” ou “step-outline”.

A escaleta é importante para a vizualização do roteiro, é como um índice do filme. Cada


ítem da escaleta deve indicar os personagens, o local da cena e o resumo dos
acontecimentos.

A escaleta é fundamental quando o roteiro será escrito por mais de uma pessoa, o que
acontece na imensa maioria das vezes. Depois de feita a escaleta, em grupo, o trabalho
pode ser dividido. (Faço escaleta mesmo quando escrevo sozinho.)

O termo escaleta foi criado pela grande roteirista Suso Cechi d’Amico (*21.07.1914 +
31.07.2010, em Roma, Itália), autora de 118 roteiros, entre eles “Roma, cidade aberta”,
“Ladrões de bicicleta”, “Milagre em Milão”, “Belíssima”, “Rocco e seus irmãos”, “O
Leopardo”, “Violência e paixão”, “O Inocente” e “Parente é serpente”.

“Scaletta” é um diminutivo de “scala” (escada). D’Amico definia ‘scaletta’ como “os


degraus que o protagonista tem de subir para chegar ao fim da história”.

Etapas: story-line, sinopse, argumento, escaleta, roteiro.

Trecho de primeira anotação para o roteiro de “Houve uma vez dois verões”

(sexta-feira, 3 de março de 2000, 16:53)

Chico, em Porto Alegre, recebe um telefonema. É Roza, quer encontrar com ele.

Juca e Chico ensaiam o encontro. Escolhem a roupa dele.

Encontro de Chico e Roza. Ela informa que está grávida.

Decidem que um aborto é o melhor a fazer. Ela não tem grana e não pode pedir dinheiro
para o pai. O aborto custa mil e quinhentos reais.

Ele raspa a poupança, vende o som e o scaner, consegue mil reais. Juca empresta 500.
Chico encontra com Roza, ele entrega o dinheiro. Ela dá um beijo nele e desaparece.

Outro verão. Juca e Chico na mesma praia, jogam fliper. Chico finalmente consegue ficar
entre os dez melhores escores da máquina e vai escrever seu nome na lista. E vê que o
primeiro, segundo, quarto e quinto lugares da lista de recordes são de Roza. As datas dos
récordes são anteriores ao primeiro encontro dos dois.

Chico passa o resto do verão procurando por ela, em outras praias.

Chico encontra Roza. Diz que descobriu tudo: ela é craque no flíper, estava mentindo
para ele. Ela confessa, aplicou aquela com trinta garotos no verão passado, ganhou uma
grana. Ela pergunta o que ele vai fazer. Ele quer transar com ela mais uma vez.

Transam, ele vai embora.

Para virar uma escaleta, basta acrescentar o local da cena.

- O que é um roteiro.

Italo Calvino, um escritor:

“Podemos distinguir dois tipos de processos imaginativos: o que parte da palavra para
chegar à imagem visiva e o que parte da imagem visiva para chegar a expressão verbal.
O primeiro processo é o que ocorre normalmente na leitura: lemos por exemplo a cena
de um romance ou a reportagem de um acontecimento no jornal, e conforme a maior ou
menor eficácia do texto somos levados a ver a cena como se esta se desenrolasse diante
de nossos olhos, se não toda a cena, pelo menos fragmentos e detalhes que emergem do
indistinto.

No cinema, a imagem que vemos na tela também passou por um texto escrito, foi
primeiro “vista” mentalmente pelo diretor, em seguida reconstruída em sua corporeidade
num set, para ser finalmente fixada em fotogramas de um filme. Todo filme é, pois,
resultado de uma sucessão de etapas, imateriais e materiais, nas quais as imagens
tomam forma. Nesse processo, o “cinema mental” da imaginação desempenha um papel
tão importante quanto o das fases de realização efetiva das sequências, de que a câmera
permitirá o registro e a moviola a montagem. Esse “cinema mental” funciona
continuamente em nós – e sempre funcionou, mesmo antes da invenção do cinema – e
não cessa nunca de projetar imagens em nossa tela interior”.
Antonio Damásio, um neurologista:

“Os filmes são a representação exterior mais próxima da narrativa dominante que
ocorre em nossa mente. O que acontece em cada plano, o enquadramento diferente de
um assunto que o movimento da câmera pode mostrar, o que se passa na transição de
planos, produto da edição, e o que ocorre na narrativa construída por uma específica
justaposição de planos é comparável, em alguns aspectos, ao que está se passando na
mente, graças ao mecanismo incumbido de produzir imagens visuais e auditivas e aos
numerosos níveis de atenção e de memória operacional.

A narrativa sem palavras é natural. A representação imagética de seqüências de eventos


cerebrais, que ocorre em cérebros mais simples do que o nosso, é o material de que são
feitas as histórias. Uma ocorrência natural de narrativa pré-verbal pode muito bem ser a
razão pela qual acabamos por criar a arte dramática e finalmente os livros, o que hoje
leva boa parte da humanidade a passar tanto tempo de suas vidas diante das telas de
tevê e do cinema.“

1. O roteiro é a tentativa de transformar a linguagem cinematográfica em palavras.

2. O roteiro é um instrumento de trabalho para a equipe, encarregada de transformar


palavras em linguagem cinematográfica.

Toda ação dramática do filme, que inclui descrições significativas de personagens, ações
e cenários e todas as falas (incluindo narrações off e sons importantes) deve estar no
roteiro.

O músico que compõe uma sinfonia ao piano e a escreve numa partitura precisa, além de
conhecer os instrumentos que vão executar sua música, saber como colocar no papel os
sons, o silêncio, o espaço, o ritmo, a harmonia recém imaginada. Ele também precisa que
os músicos que vão executar sua composição conheçam os mesmos signos que ele
utilizou. (O silêncio na Quinta Sinfonia)

Não é preciso entender nada de cinema para assistir e entender um filme, parte de sua
força é a “semelhança de vida real”, mas é preciso entender algumas coisas sobre o
cinema para escrever o roteiro de um filme.

(Atenção: vou chamar de filme mas, salvo indicação contrária, me refiro a qualquer tipo
de linguagem audioviosual, em qualquer formato, duração ou mídia).
O roteirista deve escrever pensando que outras pessoas, que não ele, vão transformar o
roteiro em filme. O roteiro deve fazer o seu leitor “imaginar” o filme. Imaginar, convém
não esquecer, é criar imagens.

O roteiro pode ser útil para convencer a equipe a fazer o filme.

O roteiro também tem a função – e para isso foi inventado - de determinar a duração, as
necessidades de produção e, portanto, o custo do filme. Serve para convencer produtores
e patrocinadores a bancar o projeto, imaginando que espécie de filme será aquele, a que
público se destina. (E quanto pode dar de lucro. Ou de prejuízo.)

É possível fazer um bom filme sem roteiro? Sim, é possível, basta que o elenco, a equipe
e os patrocinadores acreditem firmemente no diretor, a ponto de atender suas
determinações e seus desejos sem saber muito bem para que servem. (“Tem um que
explica.”)

Outra hipótese é que o diretor, o produtor, a equipe e os patrocinadores sejam todos a


mesma pessoa.

De qualquer maneira, sempre haverá um custo extra para a produção que não puder
planejar seus passos. Uma locação, uma trilha, um figurino, um adereço ou mesmo um
ator escolhidos de última hora serão necessariamente mais caros (ou piores) que aqueles
definidos com alguma antecedência.

- O que não é roteiro.

1. Um roteiro não é literatura. (Embora – ao contrário do que afirmou Alfred Hitchcock -


alguma boa literatura possa dar bons roteiros, ver “O Falcão Maltês”, “L.A Story”, etc.)

2. Um roteiro não é um ensaio ou tese política, filosófica, psicanalítica, econômica.


(Embora algumas teses e ensaios possam dar bons roteiros, ver “O meu tio na américa”.)

3. Um roteiro não é um texto para o público. (Embora alguns roteiros sejam ótimos de ler,
ver Bergman ou Woody Allen.)

Exemplos de não-roteiro:

Os exemplos seguintes foram todos extraídos – por mim e pelo Giba Assis Brasil - de
roteiros de cinema e televisão, a maior parte deles escritos por alunos ou jovens
realizadores, alguns por experientes roteiristas. Nomes e referências foram alterados de
modo a não identificar os seus autores, entre eles eu.
Os trechos de não-roteiro estão em itálico.

Um carro viaja por uma estrada em direção a São Paulo.

FRED caminha pelas calçadas do bairro onde passou sua infância.

Um carro se desloca na avenida. O céu tem todas as cores do mágico entardecer sobre a
cidade. A fotografia ressalta a densidade cromática dos laranjas e o azul ciano formando
uma abóboda de cor e luz.

MARCOS, diplomata recém-chegado, está ao volante, um convite para uma festa de


despedida do Embaixador à mão. Ele procura o endereço. Ruído de um trovão ao longe.
O carro de MARCOS entra na rua. A residência do Embaixador fica em uma quadra do
Lago Sul, onde se localiza a maioria das residências diplomáticas em Brasília, cidade
sede das Embaixadas, as representações estrangeiras no Brasil.

Francisco corre simultaneamente em todas as direções.

Desesperada, Fernanda faz um enorme esforço para não perder a cabeça.

Luiz acorda em seu quarto e descobre que Cláudia não está lá.

João percebe que tem que fingir estar calmo, senão porá todos em risco.

Vemos um cachorro caminhando na calçada.


(Obs: num filme, tudo vemos.)

O público sente que o personagem não sabe o que fazer.


(Obs: se fosse útil escrever no roteiro o que o público sente, todos os meus roteiros
terminariam com a seguinte rubrica: “O público sente que acabou de ver um grande filme
e vai recomendá-lo enfaticamente aos amigos.”)

Everaldo abre um buraco na terra e enterra sua pistola, colocando uma estaca sobre ela,
para indicar o lugar, caso algum dia ela seja necessária. Célio observa, de longe,
sabendo que é uma revelação para daqui a muitos anos.

O Delegado pára e pensa até que ponto valeria a pena manter aquele tiroteio contra a
quadrilha de Palito. Aquele era seu território e por mais homens que a polícia tivesse na
operação a probabilidade de efetuar alguma prisão seria mínima.
Nélson está desconfiado: foi preso e solto no mesmo dia, isso cheira a armação.

Marília se sente feia, mal vestida e desinteressante.

Era a primeira vez que Cunhatã vislumbrava um homem branco.

Eles não percebem, mas estão se envolvendo emocionalmente.

Márcia está ao telefone falando com Joana, mulher de Ernesto.

O bar é administrado pelo irmão de Jair.

Cinara é uma ex-namorada que casou-se com Romeu, um grande amigo que Bernardo só
voltaria a ver um ano depois desse encontro.

Dilmar aguarda ansioso por alguns minutos.

Gilberto está na mesma situação há horas.

Duas semanas depois, Laura encontra Patrícia para desabafar sobre seu casamento.

Gabriele, em jejum, vai fazer um aborto. Passa na frente de uma confeitaria e vê um bolo
de laranja que dá água na boca. Resolve comer o bolo e ter o bebê. Sai cantarolando
uma canção.

(Essa me fez lembrar o Diário de Kafka: “Quinta-feira. Hitler invadiu a Rússia. Natação
à tarde.”)

A carícia enche-a de orgulho filial, mas Lúcia não crê no que o pai acabou de lhe dizer.

...eles meio que fingem ser tudo normal e continuam o trabalho, tentando não parecer
preocupados, mas se cagando.

Dr. Lopes mete-se no carro, logo depois do almoço. Vai buscar Laura.

Júlia fica durante três dias no quarto, onde passa quase todas as horas.

De repente: Toc, toc, toc. Batem moderadamente forte a porta. No clima de tensão... FIM
DO SEGUNDO BLOCO

Na manhã seguinte, Marisa faz compras. Adora provar roupas novas. É consumista e
fútil.

Luis Paulo dirige, louco para encontrar um conhecido. O que ele mais queria naquele
momento era estar na calçada. Ao mesmo tempo, sente medo de tudo não passar de um
sonho e cair da cama.

O jogo se desenrola, Carlos dá tudo de si mas não é o suficiente.

Pedro tem uma imagem tão austera que, se dissessem que ele é um engenheiro, todos
acreditariam.

Luiz, cara de pescador...

O time resolve jogar com muita garra e fazer tudo que não fez durante o primeiro turno
do campeonato.

João põe a mão na testa e percebe que está com febre.

O story line na cena 1: Ladrões de Bicicleta.

#CAPÍTULO 2: A ESCRITURA DO ROTEIRO.

- O roteiro como instrumento de trabalho.

Arte e técnica são inseparáveis.

“Aprenda a ser um artesão, isso não o impedirá de ser um gênio. Delacroix.

“Aliás, alguma vez um artista perdeu um mínimo de gênio por formular com clareza os
dados positivos de sua técnica? Creio, porém, que, entre todas as artes, a do teatro é a
que mais recorre a este gênero de conhecimentos, de cálculos, de formulações. Quem
protestasse contra a idéia de qualquer cálculo nesses domínios, sisplemente estaria
provando que nada entende da arte teatral, na qual sempre existiu muitos cálculos ou, se
esta palavra ofende alguns sentimentais, muitos artifícios engenhosos e longamente
meditados. Aliás, em que arte não há?”
Etienne Souriau.

Erros aparentemente banais de escritura do roteiro costumam revelar erros complexos de


dramaturgia, de concepção dos personagens ou mesmo da estrutura narrativa.

Quando o roteirista escreve “O time resolve jogar com muita garra e fazer tudo que não
fez durante o primeiro turno do campeonato” ele não está apenas escrevendo algo não-
filmável (e, portanto, não-roteiro): ele está criando a ilusão de uma cena, a falsa idéia de
uma dramaturgia, algo que pode iludir o leitor do roteiro mas que não estará no filme e,
portanto, não vai iludir o público.

Quando o roteirista diz que “Marília se sente feia, mal vestida e desinteressante” ou que
os personagens “não percebem, mas estão se envolvendo emocionalmente”, está matando
serviço, esqueceu de dramatizar, e é esta a sua função.

No cinema, é preciso tornar externo o que é interno. “Drama” quer dizer “ação”,
“dramatizar” significa “transportar um texto discursivo qualquer para a linguagem
dramática por meio de diálogos e/ou ação cênica”.

Quando o roteirista escreve que “João põe a mão na testa e percebe que está com febre”
está passando para o diretor resolver, na filmagem, um problema que era dele.
(“Dramatizar”)

O objetivo de um roteiro é transformar imagens em palavras que serão outra vez


transformadas em imagens. Um roteiro deve ser claro, preciso e, se possível, de leitura
agradável. Deve criar, na imaginação de quem lê, algo mais próximo possível do filme
que desejamos fazer.

Lembrando que "a história da criação humana é a história da quebra de regras" (E.H.
Gombrich) e que para melhor quebrar uma regra é útil conhecê-la, aqui vão algumas para
a escritura de um bom roteiro, digamos que sejam onze.

11 Regras da escritura de um roteiro:

Regra 1 – Tudo que estiver no roteiro deve ser visível ou audível.

No cinema, as informações são transmitidas pela imagem e pelo som.

Repitam em voz alta, escrevam no caderno:

Tudo que está no roteiro deve ser visível ou audível.

Exceção a esta regra: nenhuma.

Jean-Claude Carriére: "A gente é sempre tentado a pôr no papel que "reina na sala uma
atmosfera morosa" ou "que os personagens parecem estar à vontade". O que isto quer
dizer? É necessário que um roteirista seja extremamente honesto com o filme que vai
nascer de suas palavras. Não pode escrever uma coisa que não vai acontecer, que será
diferente do que verá o espectador".

Há bons diretores que aceitam ou até gostam de rubricas do tipo “livre dos traumas da
infância, João parte para a liberdade”. Entendo esta descrição do estado de espírito do
personagem como uma rubrica de direção, algo que o diretor quer ter anotado para
lembrar de transmitir ao ator. Ao roteirista cabe escrever cenas que dramatizem, tornem
exteriores e visíveis, os sentimentos de João de estar livre dos traumas de infância e
assim partir para a liberdade.

(“João joga no lixo seu boneco do Gargamel, entra no táxi e diz ao motorista: Estou indo
para a Liberdade.”)

- Palavras ou expressões perigosas nas rubricas de um roteiro.

Lembre-se que, é claro, você é livre (!) para usar qualquer palavra no filme fora das
rubricas: nos diálogos, narrações, letreiros, legendas, cartões, etc... Aqui falamos de
palavras perigosas nas rubricas.

. Palavras que exprimem não-existência: sem, não há, não tem, não está, ninguém está...

“Gertrudes dá uma olhada ao redor da sala, mas ninguém está prestando atenção nela”.

Alguém está fazendo tricô? Não? Então, ninguém está fazendo tricô. Alguém está
jogando gamão? Não? Então, ninguém está jogando gamão.

Se o roteirista escreve que “ninguém está” fazendo alguma coisa, transfere ao diretor a
tarefa de criar ações (às vezes no set de filmagem), dizer aos figurantes o que fazer.

“Gertrudes dá uma olhada ao redor da sala. Dona Silvia faz tricô, Dona Marta e Seu
Antonio jogam gamão e comem biscoitos.” (Ou seja: ninguém está olhando para ela.)

E mais: o roteirista perdeu a chance de usar dramaticamente a ação dos figurantes, em


favor da narrativa.

“Gertrudes dá uma olhada ao redor da sala. Dona Silvia faz tricô, Dona Marta e Seu
Antonio jogam gamão e comem biscoitos. Dona Marta, distraída, engole uma peça do
gamão.”

Uma imagem não pode dizer "eu não sou".

“Se é verdade que a narrativa por imagens é natural, também é verdade que a palavra
representa com maior exatidão a complexidade do pensamento humano e uma linguagem
composta só por imagens seria bastante limitada. A primeira destas limitações é
lembrada por Sol Worth em seu ensaio "Pictures Can’t Say Ain’t" (Uma imagem não
pode dizer "eu não sou"). A imagem não pode afirmar a inexistência da coisa
representada, mesmo que René Magritte brinque com esta impossibilidade ao desenhar
um cachimbo e sob esta imagem escreva "isto não é um cachimbo". Para afirmar uma
negação, Magritte precisou usar palavras.”

GOMBRICH, Ernst Hans. Meditações sobre um cavalinho de pau e outros ensaios sobre
a teoria da arte.

INCLUDEPICTURE "http://www.armariogeek.com.br/wp-content/uploads/magritte-
pipe.jpg" \* MERGEFORMATINET

HYPERLINK "http://www.armariogeek.com.br/wp-content/uploads/magritte-
pipe.jpg"http://www.armariogeek.com.br/wp-content/uploads/magritte-pipe.jpg

. Palavras que exprimem relações não-vizíveis: de (no sentido de pertencer, de alguém ou


de alguma coisa), seu, sua, dele, filho dele, marido de, o bairro onde, a cidade na qual...

. Palavras que exprimem duração de tempo: longamente, alguns dias, horas a fio, sem
demora...

Fazer sentir o passar do tempo é uma das ciências do roteiro. Dramatizar passagens de
tempo sem recorrer a clichês é sempre um desafio a ser enfrentado.

. Palavras que exprimem ordem não-vizível: depois, de repente, então, antes de...

Num filme, tudo acontece de repente, então, depois e antes de algo.

. Palavras que exprimem mudança não-vizível: no lugar de, ao invés de, ao contrário,
diferente...

. Palavras que exprimem quantidades subjetivas: vários, muitos, alguns, bastante...

Se você escrever “alguns homens estão na praia” o produtor vai lher perguntar se alguns
são 6 ou 36 ou, o que é mais provável, vai decidir por conta própria que são 5.

. Palavras que exprimem qualidades não-visíveis do espaço: longe, ermo, distante,


afastado, vizinho...

. Palavras que exprimem qualidades não-visíveis da matéria: áspero, pegajoso, gelado,


quente, leve, pesado...
. Palavras que exprimem faculdades cognoscitivas: pensa, lembra, não lembra, esquece,
ignora, descobre, percebe, não percebe, entende, sem entender, provando que, como se,
acha que, parece, com ar de, porque, já que, imaginando que, supõe, deduz, conclui...

. Palavras que exprimem faculdades volitivas: quer, sente, deseja, pretende, sem querer,
por obrigação, por acaso...

. Palavras que exprimem operação afetiva (não visível): amar, apaixonar-se, sentir falta,
com saudade...

Não confundir com emoções visíveis como triste, alegre, furioso, surpreso...

Além destas “palavras invisíveis”, o roteiro deve evitar também, em suas rubricas,
expressões redundantes ao ato cinematográfico: câmera, câmera mostra, vemos, o
espectador vê, o público vê...

Resumindo e repetindo: o que não é visível ou audível não é roteiro.

(“Tem a ver com a Rússia.”)

Regra 2 - O roteiro deve ser dividido em cenas.

A cena é a unidade de espaço/tempo da ação dramática. A indicação da cena deve ser


clara, de preferência em letras maiúsculas.

O mínimo a dizer: onde se passa a cena (local, cenário), quem faz parte dela
(personagens, atores) e o que acontece.

Numerar as cenas é uma opção. O número da cena aparece no filme? (Regra 1) Sim, é a
ordem da cena no filme.

Vantagens: poder trabalhar em parceria e poder se referir a uma outra cena (“...mesmo
figurino da cena 8...”).

Desvantagem: ter que mudar a numeração quando cenas são descartadas ou novas cenas
surgem. (“... mesmo figurino da antiga cena 28...” ou “... cena 34B...”).

Sugestão: só numere as cenas quando tiver uma primeira versão inteira do roteiro e outras
pessoas precisarem lê-lo.
CENA SEQ "AutoNr" \*Arabic 1 SUPERMERCADO, INTERIOR / DIA

ANDRÉ, 18 anos, magro, roupas simples, mochila nas costas, está na fila de um caixa de
supermercado. Atrás dele, um HOMEM, 50 anos, com dois pacotes na mão. Atrás do
homem, uma SENHORA, 40 anos, e uma CRIANÇA de 5 anos, com um carrinho cheio
de compras. André tira do bolso a carteira de dinheiro enquanto a MOÇA do caixa vai
passando as compras de André: esponja para lavar pratos, detergente, leite, pão,
margarina. André confere o dinheiro na carteira.

ANDRÉ
Quanto deu até agora?

MOÇA
Oito e vinte e cinco.

Obs. O roteiro padrão americano (escrito em Courrier) tem o nome do personagem


centralizado antes dos diálogos, com 3 indentações (margens) distintas, uma para as
rubricas, outra para o nome do personagem, outra pra o diálogo. (Eu escrevo em Times
New Roman e só uso duas margens, nome e diálogo alinhados.)

CENA 1. SUPERMERCADO, INTERIOR / DIA

ANDRÉ, 18 anos, magro, roupas simples, mochila nas costas,


está na fila de um caixa de supermercado. Atrás dele, um
HOMEM, 50 anos, com dois pacotes na mão. Atrás do homem,
uma SENHORA, 40 anos, e uma CRIANÇA de 5 anos, com um
carrinho cheio de compras. André tira do bolso a carteira
de dinheiro enquanto a MOÇA do caixa vai passando as
compras de André: esponja para lavar pratos, detergente,
leite, pão, margarina. André confere o dinheiro na
carteira.

ANDRÉ
Quanto deu até agora?

MOÇA
Oito e vinte e cinco.

Em seqüências de montagem que intercalam várias cenas, penso que é melhor indicar as
várias cenas num único cabeçalho e depois descrevê-las sem interrupções, facilitando a
leitura. (Neste caso, caberá à Produção e ao Assistente de Direção refazer a numeração
das cenas antes do filme entrar em produção.)

Exemplo:

CENA 15. CENA DE MONTAGEM - QUARTO DE ANDRÉ, RUAS, TABLE-TOP,


INTERIOR / EXTERIOR, NOITE/DIA

André em seu quarto, fazendo contas. Detalhes de suas contas no papel, detalhes do
contracheque. Detalhe do número 302, desenhado por André.

ANDRÉ (OFF)
Eu ganho dois salários mínimos, são trezentos e dois reais por mês,

André numa calçada. Olha para uma vitrine, tênis com etiqueta de preço (R$ 290,00),
Sílvia passa, quase imperceptível, no reflexo da vitrine.

ANDRÉ (OFF)
Duzentos e noventa com os descontos.

André caminha na calçada.

ANDRÉ (OFF)
Não gasto em transporte, vou a pé para a loja e não saio nunca.

Mão de André fechando a geladeira. Detalhe da conta do aluguel.

ANDRÉ (OFF)
Minha mãe paga o supermercado com a pensão dela, eu pago metade do
aluguel...

André desenha uma HQ sobre uma planta baixa. Xerox falhado da planta baixa de um
apartamento. Quarto de empregada, uma empregada encaixotada.

ANDRÉ (OFF)
... dois quartos com dependência de empregada, se a gente tivesse
empregada e ela conseguisse dormir de pé.

HQ: Sala do apartamento, mãe deitada no sofá vendo TV.

ANDRÉ (OFF)
Sala, vista para o prédio em frente, tudo isso por apenas...
HQ: Cozinha, mãe colando recibo na geladeira.

ANDRÉ (OFF)
... trezentos e trinta reais, trezentos e oitenta com o condomínio.

Detalhes das contas de André.

ANDRÉ (OFF)
Sobram cem.

André tenta passar na roleta com a caixa da televisão e dinheiro para pagar o ônibus.

ANDRÉ (OFF)
Pago metade da prestação da tv, quatorze polegadas, controle remoto,
sessenta e quatro reais, trinta e dois a minha parte, sobram sessenta e oito.

André toma uma cerveja num bar.

ANDRÉ (OFF)
Gasto com bobagens: uma revista, uma cerveja...

André desenha uma guria vista através de um binóculo.

ANDRÉ (OFF)
...uma caneta.

André tira binóculo da caixa. André com o binóculo, na janela. André sem binóculo olha
para o 4º Distrito. André colocando binóculo no olho. Gondoleiros, ruas do 4º Distrito,
Ponte. André fazendo zoom no binóculo. André fechando na ponte, ponte abre.

ANDRÉ (OFF)
Para comprar o meu binóculo em precisei economizar um ano.

Regra 3 – O que acontece, na ordem em que acontece.

Tudo que vai estar no filme, e em cada cena do filme, deve aparecer no roteiro na mesma
ordem em que vai aparecer no filme.

Contra-exemplo:
O Dr. Gustavo aproxima-se e pára na frente da casa.

DR. GUSTAVO
(gritando) Helena!

Helena surge na janela.

HELENA
O que foi?

DR. GUSTAVO
Venha aqui fora, quero conversar com você.

HELENA
Agora eu não posso. O senhor entre, estou teminando o almoço.

O Dr. Gustavo desce de seu cavalo e entra na casa.

“Conforme ninguém esperava”, um cavalo surge no último instante da cena.

O Dr. Gustavo, montado num cavalo branco, aproxima-se...

Exceção à regra 3, “da ordem das coisas”: o nome do personagem.

Se o personagem vai ter um nome no filme ele é indicado por este nome desde sua
primeira entrada. Não fosse assim, ele seria chamado de duas maneiras diferentes (Por
exemplo, “Homem” e “Dr. Gustavo”) o que confundiria a produção e também o ator.

Esta exceção à regra tem um frequente efeito colateral: personagens que só têm nome por
escrito. No exemplo citado, o personagem (Dr. Gustavo) ainda não tem nome. Se o nome
do seu personagem é importante - por exemplo, se personagens se referem a ele e isso é
fundamental para a compreensão da história - certifique-se que ele será ouvido no filme.
(Cuide para que essa necessidade do roteiro seja também do personagem. “Quando casei
com Gertrudes, sua mãe,...”)

Regra 4 : Tudo que é falado no filme deve estar no roteiro.

O improviso dos atores pode ser valioso, pode contribuir muito para a qualidade do filme,
mas é uma opção do diretor. A tarefa do roteirista é escrever todas as falas, narrações e
textos que estarão no filme. Não são admissíveis num roteiro, salvo pedido expresso do
diretor, frases como “Janice e Gonçalves discutem a respeito de seu casamento”,
“Alfredo pede para ir ao banheiro”.

Para facilitar a visualização, as falas devem estar muito claramente destacadas do resto do
texto, a ponto de constituir, visualmente, na página, dois blocos: o “bloco das falas” e o
“bloco da rubricas/descrição/narração/”.
O nome do personagem que fala deve anteceder cada fala, com destaque (normalmente
indicado por letras maiúsculas).
Devem ter indicação específica, entre parênteses ao lado do nome de quem fala, as falas
em que o personagem está fora de quadro (FQ) ou com voz sobreposta (VS). Em inglês
usam-se as expressões “off-screen” (OS) e “voice-over” (VO). No Brasil, sabe-se lá por
quê, adotou-se o termo inglês OFF para ambos os casos. (Meu caso.)

Rubrica é um conceito que vem do teatro, no sentido de “tudo que não é fala”. Eu uso
neste sentido, mas a palavra rubrica costuma ter no cinema um significado mais
específico, um trecho de frase, colocado entre parênteses dentro do bloco das falas, para
indicar a intenção do personagem ao dizer a fala (rubrica de intenção) ou uma pequena
ação realizada pelo personagem enquanto ele diz a fala (rubrica de ação simultânea).

Etimologia: o latim, rubricus, 'terra vermelha', argila utilizada para escrever e pôr em
destaque os títulos da lei. Rubrica: cinema, teatro, televisão, em um roteiro de filme,
teatro, televisão etc., texto que não faz parte do diálogo, mas indica aos atores, ao diretor
e à produção (arte, figurino etc.) detalhes imprescindíveis da cena.

É fundamental que o roteirista leia em voz alta as falas do roteiro.


Ex: Sanduíche. “A calça de couro”.

O roteirista pode e deve acompanhar leituras do roteiro e, se for o caso, “arredondar”


falas, torná-las mais orgânicas.
Contra-exemplo: Decamerão.
OBS: Tenho a tendência, como diretor, a desconfiar de idéias de última hora, que podem
parecer boas no momento e que criam problemas não percebidos na atividade frenética de
um set de filmagem.
(Na indonésia há uma palavra para isso, “alguém que, na última hora, tem uma idéia
criativa que só piora tudo”: neko-neko. Num set de filmagem, tome cuidado com neko-
nekos).
Se você, além de roteirista, é o diretor, pode aceitar ou recusar sugestões de alteração nas
falas. Em geral, só costumo aceitar idéias de última hora se tenho a opção de mudar de
opinião na montagem. Caso contrário, é quase sempre mais seguro e proveitoso dizer
“Não, você não pode mudar a fala”.
É extremamente comum – acontece em todos os trabalhos – que as falas de uma cena
sofram acréscimos na filmagem e voltem, na montagem, à forma original do roteiro.
Regra 5 – Use com moderação as indicações de intenção dos personagens.

As intenções dos personagens (atores) podem ser visíveis: agitado, furioso, vacilante,
sonolento... e portanto podem estar no roteiro. Estas indicações podem vir (entre
parênteses) intercaladas no diálogo, quando se referirem a fala, ou dentro das rubricas,
quando se referirem à ação.

Exemplos:

CENA – BANHEIRO – INT/NOITE

Deitada na banheira, sonolenta, Maria Eduarda lê o jornal. Ela cochila e deixa o jornal
tocar na água. Desperta, assustada, pega uma toalha e tenta secar o jornal.

CENA – BANHEIRO – INT/DIA

ERNESTO
(irritado) Foi você que molhou o jornal deste jeito?

MARIA EDUARDA
(indignada) Eeeu??

Use as indicações de intenção para os atores com moderação. Bons atores costumam se
irritar – com razão - com indicações óbvias e banais: alegre, animado, triste... Se a cena
não foi capaz de indicar a intenção, o problema é de dramaturgia e não será resolvido
com uma rubrica.
Exemplo de má rubrica de intenção:
“João está pensativo, catatônico. Maria olha para ele franzindo a testa, baixando uma
sobrancelha mais que a outra.”
(Nelson Rodrigues escrevia quase uma rubrica por fala, virou estilo.)

Regra 6 : Descreva cenários e personagens

É importante criar, no roteiro, uma imagem dos cenários e personagens. Descreva o que é
visível (ou audível) e o que é dramaticamente significativo. E não descreva o que não é
visível ou dramaticamente significativo.

Calvino: “Um objeto, numa história, é sempre mágico”.


Devem ser descritos todos os personagens e cenários que estão aparecendo pela primeira
vez.
Giba Assis Brasil:
“Quando o personagem está sendo apresentado no filme, o público memoriza dele
alguns traços físicos essenciais, que vão servir, durante a história, para identificá-lo em
relação à trama. O roteiro tem que fazer o mesmo: dar o nome do personagem (ou o
nome pelo qual ele vai ser identificado) e associar a este nome algumas características
(normalmente 3 ou 4, começando pela idade arredondada) que ajudem na sua
visualização: “Mariana, 25 anos, loira, bonita, mancando da perna direita...” “O
Capitão, 50 anos, grisalho, sério, barriga proeminente...” A partir daí, sempre que o
leitor ler os nomes “Mariana” ou “Capitão”, formará mentalmente a imagem sugerida
na apresentação.”
As descrições devem ser visuais. Características psicológicas ou referentes à biografia
dos personagens devem ser trabalhadas no roteiro para se transformarem em ações,
palavras, gestos.
(“Dramatizar!”)
Evitar, portanto, descrições como:
Maria Rita, 45, é uma mulher alta, firme e decidida, embora sua mãe sempre duvide de
sua capacidade.
O mesmo vale para os cenários.
A descrição (para o leitor) deve corresponder ao que deveria estar sendo visto (pelo
espectador) a cada momento.
No roteiro, a descrição do personagem ou do cenário só deve aparecer se (e no momento
em que) eles surgem no filme. (Regra 3, a ordem das coisas.)
A rubrica, como intenção ou como ação simultânea, refere-se sempre à frase que vem
DEPOIS dela. Exemplos:

PAULINHO
Pode deixar. (irônico) Eu cuido dela como se fosse minha irmã.

CARLA
Ah, você está aí? (fechando a porta) Eu desisti de ir.

Deve-se evitar rubricas excessivas, tanto em tamanho quanto em possibilidade de


interpretação.

CARMEM
(com ares de admiração e desconfiança na crença das reais possibilidades da
execução do trabalho) Gabriel, você tem certeza que não vai precisar de ajuda?

Regra 7 – Escreva na terceira pessoa.

Um filme é uma experiência externa, que acontece numa tela colocada à nossa frente, a
uma certa distância, com outras pessoas ou personagens. Por isso, todo roteiro deve ser
narrado em terceira pessoa.
Vai até o armário, abre o armário e pega a concha de sopa.
E não...
Fui até o armário, abri o armário...

Regra 8 – Escreva os verbos no presente.

Assistir a um filme é uma experiência que acontece no tempo, como a música ou o teatro,
e ao contrário da pintura, da escultura e da literatura, que acontecem no espaço. O tempo
de visualização de um filme é sempre o presente.
João levanta, pega a arma e aponta para o papagaio.
E não...
João levantou e apontou a arma para o papagaio.

Regra 9 – Evite termos técnicos

Um roteiro deve evitar ao máximo o uso de especificações técnicas ou expressões que


indiquem explicitamente a filmagem, tais como “close”, “plano geral”, “travelling”,
“corta para”...
Expressões como “câmera mostra” ou “vemos agora” são inúteis (sempre a “câmera
mostra” e tudo “vemos agora”).
Expressões como “close”, “travelling”, são para a decupagem, trabalho do diretor.
“Por que a palavra “câmera” deve ser evitada em um roteiro? Porque, a princípio, a
câmera não deve ser vista no filme. Por que não se deve usar a palavra “vemos”?
Porque não precisa: em princípio, tudo o que está num roteiro deve ser visto. Já a
palavra “ouvimos” tem uma função importante, significando “ouvimos mas não vemos”.
Se colocássemos em um roteiro a frase “Uma ambulância passa ao longe”, o leitor
imaginaria um plano aberto mostrando a rua e a ambulância passando lá no fundo. Já a
frase “Ouvimos a sirene de uma ambulância passando” deixa claro que a ambulância
não deve ser vista, apenas ouvida.” Giba Assis Brasil.

Regra 10 – O tempo de leitura deve ter o tempo do filme

Cada narração, cada descrição, cada rubrica, deve ser escrita de forma a ter um tempo de
leitura o mais próximo possível do tempo que se imagina que eles terão no filme.
Não se deve contar longamente uma ação breve ou brevemente uma ação longa. Ler um
roteiro em voz alta - inclusive ação e diálogo - não deve tomar nem mais nem menos que
o tempo que se terá para ver o filme.

Versão 1:

Benjamim posiciona-se num dos mijadouros. Olha o mijadouro. Há dois tocos de cigarro
com filtro. Benjamim observa os tocos de cigarro: um com bocal amarelo e outro com
bocal branco manchado de batom. Benjamim nota que a guimba branca com batom traz
impressa em dourado quatro argolas e a marca Dam. Benjamim se afasta.

Versão 2:

Benjamim posiciona-se num dos mijadouros. Olha o mijadouro. Há dois tocos de cigarro
com filtro. Benjamim se afasta.

Padrão: Uma página (mais ou menos 1000 caracteres) por minuto.

Regra 11 – A decupagem pode (e deve) ser sugerida.

Roteiro não é decupagem. Mas um bom roteiro deve se preocupar em SUGERIR uma
decupagem.

Exercício:

Escrever como roteiro, sugerindo a decupagem.

Raymond Chandler, O sono eterno. Tradução de Paulo Henriques Britto. Ed. Brasiliense,
São Paulo, 1974.

“Naquele exato momento, três tiros soaram dentro da casa. Depois ouviu-se um ruído
como se fosse um suspiro prolongado e áspero. Depois o desabar desastrado de alguma
coisa mole. E então passos rápidos se afastando lá dentro.

A casa à minha frente estava silenciosa como um túmulo. Não havia pressa. Fosse o que
fosse, o que está dentro dela estava lá dentro. Pulei a cerca e me debrucei no parapeito de
uma janela, com cortinas mas sem tela, e tentei olhar pelo intervalo das cortinas. Vi uma
parede iluminada e a ponta de um estante. (...) Subi na cerca e quebrei a janela com um
chute. Agora é só enfiar a mão e soltar o ferrolho. O resto foi fácil. Entrei e empurrei as
cortinas para longe do meu rosto. As duas pessoas que estavam na sala ignoraram minha
presença, embora só uma delas estivesse morta.
Capítulo 7

Era uma sala larga, com a largura total da casa. Tinha o teto rebaixado, com vigas, e as
paredes de reboco marrons, enfeitadas com bordados chineses e gravuras chinesas e
japonesas em moldura de madeira. Havia estantes baixas, um tapete chinês rosado tão
espesso que uma marmota poderia passar uma semana nele sem ser vista. Havia
almofadas espalhadas pelo chão, e retalhos de seda, como se a pessoa que morrase ali
precisasse sempre pegar um para ficar passando a mão. Havia um divã largo e baixo,
forrado com uma tapeçaria antiga, também rosada. Em cima dele, um monte de roupas,
entre elas alguma lingerie de seda lilás. Havia um abajur grande de madeira trabalhada
sobre um pedestal, dois outros abajures de pé com quebra-luz verde e borlas compridas.
Havia também uma escrivaninha preta com gárgulas nos cantos, e atrás dela uma cadeira
preta polida, com braços os braços e os encostos trabalhados e uma almofada de cetim
amarelo. Havia uma ombinação estranha de cheiros na sala, dos quais o mais forte no
momento era a enjoativa presença do éter.

Havia uma espécie de plataforma baixa numa das extremidades da sala, e nela uma
cadeira alta, na qual a srta. Carmen Sternwood estava sentada, sobre um alaranjado xale
de franja. Estava toda esticada, as mãos nos braços da cadeira, os joelhos bem juntos, o
corpo rigidamente ereto numa pose de deusa egípcia, o queixo na horizontal, seus
dentinhos reluzentes brilhando entre os lábios abertos. Os olhos estava arregalados. O
negro da íris havia devorado as pupilas. Eram olhos loucos. Ela parecia estar
inconsciente, mas sua postura não era a da inconsciência. Tinha o ar de quem acha que
está fazendo uma coisa muito importante e está se saindo muito bem. De sua boca saía
um barulhinho metálico, era quase um riso, mas não a fazia mudar de expressão nem
sequer mover os lábios.

Usava um par de longos brincos de jade. Eram bonitos, deviam ter custado uns duzentos
dólares. Não estava usando mais nada. Tinha um belo corpo, pequeno, elástico,
compacto, firme, arredondado. À luz do abajur, sua pele tinha o brilho sedoso de uma
pérola. Olhei-a de alto a baixo sem vergonha nem desejo. Como moça nua, para mim ela
nem estava lá. Era apenas uma pateta. Para mim ela nunca passara de uma pateta.

Parei de olhar para ela e olhei para Geiger. Ele estava de costas no chão, perto da franja
do tapete chinês, à frente de uma coisa que parecia um totem. Vista de lado, parecia uma
águia, e o olho grande e redondo era a lente de uma câmera. A lente estava virada para a
moça nua na cadeira. Havia uma lâmpada de flash queimada presa à lateral do totem.
Geiger estava de chinelos chineses de solas grossas de feltro, suas pernas em um pijama
de cetim preto, e o tronco vestia um casaco chinês bordado, todo ensanguentado na
frente. O olho de vidro brilhava para mim, era de longe a coisa mais viva que havia nele.
À primeira vista pude constatar que nenhum dos três tiros que eu ouvira tinha errado o
alvo. Ele estava mortíssimo.”

Problemas mais comuns quanto à escritura do roteiro:


. descrições não-filmáveis.
. diferença entre tempo de leitura e tempo do filme.
. excesso de termos técnicos.
. descrição de ações fora da ordem em que vão surgir no filme.
. falta divisão de cenas, com mudanças não indicadas de cenário ou de passagens de
tempo.
. excesso de divisão de cenas ou de descrições de cenário, figurino, objetos, etc.
. falta descrição das ações, imprecisões ou descrições confusas.
. excesso de descrição de ações.
. falta de descrição dos personagens e cenários.
. faltam falas (falas em discurso indireto).

. Atenção: erros de ortografia, acentuação, pontuação, concordância ou construção das


frases são ruins em qualquer texto, incluindo roteiros.

Linda Seger: “O processo criativo é mover-se do caos para a ordem”.

Um bom conselho, acho que do Balzac: “Crie com vinho, revise com café”.

João Ubaldo Ribeiro:

"Há praticamente cinco anos (acabo de fazer 66 de idade), venho tentando escrever um
romance e não consigo passar do segundo capítulo. Ele é sempre interrompido e, pelo
menos no meu caso, quando um romance é interrompido, principalmente no começo e em
alguns pontos imprevisíveis, ele desanda inteiramente, tem-se que começar tudo de novo.
Não é exagero: às vezes um só dia dedicado a outras atividades pode prejudicar o
trabalho de meses."

William Goldman:
"Você tem que proteger seu tempo dedicado à escrita. Você tem que protegê-lo até as
últimas conseqüências."

Recapitulando:

- Etapas da realização de um filme.


- Etapas de realização de um roteiro.
- O que é roteiro.
- O que não é roteiro.
- O roteiro como instrumento de trabalho.
- A escritura: regras e exceções. (“Tudo deve ser visível ou audível”. “Dramatizar!”)

#CAPÍTULO 3: A LINGUAGEM CINEMATOGÁFICA


- Cinema, o que é.

Várias visões possíveis.

“Cinema é a música da luz”. Abel Gance

“Cinema é cachoeira”. Humberto Mauro.

"Uma fala literária e dramática envolvida por imagens." Paulo Emílio Salles Gomes,
1960.

"Um complexo ritual que envolve mil e um elementos diferentes, a começar pelo seu
gosto para este tipo de espetáculo, a publicidade, pessoas e firmas estrangeiras e
nacionais que fazem e investem dinheiro em filmes, firmas distribuidoras que
encaminham estes filmes para os donos das salas e, finalmente, estes, os exibidores que
os projetam para os espectadores que pagaram para sentar numa poltrona e ficar olhando
as imagens na tela." Jean-Claude Bernardet em "O que é cinema", 1980.

"A primeira tentativa, desde o início da nossa civilização individualista moderna, para
produzir arte para o público em massa." Arnold Hauser em "História social da literatura e
da arte", 1951.

"Uma invenção sem futuro." Louis Lumière, 1895

Qualquer sistema de registro, montagem e reprodução de imagens em movimento sobre


suporte físico (película, vídeo-teipe, etc), acompanhadas ou não de som. Por extensão,
arte e técnica de registrar, montar e reproduzir imagens em movimento.

Maxim Gorki, em 1896, previu que em pouco tempo o cinema se resumiria a um único
gênero: a pornografia.

Sílio Boccanera Júnior, em O Teatro na Bahia, 1924:

“E o que é o CINEMA? Propagador, quase sempre, de malefícios sociais; boa escola,


muitas vezes, de sensualismo, até, do crime; subversivo, na mor parte das vezes, da moral
pública; toxicante para o espírito inexperto da mocidade em florescência; perturbador
vezes ainda, da imaginação ardente, povoada de sonhos, de intemeratas virgens, criando
nelas sentimentos mórbidos e inclinações malsãs. (...) Que são os tais filmes passionais,
amorosos, (filmes de alcovas, digamos com mais propriedade) senão venenos mais
corrosivos que os romances de Rabellais [sic] ou Paulo de Kock? Que são os chamado
policiais, instrutores e guias de espíritos tenebrosos, senão elementos perniciosos à moral
da família, infeccionantes para a higiene social? Que são, todos esses, senão corruptores
dos bons costumes, violadores das leis da civilização, do decoro público, sem as quais se
não pode compreender respeito mútuo na vida orgânica de uma sociedade?”
(citado em História da Inteligência Brasileira, Wilson Martins, volume 6).

Descrição da primeira projeção de cinema no Rio de Janeiro, publicada no Jornal do


Comércio de 9 de julho de 1896.

"OMNIOGRAPHO

Com este nome, tão hibridamente composto, inaugurou-se ontem, às duas horas da tarde,
em uma sala à Rua do Ouvidor, um aparelho que projeta sobre uma tela colocada ao
fundo da sala diversos espetáculos e cenas animadas, por meio de uma série enorme de
fotografias. Mais desenvolvido do que o Kinetoscopio, do qual é uma ampliação, que tem
a vantagem de oferecer a visão, não a um só espectador, mas a centenas de espectadores,
cremos ser este o mesmo aparelho a que se dá o nome de cinematographo.

Em uma vasta sala quadrangular, iluminadas por lâmpadas elétricas de Edison, paredes
pintadas de vermelho-escuro, estão umas duzentas cadeiras dispostas em fila e voltadas
para o fundo da sala onde se acha colocada, em altura conveniente, a tela refletora que
deve medir dois metros de largura aproximadamente. O aparelho se acha por detrás dos
espectadores, em um pequeno gabinete fechado, colocado entre as duas portas de
entrada.

Apaga-se a luz elétrica, fica a sala em trevas e na tela dos fundos aparece a projeção
luminosa, a princípio fixa e apenas esboçada, mas vai pouco a pouco se destacando.
Entrando em funções o aparelho, a cena anima-se e as figuras movem-se.

Talvez por defeito das fotografias que se sucedem rapidamente, ou por inexperiência de
quem trabalha com o aparelho, algumas cenas movem-se indistintamente em vibrações
confusas; outras, porém, ressaltavam nítidas, firmes, acusando-se em um relevo
extraordinário, dando magnífica impressão de vida real. Entre estas, citaremos: a cena
emocionante de um incidente de incêndio, quando os bombeiros salvam das chamas
algumas pessoas; a da dança da serpentina; a da dança do ventre, etc. Vimos também
uma briga de gatos, uma outra de galos, uma banda de música militar, um trecho de
boulevard parisiense, a chegada do trem, a oficina de um ferreiro, uma praia de mar,
uma evolução espetaculosa de teatro, um acrobata no trapézio e uma cena íntima.

O espetáculo é curioso e merece ser visto, mas aconselhamos aos visitantes a se


acautelarem contra os gatunos. Na escuridão negra em que fica a sala durante a visão, é
muito fácil aos amigos do alheio colher o que não lhes pertence. A polícia que tão bem
os conhece poderia providenciar no sentido de impedir-lhes a entrada naquele recinto".

Bernard Shaw, em 1930, escreveu que o cinema poderia vir a se tornar uma arte, "desde
que desistissem das imagens e projetassem só as legendas".

"Cinema é realidade a 24 quadros por segundo." Godard

"Cinema é mentira a 24 quadros por segundo." Fassbinder

O cinema é uma indústria, uma arte industrial, típica da era de reprodutividade. (A


indústria determina padrões, tanto quanto a arte. 20 minutos a menos, 20% a mais)

O cinema é também uma arte, uma arte que se alimenta de todas as outras formas de arte,
utiliza elementos da literatura, do teatro, da música, da fotografia, das artes plásticas, da
dança, do circo.

- Cinema, como funciona.

A “magnífica impressão de vida real” da linguagem cinematográfica tem ao menos quatro


causas bastante concretas.

1) Persistência da Imagem na Retina

Em 1824, o médico inglês Peter Market Roget escreveu um artigo intitulado


"Persistência de Visão Referente a Imagens em Movimento". Girando uma moeda ele
descobriu que podia ver, ao mesmo tempo, os dois lados da moeda.

Tal efeito era conhecido desde o antigo Egito, e vários inventores empregaram a
descoberta em brinquedos, com desenhos: Zootróprio, Fenaquistoscópio, Fantoscópio...
(Veja Bem)

Com a invenção e o desenvolvimento da fotografia foi possível chegar às "imagens


moventes do mundo natural", uma vez que a fotografia reproduz, sem interferência do
homem, o mundo exatamente como ele é. Verdade? Mentira! A fotografia reproduz
parcialmente um ponto de vista num local e num momento específico.

Lei eleitoral e linguagem cinematográfica.

2) O Efeito Esteriocinético

Planos que se movimentam em diferentes velocidades e com focos distintos causam a


sensação de profundidade. O "sfumatto" da Mona Lisa e os desenhos Disney.

3) O "Estado de Cinema".

A alteração da percepção de tempo e espaço na sala escura. O tempo, no escuro, parece


custar mais a passar. Esta sensação modificada de tempo gera um desejo de ação
intensificada.
Estado de cinema: mergulho total e inconsciente na falsa realidade do cinema, expressão
criada pelo psicólogo alemão Hugo Mauerhofer. Ele propõe a seguinte analogia:
"imagine uma pessoa fora de seu ambiente normal; tudo escurece e imagens começam a
aparecer; essas imagens se sucedem sem compromissos lógicos e sem qualquer
cronologia real; o espectador se envolve totalmente com as imagens até que elas
desaparecem; o ambiente se ilumina. Esta é uma descrição fiel do "assistir cinema", e do
sonho. Mauerhofer chamou este estado intermediário entre a vigília e o sonho de "estado
de cinema". Nele, o espectador é protegido pelo anonimato da escuridão e observa, como
um vouyer, a vida alheia em absoluta segurança. O cinema não "sabe" que está sendo
visto. Outras características do "estado de cinema", também decorrentes da escuridão da
sala de projeção, são o tédio e a exacerbação da imaginação. A alteração das sensações de
tempo e espaço, quando estamos no escuro, são utilizados pelo cinema. "O filme na tela
vem de encontro tanto ao tédio incipiente como à imaginação exaltada, servindo de alívio
ao espectador que mergulha numa realidade diferente, a do filme.”

Antonio Damásio:

Contar histórias, no sentido de registrar o que acontece na forma de mapas cerebrais, é


provavelmente uma obsessão do cérebro e talvez tenha início relativamente cedo, no que
concerne tanto ao processo evolutivo como à complexidade das estruturas neurais
necessárias para criar narrativas. Contar histórias precede a linguagem, pois é, na
verdade, uma condição para a linguagem”.

4) Suspensão voluntária da descrença: a fé poética.

O conceito ("the willing suspension of disbelief”) foi formulado por Samuel Taylor
Coleridge, filósofo inglês (21/10/1772 – 25/07/1834) em “Biographia Literaria”, ensaio
publicado em 1817. O trecho, na tradução de Liziane Kugland:

"… ficou entendido que meus esforços deveriam ser direcionados a pessoas e
personagens sobrenaturais, ou pelo menos românticos, e ainda com o intuito de buscar
em nossa natureza interior um interesse humano e uma aparência de verdade suficientes
para fornecer a estas sombras de imaginação aquela momentânea suspensão voluntária
da descrença, a qual constitui a fé poética."

”... It was agreed, that my endeavours should be directed to persons and characters
supernatural, or at least romantic, yet so as to transfer from our inward nature a human
interest and a semblance of truth sufficient to procure for these shadows of imagination
that willing suspension of disbelief for the moment, which constitutes poetic faith.”

A idéia da “fé poética” aparece claramente no prólogo de Henrique V, de William


Shakespeare, aqui na tradução de Beatriz Viégas-Faria, publicada pela L&PM:
Coro:

(...) “ Porém, perdoai, damas e cavalheiros, os espíritos rasos e não-elevados que


ousaram, neste tablado que não é digno de vós, apresentar tema tão grandioso. Poderá
este escaso espaço conter em si os espaçosos campos da França? E conseguiremos nós
abarrotar dentro deste círculo de carpintaria os capacetes que aterrorizaram o próprio
ar de Azincourt? Ah, perdão: uma vez que um número redondo pode significar, em pouco
espaço, um milhão, então vamos nós, cifras zero nessa grande soma de eventos, atacar
com as forças da nossa imaginação. Podeis supor que, dentro do abraço destes muros
que nos cercam, estão agora confinadas duas poderosas monarquias, cujas fachadas
altivas são escarpas geminadas que o oceano, ali estreito e perigoso, divide, separa e
afasta. Fazei render as nossas imperfeições com os vossos pensamentos.”

Étienne Souriau:
"O microcosmo cênico representa um macrocosmo no qual ele se insere. Este
microcosmo tem o poder de por si só representar e sustentar satisfatoriamente todo o
macrocosmo teatral, sob a condição de ser tão "focal", a tal ponto "estelarmente
central", que seu foco seja o mundo inteiro que nos é apresentado".

Até prova em contrário, o espectador está disposto a participar do jogo ficcional proposto
pela linguagem cinematográfica.

Toda obra artística supõe um universo. Este universo depende da participação do


espectador.

Cada forma de arte tem as suas limitações.

As principais limitações do cinema: custo de produção, duração real, limites do quadro.

Um parênteses, antes de seguir:

- Televisão é outra linguagem? Não.

Cinema e televisão utilizam a mesma linguagem, com os mesmos signos, a mesma força
da fotografia, a mesma ilusão de volume provocada pelas imagens que se movem em
planos sobrepostos, música, palavras, luz e movimento. A diferença não está na
linguagem em que se constrói a narrativa no cinema ou na televisão e sim na maneira
como uma e outra são apreendidas. A diferença não é como se faz mas sim como se vê.
Uma sala iluminada apenas pelas imagens que por algum tempo numa grande tela se
movimentam, sem que sobre elas tenhamos qualquer controle, é cinema. Uma pequena
tela se esforçando para chamar atenção o tempo que for possível, sempre e enquanto nós
deixarmos, é televisão.

É natural que a diferença de atenção do público de cinema e de televisão provoquem


diferentes usos da mesma linguagem. O cinema, como disse Jean Claude Carriére, "ama
o silêncio". A sensação de ver, numa grande tela, no escuro, é mais que suficiente para
causar encantamento. A televisão odeia o silêncio. A imagem na televisão precisa
constantemente da muleta do som e quase sempre da palavra. Não basta mostrar a faca, é
preciso dizer, "Olhe, uma faca! Aqui! Na mesinha da sala, ao lado do vaso, está vendo? É
uma faca! Não mude de canal! Não desligue, por favor!" A televisão não cala a boca. O
cinema é um pescador, joga seu anzol no meio do lago e espera pacientemente que a
vítima deixe o seu refúgio entre os juncos, estacione o carro e compre ingressos para
morder a isca. A televisão vai a caça, busca o tatu na toca, enfiando-lhe o dedo onde for
preciso.

Desde o momento em que alguém tem a idéia para um filme até que você o veja na tela
de um cinema passam-se alguns anos. Tudo que chega ao filme foi visto muitas vezes por
muitas pessoas. Você vê um filme sabendo que nada está ali por acaso. Na televisão tudo
pode acontecer. Mesmo um filme na televisão pode ser interrompido a qualquer momento
pela queda de um ministro ou de um avião. Televisão é sempre ao vivo.

Diferenças técnicas: resolução da imagem, imagem eletrônica (cor, textura...), custo


relativo, durabilidade, profundidade de foco, imagem instantânea (até ao vivo), quando
do fechamento deste texto (setembro de 2011), já são quase insignificantes. O grande
fotógrafo Vittorio Storaro declarou recentemente que prefere trabalhar para televisão, já
que os monitores estão cada vez maiores e melhores enquanto as projeções nas salas de
cinema são frequentemente ruins. Já não sei distinguir, numa tela, se o material original
foi captado em em digital ou película. Hoje, prefiro filmar em digital.

Semelhanças: a linguagem e a realização.

Um parâmetro para o roteirista: cinema, no Brasil, filma (em média) 3 a 4 páginas de


roteiro por dia. Televisão, no Brasil, filma (em média), o dobro disso (6 a 8). (Menos, é
claro, a novela, que faz um longa a cada três dias, algo como 35 páginas por dia, em
várias frentes). Há casos extremos, cenas de duas linhas que levam muitos dias de
filmagem (Kurosawa, Kubrick, isso para não falar da publicidade, já perdi tardes
filmando uma rolha) e programas de tevê de meia-hora (30 páginas) filmados em um dia.

Este parâmetro sugere, por exemplo, que um roteiro de televisão deveria ter, no máximo,
uma locação para cada 4 páginas (40 páginas, máximo de 10 locações), já que é muito
difícil para uma equipe filmar (direito) em mais de duas locações por dia.

Diferença entre a televisão e o cinema que mais interessa para o roteirista: a quantidade
de atenção.

Ex: o origami em Blade Runner.

O tamanho da tela, as interrupções (e, no vídeo, as possibilidades de "pause",


"rewind"...).
A ritualização do ato de ver.

Existe um "Estado de tv"? Sim. O número (e variedade) de espectadores. O "perfil" do


espectador. “Uma geração de ditadores”, Fellini, sobre a tv e seu controle remoto. Planos
longos, longas introduções à história.

- Elementos da linguagem cinematográfica

Para o roteirista, o mais importante é que o cinema é uma linguagem, isto é, "um sistema
de signos que serve de meio de comunicação entre indivíduos e pode ser percebido pelos
diversos órgãos do sentido”. Dos cinco sentidos, o cinema utiliza dois: visão e audição.

Ao contrário de linguagens "arbitrárias" (por exemplo, a linguagem escrita, as linguagens


de computador, os sinais de trânsito), o cinema se baseia, principalmente, na observação
direta da realidade. Seus signos se estabeleceram a partir da observação direta do "real".
Portanto, qualquer pessoa está "habilitada", como espectador, a decodificar os signos do
cinema.

A linguagem cinematográfica pode ser traduzida em palavras, num roteiro do filme. Para
que possamos melhor utilizar o potencial da linguagem cinematográfica e traduzi-la em
palavras no roteiro, é útil que conheçamos os seus elementos. Digamos que sejam onze.

11 Elementos da Linguagem Cinematográfica

1. PERSONAGEM

É cada um dos "seres fictícios construídos à imagem e semelhança dos seres humanos".
Em grego antigo, personagem era ÉTHÉ, que significa "aquele que escolhe". Para
Aristóteles, o personagem era o resultado da interação da DIANÓIA (pensamento) com o
ETHOS (ação, escolha).

Em cinema (como em teatro), o personagem não existe apenas no papel, mas é também o
ATOR que o interpreta, seu FIGURINO e sua CARACTERIZAÇÃO. É o conjunto das
FALAS previstas no roteiro (somadas à DICÇÃO ou forma de falar do ator) e das
AÇÕES previstas no roteiro (somadas ao GESTUAL ou forma de agir do ator).

Há filmes sem personagens? Sim, em qualquer Bienal, mas eles dialogam com as artes
plásticas, não com as artes dramáticas.

O personagem é o elemento mais importante da dramaturgia, no próximo capítulo


falaremos só dele.

2. CENÁRIO

É o espaço dentro do qual acontece a ação. “Alguns autores dizem que o cinema deixou
de ser "teatro filmado" quando a concepção do cenário evoluiu do "espaço em frente ao
qual a ação acontece" para o "espaço dentro do qual a ação acontece". Giba.

Há filme sem cenário? Não.

3. ENQUADRAMENTO

Salvo exceções dramaticamente significativas, o enquadramento é um elemento de uso


preferencial do diretor. O roteirista deve, no entanto, conhecer as diferentes
possibilidades de relação da câmera com os personagens e o cenário.

Há filmes sem enquadramento? Não.

O enquadramento pode variar segundo...

. Tipos de planos
Existem dezenas de classificações diferentes, mas quase todas as listas têm como ponto
de partida as diferentes formas de enquadrar o corpo humano: plano de rosto, plano de
peito, plano de coxa... Para o roteirista, julgo serem suficientes imaginar quatro tipos de
plano:
- CLOSE (ou Plano de Rosto, ou Primeiríssimo Plano.). O importante é a expressão do
personagem. Cenário, figurino e tudo o mais em torno não tem importância.
- PLANO MÉDIO (ou de Coxa, de Corpo Inteiro...). A atenção se divide entre o
personagem e o que está em torno (cenário, outros personagens.).
- PLANO GERAL (ou de Conjunto.). Dá mais atenção ao cenário e ambiente do que a
expressão do personagem.
- DETALHE. Chama a atenção do público para um detalhe da cena: uma palavra escrita,
um relógio, uma tatuagem ou sinal.

. Ângulo horizontal
Uma vez definido o "objeto" de um plano ainda podemos escolher o ângulo horizontal
formado entre a câmera, o personagem e o seu olhar. Assim, um plano pode ser:
- FRONTAL
- DE 3/4
- DE PERFIL
- DE 1/4
- TRASEIRO

. Ângulo vertical
- AO NÍVEL do olhar do personagem
- PLONGÊ (do francês plongée, mergulho)
- CONTRA-PLONGÊ
- PLONGÊ ABSOLUTO
- CONTRA-PLONGÊ ABSOLUTO

. Profundidade de campo
- PRIMEIRO PLANO
- SEGUNDO PLANO
- Etc...

. Espaço fora de quadro


Em geral se diz que o espaço fora de quadro tem seis lados:
- DIREITA do quadro
- ESQUERDA do quadro
- EM CIMA do quadro
- EM BAIXO do quadro
- AO FUNDO do quadro (e suas portas, janelas, corredores, etc.)
- a própria CÂMERA e todo o espaço atrás dela.

Quando o personagem entra ou sai de quadro, ou quando olha para fora de quadro, pode
fazê-lo por qualquer um destes seis lados.

Importante: em enquadramento, como em roteiro, sempre que se fala em DIREITA (ou


ESQUERDA) está-se referindo à direita (ou esquerda) do quadro, não do personagem.

. Composição
Para enquadrar, portanto, precisa-se definir o objeto, o tipo de plano, os ângulos
horizontal e vertical e a utilização da profundidade de campo e do espaço fora de quadro.
Mas isto não é tudo. Em cinema, como em pintura ou fotografia, dá-se o nome de
COMPOSIÇÃO à arte de combinar todos estes elementos num quadro.

Repetindo: O enquadramento, embora pareça uma lista fascinante, geralmente não diz
respeito ao roteirista. O roteiro só deve INDICAR enquadramento quando ele tem UMA
FUNÇÃO DRAMÁTICA OU NARRATIVA. No entanto, veremos que há muitas
maneiras de SUGERIR enquadramentos (e cortes, e movimentos de câmera...) sem as
utilização de indicações técnicas. (Ex: "O Bom, o Mau e o Feio", o gibi em Dorival, os
pés de Oscarito.)

4. LUZ

Elemento fundamental, não há cinema sem ela. Além da indicação DIA e NOITE,
importante para a produção, o roteirista, como no caso dos enquadramentos, só deve dar
indicações de luz quando ela tem uma função dramática ou narrativa. A definição e o
detalhamento da luz são prerrogativas do diretor e do diretor de fotografia. Tome cuidado
especial com AMANHECER ou ENTARDECER. Lembre-se que eles são muito curtos.
A Luz inclui um elemento fundamental da linguagem cinematográfica: a COR. A Cor
pode ser dramaticamente significativa ou mesmo fundamental para a narrativa. Nestes
casos, deve estar no roteiro.

Há filmes sem luz? Não.

5. DURAÇÃO

O tempo decorrido, que não existe numa pintura ou numa fotografia. Não há como
classificar os planos apenas quanto à sua duração. Determinar a duração de cada plano,
de cada cena, é dos segredos do ofício cinematográfico. (ver “Em algum lugar”, de Sofia
Coppola. “Elegia Soviética”, deo Sukorov).

Chama-se PLANO-SEQÜÊNCIA quando a câmera se coloca dentro da ação,


acompanhando-a, não só se movendo dentro do cenário como através dele, e mesmo
passando de um cenário a outro.

Através de trucagens de câmera ou de laboratório, pode-se alterar a duração da ação


dentro de um plano. O exemplo mais comum é o SLOW-MOTION (em português
erradamente chamado de CÂMERA LENTA) e o FAST-MOTION (em português,
erradamente, CÂMERA RÁPIDA).
Outra forma de alterar a duração de uma ação é através do CONGELAMENTO (em
inglês: FREEZE-FRAME). Rampa.

O cinema, como a música, é uma arte "contra o relógio". Comparação com outras artes:
teatro, pintura, literatura.

O tempo no roteiro, o roteiro é como uma partitura: A Sinfonia Júpiter e Credence em


HQC. Nasci para chorar em Dois Verões.

O tempo no cinema (diferente do tempo real): Potenkin.

O tempo na narrativa: A Família, Amarcord.

Há filmes sem duração? Não.

6. MOVIMENTO

Um elemento fundamental na linguagem do cinema.

Movimento que pode ser de qualquer um dos elementos do quadro.

- Do personagem
Entrando ou saindo de quadro, aproximando-se ou afastando-se da câmera. A
movimentação dos personagens é muitas vezes indicada pelo roteiro. Ela pode ajudar a
construir o personagem.

- Do cenário
Por exemplo, quando os personagens e a câmera estão dentro de um veículo em
movimento. O cenário também pode se movimentar de outras formas: caindo, sendo
erguido, sofrendo ação do vento ou da chuva ou de algum personagem.

- Da luz
Quando se deslocam, em quadro ou fora dele, fontes luminosas (faróis de automóveis,
lanternas, o sol ou a lua, etc.) ou obstáculos à luz (nuvens, pessoas, animais, etc.),
provocando sombras ou alterações na sua intensidade.

- Do enquadramento
São os movimentos de câmera e movimentos de lente.

- Da câmera

A câmera imita o olho humano, e seus dois principais tipos de movimento imitam nossa
capacidade de olhar em movimento: mexendo os olhos ou caminhando.

PANORÂMICA (pan) é todo movimento de câmera em que ela não se desloca, mas
apenas gira em torno de um eixo. Alguns autores chamam de TILT a panorâmica vertical
A panorâmica pode ser:
(a) DESCRITIVA, quando descreve um cenário.
(b) DE ACOMPANHAMENTO, quando segue o movimento de um personagem,
veículo, etc..
(c) PONTO DE VISTA, quando mostra o que é visto por um personagem parado, que
apenas mexe os olhos.
(d) GEOGRÁFICA, quando estabelece a relação espacial entre duas coisas
(personagens, grupos de personagens, objetos, trechos de cenário, etc.)

TRAVELING é todo movimento de câmera em que ela realmente se desloca no espaço.


O traveling, como a panorâmica, pode ser DESCRITIVO, DE ACOMPANHAMENTO,
PONTO DE VISTA (quando o personagem que olha está em movimento) ou
GEOGRÁFICO. Mas, ao contrário da panorâmica, o traveling também pode ser:
(e) DE APROXIMAÇÃO, quando a câmera se desloca em direção a um personagem ou
objeto.
(e) DE RECUO, quando a câmera se afasta de um personagem ou objeto.
(f) DE CONTORNO, quando a câmera contorna um personagem ou objeto.
Em geral, dá-se o nome de GRUA ao traveling vertical.

- Da lente

MUDANÇA DE FOCO (ou ALTERAÇÃO DE FOCO) é a focagem realizada durante o


plano, alterando a nitidez geral da imagem e movendo o centro de atenção, do 1º para o
2º plano ou vice-versa.

ZOOM é um tipo de lente que pode alterar a sua distância focal e, portanto, o seu ângulo
de visão. MOVIMENTO DE ZOOM é a abertura (ZOOM OUT) ou fechamento
(ZOOM IN) de zoom realizada durante o plano, dando a impressão de que o objeto se
afasta ou se aproxima. Ao contrário do traveling, o zoom não corresponde a um
movimento possível do olho humano. o zoom altera o enquadramento sem mudar a
perspectiva (isto é, a relação entre personagem e cenário, entre objeto e fundo, entre os
diferentes planos).

Assim como as indicações de Enquadramento e Luz, as indicações específicas de


Movimentos de Câmera e Lente devem ser evitadas pelo roteirista, sendo usadas apenas
quando de VITAL IMPORTÂNCIA NARRATIVA OU DRAMÁTICA. Veremos que
também existem maneiras de SUGERIR movimentos sem a utilização de termos técnicos.

Há filmes sem movimento? Pode haver, mas não me convide para vê-los.

7. SOM

Durante mais de 30 anos houve cinema mudo. Desde 1929 o som é um elemento
fundamental da linguagem cinematográfica, "audiovisual", sons e imagens.

Há filmes sem som? Sim, muitos, alguns dos melhores.

A linguagem cinematográfica utiliza, além das falas, vários tipos de som:

- MÚSICA

pode ser de três tipos:


(a) DE CENA, quando faz parte do ambiente, seja porque os personagens a estão
executando, seja porque a estão ouvindo.
(b) CLIMÁTICA, quando é uma projeção simbólica do momento vivido pelos
personagens.
(c) NARRATIVA, quando os personagens se utilizam dela para se comunicar, como nos
filmes musicais.

- RUÍDOS

Também pode ser de três tipos:

(a) DESCRITIVO, quando apenas acompanha a imagem mostrada, conferindo a esta um


maior realismo (som de passos quando alguém caminha, som de socos acompanhando
uma briga, etc.).
(b) EXPRESSIVO (ou ANTIDESCRITIVO), quando se choca com a imagem mostrada,
retirando-lhe o realismo (em cenas de sonho, ou fantasmagóricas), ou quando soma-se a
imagem conferindo-lhe novo sentido ou sublinhando determinado efeito (os "Bóings" e
"Tóings" dos palhaços ou a frequência aguda que acompanha as manchetes de jornal em
"Cabra Marcado") ou simplesmente quando se quer criar no público um efeito de
"distanciamento" em relação ao filme (All that jazz, Ran).
(c) NARRATIVO, quando indica o que está acontecendo fora de quadro (os passos do
perseguidor ouvidos pelo perseguido, um telefone que toca em outra sala, etc.)

8. FALAS

Mesmo antes de ter som, o cinema já tinha "falas", expressas em cartões intercalados às
cenas. (“E se eu te disser que ela é morfética?”) São o tipo fundamental de som em
cinema: cinema sonoro é, antes de mais nada, cinema falado. E isso por um motivo
simples: a fala é ao mesmo tempo som e ação dramática.

Há filmes sem falas? Sim, muitos.

As falas podem ser de dois tipos:

- DIÁLOGO, quando é dita em quadro por um personagem que fala com outro.

O estudo dos diálogos seria tema para um curso inteiro. Na indústria cinematográfica
americana “dialoguistas” pode ser uma profissão expecífica. Na televisão brasileiria
também há dialoguistas, roteiristas que não trabalham nas tramas ou escaletas, são
especialistas em diálogos.

Alguns conceitos básicos:

CHION:
O equilíbrio do diálogo deveria ser encontrado entre a concentração excessiva do texto
escrito e o caráter demasiado diluído da verdadeira conversa "realista".

JEAN-CLAUDE CARRIÉRE:
Parece-me essencial e evidente jamais anunciar o que se vai ver, jamais contar o que se
viu. Isso parece simples e infantil, um novo ovo de Colombo. Entretanto, quando se vai
ao cinema, os personagens comentam a ação, dissertam sobre a imagem, o que é
completamente inútil, ou pior, proclamam e expõe o que vai acontecer, o que vai ser
mostrado. É uma perda de tempo considerável, uma redundância. Evitá-la é difícil e dá
muito trabalho, mas é uma regra que me imponho e cada roteirista cria suas próprias
exigências. Isto força a não ceder à facilidade da narrativa e a procurar e imaginar
soluções narrativas que, sem isso, não teriam sido pensadas.

Sugestão: nunca escreva “mudando de assunto” num diálogo. O mínimo exigido é um


“por falar nisso”.

Minhas próprias exigências quanto aos diálogos:

Escrever sempre a favor do personagem, o maior dos canalhas tem lá os seus motivos.

Considerar que cada fala é um acontecimento dramático e, como tal, deve ser ao mesmo
tempo “surpreendente e inevitável”.

Personagens são construídos à imagem e semelhança dos seres humanos, que mentem
muito. (Os homens mentem menos em fevereiro.) A maneira como falamos revela sobre
nós tanto ou mais que o significado das nossas palavras. Seja assim com os personagems
que criamos. Personagens que falam sempre o que pensam e sentem são, além de
iverossímeis, chatos. Elias Cannetti: “Não acredite em alguém que sempre diz a
verdade”.

As falas podem definir o personagem.

Homer Simpson , melhores momentos.

“A culpa é minha e eu a coloco em quem eu quiser.”

“Cala a boca Pensamento, ou te enfio uma faca.”

“Operador, me dê o número do 911!″

“Eu não sou Deus. Deus tem barba branca e escreveu o Código Da Vinci.”

“Por que tudo que eu chicoteio me abandona?”

"Por que eu tive que nascer pai?"

“Bem, ele pode ter todo o dinheiro do mundo, mas tem uma coisa que ele não pode
comprar: um dinossauro.”

"Não pode se culpar constantemente. Culpe-se só uma vez e vá em frente."

"Lisa, vampiros são faz-de-conta, como elfos, gremlins e esquimós."

“Eu não bebo água… Os peixes transam nela.”

"É melhor ver coisas do que fazer coisas"

“Quando eu seguro uma arma na mão eu sinto um enorme poder, como Deus deve ter se
sentido quando segurava uma arma.”
“Fatos não significam nada. Você pode usar os fatos para provar qualquer coisa que seja
só remotamente verdadeira”.

“Eu não estava mentindo. Estava escrevendo ficção com a boca.”

“Vou fazer o que faço de melhor, mentir para uma criança.”

“Existem três frases curtas que levarão sua vida adiante: ‘Não diga que fui eu’, ‘Oh, boa
idéia chefe’ e ‘Já estava assim quando cheguei’.”

“Deus, porque eu tenho que gastar 2 horas do domingo na igreja ouvindo as diferentes
maneiras que irei para o inferno?”

“Bart, com 10 mil dólares nós seremos milionários. Nós poderíamos comprar todo tipo de
coisas úteis, como amor.”

“Eu tenho 3 filhos e 1 dólar. Por quê eu não posso ter 3 dólares e 1 filho?”

Encontrando Aliens: “Por favor, não me comam! Eu tenho mulher e filhos. Comam eles!”

“A TV nos dá tanto e pede tão pouco.”

“Bart vou lhe contar como são as mulheres… as mulheres são como uma geladeira, elas
tem 2 metros de altura e fazem gelo.”

“Bom, é 1h da manhã. Melhor ir pra casa e passar um tempo de qualidade com as


crianças.”

“‘Para iniciar pressione uma tecla qualquer’. Onde está a tecla qualquer?”

“A fama se parecia com uma droga, mas o que mais se parecia com uma droga eram as
drogas.”

“Livros são inúteis!” Eu só li um livro em minha vida, “Para matar um pássaro” (“To kill
a mockingbird”) e ele não me ensinou absolutamente nada sobre como matar um pássaro.
É claro que ele me ensinou a não julgar um homem pela sua cor, mas em que isso me
ajudou?”

“É importante aprender a abandonar o navio, como fazem os ratos. É o que nos diferencia
dos animais, exceto dos ratos”.

“Filho, mulheres são como cerveja. Elas são bonitas, cheiram bem e você pisa sobre a sua
própria mãe só para conseguir uma! Mas não consegue parar na primeira, você logo quer
beber mais uma mulher!”
“Você não faz amigos com saladas.”

“Oh, qualquer coisa parece ruim se você lembra dela”.

“Crianças… Eu não vou morrer. Isso só acontece com as pessoas más”.

“Oh, eu não estou em condições de dirigir... Espere um pouco: eu não devo dar ouvidos a
mim mesmo, estou bêbado!”

“Eu cheguei até aqui com meu próprio esforço, como qualquer otário”.

- NARRAÇÃO OFF, quando é dita por alguém que está fora de quadro, que pode ser:

. um narrador objetivo, que não faz parte da cena


. um narrador subjetivo, que descreve a cena conforme o seu ponto de vista participante
. o pensamento de um personagem que está em cena
. a manifestação de algum fenômeno sobrenatural
. um diálogo interno que se passa, por exemplo, dentro de um prédio do qual só é
mostrada a fachada
. um diálogo antecipado ou continuado, da cena anterior ou da seguinte
. um diálogo adjacente, dito por um personagem que está em cena mas, neste momento,
está fora de quadro, às vezes chamado de FQ.

Detalhe: embora a expressão OFF venha do inglês "fora", os americanos e ingleses só


consideram OFF o diálogo adjacente. Os outros tipos todos, em inglês, são chamados de
VOICE OVER, ou "voz sobreposta".

Narração inicial de “Sunset Boulevard”, de Billy Wilder, roteiro de Charles Brackett,


Billy Wilder e D.M. Marshman Jr.

“Sim, esta é a Sunset Boulevard, em Los Angeles, Califórnia. São umas 5:00 da manhã.
Esta é a patrulha de homicídios acompanhada de detetives e jornalistas. Foi noticiado
um homicídio numa dessas mansões no quarteirão dez mil. Tenho certeza de que vão ler
esta notícia em edições posteriores. Vão ouvir na rádio e ver na televisão, porque tem a
ver com uma antiga estrela de Hollywood, uma das maiores. Mas antes que a ouçam
distorcida e exagerada, antes desses colunistas de Hollywood lhe porem as mãos em
cima, talvez queiram ouvir os fatos, toda a verdade. Se assim é, vieram ao lugar certo.
Estão vendo, foi encontrado o corpo de um jovem flutuando na piscina de sua mansão
com dois tiros nas costas e um no estômago. Na verdade, não é ninguém importante. Só
um argumentista com alguns filmes de série B no currículo. Pobre alma. Ele sempre quis
uma piscina. Bem, acabou por tê-la. Só que o preço pago por ela foi bem alto. Recuemos
seis meses até o dia em que tudo começou.”

Dramaticamente, são infinitas as possibilidades do OFF. O tipo de narração pode variar


durante o filme ou mesmo durante a cena.

Ex: Curta francês, texto off, voz masculina, sobre rosto de mulher, descreve uma mulher
(que imaginamos ser ela). Logo descobrimos que não é um OFF e sim um FQ, quem fala
é o marido, que entra em quadro, refere-se a uma outra mulher.

Ex: o início de “Saneamento Básico”.

Uma teste: escreva a cena, com o OFF. Retire o OFF. Se a cena funcionar sem o OFF,
você pode (ou não) colocar o OFF de volta. Se a cena não funcionar sem o OFF,
reescreva a cena. O OFF deveria ser um “brinde”, uma “camada extra” da narrativa, não
sua base de sustentação.

IN ou OFF:
Tecnicamente, as falas de um filme se dividem em dois tipos: com ou sem sincronismo
labial dos atores. Se há, a fala deve ser gravada em som direto ou dublada. Se não há,
pode (e deve) ser gravada depois da filmagem (e quanto mais perto do corte final,
melhor.)

Exemplo: Dois verões, fala sobre a tala no pescoço de Juca.

Exemplo mais recente: Carol, em Antes que o mundo acaba, telefona para a mãe, avisa
que o irmão passa mal. Uma fala extra de Carol foi gravada, com o filme já editado,
informando que a mãe “já está chegando, tá aqui na frente”, o que permitiu encurtar a
cena.

Erros mais comuns quanto aos diálogos:

. diálogos explicativos ou forçados, pensados para o público e não para os personagens.


(“Efigênia, sua irmã, estava ontem na festa...”)
. excesso de informações nos diálogos (“Vivo aqui em Brasília, capital da república, há
dez anos...”)
. diálogos excessivamente literários
. diálogos irrelevantes ou excessivamente coloquiais
. falsa seqüência de cinema mudo (falta de diálogos em momentos em que os
personagens deveriam falar)
. inadequação entre personagem e fala
. diálogo comentando o que já se viu (recapitulação inútil, comum em novelas)
. diálogo substituindo ações, comentando o que não se viu. (“Você precisava ter visto...”)
. diálogos comentando exatamente o que vai se ver (antecipação inútil)
. referências a fatos que o público desconhece (antecipação) sem posterior desenlace
. referências a personagens ainda não denominados

Erros mais comuns quanto à Narração (OFF):

. A cena não funciona sem o OFF, o que torna a imagem desnecessária.


. Texto literário demais, melhor de ser lido do que de ser ouvido.
. Texto literariamente ruim (pretencioso, piegas, banal, etc...).
. Texto inadequado para o personagem.
. Indefinição (não-intencional) do tempo narrativo. (O público não sabe se o personagem
diz o texto OFF antes, durante ou depois da ação).

9. AÇÃO DRAMÁTICA

É o que dá sentido aos movimentos e às relações entre os demais elementos da


linguagem, e que conduz adiante a narrativa. Enfim, aquilo que realmente interessa ao
roteirista. Falaremos dela mais adiante.

Há filmes sem ação dramática? Se o filme quiser contar uma história, não.

10. PLANO

O cinema se torna uma forma de linguagem realmente nova quando se descobre que ele
pode mudar bruscamente de ponto de vista, isto é: passar de um enquadramento a outro
totalmente diferente sem precisar passar pelos enquadramentos intermediários. Giba
Assis Brasil

Há filme sem plano? Não.

11. CORTE

É o momento em que o ponto de vista do filme se modifica, o momento em que a


narrativa do filme passa de um plano para outro. Dito de forma mais simples: plano é um
pedaço de filme sem corte. Corte é a passagem de um plano a outro. Todos os filmes que
se podem imaginar são formados por uma seqüência de planos e cortes entre um plano e
outro. Por mais complicada que seja uma cena que se deseja filmar, por mais impossível
que pareça a filmagem de determinada situação, basta dividir a cena ou a situação em
planos, pensar como estes planos vão se ligar uns aos outros, assegurar-se de que é
possível filmar cada um dos planos, e de que é possível "montar" cada um dos cortes - e a
cena, a situação, pode ser filmada.
Há filme sem corte? Sim.

O décimo-segundo elemento.

Além destes 11 elementos da linguagem cinematográfica há ainda o PARAFILME, isto


é, todas as informações que o público tem do filme mas que não estão no filme
propriamente dito: Título, Créditos Iniciais, Cartaz, Material de Divulgação.

Filmes “baseados em fatos reais” (Cidadão Kane, Cazuza, Carandiru, Diários da


motocicleta, Dois Filhos de Francisco, etc.), “irreais” (lendas ou religiões),
“polêmicos” (Último Tango, Laranja Mecânica, O Império dos sentidos, etc.).

Estas informações podem alterar (ou não) a compreensão do filme.

Ex: Tootsie. Alguém começa a ver o filme não sabendo que ele irá se passar por uma
mulher? (Talvez seja essa informação prévia do público que permita o alongamento do
primeiro ato.)

Ex: créditos iniciais de "Bob Roberts" (informam que o filme é um documentário), ou de


"Trama Diabólica" (informam que há 3 atores no filme) ou o tradicional "baseado em
fatos reais".

Erro mais comum quanto ao uso dos vários elementos da linguagem:

. Desequilíbrio do uso dos elementos.

Um dos erros mais frequentes provocado por este desequilíbrio são as longas cenas onde
os personagens, parados, falam, aproximando o filme de um programa de rádio. “Talking
heads”, na dramaturgia ou no documentário, são sempre a solução mais fácil e, por isso
mesmo, a mais usada. Lembre-se que é possível falar e agir (caminhar, trabalhar, etc.) ao
mesmo tempo, que o movimento é um dos elementos fundamentais do cinema, e que toda
ação pode ser dramática. (“Dramatizar!”)

“Ação é eloqüência, e os olhos do ignorante mais espertos que as orelhas.” (“Volumnia,


em Coriolano, III, 2: Action is eloquence, and the eyes of th’ ignorant more learned than
the ears.)

Ver: ensaio do Decamerão.

Lembre-se que uma informação importante da trama ou uma característica importante do


personagem pode ser revelada por qualquer um dos elementos da linguagem ou ainda
pelo uso coordenado de vários elementos. Não dê trabalho demais a um dos elementos.
Em maus roteiros os diálogos costumam fazer quase todo o serviço.

- Arranjos e combinações de elementos.


Os elementos da linguagem podem ser combinados, repetidos, coordenados.

. Combinações

Informações que, somadas, geram uma nova informação. Eisenstein e a escrita chinesa.

. Repetição

Toda informação fundamental pode ser reiterada, às vezes repetida. Para não ser chato,
podemos repetir a informação usando diferentes signos. O tempo de apreensão da
informação no cinema, na televisão, no romance.

. Coordenação

O cinema é, como definiu Luis Buñuel, "uma incursão administrada ao inconsciente".


Um roteiro busca administrar as sensações do público: "aqui ele vai se assustar", "neste
ponto ele vai rir", e assim por diante. Estas incursões são feitas com a utilização dos
vários elementos da linguagem do cinema que, cordenados, são percebidos consciente ou
inconscientemente pelo espectador.

Ex banal: travelling de aproximação + trilha.

- Limites do Roteiro (Roteirista X Diretor)

A coordenação dos vários elementos da linguagem é a função principal do diretor, mas


um bom roteiro deve considerar as múltiplas (infinitas?) possibilidades de combinação
dos signos cinematográficos. A primeira tendência que temos ao escrever uma cena é
pensar nas palavras (diálogos ou narração), no ator e no cenário. Considere sempre a
utilização (ou não) dos outros signos.

Um novo clichê: o herói e a mulher de Lot.

Lembre-se:

Use o menor número possível de especificações técnicas. (Syd Field e o uso da palavra
“câmera”.)

Um roteiro vai ser lido e, portanto, deve ser bem escrito. Se você conseguir escrever um
roteiro agradável de ler, ótimo. Se tiver que optar entre ser agradável ou claro, seja claro.
Aquilo que não é visível ou audível. (trechos de “não-roteiro” em itálico):

O Pássaro Preto

A Sra. Wonderly, num vestido justo de crepe de seda verde, abriu a porta do apartamento
1001 do Hotel Coronet. Seu rosto estava corado. O cabelo vermelho escuro, dividido do
lado esquerdo, penteado para trás em ondas suaves sobre a fronte, do lado direito, estava
um pouco desarrumado. Spade tirou o chapéu dizendo: - Bom dia.

Seu sorriso trouxe ao rosto dela um reflexo de sorriso, mas os olhos, de um azul quase
violeta, não perderam a expressão perturbada. Ela abaixou a cabeça e disse numa voz
tímida, sussurrante: - Entre, Sr. Spade.

A moça conduziu-o a uma sala de estar vermelha e creme, passando pelas portas abertas
da cozinha, do banheiro e do quarto, e pedindo desculpas pela desordem: - Está tudo
remexido. Nem acabei de desarrumar as malas.

Pôs o chapéu dele sobre uma mesa, e sentou-se em um grande sofá de nogueira. Ele
sentou-se numa cadeira de brocado de encosto oval, na sua frente. A moça olhou para os
dedos, trançando-os, e disse: - Sr. Spade, tenho uma terrível confissão a lhe fazer. - Spade
sorriu de modo educado (ela não levantou os olhos para ele) e não disse nada.

- Essa... essa história que eu lhe contei ontem era só... uma história - gaguejou, e então
levantou o olhar para ele com uma expressão angustiada, amedrontada.

- Oh, quanto a isso... - disse Spade despreocupado. - Nós não acreditamos muito na sua
história.

- Então? - A perplexidade juntava-se agora à angústia e ao receio nos seus olhos.

- Nós acreditamos nos seus duzentos dólares.

(HAMMET, Dashiel. O Falcão Maltês, pág 36. Editora Brasiliense, Rio de Janeiro, 1984.
Tradução: Cândida Villalva)

DOM CASMURRO

CAPÍTULO 13
CAPITU

De repente, ouvi bradar uma voz de dentro da casa ao pé:

E no quintal:

- Mamãe!

E outra vez na casa:

- Vem cá!

Não me pude ter. As pernas desceram-me os três degraus que davam para a
chácara, e caminharam para o quintal vizinho. Era costume delas, às
tardes, e às manhãs também. Que as pernas também são pessoas, apenas
inferiores aos braços, e valem de si mesma, quando a cabeça não as rege
por meio de idéias. As minhas chegaram ao pé do muro. Havia ali uma
porta de comunicação mandada rasgar por minha mãe, quando Capitu e eu
éramos pequenos. A porta não tinha chave nem taramela - abria-se
empurrando de um lado ou puxando de outro, e fechava-se ao peso de uma
pedra pendente o uma corda. Era quase que exclusivamente nossa. Em
crianças, fazíamos visita batendo de um lado, e sendo recebidos do outro
com muitas mesuras. Quando as bonecas de Capitu adoeciam, o médico era
eu. Entrava no quintal dela com um pau debaixo do braço, para imitar o
bengalão do Doutor João da Costa, tomava o pulso à doente e pedia-lhe
que mostrasse a língua. “É surda, coitada!”, exclamava Capitu. Então eu
coçava o queixo, como o doutor, e acabava mandando aplicar-lhe umas
sanguessugas ou dar-lhe um vomitório: era a terapêutica habitual do
médico.

- Capitu!

- Mamãe!

- Deixa de estar esburacando o muro - vem cá.

A voz da mãe era agora mais perto, como se viesse já da porta dos
fundos. Quis passar ao quintal, mas as pernas, há pouco tão andarilhas,
pareciam agora presas ao chão. Afinal fiz um esforço, empurrei a porta,
e entrei. Capitu estava ao pé do muro fronteiro, voltada para ele,
riscando com um prego. O rumor da porta fê-la olhar para trás. ao dar
comigo, encostou-se ao muro, como se quisesse esconder alguma coisa.
Caminhei para ela. naturalmente levava o gesto mudado, porque ela veio a
mim, e perguntou-me inquieta:
- Que é que você tem?

- Eu? Nada.

- Nada, não. você tem alguma coisa.

Quis insistir que nada, mas não achei língua. Todo eu era olhos e
coração, um coração que desta vez ia sair, com certeza, pela boca fora.
Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta, forte
e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos
grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à
moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes,
nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos, a
despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor, não cheiravam a
sabões finos nem águas de toucador, mas com água do poço e sabão comum
trazia-as sem mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que
ela mesma dera alguns pontos.

- Que é que você tem? repetiu.

- Não é nada, balbuciei finalmente.

E emendei logo.

- É uma notícia.

- Notícia de quê?

Pensei em dizer-lhe que ia entrar para o seminário e espreitar a


impressão que lhe faria. Se a consternasse é que realmente gostava de
mim. se não, é que não gostava. Mas todo esse cálculo foi obscuro e
rápido. senti que não poderia falar claramente, tinha agora a vista não sei como...

- Então?

- Você sabe...

Nisto olhei para o muro, o lugar em que ela estivera riscando,


escrevendo ou esburacando, como dissera a mãe. Vi uns riscos abertos e
lembrou-me o gesto que ela fizera para cobri-los. Então quis vê-los de
perto, e dei um passo. Capitu agarrou-me, mas, ou por temer que eu
acabasse fugindo, ou por negar de outra maneira, correu adiante e apagou
o escrito. Foi o mesmo que acender em mim o desejo de ler o que era.
CAPÍTULO 14

A INSCRIÇÃO

Tudo o que contei no fim do outro capítulo foi obra de um instante. O


que se lhe seguiu foi ainda mais rápido. Dei um pulo, e antes que ela
raspasse o muro, li estes dois nomes, abertos ao prego, e assim dispostos:

BENTO
CAPITOLINA

Voltei-me para ela. Capitu tinha os olhos no chão. Ergueu-os logo,


devagar, e ficamos a olhar um para o outro... Confissão de crianças, tu
valias bem duas ou três páginas, mas quero ser poupado. Em verdade, não
falamos nada, o muro falou por nós. Não nos movemos, as mãos é que se
estenderam pouco a pouco, todas quatro, pegando-se, apertando-se,
fundindo-se. Não marquei a hora exata daquele gesto. Devia tê-la
marcado, sinto a falta de uma nota escrita naquela mesma noite, e que eu
poria aqui com os erros de ortografia que trouxesse, mas não traria
nenhum, tal era a diferença entre o estudante e o adolescente. Conhecia
as regras do escrever, sem suspeitar as do amar, tinha orgias de latim e
era virgem de mulheres.

Não soltamos as mãos, nem elas se deixaram cair de cansadas ou de


esquecidas. Os olhos fitavam-se e desfitavam-se, e depois de vagarem ao
perto, tornavam a meter-se uns pelos outros... Padre futuro, estava
assim diante dela como de um altar, sendo uma das faces a Epístola e a
outra o Evangelho. A boca podia ser o cálix, os lábios a patena. Faltava
dizer a missa nova, por um latim que ninguém aprende e é a língua
católica dos homens. Não me tenhas por sacrilégio, leitora minha devota
a limpeza da intenção lava o que puder haver menos curial no estilo.
Estávamos ali com o céu em nossas mãos, unindo os nervos, faziam das
duas criaturas uma só, uma só criatura seráfica. Os olhos continuaram
a dizer coisas infinitas, as palavras de boca é que nem tentavam sair,
tornavam ao coração caladas como vinham...

#CAPÍTULO 4: OS PERSONAGENS

Exemplo de narrativa, a primeira frase de “A Metamorfose”, de Franz Kafka:

"Certa manhã, ao despertar de sonhos agitados, Gregor Samsa viu-se transformado num
inseto gigantesco".
Verbo e sujeito. Uma narrativa precisa de:

Personagem (Gregor Samsa) + ação (acordar transformado num inseto)

Alguns escritores (roteiristas) se preocupam mais com a construção psicológica do


personagem. Alguns, se preocupam principalmente com a ação. Não existe ação sem
personagem. Não existe narrativa sem ação. O personagem, no cinema, se constrói pela
ação. Podemos chamar a construção do personagem de "caracterização".

- Caracterização

Algumas dificuldades da caracterização no cinema e na televisão:

1. Pouco tempo.

2. Risco da caricatura. Nosso personagem, em vez de ser "um executivo" (real,


específico, com características únicas), passa a ser "o executivo" (uma caricatura de todos
os executivos do mundo). Exemplos de caricatura no cinema: o amigo engraçado, o chefe
raivoso, a vizinha fofoqueira, a sogra, a secretária, o porteiro tosco, etc. (Casting do
Fellini)

3. Dificuldade de expor contradições (humanas) no personagem. As contradições são


normais no ser humano. No cinema, é preciso usar com muito cuidado as contradições na
construção do personagem. Mal usadas, criam confusão.

4. Dificuldade (ou mesmo impossibilidade) de transmitir o pensamento do personagem.


Na literatura, isto é muito fácil. "Paulo Roberto lembra com saudade de sua infância e dos
momentos agradáveis que passou com Odete no sítio em Caçapava do Sul". Para filmar
este pensamento, é preciso transformá-lo em ação do personagem. "Paulo Roberto está
em sua casa. Ouve uma música. Para o que está fazendo. Flash-back. Paulo Roberto,
criança, correndo com uma menina num sítio. Voltamos para o tempo presente onde
Paulo Roberto, em sua casa, vê uma foto de Odete" Este é um exemplo, grosseiro, de
transformação de uma linguagem literária em linguagem cinematográfica. Existem,
evidentemente, problemas muito mais difíceis de serem resolvidos. Mas mesmo neste
exemplo grosseiro há dificuldades: como saberemos, no filme, que aquele menino é o
Paulo Roberto? Como saberemos que aquele sítio é em Caçapava do Sul? Como
saberemos que a moça da foto é Odete? Porque aquela música fez Paulo Roberto lembrar
de sua infância? Estes parecem problemas banais, mas podem se revelar fundamentais em
nossa narrativa.

5. Imagem real do ator, diferente da literatura. Quando lemos a descrição de um


personagem, formamos sua imagem em nossa cabeça. No cinema, o personagem tem
uma imagem real, que é a do ator.

Existem infinitos problemas na criação do personagem. E infinitas maneiras de


solucionar estes problemas.

Mamet: “Jogue fora o primeiro rolo!”

HQC e a penitência imposta ao público.

Adeus a Berlin, romance de Christopher Isherwood, 1939. Tradução de Guilherme da


Silva Braga, trecho citado em “A arte da ficção”, de David Lodge.

Alguns minutos depois, a própria Sally chegou.

- Estou muito artrasada, Fritz, querido?

- Só uma meia hora, acho - respondeu Fritz, devagar, transparecendo uma satisfação
inconfundível - Posso apresentar o sr. Isherwood – sra. Bowles? O sr. Isherwood é mais
conhecido como Chris.

- Não – respondi – Fritz é a única pessoa que me chama de Chris em todo o mundo.

Sally deu uma risada. Ela trajava seda preta, tinha uma pequena capa nos ombros e usava
um chapeuzinho como os dos pajens, ajustado com muitas elegância, de lado, sobre a
cabeça.

- Posso usar o telefone, querido?

- Claro, fique à vontade.

Fritz olhou-me nos olhos.

- Venha para o outro quarto, Chris. Quero lhe mostrar uma coisa.

Era óbvio que ele estava ansioso por saber a minha opinião a respeito de Sally, sua mais
recente aquisição.

- Pelo amor de Deus, não me deixem sozinha com esse homem! – ela exclamou – Posso
acabar seduzida pelo telefone. Ele é muito assanhado.

Enquanto ela discava o número, percebi que suas unhas estavam pintadas de verde-
esmeralda, uma escolha infeliz, pois destacavam suas mãos, muito manchadas pelo
cigarro e sujas como as de uma garotinha. Sally era escura o suficiente para ser irmã de
Fritz. O rosto magro e afilado tinha a brancura mortiça do pó-de-arroz. Os olhos
castanhos eram enormes e deveriam ser mais escuros para combinar com os cabelos e o
lápis que ela usava nas sobrancelhas.
- Olá – disse em tom amoroso, contraindo os lábios cor de cereja como se fosse beijar o
bocal – Ist das Du, mein liebling?” A boca entreabriu-se em um sorriso estupidamente
doce. Eu e Fritz ficamos a observá-la, como no teatro.

Nosso primeiro impulso ao descrever um personagem: "Um homem, 38 anos, dentista,


casado, pai de três filhas..."

Aspectos de exposição recomendável:

1. Idade
No cinema, o personagem tem quase sempre a idade do ator. (“Pequeno grande homem”)
Exemplo: Bandeirinha, no filme "Barbosa".
Contra-exemplo: Roger Rabitt. Qual a sua idade?

2. Ocupação
Frequentemente o público se pergunta sobre um personagem: ele vive de quê?

3. Relacionamentos.
O personagem é casado? Tem namorada? É patrão ou empregado? Pais, vizinhos,
cachorro.

4. Gênero. No cinema, normalmente este aspecto é visual.


Ex: Jessica (Roger Rabitt)
Contra-exemplo: E.T. é masculino ou feminino?

Aspectos de exposição seletiva, de acordo com a necessidade da narrativa.

1. Passado.

2. Planos para o futuro.

3. Todas as variações possíveis de personalidade, que devem ser expostas em forma de


"ação".
Ação também inclui falar, pensar...

Nome, nacionalidade, classe, educação, religião, opções políticas, passatempos,


preferências esportivas, relação com os vizinhos, manias, defeitos, fobias, sonhos,
temperamento, opções sexuais, padrões morais, temperamento, etc.
“Pegue um punhado qualquer de fatos da vida de um homem, distribua-os como quiser, e
você terá ali um certo personagem, de uma verossimilhança incontestável. Distribua-os
de maneira um tantinho diferente e, caramba!, o personagem mudou, é outro, mas
igualmente verdadeiro.”

Alberto Manguel, em “Todos os homens são mentirosos”. Tradução de Josely Vianna


Baptista.

Psicologia: toda ação revela algo sobre o "ator".

A caracterização compreende todos os aspectos de um ser humano. Depois que o autor


tem em sua mente a caracterização total, deve transmiti-la ao público.

Cena de abertura de “A Montanha dos sete abutres”, de Billy Wilder.

O roteiro e a fala.

A maneira de falar do personagem - sotaque, cacoetes, vícios de linguagem, timbre e tom


de voz - pode ser indicada, sugerida ou determinada pelo roteiro, dependendo de sua
importância dramática. O mais comum é que sejam definidos pelo diretor.

Ex: My Fair Lady, baseado em “Pigmaleão”, de Bernard Shaw.

Eu me recuso a escrever intencionalmente errado, coisas como “nóis peguemo” ou “nóis


vai”, para indicar a ignorância ou a classe social do personagem. Além de ser um clichê
preconceituoso (erros gramaticais ou de concordância são cometidos por diferentes
classes sociais, um dia desses vi um cronista social falar de um “plus a menos”), erros
pré-determinados costumam soar falsos, melhor deixar este trabalho para o ator e o
diretor.

O roteiro e o figurino.

“As roupas são sempre úteis para determinar o caráter, a classe o estilo de vida dos
personagens, em especial no caso de exibicionistas como Sally. O figurino de seda preta
(usado numa visita casual à tarde) evidencia o desejo de impressionar, a teatralidade (a
capa) e a provocação sexual (no decorrer da história, o chapeuzinho de pajem adquire
significância a partir de várias referências à ambivalência e à perversão, inclusive
travestismo). A impressão é reforçada pelos modos de falar e agir: Sally pede para usar
o telefone a fim de impressionar os dois homens com sua mais recente conquista erótica,
e o narrador aproveita a ocasião para descrever sua mãos e seu rosto. É o que Henry
James chama de “método cênico” e também o que pretendia fazer quando se exortou a
“Dramatizar! Dramatizar!”
David Lodge em A Arte da Ficção. Tradução de Guilherme da Silva Braga, L&PM
editores, Porto Alegre, 2009

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Liza Minelli como Sally Bowels, em “Cabaret”, de Bob Fosse.

O roteiro deve descrever o figurino do personagem sempre que isto for dramaticamente
significativo (como no exemplo de Sally e tantos outros).

O roteiro e o cabelo.

Roteiristas, felizmente, não precisam opinar sobre o cabelo dos personagens – uma
questão crucial para os atores – a não ser que isto seja dramaticamente significativo.
(muitas vezes é)

Exemplo:

Travis, personagem de Robert de Niro em Taxi Driver, de Martin Scorsese, 1976.

“O cabelo faz do homem um ser misterioso que carrega na cabeça, na parte do corpo
que é mais nítida e mais marcada, uma coisa rebelde como um mar e confusa como uma
floresta. Está quase fora do corpo, é uma espécie de jardim privado, onde o dono exerce
à vontade sua fantasia e sua desordem. É qualquer coisa que cresce e que transborda
como se estivesse livre do domínio da alma.” Gustavo Corção em “Três alqueires e uma
vaca”.

O caráter do personagem

É muito comum que roteiros venham precedidos de descrições (biografias) de


personagens, com características psicológicas, histórias da vida e conflitos que, se não
forem dramatizados, não estarão no filme. Você pode fazê-las, como processo de criação,
mas não se deixe enganar por fichas de personagens, eles se constróem pela ação e esta
deve estar no roteiro.
Pode-se revelar o caráter de um personagem por pequenas ações e também pela ação dos
personagens que se relacionam com ele.

Exemplo: Escritório onde alguém vai chegar. Várias pessoas estão conversando
alegremente, comendo pedaços de pizza, tomando cerveja. Alguém entra correndo na
sala, assustado, e diz: "O Dr. Gustavo está chegando". Todos ficam muito nervosos,
correm para todo lado arrumando a sala, escondem a bebida, sentam em seus lugares e
fingem estar trabalhando. O Dr. Gustavo ainda não apareceu e nós já sabemos muitas
coisas sobre ele: ele tem poder sobre aquelas pessoas, não aceitaria aquele
comportamento delas no local de trabalho e, provavelmente, não era esperado.

Retardar a apresentação do personagem principal, preparando sua entrada, é um


procedimento clássico da dramaturgia, com incontáveis exemplos. Nitotchka. O Diabo
veste Prada. Appocalipse Now (exemplo extremo). Moby Dick. Gilda. Nestes casos:
Chegar chegando. Ou não.)

As informações contrastantes criam personagens mais ricos, mais reais. É importante


saber dosar estas contradições para não criar confusão.

Exemplo: O Dr. Gustavo entra no escritório. É um executivo, terno e gravata, muito sério,
fuma um cachimbo e carrega em baixo do braço uma prancha de surf amarela.

Criamos uma expectativa quanto ao seu caráter e quebramos (em parte) esta espectativa
com uma informação contraditória. Criamos com isso um personagem mais rico.

Pode se revelar o caráter de um personagem pela descrição de sua casa, seus objetos, seu
ambiente de trabalho. Início de “De volta ao futuro”.

Os vários aspectos da caracterização não precisam - nem devem - ser expostos todos no
início do filme. Eles devem ser "liberados" ao longo do filme, de acordo com a
necessidade da narrativa.

Contrastes entre os personagens ajudam a caracterização. Colocar em convivência


forçada personagens contrastantes já é um começo de história.

Ex: Cabaret (Bob Fosse), vários do Jim Jarmush. Big Bang Theory.

Única regra de escrita dramática de Feydeau (Georges Feydeau, 1862-1921, dramaturgo


francês):

Personagem A - A minha vida é perfeita desde que eu não veja o Personagem B.

(batem na porta)
Entra o personagem B.

Personagens secundários também devem ter nuances de personalidade: o garçom, a


secretária, o motorista de táxi. Personagens secundários devem ter (pelo menos) uma
característica dominante que os defina.

Galeria de bons personagens secundários: Tootsie, Nós que nos amávamos tanto,
Testemunha de acusação.

Que cada um de seus personagens seja, sob algum aspecto, você mesmo.

"Observe os homens a sua volta, olhe-os viver, e procure sempre sentir, interiormente e
por profunda e intuitiva simpatia humana, a maneira pela qual cada um deles vê, sente e
vive sua relação com outros seres do microcosmo onde se acha particularmente
centrado". E.S.

Jean Paris:
“O dramaturgo é, por vontade própria, um inimigo da singularidade. Se as memórias e
os diários íntimos levam o escritor a se considerar como fim, o teatro, por sua vez, o
compete a afastar-se, esquecer-se de si mesmo, a transformar-se. Nada menos adequado
às confidências do que essa arte, na qual ninguém se conhece senão através de uma
centena de máscaras”.

em “Shakespeare”: (José Olympio editora, 1992, tradução de Barbara Heliodora.)

- As seis funções Dramatúrgicas, segundo Ettienne Souriau:

1. A Força
2. O Bem
3. O Receptor do Bem
4. O Oponente
5. O Juiz
6. O Cúmplice

1. A Força Temática: Leão


Uma força orientada: desejo ou temor. Leão é quem quer algo e luta por isso, movendo a
história.
Romeu (Leão) quer Julieta e foi aí que seus problemas começaram.
“O homem sofre por dois motivos: quer algo que não tem ou tem algo que não quer." E.
Vale

2. O Representante do Bem: o Sol


O Bem desejado. O valor que dá orientação à Leão. Julieta é o Sol de Romeu. O Sol não
é necessariamente um personagem. Leão pode desejar A LIBERDADE DA PÁTRIA,
UM LOCAL PARA VIVER EM PAZ, A ARCA DA ALIANÇA, A COROA. Quando o
Bem é uma COISA, sente-se a necessidade dramatúrgica da presença de um
Representante do Bem.

O Sol pode mudar de personagem. Exemplo: a mudança de amor, a consoladora que se


torna o objeto amado. (Ex: Sonhos de um sedutor, de Woody Allen)

3. O Receptor do Bem: a Terra.


Aquele a quem Leão quer proporcionar o Sol. Aquele que recebe o Bem. O mais comum
é que o personagem (Leão) queira o Bem para si. (Romeu quer Julieta para si mesmo.)
Não necessariamente Leão quer o Bem para si. Uma mãe pode desejar a felicidade do
filho, por exemplo. (Mãe Coragem) Muitas vezes concentrar funções dramatúrgicas num
personagem é um poderoso dispositivo dramático. Mas podemos também dar a dois
personagens distintos funções que estamos acostumados a ver reunidas.

4. O Oponente: Marte
O obstáculo. A força temática só é dramatúrgica quando encontra resistência. Também
não precisa ser um personagem: é aquilo que se opõe à Leão. Hamlet é Leão e também
Marte (luta contra si mesmo, assim como os personagens de “Um corpo que cai”, “Touro
indomável”, “Cassino”). Leão e Marte sobre dois personagens diferentes dá o tema mais
óbvio, da rivalidade, que tem as vantagens e inconveniências da simetria. O que produz a
assimetria, geralmente, é o ponto de vista (mocinho ou bandido, depende quem conta a
história). Pode esta força (Marte) ser impessoal ou cósmica, a opinião pública (O Inimigo
do Povo) ou Deus (Amadeus, Deus é o antagonista de Salieri). Mas isso só é dramático se
o confronto ocorrer EM CENA. (Salieri enfrenta Mozart, o preferido de Deus).

5. O Juiz: Libra
Aquele que atribui o Bem. Pode ser o próprio Bem: Libra e Sol sobre o mesmo
personagem. Exemplo: a mocinha que não sabe se casa ou não com o pretendente. Marte
e Libra: julgar o inimigo ou suplicar ao rival, conforme o ponto de vista. (Os pais de
Romeu e Julieta são Libra, Claudio é Libra de Hamlet, o Imperador da Áustria é Libra de
Salieri, que é Libra e Marte de Mozart).

6. O Cúmplice: a Lua.
O co-interessado. Une-se a uma das outras forças, é um satélite. Pode duplicar cada um
dos outros 5 mas nosso drama será tanto mais intenso e concentrado quanto mais
delineado num pequeno número de personagens. (Não confundir com o "confidente" do
teatro clássico, ou "a amiga orelha" dos romances.)
As funções dramatúrgicas podem mudar durante a história, se muda o ponto de vista
narrativo.

Ex: Nos primeiros 110 minutos de “O Homem que copiava”, André é Leão e Terra, Silvia
é Sol, Antunes (pai de Silvia) é Libra (e depois Marte), Feitosa (amigo de André) é Lua (e
depois Marte), Cardoso e Marinês são Lua. Nos últimos 10 minutos, Silvia é Leão e
Terra, André é Sol e Terra, Paulo é Sol, Antunes é Marte.

As funções dramatúrgicas também podem mudar durante a história, conforme a trama.

Ex: Psicose. Marion Crane (personagem de Janet Leigh) é Leão, seu noivo Sam Loomis
(John Gavin) e o Dinheiro são o Sol, tudo isso até Marion resolver tomar banho de
chuveiro na pensão Bates. Por alguns momentos, Norman Bates (Anthony Perkins) é
Leão, Marte e Libra, o rapaz é cheio de problemas. Depois que Normam esconde o corpo
de Marion, sua irmã Lila (personagem de Vera Miles) passa a ser Leão, Sam e o detetive
Arbogast (Martin Balsam) são Lua, Norman é Marte.

Um personagem que representa uma das funções dramatúrgicas pode estar ausente:
1. ausência provisória
2 se o personagem que a representa morre
3. se é uma força atmosférica: Deus, a cidade, o país...
4. se a força é representada num objeto ou acessório

"Por mais diminuto, estreito, limitado e fechado em si mesmo que seja o mundo
apresentado, sem irrupção do microcosmo cênico pelo universo da obra não existe
teatro. E precisamente este fechar-se em si mesmo e essa limitação (por exemplo, no
pequeno número de personagens) têm por função permitir a estelaridade sem a qual o
microcosmo cênico não poderia instalar e comandar o macrocosmo teatral. Cabe à arte
dar-nos um universo onde o foco estelar do mundo esteja neste grupo, atuante e
palpitante, de alguns personagens, cujas relações no interior deste sistema
caleidoscopicamente cambiante, condicionarão o mundo onde eles estão". Etienne
Souriau

- Os personagens da Comedia dell Arte

A Comedia dell Arte foi uma forma de teatro popular improvisado que começou no séc.
XV na Itália, se desenvolveu na França. Se manteve popular até o séc. XVIII em toda a
Europa.

“As apresentações eram improvisadas em cima de um estoque de situações


convencionais: adultério, ciúme, velhice, amor. Esses personagens englobavam o
ancestral do palhaço moderno. O diálogo e a ação poderiam facilmente ser atualizados e
ajustados para satirizar escândalos locais, eventos atuais, ou manias regionais,
misturados com piadas e bordões. Os personagens eram identificados pelo figurino,
máscaras, e até objetos cênicos, como o porrete. Na trama tradicional, os innamorati
estão apaixonados e querem se casar, mas um ou mais vecchi (plural de vecchio) os
impedem de casar, então, eles precisam de um ou mais zanni para ajudá-los. Tipicamente
termina tudo bem com o casamento dos enamorados e o perdão por todas as confusões
causadas. Há inúmeras variações dessa história, assim como há muitas que se divergem
completamente dessa estrutura.”

HYPERLINK "http://pt.wikipedia.org/wiki/Commedia_dell'arte"http://pt.wikipedia.org/
wiki/Commedia_dell'arte

Por quase trezentos anos o teatro sobreviveu com uma dúzia de personagens, com eles é
possível contar muitas histórias (talvez todas). Os nomes e algumas das características
destes personagens variam muito conforme o país e a época.

Os Zanni (criados):

ARLEQUIM. O empregado esperto, ágil, sedutor e amoral que faz de tudo para
sobreviver. Gosta de comer e dormir bem, quase nunca consigue. Servo do Pantaleão ou
do Dottore. Ama Colombina, ela faz dele gato e sapato. João Grilo, Malazartes, Scapino,
Lazarillo de Tormes (1553), Guzmán de Alfarache, de Mateo Alemán (1547-1614).
(Grouxo Marx, Didi Mocó).

BRIGUELA. O empregado brigão e fiel ao patrão, correto, egoista, rival (menos esperto)
do Arlequim. (Chico Marx, Dedé).

PULCINELA. “Punch”. O esquisito, vulnerável, eventualmente corcunda ou com alguma


outra deformação. Às vezes não sabe falar, comunica-se por sinais e grunhidos. Pode ser
um tolo ou um falso tolo. (Harpo Marx, Muçum) .

PIERRÔ. Outro da turma dos criados, só que romântico, apaixonado, vivia só cantando.
É o palhaço triste. (Zeppo Marx, Zacarias.)

COLOMBINA. Criada esperta, versão feminina do Arlequim, mãe de todas as criadas


espertas, Molière tem várias.

Os Vecchi (Velhos):

PANTALEÃO. Velho fidalgo, eternamente trapaceado e enganado. BRANCALEONE é


sua versão mais jovem e burra, o empreendedor destinado ao fracasso. CAPITÃO
FRACASSE (de Teophile Gautier e filme de Ettore Scola). Sátira dos nobres.

DOTTORE. O velho Doutor, médico ou advogado, às vezes charlatão. Erudito ou


falsamente-erudito, rico, avarento, pedante, às vezes ébrio, quase sempre lúbrico, sempre
rejeitado pelas mulheres. Quando casado, é traído. O terror e a salvação das criadas.
Sátira dos acadêmicos.
CAPITANO. O Capitão Matamoros, herói de guerra, forte e voluntarioso, frequentemente
fanfarão, pomposo. Exagera seu feitos militares, às vezes se acovarda. (O Coronel
Ponciano Pereira Furtado, matador de Lobisomem, é seu bisneto). Sátira dos militares.

SCARAMUCCIA. Ou Scaramouche, o vilão, mentiroso, covarde.

Os Enamoratti (apaixonados):

ISABELLA – Ou Isabel, ou Flávia, tem vários. Jovem romântica e apaixonada.

FILIPINHO – Ou Felipe. Jovem romântico e apaixonado.

Goldoni fixa o texto da peça (o que já não é mais Comedia dell Arte) e cria, no roteiro,
novos personagens, como o de Mirandolina.

MIRANDOLINA (“La Locandiera” de Carlo Goldoni). A virtude feminina, se vira, cuida


da casa e do negócio (pensão), é cortejada por nobres mas casa, por amor, com um
criado.

A jornada do herói.

A jornada do herói, descrita por Joseph Campbell em "O Herói de Mil Faces" (e também
por Christopher Vogler em "A Jornada do Escritor", espécie de versão cinematográfica
dos estudos de Campbell).

Em resumo: descrição do mundo comum, o herói-protagonista é chamado à aventura,


inicialmente recusa, encontra o Mentor e acaba aceitando o convite, viaja ao mundo
especial (oposto ao mundo normal onde a história começa), recebe a chave, ultrapassa um
portal, enfrenta provas, conhece inimigos e aliados, desobedece o Mentor, enfrenta A
Sombra (o antagonista), triunfa e regressa, transformado, ao mundo normal para dividir
com seus pares (e com os espectadores) os frutos (o elixir) e descobertas de sua aventura.

É uma estrutura simples mas é, sem dúvida, clássica, já que remonta às origens das
fábulas e, portanto "seu valor foi posto à prova do tempo". Seria ainda, numa visão
junguiana, uma estrutura "natural", "orgânica".

Os principais personagens arquetípicos, segundo Vogler (resumo e tradução de João


Nunes):
O Herói. Aquele que existe para proteger e servir. Grande parte das histórias são
narrativas de um Herói que sacrifica o seu conforto para devolver o equilíbrio ao seu
mundo, à sua comunidade.

A Sombra. É, por natureza, o antagonista primordial. Representa toda a energia negra,


todos os sentimentos reprimidos, os traumas e as emoções escondidas ou negadas. A sua
função dramática é desafiar o Herói, criar os obstáculos para que os seus feitos sejam
ainda mais notáveis. Esta máscara da Sombra pode ser usada por um só personagem ao
longo da história, ou por vários. Até o Herói pode, em certos momentos, ser a sua própria
Sombra.

O Mentor. Normalmente um homem ou mulher mais velho, mais sábio, que representa o
lado da nossa personalidade que está mais atento às coisas, mais ligado ao conhecimento
e à evolução. Dramaticamente, o Mentor ajuda o Herói de várias formas: ensinando-o,
dando-lhe um objeto especial ou informação essencial, sendo a sua consciência ou
motivação, ou iniciando-o em qualquer tipo de mistérios (incluindo os sexuais).

(Mentor é um personagem da Odisséia, é a ele que Ulisses confiou a guarda de Telêmaco,


seu filho, quando partiu para a guerra. Mentor é ajudado em sua tarefa pela deusa da
sabedoria, Palas Atena.)

O Guardião da passagem. Muitos dos obstáculos que o Herói tem de ultrapassar na sua
viagem são passagens, portais para outro nível de evolução da história. É frequente que
nessas passagens haja um tipo de personagens, os Guardiões, que as defendem dos
transgressores, tornando-se assim antagonistas do Herói. Não são geralmente os
antagonistas principais, mas cumprem a função de dificultar ou atrasar o progresso do
Herói.

O Arauto. É um personagem que traz notícias, normalmente más. Está muitas vezes
associado ao gatilho, ao detonador da história, aquele evento que torna impossível ao
herói continuar com a sua vida normal e o obriga a lançar-se à viagem para repôr o
equilíbrio perdido. A sua função é anunciar a necessidade de mudança.

O Mutante. (“Shapeshifter”) É um tipo de personagem de natureza misteriosa, uma


incógnita no caminho do Herói, que vai assumindo contornos diversos conforme a
história vai evoluindo. É possível que a relação romântica, ou um aliado do Herói,
assumam esta máscara. Para Jung ele representa o animus ou anima, os elementos
masculinos ou femininos que complementam o nosso inconsciente feminino ou
masculino, e que nós não entendemos. E como não entendemos estas figuras Mutantes,
elas contribuem com tensão e dúvida para a história.

O Impostor/Trapalhão. (“Trickster”) São os personagens cômicos, farsantes,


brincalhões, que introduzem a confusão, o humor, ou o caos nas narrativas. Em muitas
histórias de pendor cômico o próprio Herói pode usar esta máscara de Impostor/
Trapalhão (como em Hamlet). Na maior parte das histórias, contudo, é a um aliado que
compete essa função.

Ver: 300 Arquétipos. (se der tempo.)

Erros mais comuns quanto aos personagens:

. Personagem sem motivação reconhecível. (Por que ele age?)


. Falta de personagens simpáticos. (Não há por quem torcer.)
. Inconsistência na simpatia ou antipatia do personagem. (Características não
dramatizadas.)
. Falta de personagens que possibilitem comparações favoráveis. (Todos são igualmente
chatos, ou malvados, ou bonzinhos.)
. Excesso de personagens ou personagens sem função clara. (Personagens “elimináveis”
devem ser elimidados.)
. Indefinição do protagonista. (De quem é a história?)
. Personagens mal caracterizados.
. Personagens marionetes do roteirista, sem vida própria, bidimensionais.
. Incoerência dos personagens. (“Por que ele faria isso?)
. Falta de transformação nos personagens.
. Transformação súbita ou inaceitável.
. Atraso ou falta de clareza na identificação do personagem.

Obs: Talvez o erro mais comum quanto aos personagens seja o de escalação: um ator mal
escolhido pode destruir um personagem e o filme. Esta é uma responsabilidade do diretor
(talvez a maior de todas elas) e da produção, não do roteirista. Ex: Luna Caliente (versão
mexicana).

#CAPÍTULO 5: A AÇÃO DRAMÁTICA.

Repetindo: Não existe ação sem personagem. O personagem, no cinema, se constrói pela
ação, portanto não existe personagem sem ação.

Segundo Hegel, a ação dramática "é a vontade humana que persegue seus objetivos,
consciente do resultado final".
(citado em Pallottini, Renata. Introdução à Dramaturgia. São Paulo, Ed. Brasiliense,
1983)

“Romeu, apaixonado por Julieta, quer unir-se a ela, fazer dela sua esposa. Macbeth quer
ser o rei da Escócia. Hamlet quer vingar o assassinato de seu pai, restabelecer a justiça
no reino da Dinamarca. Tudo o que essas personagens fazem em sua trajetória
dramática relaciona-se com seus respectivos objetivos (e, secundariamente, com seu
caráter). Romeu, por exemplo, invade o jardim do palácio dos Capuleto, declara-se a
Julieta, tem uma entrevista com Frei Lourenço pedindo sua intercessão, pede a Julieta
(através de sua ama) que vá "confessar-se" com Frei Lourenço, etc. Hamlet finge estar
louco, utiliza-se da trupe de atores para confirmar o assassinato de seu pai, agride
Ofélia (para livrar-se do impedimento que seu próprio amor representa), mata o espião
que se esconde atrás da cortina do quarto de sua mãe...”

Roberto Mallet, em “Notas sobre o conceito de ação dramática”.


HYPERLINK "http://www.grupotempo.com.br/tex_notas.html"http://
www.grupotempo.com.br/tex_notas.html

Gotthold Ephraim Lessing: a respeito de Ricardo III, de Shakespeare, explicando nosso


interesse em relação aos personagens monstruosos:

“Todas as ações de Ricardo são atrozes, mas todas essas atrocidades se ligam a um
objetivo. Ricardo tem um plano de conduta e sempre que nós vemos um plano nossa
curiosidade é despertada. Nós esperamos de bom grado para ver se ele será bem
sucedido, como e de que forma ele o será. Nós gostamos tanto de ver uma seqüência de
intenções que independentemente da moral do objetivo isso nos dá prazer.”

A história começa pela apresentação de um personagem e de uma situação dramática:


alguém quer alguma coisa. Terá sucesso ou não?

- O Começo.

Uma das mais sintéticas e profundas lições de como se contar uma história foi dada pelo
Rei de Copas a Alice: "Comece do começo. Vá até o fim. E então pare".

“Antigamente era antigamente e hoje é um outro tempo. Escutem. Escutem e ouvirão a


história daquele que partiu em busca da Primavera. Escutem. Os surdos dos dois
tímpanos levarão a notícia aos ausentes, e os cegos dos dois olhos mostrarão aos coxos
das duas pernas o lugar onde se passou. Era uma vez, e não era uma vez, e ainda assim
era uma vez."”
(Fórmula introdutória de narrativa oral, tribo africana.)

Parece simples, não é. Onde é o começo? Qual o melhor caminho até o fim? Onde é o
fim?

A primeira cena de um filme tem, ao meu ver, uma importância extraordinária, deve ser
uma síntese do filme. “Agarre o espectador pela garganta. E não solte”. Billy Wilder.

11 grandes começos de filme:

. Ladrões de bicicleta. (um homem precisa de uma bicicleta)


. Cinco covas no Egito (um homem tenta ficar vivo)

. Fargo (um homem precisa de dinheiro e quer sequestrar a própria esposa)

. Um corpo que cai (um homem tenta ficar vivo e salvar um amigo)

. O Bom, o mau e o feio (um homem tenta ficar vivo)

. Cidade das Ilusões (um homem precisa de um fósforo)

. A noite do iguana (um homem quer limpar sua honra)

. Yojimbo (um homem procura encrenca, é um guerreiro, vive disso)

. Cabaret (um rapaz careta vai morar com uma mulher decadente, e agora?)

. Blue Brothers (um homem está finalmente livre, e agora?)

. 2001, uma odisséia no espaço (a humanidade precisa seguir em frente, e agora?)

12 grandes começos de livros (o que me parece infilmável está em itálico).

. "Tudo isso aconteceu, mais ou menos." Matadouro Número 5, Kurt Vonnegut.

. "Ao despertar após uma noite de sonhos agitados, Gregor Samsa encontrou-se em sua
cama transformado num inseto gigantesco." A Metamorfose, Franz Kafka.

. "Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se
poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte." Memórias Póstumas de
Brás Cubas, Machado de Assis.

. "Você vai começar a ler o novo romance de Ítalo Calvino, Se Um Viajante Numa Noite
de Inverno. Relaxe." Se um Viajante Numa Noite de Inverno, Italo Calvino.

. "Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendia


haveria de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo".
Cem anos de solidão, Gabriel Garcia Márquez.

. "Mamãe e papai não passavam de duas crianças quando se casaram. Ele tinha dezoito
anos, ela dezesseis e eu, três." Autobiografia de Billie Holiday.

. "Me chame de Ismael." Moby Dick, Herman Melville.


. "Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja."
Grandes Sertão: Veredas, Guimarães Rosa.

. "A arte de amolecer diariamente o tijolo, a tarefa de abrir caminho na massa pegajosa
que se proclama mundo, esbarrar cada manhã com o paralelepípedo de nome
repugnante, com a satisfação canina de que tudo esteja em seu lugar, a mesma mulher ao
lado, os mesmos sapatos e o mesmo sabor da mesma pasta de dentes, a mesma tristeza
das casas em frente, do sujo tabuleiro de janelas de tempo com seu letreiro Hotel de
Belgique." Histórias de Cronópios e de Famas, Julio Cortazar.

. "Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde
eu nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que meus pais faziam antes que eu
nascesse, e toda esta lengalenga tipo David Copperfield, mas, para dizer a verdade, não
estou com vontade de falar sobre isso." O Apanhador no Campo de Centeio, J.D.
Salinger.

. “A primeira coisa que posso dizer para vocês é que a gente morava no sexto andar por
escada e que para Madame Rosa, com aqueles quilos todos que carregava com ela e
somente duas pernas, aquilo era uma verdadeira fonte de vida cotidiana, com todas as
preocupações e sofrimentos.” Toda vida pela frente, Emile Ajar.

. "As famílias felizes são todas iguais, cada família infeliz é infeliz a sua maneira". Ana
Karenina”, de Leon Tolstoi.

In medias res

Origem: Wikipédia

In media(s) res (latim para "no meio das coisas") é uma técnica literária onde a narrativa
começa no meio da história, em vez de no início (ab ovo ou ab initio). Os personagens,
cenários e conflitos são frequentemente introduzidos através de uma série deflashbacks
ou através de personagens que discorrem entre si sobre eventos passados. Obras clássicas
tais como a Eneida, de Virgílio, a Ilíada, de Homero, ou a obra renascentista Os Lusíadas,
de Luís de Camões, começam no meio da história.

Os termos in medias res e ab ovo (literalmente "desde o ovo") provém das linhas 147–
148 da Ars Poetica do poeta romano Horácio, onde ele descreve seu poeta épico ideal:

Nem deve ele começar a Guerra de Tróia a partir do ovo duplo,


mas sempre adiantar-se na ação e agarrar o ouvinte no meio das coisas…

O "ovo duplo" é uma referência à origem da Guerra de Tróia com o nascimento mítico de
Helena e Clitemnestra de um ovo posto pela mãe de ambas, Leda, depois que esta foi
violentada por Zeus sob a forma de um cisne.

Alguém não acordou hoje? “I woke up this morning and...” (Pesquisa no Google em
28.08.11, mostrou “aproximadamente 5.400.000 resultados” para “I woke up this
morning and”.) Pule esta parte, a não ser que você tenha acordado na forma de inseto.

“O roteirista muitas vezes perde tempo apresentando o personagem antes que comece a
trama. Creio que é natural, porque os roteiristas novatos não conhecem seus personagem
e por isso inventam situações que lhes permita explorar quem são. Todos os filmes de
estudantes começam com alguém na cama”. Steven Zaillian, em Roteiristas de Cinema.

A SITUAÇÃO DRAMÁTICA

O que é uma situação dramática?

A definição de Éttiene SOURIAU:


Situação dramática: forma particular de tensão inter-humana do momento cênico.
(“Céus, meu marido.”)

"Para que haja ação é preciso que a resposta à pergunta: "O que acontece em seguida?"
surja "forçosamente" da própria situação e dos dinamismos interiores de cada momento
cênico". E.S.

“Toda cena deve ser ao mesmo tempo surpreendente e inevitável.” Eugene Vale.

- A Cena

No cinema a “unidade de ação dramática” é a cena.

Uma cena é um tempo num espaço.

De quem é a cena? Qual o personagem principal de cada cena?

Ex: Bibim e o porteiro do clube Juvenil.

O espaço da cena
A escolha do espaço. Os elementos dramáticos do espaço. Pobre? Rico? Local de
trabalho ou moradia? Campo ou cidade? Velho ou novo?

Cada espaço tem uma luz, uma atmosfera, um som. Um espaço pode sugerir uma cena ou
mesmo um filme inteiro. (Casa de areia)

A cena no espaço.

Exposição do espaço: O comportamento dos personagens no espaço.

É a casa de quem? É o local de trabalho? Como os personagens se comportam no espaço?

O tempo da cena

Dentro da cena, o tempo é real? Qual o tempo entre as cenas?

John Howard Lawson: Griffith X Eisenstein

A montagem paralela.

Exemplos: "O Nascimento de Uma Nação" e "Intolerância" (As Horas). Ao mesmo


tempo.

O "alongamento dramático".

Exemplo: "O Encouraçado Potenkin"

O herói chegará a tempo de salvar a mocinha?

Exposição do tempo: Quanto tempo se passou? Como o público sabe?

"Amarcord" (estações).

Carriére:

"Fazer perceber o desenrolar do tempo é uma dificuldade. Torna-se um insuperável


quebra-cabeça, quando é necessário indicar que quinze dias ou três semanas se
passaram e encontrar um ritmo que permita contar uma história com anos, meses e dias.
Por outro lado, deve-se encontrar um ritmo". Carriére.

Dias e noites. O mesmo dia? A mesma noite?

A cena no tempo.
Em que época se passa uma cena? "O Labirinto", início.

O que mais determina a época em que o filme se passa? Na ordem: tecnologia (carros,
celulares, eletrodomésticos), moda, arquitetura, costumes.

Cada cena deve conter um conflito, deve fazer a história avançar ou revelar algo sobre os
personagens.

Cada uma das cenas de um filme deve ser fundamental ou descartada. (“O que não conta
a história não faz parte da história”.)

Exceções:

Cenas que regulam o ritmo da narrativa. (Paulo José: cena do cachorro cruzando a rua.)

Às vezes os climas sem diálogo, os “momentos triviais” são importantes para estabelecer
a empatia com os personagens, ou valorizar os momentos mais animados.

“Diálogos” de Ernesto Sabato com o Jorge Luis Borges:

Borges – Um poema longo que só constasse de frases poéticas seria intolerável.

Os cortes entre as cenas são interrupções bruscas na narrativa. A dramaturgia deve fazer a
ligação entre as cenas, mas é possível (se quisermos) atenuar esta fragmentação com
artifícios "tópicos":

. o diálogo (“O nome dele é Dorival...”)


. cortes em movimento (os mergulhos de Ben em “The Graduate”)
. o corte de som (antecipação do som da cena B ou retardo da cena A)
. a composição dos quadros a e b (os aviões de Kubrick em “Doutor Fantástico”)

O uso excessivo destes elementos “mata-junta” (como o uso excessivo de qualquer coisa)
pode desgastá-los, use com moderação. O roteiro deve fazer parte deste serviço, (toda
cena deve ser “surpreendente e inevitável” E.Vale), mas é o roteiro decupado pelo diretor
que resolve a maioria das ligações entre as cenas.

Uma cena pode (mas não precisa) começar e encerrar um conflito. Ela pode, ao contrário,
terminar com um “gancho”, um momento de suspense. Muitas cenas com “começo, meio
e fim” podem fazer o filme andar aos solavancos, como se fosse uma série de esquetes ou
curta-metragens. Muitas cenas terminadas em “ganchos” podem gerar frustração,
banalizando o suspense. Aristóteles ensina que o caminho mais justo é o do meio.
Bom conselho de Billy Wilder: “Trate as cenas como festas: chegue tarde e saia cedo”.
Depois de escrita, submeta sua cena a “regra da festa”, veja quanto do seu início e do seu
final podem ser cortados sem prejuízo da ação dramática.

(David Mamet diz que quase todos os filmes ficariam melhores sem o primeiro rolo, um
exagero com alguma base de verdade.)

Filmes ruins estão repletos de personagens ligando ou estacionando carros, subindo


escadas ou caminhando pela calçada, abrindo portas para outros personagens que chegam
e se cumprimentam, gente que se despede e diz que já está indo embora, enfim, montes
de ações dramaticamente inúteis. (Umberto Eco e o filmes pornográficos.)

Erros mais comuns quanto à construção de uma cena:

. cena inútil, não revela nada sobre os personagens, não faz avançar a história, nem tem a
função de dar ritmo à narrativa.
. cena “apertada”, com muitos acontecimentos ou informações demais em pouco tempo
(Cabem muitas informações num único fotograma, mas o espectador precisa de algum
tempo para perceber cada uma delas.)
. cena “frouxa”, com tempos inúteis, dramaticamente irrelevantes (O que não quer dizer
que pausas, silêncios e tempos mortos não possam ser dramáticos.) (Nona sinfonia: pausa
também é música.)
. excesso de cenas sem ligação (sensação de desordem narrativa)
. excesso de cenas com início, meio e fim (história anda aos trancos)
. excesso de cenas terminando em suspense (frustração do espectador)
. ligação artificial entre as cenas

- Passado, presente e futuro.

A narrativa no cinema (como na literatura, nos quadrinhos) é consecutiva. Na pintura, por


exemplo, a narrativa é expositiva.

Uma narrativa consecutiva se constrói pela ação.

As palavras que definem a ação são os verbos.

Eu fiz / Eu faço / Eu farei


Os três tempos estão sempre ligados na narrativa.

Eu fiz. Passado - Motivo.


Eu faço. Presente - Ação.
Eu farei. Futuro - Intenção.

A Intenção (futuro) contém duas incertezas:


1. Tempo (Quando eu farei?)
2. Resultado (Conseguirei fazê-lo?)

A quase totalidade das narrativas se sustenta nestas duas incertezas.

O futuro do subjuntivo é o tempo da dramaturgia: se ou quando eu for. (O futuro


condicional russo: talvez eu vá.)

O presente, a rigor, não existe. É apenas um ponto, em que o futuro se torna passado. O
passado e o futuro não tem limites. Como nós estamos sempre no presente, os fatos que
se afastam de nós, em direção ao passado se tornam cada vez menos interessantes. O
passado, na narrativa, só tem interesse como motivação para intenções futuras. O futuro é
o tempo mais importante.

O que leva o personagem a agir?

- Motivo, intenção e objetivo.

MOTIVO

A motivação humana é, basicamente, a eliminação do sofrimento, da dor. O ser humano


sofre por dois motivos: quando tem algo que não quer (medo) ou quando quer algo que
não tem (desejo). Instinto de vida e de morte, eros e tânatos.

Ex: Fome, frio, curiosidade, A Arca Perdida, o E.T. quer voltar para casa, uma faca
cravada nas costas. O motivo causa uma intenção. (ou não).

INTENÇÃO

A intenção é uma ação em direção a um objetivo. O objetivo é a eliminação do motivo.

A intenção contém uma dúvida: ela pode eliminar ou não o motivo, pode se cumprir ou se
frustrar. Ela pode ser impedida por obstáculos ou intenções contrárias.

Intenções contrárias geram conflito.

Dois fatores, portanto, dão a intenção uma importância fundamental na narrativa:

1. a intenção pode gerar conflito.

2. a intenção nos leva para o futuro.

OBJETIVO
O objetivo determina distância e direção.

Objetivo é alguma coisa, no futuro, a ser alcançada. (A Arca da Aliança, para o Indiana
Jones) A Arca não é um objetivo em si. Ela torna-se um objetivo quando conhecemos a
intenção do Indiana em alcançá-la. Intenções diferentes podem ter um mesmo objetivo.

Indiana quer a arca para seu museu.

Nazistas querem a arca para ganhar a guerra.

Intenções contrárias com um mesmo objetivo geram conflito.

Uma história pode ter dois objetivos. Isto é comum quando há romance e aventura:
Indiana, Casablanca, Meu Primo Viny, Tudo por uma esmeralda. Para evitar que a
história se divida em duas, os objetivos devem ser tão ligados quanto seja possível.

Erros mais comuns quanto à ação dramática:

. Começo muito lento, retardando o envolvimento do espectador. (na televisão, um erro


fatal)
. Começo muito impressionante, dificultando a gradação da trama. (no cinema, um erro
fatal)
. Inabilidade para fazer sentir o passar do tempo.
. Dificuldade para expor motivos, intenções e objetivos dos personagens.

Recapitulação:

Considerando que...

1. o cinema é uma linguagem


2. esta linguagem se compõe de elementos próprios
3. o roteiro se esforça em transformar os elementos da linguagem cinematográfica em
palavras
4. combinados, os elementos da linguagem cinematográfica podem ser transformados em
narrativa e contar histórias.
5. a história se compõe de personagem e ação.
6. este personagem em ação se move para o futuro.
7. o que move este personagem em ação para o futuro é o motivo, a intenção e o objetivo.

Vamos falar sobre...


#CAPÍTULO 6: HISTÓRIA E NARRATIVA

* A HISTÓRIA

- Qual é a história? O que é uma boa história?

“Alguém quer muito alguma coisa e tem dificuldades para obtê-la” Frank Daniel

Deve propor algum tipo de identificação, uma relação com o leitor/ouvinte/espectador,


que se dá principalmente através dos personagens.

Umberto Eco:

"É fácil entender por que a ficção nos fascina tanto. Ela nos proporciona a oportunidade
de utilizar infinitamente as nossas faculdades para perceber o mundo e reconstituir o
passado. A ficção tem a mesma função dos jogos. Brincando as crianças aprendem a
viver, porque simulam situações em que poderão se encontrar como adultos. E é por
meio da ficção que nós, adultos, exercitamos nossa capacidade de estruturar nossa
experiência passada e presente".

Ernesto Sabato:

“A arte é para a comunidade o que o sonho é para o indivíduo. Talvez sirva para salvar
a comunidade da loucura. E essa seria a grande missão da arte (...) Os personagens de
Shakespeare, ou seja, Shakespeare, assassinam, traem, torturam, violam, suicidam-se,
enlouquecem. Por muito menos que isso a sociedade o jogaria na prisão ou no
manicômio. Mas levanta monumentos para ele. Estranho, não é mesmo? A única
explicação é que a sociedade intui que esse criminoso louco preserva todos nós do crime
e da loucura. Quanto aos que não podem ser Shakespeare, sonham à noite.” in
“Diálogos Borges Sabato”, tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro, São Paulo, Editora
Globo, 2005

Deve ter unidade.

"Todos os acontecimentos se devem suceder em conexão tal que, uma vez suprimido ou
deslocado um deles, também se confunda ou mude a ordem do todo. Pois não faz parte
de um todo o que não altera este todo". Aristóteles.

O que não conta a história não faz parte da história.

Dashiel Hammet: "Concentre-se no essencial e corte fora todo o resto".


Contra-exemplos: o colega de escola, em Fargo. O relógio em Pulp Fiction. O quiprocó
em Houve uma vez dois verões. O hotel em HQC. A placa em Saneamento Básico.

Deve ter importância para os personagens.

Uma história que não interessa aos personagens, dificilmente interessará ao público. Os
sentimentos devem ser intencionalmente exagerados (na medida certa).

Contra-exemplo: Pauline na praia.

Os Templários

De Alphonse Allais

Eis aí um sujeito que era bem um tipo, um tipo rude e agressivo! Eu o vi vinte vezes,
apenas apertando o cavalo com as coxas, deter todo um esquadrão, sem mais. Na ocasião
ele era brigadeiro. Um pouco exigente no serviço, mas agradável na convivência social.
Ora bolas, como é que ele se chamava? Um danado nome alsaciano, não consigo me
lembrar, algo como Wurtz (Lingüiça) ou Schwartz (Preto). Sim deve ser isso Schwartz.
Aliás, o nome nada acrescenta à coisa. Natural de Neufbrisach, não propriamente à
Neufbrisach, mas dos arredores. Que tipão, esse Schwartz!

Um domingo de manhã (estávamos aquartelados em Oran), Schwartz me perguntou;

- Que vamos fazer hoje?

E eu, de minha parte respondi: - O que você quiser, meu velho Schwartz.

Então concordamos em dar um passeio no mar. Pegamos um barco, ferra as amarras,


rapaz!, e eis que estamos ao largo. O tempo estava bonito, ventava um pouco, mas, afinal,
bom tempo.

Singrávamos como dardos, felizes em ver a costa da África desaparecer no horizonte.


Como puxa este remo! Com os diabos, que almoço! Lembro me especialmente de um
certo pernil que foi rapado indecentemente até o osso. Durante esse tempo todo não
chegamos a perceber que a brisa aumentava e que o mar se punha a marulhar de maneira
inquietante.

- Bolas! - disse Schwartz - seria preciso...

Realmente não, não é Schwartz que ele se chamava. Tinha um nome mais comprido que
isto, como quem dissesse Schwartzbach. Vá lá, que seja Schwartzbach! Então
Schwartzbach me disse:

- Meu garoto, está na hora da gente se reapresentar.

Mas, reapresentar se de que jeito? O vento soprava feito tempestade. A vela foi arrancada
por uma rajada de vento, um remo se manda, carregado por uma onda forte. Ei-nos à
mercê dos vagalhões. Nós ganhávamos o mar numa velocidade deplorável e um sacolejar
terrível. Prontos para o que desse e viesse, tiramos as botas e as nossas túnicas. A noite
caía e o furacão se enraivecia. Ah! Que bela idéia tivemos de ir contemplar teu azul, ó
Mediterrâneo! Depois a escuridão nos envolve completamente. Já era quase meia noite.
Onde estávamos? Schwartzbach, ou melhor, Schwartzbacher, pois agora me lembro é
Schwartzbacher. Schwartzbacher, como eu ia, dizendo, que conhecia geografia na ponta
da ponta dos dedos (os alsacianos são muito instruídos), me disse:

- Estamos na ilha de Rodes, meu velho.

Mas cá entre nós, será que a administração não deveria pôr placas indicativas em todas as
ilhas do Mediterrâneo, pois é um inferno para a gente se guiar no meio delas, quando não
se está acostumado.

Estava preto que nem breu. Nós, molhados como pintos, escalamos a custo pelos
rochedos da falésia.

Nenhuma luz no horizonte. Que gozado!

- Vamos faltar ao toque da alvorada - disse eu, para dizer alguma coisa.

- E até mesmo o da noite - respondeu soturnamente Schwartzbacher.

E nós marchávamos pelos pequenos juncos ralos e pelas giestas picantes. Andávamos
sem saber por onde, unicamente para nos aquecer.

- Ali! - gritou Schwartzbacher , - estou vendo um clarão! Está vendo lá embaixo?

Segui a direção do dedo de Schwartzbacher e realmente um clarão brilhava, mas muito


longe, um clarão esquisito. Não era uma simples luz de casa, não eram luzes de um
povoado, não, era um clarão esquisito.

E nós retomamos nossa caminhada, acelerando a marcha.

Finalmente chegamos. Em cima daqueles rochedos se erguia um castelo de teto


imponente, um alto castelo de pedras, onde não parecia que se pudesse ficar gracejando o
tempo todo. Uma das torres deste castelo servia de capela, e o clarão que tínhamos
percebido não era senão a iluminação sagrada que se filtrava pelos altos vitrais góticos.
Cânticos nos chegavam aos ouvidos, cânticos graves e másculos, cânticos que davam
arrepio na espinha.

- Entremos - disse Schwartzbacher, resoluto.

- Por onde?

- Ali! Sim... procuremos uma saída.

Schwartzbacher dizia: "Procuremos uma saída", mas ele queria dizer: "Procuremos uma
entrada". Aliás, como é a mesma coisa, não julguei que devesse observar seu erro
relativo, que talvez não passasse de um lapso causado pelo frio.

Havia muitas entradas, mas todas fechadas, e não havia campainhas. Então era como se
não existissem entradas. Por fim, de tanto rodar em tomo do castelo, descobrimos um
pequeno muro que passamos a escalar.

- Agora - observou Schwartzbacher - procuremos a cozinha.

Era provável que no imóvel não existisse cozinha, pois nenhum cheiro de bóia vinha
coçar nossas narinas.

Nós nos metíamos por corredores intermináveis e emaranhados. Às vezes um morcego


voejava e roçava nossos rostos com sua imunda pelúcia.

Na curva de um corredor, os cânticos que tínhamos ouvido, vieram ferir nossas orelhas,
vindos de bem perto. Estávamos num grande recinto que devia comunicar se com a
capela.

- Agora vejo o que é - observou Schwartzbacher (ou melhor, Schartzbachermann, agora


me lembro). - Nos encontramos no castelo dos Templários.

Nem acabara de falar, quando uma porta de ferro se escancarou.

Fomos inundados de luz.

Lá dentro, havia uma porção de homens, ajoelhados, algumas com armadura, capacete na
cabeça, de alta estatura.

Ergueram se com um longo ruído de ferragem, viraram-se e nos viram.

Então, com o mesmo gesto, eles gritaram: - Sabre em punho! e marcharam contra nós,
espada em riste.

Eu bem que gostaria de estar em outro lugar.


Sem se perturbar, Schwartzbachermann arregaçou as mangas, colocou-se em posição de
defesa e gritou com voz possante:

- Ah! Em nome de Deus! Senhores Templários, ainda que fosse mil... tão verdade como
eu me chamo Durand...!

Ah! Agora me lembro... ele se chamava Durand. Seu pai era alfaiate em Aubervilliers.
Durand, sim, é isso mesmo... Danado Durand, pois é! Que tipo!

In Umberto Eco, Lector in Fabula. Tradução de Attilio Cancian. Editora Perspectiva,


coleção Estudos, vol. 89.

As oito regras de Vonnegut

Em “Bagombo Snuff Box: Uncollected Short Fiction”, Kurt Vonnegut lista oito regras
para escrever uma história curta:

1. Use o tempo de um completo estranho de tal maneira que ele ou ela não sinta que este
tempo foi desperdiçado.

2. Dê ao leitor ao menos um personagem pelo qual ele pode simpatizar.

3. Todo personagem deve desejar algo, mesmo que seja apenas um copo de água.

4. Toda sentença deve fazer uma ou duas coisas: revelar o personagem ou avançar na
história.

5. Sempre que possível, comece sua história pelo ponto mais próximo do seu final.

6. Seja sádico. Não importa quão simpáticos e inocentes sejam seus personagens
principais, faça coisas terríveis acontecer com eles para que o leitor perceba do que eles
são feitos.

7. Escreva para agradar apenas uma pessoa. Se você abrir uma janela e fizer amor com o
mundo, sua história vai pegar uma pneumonia.

8. Dê aos seus leitores o máximo de informação o mais cedo possível. Que se dane o
suspense. Leitores devem ter um entendimento tão completo do que está acontecendo,
onde e porque, que possam finalizar a história por eles próprios se as baratas comerem as
últimas páginas.
Ditas pelo próprio, no Youtube:

HYPERLINK "http://www.youtube.com/watch?
v=4bn6zc0Hywk&feature=player_embedded"http://www.youtube.com/watch?
v=4bn6zc0Hywk&feature=player_embedded

Clichês e arquétipos.

Arquétipo: Modelo de seres criado. Padrão. exemplar, modelo.

"A situação de Hamlet é a mesma de Cinderela, com exceção de que os sexos são
invertidos. Seu pai acabou de morrer. Ele se sente infeliz. E imediatamente sua mãe se
casa com o seu tio, que é um bastardo." Kurt Vonnegut

"O Paraíso Perdido, o Dragão, o Círculo, são exemplos de arquétipos que se encontram
nas mais diversas civilizações". (...) exatamente como o corpo humano representa um
verdadeiro museu de órgãos, cada qual com sua longa evolução histórica, da mesma
forma deveríamos esperar encontrar também, na mente, uma organização análoga, um
inconsciente coletivo. Nossa mente jamais poderia ser um produto sem história, em
situação oposta ao corpo, no qual a história existe". C.J. Jung.

“No Inconsciente Coletivo existem, segundo Jung, estruturas psíquicas ou arquétipos,


formas sem conteúdo próprio que servem para organizar ou canalizar o material
psicológico. Eles se parecem um pouco com leitos de rio secos, cuja forma determina as
características do rio. (...) Jung também chama os Arquétipos de imagens primordiais,
porque eles correspondem freqüentemente a temas mitológicos que reaparecem em
contos e lendas populares de épocas e culturas diferentes. Os mesmos temas podem ser
encontrados em sonhos e fantasias de muitos indivíduos. De acordo com Jung, os
arquétipos, como elementos estruturais e formadores do inconsciente, dão origem tanto
às fantasias individuais quanto às mitologias de um povo.”
"Teorias da Personalidade"- J. Fadiman, R. Frager

Lacan:

“É por intermédio do complexo que se instauram no psiquismo as imagens que dão


forma às mais vastas unidades do comportamento: imagens com que o sujeito se
identifica alternadamente para encenar, como ator único, o drama de seus conflitos. Essa
comédia, situada pelo espírito da espécie sob o signo do riso e das lágrimas, é uma
comedia dell’arte, no sentido de que cada um improvisa e a torna medíocre ou
sumamente expressiva conforme seus dons, é claro (...). Comedia dell’ arte, além disso,
por se encenar segundo um roteiro típico e papéis tradicionais. Ali podemos reconhecer
os mesmos personagens que tipificaram o folclore, os contos e o teatro infantil ou adulto
– a ogra, o bicho-papão, o avarento, o pai nobre (...)
LACAN, J. Para além do princípio de realidade, p.93. Citado em “O herói cômico e
os (im)passes de sua trajetória: uma contribuição à ética da psicanálise, de Laura
Lustosa Rubião.

(trecho do texto "Casablanca, ou o Renascimento dos Deuses", de Umberto Eco, sobre os


arquétipos em Casablanca.)

"O filme já começa num lugar mágico de per si, o Marrocos, o Exótico, inicia com um
quê de melodia árabe que se esfuma na Marselhesa. Quando entra para o ambiente de
Rick, ouve-se Gershwin. África, França, Estados Unidos. A essa altura entra em cena um
emaranhado de Arquétipos Eternos. São situações que presidiram as histórias de todos os
tempos. Mas habitualmente para fazer uma boa história basta uma única situação
arquetípica. E sobra. Por exemplo: O Amor Infeliz. Ou A Fuga. Casablanca não se
contenta: coloca todas. A cidade é o local de uma Passagem, rumo à Terra Prometida.
Para passar, porém, é necessário submeter-se a uma prova, A Espera ("esperam, esperam,
esperam", diz a voz off no começo). Para passar do vestíbulo de espera à Terra
Prometida, é preciso uma Chave Mágica: o visto. Em torno da Conquista desta chave
desencadeiam-se as paixões. A mediação da chave parece ser feita pelo Dinheiro (que
aparece em diversas tomadas, geralmente sob a forma de Jogo Mortal, ou roleta): mas por
fim se descobrirá que a chave somente pode ser dada através de um Dom (que é o dom do
visto, mas é também o dom que Rick faz de seu Desejo, sacrificando-se). Porque esta é
também a história de um turbilhão de desejos, dos quais apenas dois acabam sendo
satisfeitos: o de Victor Laszlo, o herói puríssimo, e o do casalzinho búlgaro. Todos
aqueles que tem paixões impuras fracassam. E então, outro arquétipo, triunfa A Pureza.
Os impuros não chegam à terra prometida, somem antes. No entanto realizam a pureza
através do Sacrifício: é a Redenção".

[...]

"Em torno dessa dança de mitos eternos estão os mitos históricos, ou seja, os mitos do
cinema devidamente revisitados. Bogart personifica pelo menos três deles: o Aventureiro
Ambíguo, misto de cinismo e generosidade. o Asceta por Desilusão Amorosa e ao mesmo
tempo o Alcoólatra Redimido. Ingrid Bergman é a Mulher Enigmática ou a Mulher Fatal.
Em seguida há Ouça Querido a Nossa Canção, o Último Dia em Paris, a Legião
Estrangeira (cada personagem tem uma nacionalidade diferente) e finalmente o Grande
Hotel Gente-Que-Vai-Gente-Que-Vem. (...) De modo que Casablanca não é um filme, é
muitos filmes, uma antologia. E por isso funciona, a despeito das teorias estéticas e das
teorias filmográficas. Porque nele se desdobram, em força quase telúrica, as Potências da
Narratividade em estado selvagem, sem que a Arte intervenha para disciplinar.

E então podemos aceitar que as personagens mudem de humor, de moralidade, de


psicologia, de um momento para o outro, que os conspiradores pigarreiem para
interromper a conversa quando se aproxima um espião, que as mocinhas de vida fácil
chorem ao ouvir a Marselhesa.
Quando todos os arquétipos irrompem sem decência, são atingidas profundidades
homéricas. Dois clichês provocam riso. Cem clichês comovem. Porque se percebe
obscuramente que os clichês falam entre si e celebram uma festa de reencontro. Como o
cúmulo da dor encontra a volúpia, o cúmulo da banalidade deixa entrever uma suspeita
de sublime".

(entrevista concedida por Kurt Vonnegut Jr.)

Pergunta: Acha realmente que a arte de escrever de forma criativa pode ser ensinada?

VONNEGUT: Mais ou menos da mesma maneira que o golfe pode ser ensinado. Um
profissional pode apontar falhas óbvias no seu modo de mover o taco. (...) Sei apenas a
teoria.

Pergunta: Poderia expor a teoria em poucas palavras?

VONNEGUT: Ela foi formulada por Paul Engle, o fundador da Oficina de Escritores em
Iowa. Ele me disse que, se a oficina um dia arrumasse um prédio próprio, estas palavras
deveriam ser inscritas sobre a entrada: "Não leve isso tudo a sério".

Pergunta: E como isso poderia ajudar?

VONNEGUT: Faria os estudantes se lembrarem que estavam aprendendo a fazer


brincadeiras. Se você faz as pessoas rirem ou chorarem por causa de pequenas marcas
negras em folhas de papel branco, o que é isso a não ser uma brincadeira? Todas as
grande linhas básicas de histórias são grandes brincadeiras nas quais as pessoas caem
continuamente.

Pergunta: Pode dar um exemplo?

VONNEGUT: O romance gótico. Dezenas de coisas são publicadas todo ano e todas
vendem. Meu amigo Borden escreveu recentemente um romance gótico apenas por
diversão. Eu lhe perguntei qual era o enredo e ele disse: "Uma jovem arruma um emprego
em uma casa velha e depois fica morrendo de medo lá dentro".

Pergunta: Mais alguns?

VONNEGUT: Os outros não são tão engraçados de se descrever. Alguém entra em apuros
e depois escapa. Alguém perde alguma coisa e a recupera. Alguém é enganado e se vinga.
Cinderela. Alguém começa a andar para trás e a sua situação só piora cada vez mais.
Duas pessoas se apaixonam e outras atrapalham. Uma pessoa virtuosa é falsamente
acusada de um delito. Uma pessoa má é julgada virtuosa. Uma pessoa encara um desafio
com bravura e tem sucesso ou não. Uma pessoa mente, uma pessoa rouba, uma pessoa
mata. Uma pessoa pratica fornicação.

Pergunta: Me desculpe, mas esses são enredos muito antigos.

VONNEGUT: Eu lhe garanto que nenhum esquema de histórias modernas, mesmo sem
enredo, dará a um leitor satisfação genuína, a menos que um destes enredos antigos seja
introduzido em algum lugar. Não valorizo enredos como representações precisas da vida,
mas como maneiras de manter o leitor lendo. Quando eu ensinava redação criativa, dizia
ao meus alunos para fazer com que seus personagens quisessem algo logo, mesmo que
fosse apenas um copo d'água. Até personagens paralisados pela falta de sentido da vida
moderna têm que beber água de tempos em tempos. (...) Quando você exclui o enredo,
quando exclui alguém que deseje alguma coisa, você exclui o leitor, o que é uma atitude
mesquinha. Você também pode excluir o leitor não contando imediatamente onde a
história se desenrola e quem são estas pessoas. E você pode fazê-lo dormir se não colocar
os personagens em confronto uns com os outros. Estudantes gostam de dizer que não
apresentam confrontos em seus textos porque as pessoas evitam confrontos na vida
moderna. "A vida moderna é tão solitária...". Isso é preguiça. É o trabalho do escritor
apresentar confrontos, para que os personagens digam coisas surpreendentes e
reveladoras, eduquem e divirtam a todos nós. Se um escritor não sabe ou não quer fazer
isso, deveria retirar-se do negócio.

Um clichê pode ser a base da nossa história, um bom começo. (Hitchcock: “É melhor
começar por um clichê do que terminar nele”).

A NARRATIVA

Uma boa história não basta.

A narrativa precisa de uma história + meios para transmitir a história. Toda a narrativa
precisa de uma construção dramática.

Antiga lenda “tirada de um livro de magia”, narrada por Italo Calvino em “Seis propostas
para o próximo milênio”, Companhia das Letras, São Paulo,1990. Tradução de Ivo
Barroso.

“O imperador Carlos Magno, já em avançada idade, apaixonou-se por uma donzela


alemã. Os barões da corte andavam muito preocupados vendo que o soberano, entregue a
uma paixão amorosa que o fazia esquecer sua dignidade real, negligenciava os deveres do
Império. Quando a jovem morreu subitamente, os dignitários respiraram aliviados, mas
por pouco tempo, pois o amor de Carlos Magno não morreu com ela. O imperador
mandou embalsamar o cadáver e transportá-lo para sua câmara, recusando separar-se
dele. O arcebispo Turpino, apavorado com essa paixão macabra, suspeitou que havia ali
um sortilégio e quis examinar o cadáver. Oculto sob a língua da morta, encontrou um anel
com uma pedra preciosa. A partir do momento em que o anel passou às mãos de Turpino,
Carlos Magno apressou-se em mandar sepultar o cadáver e transferiu seu amor para a
pessoa do arcebispo. Turpino, para fugir àquela embaraçosa situação, atirou o anel no
lago Constança. Carlos Magno apaixonou-se então pelo lago e nunca mais quis se afastar
de suas margens”.

- Estágios da construção dramática

1. Estado Inalterado
2. Alteração
3. Luta
4. Ajuste

1. O imperador Carlos Magno, já em avançada idade...


2. ...apaixonou-se por uma donzela alemã.
3. Os barões da corte andavam muito preocupados vendo que o soberano, entregue a uma
paixão amorosa que o fazia esquecer sua dignidade real, negligenciava os deveres do
Império. Quando a jovem morreu subitamente, os dignitários respiraram aliviados, mas
por pouco tempo, pois o amor de Carlos Magno não morreu com ela. O imperador
mandou embalsamar o cadáver e transportá-lo para sua cãmara, recusando separar-se
dele. Arcebispo Turpino, apavorado com essa paixão macabra, suspeitou que havia ali
um sortilégio e quis examinar o cadáver. Oculto sob a língua da morta, encontrou um anel
com uma pedra preciosa. A partir do momento em que o anel passou às mãos de Turpino,
Carlos magno apressou-se em mandar sepultar o cadáver e transferiu seu amor para a
pessoa do arcebispo. Turpino, para fugir àquela embaraçosa situação, atirou o anel no
lago Constança.
4. Carlos Magno apaixonou-se então pelo lago e nunca mais quis se afastar de suas
margens”.

1. O Estado Inalterado
Não tem conflito. Pode ser usado para descrição de circunstâncias e caracterização do
personagem.

2. A Alteração
Algo acontece. Motivo para a ação. Intenção do personagem. Apaixonar-se. Ficar
sabendo. Ouvir. Ver. Lembrar. Conflitos internos do personagem.

3. A Luta
O relato de uma intenção em direção a um objetivo só se torna interessante se existe a
possibilidade deste objetivo não ser alcançado, quando existe entre intenção e objetivo
uma dificuldade.
Exemplos de dificuldades:

Um obstáculo. Uma montanha. Um rio cheio de piranhas. Pouco tempo para chegar no
objetivo, antes que ele desapareça. O personagem sabe da sua existência e vai em direção
a ele com a intenção de vencê-lo.

Uma complicação. Algo inesperado acontece. Um sortilégio. Fura o pneu do carro.


Começa a chover. Um bando de apaches.

Uma contra-intenção. João está apaixonado por Maria. Pedro também está apaixonado
por Maria. Os dois querem casar com ela.

As dificuldades variam em qualidade e força. No meio do caminho tinha uma pedra. No


meio do caminho tinha o Monte Everest. É preciso expor a qualidade e a força do
obstáculo. Deve haver uma proporcionalidade entre a qualidade do obstáculo, o objetivo
e a intenção. Deve haver equilíbrio entre objetivo e os obstáculos para alcançá-lo.

Indiana Jones não enfrenta o exército nazista apenas para colocar a arca no museu. Ele o
faz para impedi-los de usar o poder da arca para ganhar a guerra.

André (HQC) precisa desesperadamente de 38 reais, ou perderá Silvia. Saneamento,


objetivos dos personagens.

Grandes intenções precisam de grandes obstáculos para serem detidas.

Quando não existe uma dificuldade entre intenção e objetivo, podemos colocar a ação
fora de cena.

O personagem revela uma intenção: "vou até o bar da esquina". Algo o impede de chegar
ao bar da esquina? Não. Algo vai acontecer no caminho do bar da esquina? Não. O
caminho do personagem até o bar da esquina contribui para a narrativa de alguma
maneira? Não. Neste caso, quando ele diz: "vou até o bar da esquina" podemos cortar
imediatamente para o bar da esquina, com o personagem chegando ou já sentado numa
mesa. Neste caso, o personagem nem precisa (nem deve) dizer: vou até o bar da esquina.
Corta para o bar da esquina.

Por outro lado, se sabemos da existência de um obstáculo entre intenção e objetivo,


devemos mostrá-lo.

Um louco está no telhado de uma igreja com uma metralhadora, assassinando todas as
pessoas que tentam entrar no bar da esquina. Corta para o apartamento do nosso
personagem onde ele diz: "vou até o bar da esquina". Corta para o bar da esquina, onde o
nosso personagem toma tranquilamente um cafezinho. O público imediatamente vai se
perguntar como ele passou pelo louco.
4. O Ajuste

O ajuste acontece quando a intenção deixa de existir.

1. Por que se atingiu o objetivo.


2. Por que o objetivo deixou de existir.
3. Por que o personagem se transformou a ponto do motivo não causar mais uma
intenção.

O protagonista (Leão) da lenda narrada por Calvino é o Arcebispo Turpino, é ele quem
age para livrar o imperador do encantamento do anel. Seu objetivo é que Carlos Magno
tenha serenidade e volte a cuidar dos “deveres do império”. Quando isso acontece, a
história acaba.

“Na Sicília, os contadores de histórias usam uma fórmula: “lu cuntu num metti
tempu” (o conto não perde tempo), quando quer saltar passagens inteiras ou indicar um
intervalo de meses ou de anos. A técnica da narrativa oral na tradição popular obedece
a critérios de funcionalidade: negligencia os detalhes inúteis mas insiste nas repetições,
por exemplo quando a história apresenta uma série de obstáculos a superar. O prazer
infantil de ouvir histórias reside igualmente na espera dessas repetições: situações,
frases, fórmulas. Assim como na poesia e nas canções as rimas escandem o ritmo, nas
narrativas em prosa há acontecimentos que rimam entre si. A eficácia narrativa da lenda
de Carlos Magno está precisamente naquela sucessão de acontecimentos que se
respondem uns aos outros como as rimas numa poesia”. Italo Calvino.

- Intenções Secundárias

Em uma história pode haver uma intenção principal (em direção ao objetivo), intenções
secundárias (intermediárias, que apoiam a narrativa) e outras intenções independentes. Se
a intenção não apóia a narrativa (em direção ao objetivo) ela deve ser descartada.

As intenções secundárias movem-se em direção a objetivos secundários. Os objetivos


secundários, uma vez apresentados, devem ser resolvidos. Estes objetivos, uma vez
alcançados (ou frustrados), não terminam com o relato. Os objetivos secundários são
muito úteis para mover os personagens. Os objetivos secundários devem estar na mesma
direção que o objetivo principal. Isto faz com que a narrativa avance para o futuro.

A Teoria dos Ímãs.

“A arte que permite a Sherazade salvar sua vida a cada noite está no saber encadear
uma história na outra, interrompendo-a no momento exato: duas operações sobre a
continuidade e a descontinuidade do tempo. É um segredo de ritmo, uma forma de
capturar o tempo que podemos reconhecer desde suas origens: na poesia épica por
causa da métrica do verso, na narrativa em prosa pelas diversas maneiras de manter
aceso o desejo de ouvir o resto”. Italo Calvino.

- "Lector in Fábula"

A ficção (narrativa artificial) também se utiliza dos conhecimentos que o "espectador"


tem da realidade. Mais que isso: a representação da realidade é sempre incompleta. O
espectador/ouvinte/leitor completa as lacunas com seus próprios "pré-conceitos".

Eco:
"... todo o mundo ficcional se apóia parasiticamente no mundo real, que toma por seu
pano de fundo. (...) Na verdade, espera-se que os autores não só tomem o mundo real por
pano de fundo para sua história, como ainda intervenham constantemente para informar
aos leitores os vários aspectos do mundo real que talvez desconheçam."

Um romance: a prisão sueca em “Os homens que não amavam as mulheres”. (Trilogia
Milenium)

Exemplo: "Você Decide", "O Carrasco Nazista".

- Antecipação

É a capacidade do espectador de prever algo que vai acontecer. Isto é importante porque o
mantém atento ao relato. Se não há nada para esperar, o espectador fica desatento.

O espectador é capaz antecipar o resultado provável de uma ação utilizando seus próprios
conhecimentos, sua experiência.

- Suspense

É uma reação do espectador, uma dúvida sobre o desenvolvimento de uma ação. A


intenção atingirá o objetivo? Quando? O suspense exige conhecimento do objetivo e da
intenção.

A construção dramática provoca sensações no espectador: surpresa, riso, medo, susto,


esperança, alegria e incômodo ao mesmo tempo: o bandido vai matar a mocinha e o
mocinho está chegando para salvá-la.

Mantendo alguma informação oculta para revelá-la no futuro, o autor consegue um efeito
curto. Liberando-a (para o público, não necessariamente para os personagens), pode
conseguir um efeito de tensão constante que dá interesse à cena.

Exemplo 1, surpresa: Dois jovens namoram, ficam noivos, casam. Ficam sabendo que são
irmãos.
Exemplo 2, suspense: Dois jovens, que não sabem que são irmãos (o leitor sabe),
namoram, ficam noivos, casam.

Intenção e dificuldade geram suspense. Quando o objetivo é alcançado, o suspense


termina.

Para se obter o suspense, deve haver um equilíbrio entre a intenção e as dificuldades. A


"cultura do happy-end" do cinema americano desmoralizou parte deste suspense, restrito
aos personagens secundários. Todos sabem que o mocinho não vai morrer. Permanece
apenas a dúvida: COMO ele vai escapar?

Contra-exemplo: Psicose.

O clímax é o momento de confronto definitivo entre intenção e dificuldade. A partir do


momento em que não há mais dúvida sobre a vitória da intenção, o suspense termina.

Sabe que, acha que, não sabe que:

Lembre-se: cada situação pode ser "triplamente diversificada" conforme a relação que lhe
serve de base for real, equivocada ou ignorada.

Ex 1: os amantes descobrem que são irmãos, os amantes acham que são irmãos, os
amantes não sabem que são irmãos.

Ex 2: o filho não sabe que o pai foi assassinado, filho acha que o pai foi assassinado, o
filho descobre que o pai foi assassinado. (três estágios de Hamlet)

Ex 3: Jorge descobre que Luiza o traiu (e ele está certo, em Primo Basílio), Otelo pensa
que Desdêmona o traiu (e ele está errado, em Otelo), Bento não sabe se Capitu o traiu (e
está certo em não saber, em Dom Casmurrro).

O quid pro quod (quiprocó).

O Ponto de Vista.

“A porta de entrada por onde o espectador vê em perspectiva o interior da situação. É


através de seus olhos que vemos o universo cênico. “ E.S.

Ex: “All about Eve” (A Malvada). Cidadão Kane. “Guildenstern e Rozencratz estão
mortos”, peça e filme de Tom Stoppard, Hamlet no ponto de vista dos amigos que o
príncipe mandou para a morte. “Rashomon”, filme de Akira Kurosawa baseado no livro
de Ryunosuke Akutagawa. Os quatro livros do Novo Testamento.

Experimente trocar o ponto de vista do narrador da sua história. Talvez você tenha outra
história, ou uma história melhor, ou outras linhas narrativas.

"Nisso consiste toda a arte teatral: descobrir sob que ângulo de visão o mundo a ser
representado é mais interessante, mais pitoresco, mais estranho, mais vibrante ou mais
significativo. É fazer no moral o que o cineasta faz no físico com sua câmera,
procurando o melhor ângulo de tomadas. Mas a literatura fez isso em espírito muito
antes de os cineastas terem deparado tecnicamente com esse problema (cuja
universalidade estética nem sempre compreendem)." Etienne Souriau.

“...os grandes efeitos de ponto de vista figuram sobretudo nas obras de autores-atores
(como Shakespeare e Moliére). Ao inventarem, ao pensarem geralmente suas obras junto
com a encenação, eles tomam partido franco e forte a este respeito, e prevêem os
recursos técnicos, como homens que conhecem seu ofício ou que o sentem
intensamente.” Etienne Souriau.

Trecho do prólogo de Jorge Luis Borges para o livro “A Invenção de Morel”, de Adolfo
Bioy Casares.

..

Stevenson, por volta de 1882, anotou que os leitores britânicos desdenhavam um pouco
as peripécias, opinando que era muito hábil redigir um romance sem argumento, ou de
argumento infinitesimal, atrofiado. José Ortega y Gasset – La Deshumanización del Arte,
1925 – tenta defender o desdém anotado por Stevenson e estatui, na página 96, que “é
muito difícil hoje inventar uma aventura capaz de interessar nossa sensibilidade
superior”, e, na 97, que essa invenção “é praticamente impossível”. Em outras páginas,
em quase todas as outras páginas, advoga o romance “psicológico” e opina que o prazer
das aventuras é inexistente ou pueril. Esse é, sem dúvida, o comum parecer de 1882, de
1925 e mesmo de 1940. Alguns escritores (dentre os quais aprecio contar Adolfo Bioy
Casares) pensam ser razoável dissentir. Resumirei, aqui, os motivos dessa dissensão.

O primeiro (cujo ar de paradoxo não quero destacar nem atenuar) é o intrínseco rigor
do romance de peripécias. O romance característico, “psicológico”, tende a ser informe.
Os russos e os discípulos dos russos demonstram até o fastio que ninguém é impossível:
suicidas por felicidade, assassinos por benevolência, pessoas que se adoram a ponto de
separar-se para sempre, delatores por fervor ou por humildade... Essa liberdade plena
acaba por equivaler à plena desordem. Por outro lado, o romance “psicológico” quer
ser também romance “realista”: prefere que esqueçamos seu caráter de artifício verbal e
faz de toda inútil precisão (ou de toda lânguida vagueza) um novo traço verossímil. Há
páginas, há capítulos de Marcel Proust que são inaceitáveis como invenções: a eles, sem
saber, resignamo-nos como ao insípido e ao ocioso de cada dia. O romance de aventuras,
por sua vez, não se propõe como transcrição da realidade: é um objeto artificial que não
sofre nenhuma parte injustificada. O temor de incorrer na mera variedade sucessiva do
Asno de Ouro, do Quixote ou das sete viagens de Simbad impõe-lhe um rigoroso
argumento. Aleguei um motivo de ordem intelectual; há outros, de caráter empírico.
Todos tristemente murmuram que nosso século não é capaz de tecer tramas
interessantes; ninguém se atreve a comprovar que, se este século tem alguma primazia
sobre os anteriores, esta primazia é a das tramas.

Em “Obras Completas de Jorge Luis Borges, Volume IV”, página 27. Editora Globo,
2001. Tradução de Josely Vianna Baptista.

As tramas de Tootsie, Testemunha de Acusação ou Quanto mais Quente Melhor são bem
mais sofisticadas que as de qualquer peça de Shakespeare.

"Plantando" informações: "O último magnata".

Mentiras. A informação era falsa.

CHION: Para uma história funcionar, muitas vezes é preciso que haja uma "distribuição
desigual de informações" (entre os personagens e o público também). Muitas vezes é este
desequilíbrio que move a história e mantém o interesse.

Liberando informações aos personagens.

O público sabe e um (ou mais) personagens também.

"Validade" da informação. O público ainda lembra?

O público sabe, mas o mocinho não. Suspense.

O público sabe, o mocinho sabe, mas a mulher do mocinho nem desconfia.

Como contar ao ator algo que o público já sabe? O Veredito.

A elipse:
- para cortar tempos mortos
- para reservar alguma surpresa para o futuro. "Eu tenho um plano..." (elipse)
- para evitar repetições. (a reação de quem não sabia. "O Veredito").

O "mal-entendido". Quid pro quo (isto por aquilo). "Quanto mais quente melhor". "A
Comédia dos Erros".

- Os Três atos

Aristóteles: Exposição / Peripécia / Catástrofe

ou

Exposição / conflito / resolução

A importância do 3: tese, antítese, síntese.

Primeiro ato: Apresentação dos personagens, do espaço, do tempo. Surge um motivo,


uma intenção, um objetivo e obstáculos. Uma informação muda o rumo da história.

É onde há (ou precisa haver) mais "informações por minuto". Este é o risco maior do
primeiro ato. É preciso "dramatizar" a informação, para que ela seja passada ao público
de maneira natural, sem parecer uma informação importante.

Pergunte-se:

- o que o público realmente precisa saber?


- como fazer com que os personagens precisem destas informações?
- qual a melhor maneira de dramatizar a informação?

Segundo ato: Conflitos. Os personagens se movimentam em direção ao objetivo e


enfrentam obstáculos.

Uma nova informação redireciona a história para o confronto e a solução.

O bar dos roteiristas: “Problemas no segundo ato”.

Terceiro ato: Solução. O objetivo deixa de existir.

Cada ato também pode ser estruturado em 3 partes.

Primeiro ato:

O imperador Carlos Magno, já em avançada idade, apaixonou-se por uma donzela alemã.
Os barões da corte andavam muito preocupados vendo que o soberano, entregue a uma
paixão amorosa que o fazia esquecer sua dignidade real, negligenciava os deveres do
Império. Quando a jovem morreu subitamente, os dignitários respiraram aliviados...

Segundo ato:

...mas por pouco tempo, pois o amor de Carlos Magno não morreu com ela. O imperador
mandou embalsamar o cadáver e transportá-lo para sua câmara, recusando separar-se
dele. Arcebispo Turpino, apavorado com essa paixão macabra, suspeitou que havia ali
um sortilégio e quis examinar o cadáver. Oculto sob a língua da morta, encontrou um anel
com uma pedra preciosa. A partir do momento em que o anel passou às mãos de Turpino,
Carlos Magno apressou-se em mandar sepultar o cadáver e transferiu seu amor para a
pessoa do arcebispo.

Terceiro ato:

Turpino, para fugir àquela embaraçosa situação, atirou o anel no lago Constança. Carlos
Magno apaixonou-se então pelo lago e nunca mais quis se afastar de suas margens.

Linda Seger e o padrão-hollywood (semelhante ao paradigma de Syd Field):

Num roteiro de longa-metragem (de 100 páginas):

Primeiro ato: Página 1 - 25. O conflito é apresentado entre as páginas 10 e 15.

Segundo ato: Páginas 25 – 75. (A primeira “virada” até a página 75). Seger menciona
também a possibilidade da existência de um “ponto central” (perto da página 50) que
divide o segundo ato (e o filme) ao meio. Segundo Seger, nem todos os filmes tem este
“ponto central” mas, quando tem, o filme, segundo ela, parece mais estruturado.

Terceiro ato: Páginas 75 – 100, com a solução final perto da página 95.

“...é mais fácil equilibrar bem o interior de cada sequência do que o de um conjunto de
sequências. Pode acontecer ter-se um certo número de sequências em que tudo é
controlado no respectivo conteúdo. O equilíbrio parece perfeito, mas, quando as
juntamos, o conjunto não funciona. Ora, é o conjunto que interessa. É preciso então
rever as sequências, umas a seguir as outras, eventualmente desestruturar os extremos,
seja fazendo cortes rasos, seja, pelo contrário, alongando-os (mesmo que isso pareça
inútil), para assegurar a coesão do conjunto.”

Claude Chabrol, Como fazer um filme.


X

Duvido que algum bom roteiro tenha sido escrito tendo como ponto de partida estas
medidas, mas acredito que os melhores roteiros, por instinto autoral, acabam por cumpri-
las. Acredito que pode ser uma boa idéia, depois de pronta a primeira versão de um
roteiro, ver se ele se afasta muito destas medidas. Seger fala em colocar “bandeiras
vermelhas” nestes pontos do roteiro.

“Dois verões” foi pensado com uma rígida estrutura de 3 atos, os três terminando com a
mesma frase, dita pela Roza: “Eu estou grávida.”

- O Fim.

A importância do início e do final. "Comece do começo. Vá até o fim. E então pare".

Desenlace: o momento em que tudo se imobiliza ou por autodestruição de todo o sistema,


ou pelo fim do movimento num dispositivo estável e satisfatório, ou por retorno a
situação inicial indicando um ciclo que se fecha.

As coincidências:

Uma coincidência é frequentemente o gatilho de uma história: um encontro fortuito, uma


convivência forçada, um acidente. Mais de uma coincidência numa mesma história
geralmente revelam a fragilidade da trama (a não ser como farsa, ver “A comédia de
erros”).

Alguns procedimentos narrativos clichês (comuns na “baixa dramaturgia” dos folhetins)


são eventualmente toleráveis, se reciclados ou apresentados de maneira original. Um
exemplo comum são pessoas que escutam atrás da porta (ou na extensão do telefone, ou
que encontram “a carta”, etc.), sem o quê a história não anda. (Romance, Comédias)

(Um dia desses vi, num programa de televisão, uma curiosa combinação de clichês:
alguém que escutava atrás da porta a conversa de um personagem que, em seu quarto,
falava sozinho, revelando seus planos de conquista amorosa. O roteirista estava mesmo
com muita sorte!)

Pode uma coincidência resolver a trama? (Deus ex-machina). Sim, como piada. Ex: O
mundo segundo Garp, romance de John Irving, filme dirigido por George Roy Hill.

A dramaturgia do jogo de dados, do xadrez e do gamão.

“A escritura da ficção impõe uma troca constante entre, de um lado, o estabelecimento


de uma estrutura, de um padrão e de um fechamento, e, de outro, a imitação da
aleatoriedade, das incongruências e da abertura da vida. As coincidências, que nos
surpreendem na vida real com simetrias que não esperávamos encontrar, são um recurso
estrutural óbvio na ficção, mas seu uso excessivo pode ameaçar a verossimilhança da
narrativa”. David Lodge, A arte da ficção.

O fim:

Paulo José: “Se você não tem o fim, não tem história”.

Vonnegut: “Não importa se, ao fundo, os marcianos estejam invadindo a terra: quando os
amantes se beijam, acabou a história.”

Ex: A Intrusa e Cidade Baixa: o equilíbrio do triângulo, o final aberto.

Se o público não sabe se a história acabou ou não, você está com um problema.

Anne Lamott, escritora americana. Tradução de João Nunes.

‘Escrever é reescrever’

“Para mim, e para a maior parte dos escritores que conheço, a escrita não é coisa que
nos deixe em êxtase. Na verdade, a única maneira que encontrei para conseguir escrever
seja o que for é escrever primeiras versões realmente de merda. A primeira versão é a
versão da criança, aquela em que deixamos sair tudo para fora, e vamos para todo o
lado, sabendo que ninguém vai ver o que estamos escrevendo e que podemos sempre dar-
lhe forma mais tarde. Devemos deixar a criança dentro de nós tomar o controle e decidir
quais as vozes e visões que vão vir à superfície e aparecer na página. Se um dos nossos
personagens quer dizer “E então, Sr. Calça Cagada?”, nós deixamos que o faça.
Ninguém mais vai ler essas palavras. Se a criança quiser aventurar-se por territórios
sentimentais, lamúrias emocionais, deixemos que ela vá. Devemos pôr tudo no papel,
porque pode haver algo de excepcional nessa meia dúzia de páginas alucinadas, algo a
que não chegaríamos nunca pelos nossos meios racionais, de adultos. Pode haver algo
na derradeira linha do derradeiro parágrafo da página seis que vai nos encantar, algo
tão maravilhoso ou selvagem que nos mostra sobre o que estamos realmente escrevendo,
ou em que direção devemos ir, mas não há como chegar lá se não tivermos passado
primeiro pelas outras cinco páginas e meia.”

Anne Lamott
x

Erros mais comuns quanto ao interesse da história:

. Falta identificação com os personagens. (“São todos chatos.”)


. Falta unidade na história. (“Parece uma colagem.”)
. Motivo irrelevante, incapaz de gerar uma intenção no personagem. (“Não entendo
porque ele fez tudo aquilo”)
. Desequilíbrio entre objetivo e obstáculos. (“Ele fez tudo aquilo só por causa disso?”)
. Divisão da história por objetivos distintos não coordenados.
. Falta de um conteúdo reconhecível. (“O que eu tenho a ver com isso?”)
. Falta de relação com os interesses do público naquele momento.
. Falta de relação entre os acontecimentos da história e a vida do espectador.
. Premissas falsas.
. Excesso de coincidências ou coincidências muito favoráveis aos personagens.
. Furos ou quebras na lógica interna da história.
. Deus ex-machina (solução que “cai do céu”).
. Informações demais ou de menos.
. Uso de símbolos incompreensíveis.
. Falta de emoções universais.
. Informações desnecessariamente repetidas.
. Uso de símbolos óbvios.
. Uso de emoções banais.

Erros mais comuns quanto a narrativa:

. Início impressionante demais (prejudicando a gradação).


. Objetivo principal ou dificuldade principal expostos muito tarde.
. Pontos lentos (“barrigas”) por falta de sub-objetivos.
. Paradas porque os sub-objetivos não se sobrepõem.
. Falta de gradação ou gradação irregular.
. Descontinuidade de intenções.
. Flashback explicativo. (“Síndrome do patinho de borracha’)
. Antecipação sem desenlace.
. Perda de oportunidade de suspense.
. Clímax muito cedo.
. Trama tão complicada que exige um desfecho imenso ou muito explicativo.
. Objetivo principal obtido antes do fim. (Contra-exemplo: “Onde os fracos não tem vez”)

#CAPÍTULO 7: GÊNEROS

- Documentário, ficção e misturas.


Narrativa natural: (documentário) afirma dizer a verdade sobre o universo real.

Narrativa artificial: (ficção) finge dizer a verdade sobre o universo real ou afirma dizer a
verdade sobre um universo ficcional (contando com "a suspensão da descrença", a
cumplicidade do espectador, que quer acreditar no jogo ficcional). A narrativa artificial
permite ao espectador "presenciar" acontecimentos (dramatizados) da esfera privada.

A presença da câmera transforma o real.

Tomemos por exemplo as primeiras imagens do cinema, registradas por Lumière: a saída
da fábrica a chegada do trem na estação.

A fábrica:

INCLUDEPICTURE "http://i037.radikal.ru/0905/be/f4b91af8d44f.jpg" \*
MERGEFORMATINET

HYPERLINK "http://www.youtube.com/watch?
v=HI63PUXnVMw&NR=1&feature=fvwp"http://www.youtube.com/watch?
v=HI63PUXnVMw&NR=1&feature=fvwp

Já na saída da fábrica, uma dúvida: Lumière esperou que o apito da fábrica tocasse e
acionou sua câmera (o que poderia significar um desperdício do raro negativo) ou
acionou sua câmera e gritou "ação" aos operários?

Lumière era o dono da fábrica, tinha pouco negativo, certamente posicionou sua câmera e
mandou abrir a porta, talvez tocar a sirene. Ele avisou seus operários da filmagem, eles
estavam com roupas de passeio, não de trabalho.

O Trem:

INCLUDEPICTURE "http://kinodinamico.files.wordpress.com/2010/08/
df04252005g.jpg" \* MERGEFORMATINET

HYPERLINK "http://www.youtube.com/watch?v=v6i3uccnZhQ" http://


www.youtube.com/watch?v=v6i3uccnZhQ

James M. Haugh, em “Um trem em movimento”, descreve a produção da cena na estação


de La Cioat, em 1895:

“Talvez querendo garantir que haveria muita ação para registrar, Lumière posicionou sua
mãe, sua esposa e seus dois filhos, com a babá, ao longo da plataforma da estação. La
Ciotat fica na costa sul da França, entre Marselha e Toulon, onde as pessoas iam para
tomar sol e pescar. Todos se aventuraram, em um dia ensolarado do Mediterrâneo, até à
estação ferroviária, no extremo norte da cidade, com os montes verdejantes dos Alpes da
Provence fazendo pano de fundo para a ferrovia.

A mulher Louis, de chapéu branco, num elegante vestido que lhe cobria do pescoço aos
pés, e a babá foram orientadas a correr pela plataforma, como se estivessem tentando
localizar alguém que chega enquanto o trem está parando. A mãe, em um xale, observa
em silêncio, como deve fazer uma boa matriarca.

Louis não poderia posicionar sua câmera de modo a deixar o trem cruzar da direita para a
esquerda, porque assim ele iria capturar apenas um borrão. Ele posicionou-a perto dos
trilhos, para que o trem fosse visto em toda a sua extensão antes de se aproximar do
telespectador, sacudindo. O pessoal da estação, de uniforme, caminha na direção
contrária à multidão que parte da plataforma até que o trem pare. (...) Duas mulheres,
trazendo os filhos pela mão, andam de um lado para o outro a procura de alguém. A
matriarca fica parado - observando. Um jovem camponês perambula, aparentemente não
sabe bem para onde ir. Então as portas se abrem e os passageiros começam a sair do trem.
E o negativo acabou.”

Quanto de "encenação" há nestas imagens, as primeiras do cinema?

A dúvida pouco importa: Lumière logo descobriu que poderia "encenar" a realidade, com
atores e ações previamente combinadas.

O regador regado (l'Arroseur arrosé) – 1895:

INCLUDEPICTURE "http://3.bp.blogspot.com/_9PVLD1w5iTc/SmX5SjOd_NI/
AAAAAAAAA8Q/HrIPxDNP_Fs/s320/el-regador-regado.jpg" \*
MERGEFORMATINET

HYPERLINK "http://www.youtube.com/watch?v=0E0IenGJ09o&feature=related"http://
www.youtube.com/watch?v=0E0IenGJ09o&feature=related

O personagem, regando as plantas, está de perfil. O menino entra em quadro


bruscamente: surpresa. A cena tem pouca profundidade, os dois atores na mesma linha,
paralela ao plano do filme. Na fuga, o menino quase sai de quadro. O regador dá uma
surra no menino e, bruscamente (como se recebesse ordens), volta a regar as plantas. A
cena terminou mas o menino não sai de quadro, fica parado, olha para a câmera,
aparentemente recebe instruções para sair e sai.

(Quando vi este filme pela primeira vez, me perguntei: porque ele não molhou o
menino?)
O regador regado – 1896:

INCLUDEPICTURE "http://100books.kr/data/cheditor4/0910/
ZOz6ZffzCOPsnlEgmlDQSANBxPjyOUk.jpg" \* MERGEFORMATINET

HYPERLINK "http://www.youtube.com/watch?v=-
i6eZGMSZcU&feature=related"http://www.youtube.com/watch?v=-
i6eZGMSZcU&feature=related

O personagem, regando as plantas, está de frente para a câmera. O menino (mais velho)
entra ao fundo, se aproxima lentamente: suspense. A cena tem mais profundidade, os dois
atores estão em planos diferentes. Na fuga, o menino corre por outro caminho, diferente
do pelo qual chegou. O regador dá uma surra no menino e, é claro, usa a mangueira para
dar-lhe um banho. O menino se afasta sob o jato d’água.

Aqui, todos os filmes da primeira exibição pública da Cinématographe Lumière, em 28


de dezembro de 1895, no Salon Indien du Grand Café à Paris.

HYPERLINK "http://www.institut-lumiere.org/francais/films/1seance/accueil.html"
http://www.institut-lumiere.org/francais/films/1seance/accueil.html

A ficção e o documentário, no cinema, são gêmeos bivitelinos.

INCLUDEPICTURE "http://3.bp.blogspot.com/_Vkrceahx6Gw/TJyqjSmvDhI/
AAAAAAAAAJo/3nx8_2L9h2E/s1600/A+Nanuk1.jpg" \* MERGEFORMATINET

"Nanook of the North" de Robert J. Flaherty - 1922

A linguagem cinematográfica sempre contém uma enorme dose de encenação, seja em


"Nanook do Norte", do Flaherty (que teve os negativos perdidos e foi refeito), em
"Aruanda", de Linduarte Noronha (que tem um roteiro e uma decupagem muito precisa),
em "Ilha das Flores" (onde o dono dos porcos é o motorista da nossa kombi), em "Tire
Dié", do Fernando Birri (onde as crianças dão uma aula de interpretação), em "Esta não é
a sua vida" (onde Noeli aprendeu rapidamente a selecionar os trechos mais interessantes
de sua história).

A dose de "representação" em um documentário é sempre uma questão ética a ser


enfrentada pelo cineasta. Para mim o documentário é tão mais honesto quando explicita
os mecanismos de sua realização. Por exemplo, quando Coutinho, em "Santo Forte",
filma o momento em que uma entrevistada recebe o cachê e assina a autorização por sua
participação no filme. Mas a questão permanece: que direito tenho eu de editar
fragmentos de uma vida real para reordená-la na forma de uma história exemplar?

Minha relação com o tema:

Quizumba, Temporal, Dorival, Barbosa, Ilha, Esta não é a sua vida, Um dos três, Oscar
Boz, Cena Aberta.

Uma análise rápida do realismo “da visão de mundo”, teoria sintetizada pelo cineasta e
crítico russo Pudovkin indica os seguintes passos decisivos:

(1) existe uma realidade objetiva independente da nossa consciência e de qualquer forma
narrativa, ficcional ou jornalística. (Existe?)

(2) a narrativa pode vir a ser um método de aproximação em direção a realidade

(3) diferentes métodos podem revelar diferentes aspectos

(4) o que todos os métodos têm em comum é o fato de serem sempre uma visão humana
da realidade, ou seja, “uma representação em perspectiva mediada por uma
subjetividade”.

Se a apreensão da realidade é uma utopia inalcançável, o que importa é a narrativa, que


pode ser Artificial (ficção) ou Natural (não-ficção).

Narrativa artificial: (ficção)

A narrativa artificial, como toda narrativa, se utiliza dos conhecimentos que o


"espectador" tem da realidade. A representação da realidade é sempre incompleta. O
espectador/ouvinte/leitor completa as lacunas com seus próprios "pré-conceitos"

A narrativa artificial permite ao espectador "presenciar" acontecimentos da esfera


privada.

A narrativa artificial não denuncia (ou não precisa denunciar) a presença da câmera, que
inevitavelmente transforma a realidade.

No filme de ficção, a presença da câmera, a oportunidade, tudo denuncia o jogo ficcional,


a artificialidade da narrativa. Isto não diminui a ficção como “uma representação da
realidade, em perspectiva, mediada por uma subjetividade”. Ao contrário.

Aristóteles:
"Não é ofício de poeta narrar o que aconteceu. é, sim, o de representar o que poderia
acontecer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade."
A "vida real" na televisão: comédias da vida privada.

No romance, reconhecemos o caráter da narrativa (artificial ou natural) graças ao


"paratexto", mensagens externas que cercam o texto: o autor, a palavra romance escrita
na capa do livro."
No caso do cinema, chamemos isto de parafilme: os créditos, os atores.

É possível subverter as regras do parafilme.

Cidadão Kane, Bob Roberts, Ilha das Flores.

Narrativa natural (não-ficção, jornalismo, documentário)

Documentário: é aquele filme que o autor (ou produtor) informa que é um


documentário.

Descreve fatos que o narrador afirma que oconteceram. E nós acreditamos nele.

O cinema de documentário já foi definido como aquele que "registra fatos que se
desenvolveriam igualmente sem a presença da câmera".

Jornalismo em comícios, shows, eventos, a postura do entrevistado.

Como reconhecemos a ficcionalidade da narrativa?

1) "pela insistência em detalhes inverificáveis".

Vídeo cassetadas, pegadinhas, acidentes: por que isto estaria sendo filmado?

2) pela qualidade da imagem (sujando a imagem).

3) Dificuldade de simulação da ação. (filmes de aventura)

4) Interpretação (fingimento).

5) Pelo choque com nossos pré-conceitos

Estes procedimentos ficcionais da narrativa são bastante elásticos e sofrem constante


transformação.

Toda narrativa tem uma dose de ficcionalidade e uma dose de realidade.

“Realísmetro”
Grau de realismo Características Exemplo
100 Não existe. Galinha, nos primeiros
filmes mostrados na
África. “Isto não é um
cachimbo”. Esta não é a
sua vida.
90 Câmera escondida, Acidente de trânsito.
ninguém sabe, situação
não-encenável.
80 Câmera escondida, alguém Assalto, bandido
sabe, situação não- mascarado, crime com
encenável. mortes.
70 Câmera escondida, alguém Flagrantes de crime
sabe, situação encenável. (suborno), cenas de sexo.
60 Todos sabem da existência Briga no futebol, bate-boca
da câmera, situação não no debate, etc.
encenável.
55 Todos sabem da existência Evitando o escanteio.
da câmera, situação não
encenável, porém O real ficcionalizado. (O
encenada. gol de Jardel, o foco é o
narrador.)

50 Todos sabem da existência Jornalismo, entrevistas, etc.


da câmera, situação
encenável, afirma-se dizer Chegada dos fuzileiros
a verdade sobre o universo americanos em Granada,
real, sem roteiro. transmitida pela CNN. A
postura dos fuzileiros e dos
câmeras.

40 Todos sabem da existência Docudrama, atores. Filmes


da câmera, situação baseados em fatos reais.
encenável, afirma-se dizer
a verdade sobre o universo Reportagem ficcionalizada:
real, com roteiro. fazendo o papel de si
mesmo.

30 Todos sabem da existência Filmes de ficção “realista”.


da câmera, situação (com pessoas, vivendo
encenável, afirma-se num tempo e lugar reais).
mentir sobre o universo
real, com roteiro.
20 Todos sabem da existência Filmes de ficção
da câmera, situação “científica”, não-realista.
encenável, afirma-se Guerra nas Estrelas.
mentir sobre o universo Senhor do anéis.
fantástico, com roteiro.
a verdade sobre o universo Reportagem ficcionalizada:
real, com roteiro. fazendo o papel de si
mesmo.

30 Todos sabem da existência Filmes de ficção “realista”.


da câmera, situação (com pessoas, vivendo
encenável, afirma-se num tempo e lugar reais).
mentir sobre o universo
real, com roteiro.
20 Todos sabem da existência Filmes de ficção
da câmera, situação “científica”, não-realista.
encenável, afirma-se Guerra nas Estrelas.
mentir sobre o universo Senhor do anéis.
fantástico, com roteiro.
Quantas vezes Barbosa
pensou naquela bola?

10 Animação, imagem não- American pop (1981,


fotográfica, universo real. Ralph Bakshi)
5 Animação, imagem não- Mickey Feiticeiro. Vida de
fotográfica, universo inseto, Avatar. (o caso do
fantástico. Oscar)
0 Não existe. A Ilíada e o Biblioburro.

A subjetividade de toda narrativa, Natural ou Artificial, se expressa na linguagem, que é


sempre construída, e na escolha de um ponto de vista.

Todo ponto de vista é, necessariamente, uma escolha moral.

O ponto de vista é, sempre, parcial e imperfeito.

A apreensão absoluta de uma realidade pelo cinema, jornal ou pela tv é uma completa
utopia. (A ser perseguida?)

A construção da realidade na narrativa se faz através de opções de linguagem. Estas


opções são éticas (isto é, se baseiam em juízos de apreciação da conduta humana
suscetíveis de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a
determinada sociedade, seja de modo absoluto) e estéticas.

As opções estéticas também são, ao final, escolhas morais: as lentes, os movimentos de


câmera, o tamanho do plano. O movimento de zoom, a não ser como piada, é desumano.
(O zoom não existe na natureza.) Luc Mullet disse que Alain Resnais transformou o
travelling numa escolha moral. Rosselini considerava o movimento de grua ascendente
“imoral”. A decupagem “sanfona” (aberto, fechado, aberto, fechado), a câmera
desnivelada, a divisão de quatro, os filtros de imagem, são escolhas morais, éticas,
políticas.

No documentário, o compromisso moral do autor é com a busca da "verdade". A


"verdade" é sempre um ponto de vista, uma tese.

Compromisso moral do autor com o "focalizado". Os riscos da exposição.

Escolhas Estéticas (mais diretamente ligadas a Narrativa)

Existem muitos artifícios de linguagem que visam impregnar de "realidade" a narrativa


ficcional.

Machado de Assis: “Dizem as crônicas de Itaguaí...".

Outros artifícios de linguagem procuram impregnar a narrativa natural de aspectos


ficcionais: pessoas que aceitam fazer o papel de si mesmas.

O jornalismo "romanceado” e os detalhes inverificáveis.

Na narrativa natural (documentário) só há dúvidas, uma vez que há um universo de fatos


fora da narrativa. (Michel Jackson realmente morreu? Kennedy? O homem esteve mesmo
na lua?)

Na narrativa não-natural (ficção) não há dúvidas, não há fatos fora da narrativa. (ET
voltou para casa. Romeu e Julieta morreram.)

O roteiro do documentário.

Um roteiro de ficção pode incluir todas as cenas, todas as falas, todos os personagens do
filme, graduar sua importância e seu papel na narrativa. O roteiro de um documentário
não tem o mesmo poder.

Acredito que as etapas de realização do roteiro sejam semelhantes: idéia, story-line,


sinopse, argumento, escaleta, roteiro, roteiro decupado. A natureza de cada uma destas
etapas é que difere quase que integralmente.

A idéia de um documentário deve surgir a partir de um acontecimento do mundo real.

. uma situação dramática. Cabra Marcado para Morrer.

. um personagem. Santiago.

. um ambiente. Tire Dié, de Fernando Birri.

. um ângulo pitoresco dos costumes humanos (o “filme chinês dos limpadores de trilhos
no deserto”.)
. um conceito narrativo ou dramático. Esta não é a sua vida.

. um tema. Bicho Homem.

. uma imagem. Fibra, de Fernando Bélens.

Relembrando: estes conceitos não são estanques. Grandes personagens vivem situações
dramáticas num ambiente social, suas histórias necessariamente incluem ângulos
pitorescos dos costumes humanos, têm um ou mais temas e podem ser contadas com
diversos conceitos narrativos.

As epapas seguintes (story-line, sinopse) são semelhantes, resumos da idéia central e da


história que o filme pretende contar.

Já o argumento do documentário, ao contrário da ficção, deve incluir indicações do


inesperado.

Às vezes o documentarista não tem nem mesmo como assegurar qual será o personagem
principal de sua história. Acontecimentos da filmagem podem direcionar o filme para um
lado ou outro, podem sugerir finais inesperados, podem revelar personagens
surpreendentes.

Euclides e Os Sertões.

O SUJEITO EXTRAORDINÁRIO E A MIMESIS CAMUFLADA:


a representação da realidade no cinema.

ou: Dois graus e meio de separação e as crianças das cidades do vale.


ou ainda: Por que desisti de fazer documentários.

por Jorge Furtado


21/03/2003

(anotações para a "Terceira conferência internacional do documentário: imagens da


subjetividade". Mesa: o sujeito extraordinário, com Eduardo Coutinho e Ismail Xavier.
São Paulo, 09-11/04/2003.)

Sempre desconfiei que a proporção 1/1,66, o formato mais comum da imagem


cinematográfica, deveria ter alguma relação com a proporção do retângulo áureo,
1/1,618, o número natural (a:1 :: 1:1+a ou 0,618/1 = 1/1,618) em que se apóia a
arquitetura clássica grega e, por conseqüência, a pintura renascentista. Minha
desconfiança é tomada como certeza por David Mamet que, em seu estudo "Três usos da
faca: sobre a natureza e a finalidade do drama”, afirma que a lente de 35mm tem seu
padrão de altura e largura baseado no Partenon.
Na verdade, o Mamet faz aqui uma pequena confusão entre “lente” e “janela”. O que
define as proporções do quadro não é a lente e sim a janela da câmera. A imagem
formada pela lente é circular e dentro deste círculo cabem quadriláteros de qualquer
proporção. O formato mais comum da imagem cinematográfica, o formato da janela (e
não da lente) do 35mm, é o 1,33:1. 1,66:1 é o padrão de "janela larga" européia, enquanto
1,85:1 é a janela larga norte-americana. 2,15:1 é o formato final do Cinemamascope e
1,77:1 é o da HDTV. O Giba Assis Brasil, que me alertou para o erro do Mamet, acha que
o 1,66 não tem nada a ver com o 1,618 e sustenta que a maioria dos formatos são apenas
relações de números simples. 1,33 = 4/3. 1,66 = 5/3. 1,77=16/9. De qualquer forma, a
imagem do cinema nunca foi quadrada ou redonda. Para informações mais detalhadas
sobre o retângulo áureo ver TREVISAN, Armindo. Como apreciar a arte. Editora
Uniprom, 1999.

Mas, excluído este padrão comum (que, reconheço, não é de pouca importância), sempre
estranho o uso do termo "clássico" associado ao cinema. O que seria um filme "clássico"?

O cinema nasceu faz pouco e já nasceu múltiplo. Se Lumière, fascinado pela "magnífica
impressão da vida real" provocada por sua invenção, buscou representar "naturalmente" a
realidade observada ou encenada, Méliès, ao contrário, procurou logo criar, através do
cinema, uma nova realidade, filha da mágica e da poesia. (Se pudéssemos – e felizmente
não podemos – dividir o cinema em dois grandes grupos, cujos patronos seriam Lumière
e Méliès, sou Méliès de carteirinha, o realismo nunca me enganou.) Volto ao início: o que
seria, portanto, um filme clássico?

As primeiras acepções da palavra "clássico" registradas pelo dicionário, "relativo à arte, à


literatura ou à cultura dos antigos gregos e romanos" ou "que segue, em matéria de artes,
letras, cultura, o padrão desses povos", só serve ao cinema para definir seus limites
físicos na tela. Outros sentidos da palavra "clássico", "da mais alta qualidade. modelar,
exemplar" (carros ou vinhos) ou "sem excessos de ornamentação. simples,
sóbrio" (vestidos ou sapatos) são vagos demais ou puramente subjetivos, não ajudam
muito.

Na linguagem coloquial, quando alguém se refere a "um clássico do cinema" ou a "um


filme clássico" está usando ainda outro sentido da palavra, afirma que seu "valor foi posto
à prova do tempo" e que, portanto, trata-se de um bom filme "antigo". Mas quando o
crítico Inácio Araújo afirma – acredito que com razão - que meu filme Houve Uma Vez
Dois Verões "busca como referencial o cinema clássico" ou quando a USP dá um curso
com um módulo chamado "Cinema Clássico, expondo os princípios da linguagem
clássica do cinema", tenho que recorrer a outra acepção que o dicionário me oferece da
palavra "clássico": "que segue os cânones preestabelecidos. acorde com eles". Clássico
seria, portanto, o filme que segue o padrão hoje dominante. Que padrão é este? Podemos
buscar a resposta analisando a estrutura dramática e os procedimentos narrativos do
cinema americano nos últimos 50 anos (pelo menos).
Como estrutura dramática, o padrão é a narrativa em três atos, com um protagonista que
recebe um "chamado à aventura" e segue, com possíveis variações, as etapas descritas por
Joseph Campbell em "O Herói de Mil Faces" (e também por Christopher Vogler em "A
Jornada do Escritor", espécie de versão cinematográfica dos estudos de Campbell). Em
resumo: descrição do mundo comum, o herói-protagonista é chamado à aventura,
inicialmente recusa, encontra o mentor e acaba aceitando o convite, viaja ao mundo
especial (oposto ao mundo normal onde a história começa), recebe a chave, ultrapassa um
portal, enfrenta provas, conhece inimigos e aliados, desobedece o mentor, enfrenta o
antagonista, triunfa e regressa, transformado, ao mundo normal para dividir com seus
pares (e com os espectadores) os frutos (o elixir) e descobertas de sua aventura.

É uma estrutura simples mas é, sem dúvida, clássica, já que remonta às origens das
fábulas e, portanto "seu valor foi posto à prova do tempo". Seria ainda, numa visão
junguiana, uma estrutura "natural" e "orgânica". Jung pensava que "exatamente como o
corpo humano representa um verdadeiro museu de órgãos, cada qual com sua longa
evolução histórica, da mesma forma deveríamos esperar encontrar também, na mente,
uma organização análoga, um inconsciente coletivo. Nossa mente jamais poderia ser um
produto sem história, em situação oposta ao corpo, no qual a história existe".

Se a estrutura dramática do cinema "clássico" pode ter algo de natural e orgânico, seus
procedimentos narrativos são apenas convenções eficientes: personagens que
desconhecem a presença da câmera, atuam e falam segundo o que se convencionou
chamar de naturalismo. cenas que mostram só aquilo que serve ao desenvolvimento da
fábula. cenários, figurinos e situações que simulam uma realidade possível. nada de
dúvidas ou ações sem justificativa. A linguagem deve permanecer escondida, de modo
que o espectador em nenhum momento lembre-se de estar no cinema. O padrão é a
ficção, onde a "fé poética" permite usufruir com segurança o prazer do jogo dramático.

Desconfio que, ao chamarmos este tipo de cinema de "clássico", estamos utilizando as


últimas e menos nobres acepções da palavra clássico: "famoso por se repetir ao longo do
tempo. tradicional" ou, ainda pior, "costumeiro, habitual". Clássico seria, portanto, um
filme banal. Qualquer alteração nestes padrões são imediatamente saudadas (ou
repelidas) como inovações: os personagens que falam olhando para a câmera em Godard
ou Woody Allen. a alteração da cronologia em Pulp Fiction. a inexplicada chuva de sapos
em Magnólia. as fábulas incompreensíveis de David Lynch. a falta de concentração
dramática em Jim Jarmusch. o tom não-realista, no limite da farsa, dos irmãos Cohen ou
de Almodóvar, só para citar alguns exemplos.

O cinema nasceu mutante. Se é verdade que podemos estabelecer algumas escolas


predominantes em diferentes décadas (cheguei a escrever "épocas", mas a palavra é
ampla demais para se referir a fatias de tempo tão curtas), também é verdade que, em
cada década encontramos filmes de todos os tipos e gêneros. A tentativa de colocar todos
os filmes de um período na mesma prateleira é sempre falha e responsável por grandes
injustiças. Ouvi falar tanto nas maravilhas do Cinema Novo que só recentemente vi um
dos melhores filmes do período, "Todas as mulheres do mundo", de Domingos de
Oliveira, um clássico (seu "valor foi posto à prova do tempo") que, visto hoje, me causa
tanto prazer estético (ou mais) e me fala tanto sobre aquela época (ou ainda mais) que
"Terra em Transe" ou "Deus e o Diabo na terra do sol".

Se o cinema é tão múltiplo, talvez seja melhor procurar nas outras linguagens a chave
para a compreensão dos gêneros. Poderíamos assim, por analogia, entender melhor as
diferenças entre as várias formas de representar a vida. A literatura é uma forma de
expressão muitíssimo mais sofisticada que o cinema, não só pelo seu acesso fácil ao
inconsciente alheio, mas também porque começou quatro ou cinco mil anos antes. Se
achamos que "Cidadão Kane" é um clássico por ter sido o seu "valor posto à prova do
tempo", o que dizer de Homero, Aristóteles, Montaigne, Shakespeare e Cervantes?
Petrônio tem piadas que continuam boas depois de dois mil anos, isto é que é clássico!
(Uma do "Satiricon", do banquete de Trimalcião: "Ele é tão rico que, se quiser, toma leite
de galinha!").

Eu, é claro, não fui o primeiro a buscar na literatura a chave para a compreensão dos
procedimentos narrativos do cinema.

Eisenstein , em "Dickens, Griffith e nós":

"Deixemos Dickens e toda a plêiade de antepassados, que remontam inclusive aos gregos
e a Shakespeare, lhes lembrarem mais uma vez que ambos, Griffith e nosso cinema,
provam que nossas origens não são apenas as de Edison e seus companheiros inventores,
mas se baseiam num enorme passado cultural. Cada parte deste passado, em seu
momento da história mundial, impulsionou a grande arte da cinematografia. Que este
passado seja uma reprovação às pessoas inconscientes que trataram com arrogância a
literatura, que contribuiu tanto para esta arte aparentemente sem precedentes e é, em
primeiro lugar, e no mais importante: a arte de observar – não apenas ver, mas observar."
Eisenstein, em "A Forma do Filme".

Claro, é disso que se trata: a arte de observar.

Usando como guia o livro "Mimesis", de Erich Auerbach, resolvi fazer (para mim
mesmo, publico quando tiver sessenta anos e estiver exilado na Turquia) um paralelo
entre os modos de representação da realidade na literatura e no cinema. Sendo o cinema
(como eu já disse) uma forma mutante, a cronologia da lista vai para o espaço. Alguns
tópicos do meu "estudo", por enquanto tenho pouco mais que os títulos dos capítulos:

Homero e o flash-back: cronologia é vício.

(Alain Resnais, Godard, Orson Welles, Woody Allen, Tarantino)

Petrônio e a prosódia: a subjetividade do discurso. (Herzog, Nelson Pereira dos Santos,


Joaquim Pedro)
Dante e a vertigem dos acontecimentos: "Então, mudando para algo totalmente
diferente..."
(Monty Python, Tomás Gutiérrez Alea, Scorsese)

Santo Agostinho e a transformação do personagem: cai a ficha.


(Frank Capra)

Boccaccio e as vídeo-locadoras: a fábula como entretenimento.


(os bons filmes "B" americanos)

Rabelais e os delírios visuais: arte é tudo que a natureza não é.


(Fellini, Buñuel)

Montaigne e o documentário: a condição humana.


(Eduardo Coutinho)

Shakespeare, Giotto e a corporalidade: o renascimento da tragédia e a invenção do


homem.
(Bergman, Kurosawa, Woody Allen)

Cervantes e o nascimento do romance: a invenção do homem II.


(Ettore Scola)

Molière e a comédia: a história como máquina.


(Billy Wilder)

Voltaire e a decupagem: a técnica do holofote e o humor como forma avançada da


filosofia.
(Alain Resnais)

Saint-Simon e o acaso: a multidão de personagens.


(Altman)

Goethe e a telenovela: o prazer do sofrimento alheio.


(Janete Clair)

Stendhal, Balzac e a narração off: o autor como personagem e a invenção do realismo.


(John Huston)

Flaubert e a imagem dramática: o roteiro como literatura.


(As Horas – Stephen Daldry / Michael Cunningham, Tarkovsky)

Brecht e o cinema-teatro: realismo tem hora.


(Glauber)
Durante mil anos a tragédia de Cristo foi imbatível – "Mais sofreu Cristo!" – e ele se
tornou o único personagem possível. É interessante perceber que Hamlet, a maior
tragédia já escrita, retoma os temas da morte e do filho perdido em busca do pai. Bloom
sustenta que as maiores reflexões já escritas sobre a morte e sobre a vida após a morte são
Hamlet e o evangelho de São Marcos.

(Para uma análise da vida de Cristo como tragédia, ver MILES, Jack. Cristo, uma crise na
vida de Deus. Companhia das Letras, 2001.)

Como o assunto aqui é "O Sujeito Extraordinário", me concentro nos séculos 15 e 16,
período em que a decadência da idéia de "destino" e a queda do ibope de Deus fizeram
ressurgir a tragédia (e o ser humano foi reinventado pela ficção e pelos ensaios
(documentários?) nas palavras de Montaigne, Shakespeare e Cervantes.

"Os outros formam o homem, eu relato a seu respeito e represento um em particular,


bastante mal formado: eu mesmo. (...) Não posso fixar o meu objeto. Ele vai, confuso e
titubeante, com uma ebriedade natural. Pego-o em qualquer lugar, como está, no instante
em que com ele me divirto. não descrevo o ser, descrevo a passagem. Ninguém tratou de
um assunto do qual entendesse ou o qual conhecesse melhor do que faço. (...) Descrevo
uma vida baixa e sem brilho: dá na mesma. É possível achar toda a filosofia moral numa
vida popular e privada tanto quanto numa vida feita de matéria mais rica: cada homem
leva em si a forma inteira da condição humana."
Montaigne, Ensaios, livro II, capítulo 2.

"As pessoas finas observam mais curiosamente e mais coisas, porém as criticam e, para
que façam valer sua interpretação e persuadam, não podem deixar de alterar um pouco a
História. Jamais mostram as coisas puras, as inclinam e as máscaram conforme as
viram. (...) Gostaria que cada um escrevesse o que sabe e na medida em que o sabe."
Montaigne, Ensaios, Livro I, capítulo 31.

"Ser ou não ser - eis a questão. Será mais nobre sofrer na alma pedradas e flechadas do
destino feroz ou pegar em armas contra o mar de angústias - e, combatendo-o, dar-lhe
fim? Morrer. dormir. Só isso. E com o sono - dizem – extinguir dores do coração e as mil
mazelas naturais a que a carne é sujeita. Eis uma consumação ardentemente desejável.
Morrer - dormir - dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo! Os sonhos que hão de vir
no sono da morte quando tivermos escapado ao tumulto vital nos obrigam a hesitar: e é
essa reflexão que dá à desventura uma vida tão longa."

Shakespeare, Hamlet, ato III, cena 1.

"Um dos dilemas inerentes à interpretação de Hamlet é que jamais sabemos a certo
quando ele está representando o papel de Hamlet, a despeito da "atitude extravagante".
A mímese, isto é, a imitação que o ator faz de um ser humano, é algo que preocupa
Hamlet, mas não é problema que aflija Falstaff. (...) Hamlet poderia ter escrito Hamlet,
ao passo que Falstaff acharia redundante escrever Falstaff. (...) Falstaff é feliz consigo
mesmo e com a realidade. Hamlet é infeliz nos dois aspectos. Hamlet é o Falstaff de si
mesmo. Não acredita em nada, nem em si mesmo, nem em Deus, nem na linguagem. Os
dois ocupam uma posição central na invenção do humano por Shakespeare. (...) Kenneth
Burke ensinou-me a aplicar a Hamlet a grande máxima de Nietzsche: "O que
expressamos com palavras já está morto em nossos corações. Sempre haverá algo de
desprezível no ato da fala". Observação alguma poderia se aplicar tanto a Hamlet e tão
pouco a Falstaff."

Harold Bloom, "Shakespeare, a invenção do humano".

"E a primeira coisa que fez foi limpar uma armadura que tinha sido dos seus bisavós, e
que, desgastada de ferrugem, jazia para um canto esquecida há séculos. Limpou-a e
conservou-a o melhor que pôde. Porém viu que tinha uma grande falta, que era não ter
celada de encaixe (a). senão só morrião simples (b). a isto porém remediou a sua
habilidade. arranjou com papelões uma espécie de meia celada, que encaixava com o
morrião, representando celada inteira. Verdade é que, para experimentar se lhe saía
forte e poderia com uma cutilada, sacou a espada e lhe atirou duas. e com a primeira
logo se desfez o que lhe tinha levado uma semana para a arranjar. não deixou de
parecer-lhe mal a facilidade com que dera cabo dela, e, para forrar-se a outra que tal,
tornou a corrigi-la. por modo que se deu por satisfeito com sua fortaleza, sem aventurar-
se em mais experiências".

Miguel de Cervantes, Dom Quixote, livro I, capítulo 1.

(a) parte da armadura que protege a cabeça e o rosto.


(b) capacete sem viseira.

"Cervantes sustentou que o seu Dom Quixote fora feito para acabar com os romances de
cavalaria. Mas o que ele fez foi criar um protótipo do romance, o gênero mais popular da
literatura moderna. (...) Por sorte ou por malícia Cervantes criou uma nova forma, que
outros autores puderam desenvolver e aperfeiçoar - uma maquete para versões da
comédia humana. Ele criava não apenas um romance, criava o romance ocidental, que
lhe deu um lugar entre os inventores do nosso mundo moderno, lugar comparável ao de
Copérnico no mundo dos descobridores. Mas enquanto Copérnico mudou o nosso olhar
da terra para o sol, Cervantes mudou-o do alto espaço para o mundo interior do homem.
E da mesma forma que o físico Dalton iria revelar muitas mais espécies de matéria do
que se imaginava, Cervantes mostrou aos literatos variedades desconhecidas e
insuspeitadas de pessoas que vivem dentro do próprio homem. Enquanto os agentes
estatísticos descobriam novas uniformidades entre grupos de pessoas, Cervantes
mostrava primeiro as variedades do indivíduo, inovando no esforço da literatura
moderna de incluir toda a experiência no romance. O criador estava entrando em
território novo. O romance se estendia para fora ao mesmo tempo em que olhava para
dentro. Ele ia democratizar ao mesmo tempo o público e o assunto da arte literária.
"Recriando a vida com a vida" o romance vai descobrir o homem moderno para o
homem moderno. O que a estatística e a ciência social iam conquistar para a experiência
pública, a arte do romance fez para a experiência privada”. (...) “Infligindo a seu herói
de classe média a ilusão de que as convenções do romance conhecido eram reais, ele
abriu a janela para uma vida diária não encontrada na epopéia ou no romance. Agora o
leitor participava do embate de outra pessoa entre seus sentimentos íntimos e a vida lá
fora. Assim o romancista ficava sendo o guia do leitor para a entrada em outra pessoa."
Daniel Boorstin, “Os Criadores”.

No livro 10 da República de Platão, Sócrates critica os poetas e o caráter "imitativo" da


poesia. A analogia utilizada é a de uma cama e sua relação com Deus, o carpinteiro e o
pintor (ou poeta). Existem, segundo Platão, três tipos de cama: o primeiro é a cama "em
si", a cama como idéia, uma idéia criada por Deus. Depois, a cama que resulta desta
idéia, feita pelo carpinteiro. Por último, a pintura de uma cama, feita pelo pintor. Deus
seria o autor da cama, o carpinteiro seu artífice e o pintor faz apenas uma imitação
(mimesis), "algo afastado da natureza por três graus".

Não tenho nada a acrescentar à defesa que Aristóteles, em oposição a Sócrates e Platão,
fez da poesia e da arte. Retomo a analogia porque acho que o cinema, na lógica platônica,
estaria afastado da realidade em dois graus e meio. Um filme sobre uma vida não é uma
vida, assim como a pintura de uma cama não é uma cama e a pintura de um cachimbo
não é um cachimbo. Mas um quadro que representa uma cama sempre contém uma
dúvida: ele pintou uma cama que via ou uma cama que imaginava? O quadro é a imitação
de uma idéia ou de uma cama real? Por mais realista que seja a pintura, a intermediação
da subjetividade do artista está sempre presente.

INCLUDEPICTURE "http://www.vangoghpaintings.net/wp-content/uploads/2009/12/
van-gogh-bedroom-in-arles-drawing-02.jpg" \* MERGEFORMATINET

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Vincent_van_Gogh_-_Vincent's_Bedroom_in_Arles_-
_Letter_Sketch_October_1888.jpg" \* MERGEFORMATINET

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Isto não acontece no cinema, ao contrário. Na fotografia, e ainda mais no cinema, a


imagem de uma cama sempre leva a crer a existência de uma cama real e possível de ser
fotografada. A fotografia (e mais ainda o cinema) nos força uma ilusão: eu estou vendo
uma cama, logo existe uma cama. A imitação é camuflada pelo caráter mecânico e
aparentemente não subjetivo da linguagem fotográfica.

Todos nós sabemos que esta "não-subjetividade" é falsa, e mais falsa se torna em tempos
de imagens digitais, com atores que continuam em cena até depois de mortos. E tanto
mais elaborada se torna a linguagem cinematográfica mais aumenta a subjetividade.

Tomemos por exemplo as primeiras imagens do cinema, a chegada do trem na estação e a


saída da fábrica registradas por Lumière. Suponho que aquele trem existiu e chegou
mesmo numa estação, a subjetividade ali se limita a posição da câmera e a escolha do
momento em que o filme começou e terminou de rodar. Já na saída da fábrica me ocorre
uma dúvida: Lumière esperou que o apito da fábrica tocasse e acionou sua câmera (o que
poderia significar um desperdício do raro negativo) ou acionou sua câmera e gritou
"ação" aos operários? Quanto de "encenação" há naquela imagem? A dúvida pouco
importa: Lumière logo descobriu que poderia "encenar" a realidade, com atores e ações
previamente combinadas. A ficção e o documentário, no cinema, são gêmeos bivitelinos.

A linguagem cinematográfica sempre contém uma enorme dose de encenação, seja em


"Nanook do Norte", do Flaherty (que teve os negativos perdidos e foi refeito), em
"Aruanda", de Linduarte Noronha (que tem um roteiro e uma decupagem muito precisa),
em "Ilha das Flores" (onde o dono dos porcos é o motorista da nossa kombi), em "Tire
Dié", do Fernando Birri (onde as crianças dão uma aula de interpretação), em "Esta não é
a sua vida" (onde Noeli aprendeu rapidamente a selecionar os trechos mais interessantes
de sua história).

Jean Claude Bernardet, sobre “Aruanda”, em Brasil em tempo de cinema:


"O documentário não se limita a mostrar flagrantes de uma vida atrasada, mas pretende
apresentar o mecanismo dessa vida. Noronha ultrapassa poeticamente a exposição de um
mecanismo econômico. Ele tem a intuição do deserto: a terra seca é a personagem
principal da fita."

A dose de “representação” em um documentário é sempre uma questão ética a ser


enfrentada pelo cineasta. Para mim o documentário é tantyo mais honesto quanto mais
explicita os mecanismos de sua realização. Por exemplo, quando Coutinho, em “Santo
Forte”, filma o momento em que uma entrevistada recebe o cachê e assina a autorização
por sua participação no filme.

Ex: Cena Aberta, a escolha de Macabéa.


Mas a questão permanece: que direito tenho eu de editar fragmentos de uma vida real
para reordená-la na forma de uma história exemplar?

"(...) Por que é que ensinaste a clareza da vista se não me podias ensinar a ter a alma
com que a ver clara? Por que é que me chamaste para o alto dos montes se eu, criança
das cidades do vale, não sabia respirar?"
Fernando Pessoa, Ficções do Interlúdio, poesias de Álvaro de Campos.

A dramaturgia cinematográfica tem características próprias, inescapáveis, com


conseqüências distintas na ficção e no documentário.

Algumas delas:

Simplificação: Um personagem é sempre uma simplificação, uma concentração de ações


e palavras que o define no interesse da narrativa. Na ficção, esta simplificação é feita em
parceria e cumplicidade com o ator. No documentário, quase inevitavelmente, a
simplificação é feita sem que o "ator" tenha dela plena consciência. Na ficção, o
personagem se constrói pela ação. No documentário, pela ação e pela edição.

Mimesis: Um documentário representa uma vida, como uma pintura representa uma
cadeira, e a cadeira existe, tem vida real. A ficção é sempre intermediada pela consciência
de uma mimesis, pelo acordo tácito que envolve qualquer representação, qualquer jogo
dramático.

O documentário, em oposto, sugere o registro da vida, como se ela acontecesse


independentemente da presença da câmera, o que é falso. A presença da câmera sempre
transforma a realidade. E esta transformação segue para além do filme.

Registrar uma vida real é uma grande responsabilidade, compreende uma enorme
quantidade de dilemas morais, éticos, em cada etapa da filmagem: no enquadramento, na
iluminação, na edição de som e, principalmente, na montagem.

"O que expressamos com palavras já está morto em nossos corações." A literatura, ao
mergulhar no mar de sentimentos inconfessáveis, é capaz de representar a vida de forma
muito mais complexa que o cinema. E, por mais que os melhores documentários (como
"Cabra marcado para morrer", por exemplo) revelem, por habilidades da imagem ou da
montagem, sentimentos inconfessos de seus personagens, muito mais pode o jogo
dramático na ficção.

No documentário a manipulação das emoções, a radicalização ao expor sentimentos,


esbarra nos limites da ética, no compromisso moral que o autor tem com seus
personagens, pessoas reais. Lady Macbeth, em frente a uma câmera, jamais censuraria
seu marido por ele estar "demais impregnado do leite da bondade humana".
Provavelmente diria estar compungida com a morte do rei e mandaria condolências aos
seus familiares.

Pensemos, apenas para citar um exemplo fresco, na representação da relação de Laura


Brown (personagem de Julianne Moore) com seu marido Dan (John C. Reilly) em "As
Horas" (de Stephen Daldry). Como um documentário poderia registrar os sentimentos de
um personagem que não é capaz de confessá-los nem a si mesmo? Como documentar, no
cinema, as dúvidas privadas e silenciosas diante da idéia do suicídio?

Mais uma vez, a saída é a literatura e a ficção. A cena em que Laura (Julianne Moore)
está à mesa de jantar com seu marido e filho, me remete imediatamente a Emma Bovary:

"Mas era sobretudo às horas da refeição que ela não agüentava mais, nesta pequena sala
do andar térreo, com a estufa que fumegava, a porta que rangia, os muros que gotejavam,
as lajes úmidas. toda a amargura da existência parecia-lhe servida no seu prato e, como a
fumaça do cozido, subiam do fundo de sua alma como em outras baforadas de enjôo.
Carlos era vagaroso ao comer. ela mordiscava algumas avelãs, ou então, apoiada no
cotovelo, divertia-se a fazer riscos com a ponta da faca na toalha."

Madame Bovary, Gustave Flaubert.

Que a ficção, que é sempre um documentário sobre sentimentos privados e


inconfessáveis, explore radicalmente e sem censuras o coração humano. Que o
documentário revele de forma transparente a sua dose de ficcionalidade. E que não
esqueçamos as palavras de Elias Canneti: "Não acredite em alguém que sempre diz a
verdade".

- Tragédia, comédia e misturas.

Comédia

peça teatral, de qualquer gênero


peça cujo propósito é divertir pelo tratamento cômico das situações, dos costumes e dos
o estilo cômico
a arte de fazer comédias
obra de ficção de cinema, televisão, rádio etc. cuja finalidade é fazer rir

Ex.: a c. da vida
cena cômica, ridícula ou escandalosa
Ex.: não se dá por satisfeito enquanto não representa a sua c.
pessoa, evento ou fato cômico

Ex.: <ele é uma c.> <o comício foi uma c.>


situação farsesca. embuste
Ex.: mostrem a verdade, vamos acabar com essa c.!

Locuções

c. à italiana
Rubrica: teatro.
m.q. commedia del' arte
c. antiga
Rubrica: teatro.
no teatro cômico da Grécia antiga, gênero iniciado em 460 a.C., e representado
esp. pela obra de Aristófanes, de conteúdo satírico e caráter predominantemente político-
social
c. atelana
Rubrica: teatro.
no teatro cômico da Roma antiga, tipo de comédia-farsa de temática político-
social, subgênero que provinha da cidade de Atela
Obs.: tb. se diz apenas atelana
c. bufa
Rubrica: teatro.
a que procura provocar o riso por meio de processos grosseiros, farsescos
c. das máscaras
Rubrica: teatro.
m.q. commedia del' arte
c. de caracteres
Rubrica: teatro.
peça ou gênero em que o autor destaca os traços psicológicos e de caráter dos
personagens, chegando, por esse meio, a uma interpretação de determinado segmento da
sociedade ou da sociedade em geral
c. de costumes
Rubrica: teatro.
aquela que retrata satiricamente os costumes, usos e idéias de uma classe social,
de uma época ou de uma profissão
c. de improviso
Rubrica: teatro.
m.q. commedia del' arte
c. histórica
Rubrica: teatro.
gênero teatral que põe em ação um fato ou episódio da história
c. italiana
Rubrica: teatro.
m.q. commedia del' arte
c. média
Rubrica: teatro.
gênero de transição da comédia grega antiga (três primeiros quartéis do sIV a.C.),
quando o coro é suprimido e o conteúdo do texto torna-se alegórico e mitológico
c. moral
Rubrica: teatro.
gênero de comédia de costumes que põe os princípios éticos em destaque
c. musical
Rubrica: cinema, teatro.
gênero de comédia em que o canto e a dança se misturam com a ação
c. nova
Rubrica: teatro.
na Grécia do tempo de Alexandre (fins do sIV a.C.), gênero teatral que satirizava
essencialmente a vida familiar e cujos principais autores foram Menandro e Filêmon
c. romântica
Rubrica: cinema, teatro.
gênero ou subgênero que apresenta histórias de amor de maneira sentimental e
não raro piegas
c. sentimental
1 Rubrica: teatro.
gênero do sXVIII em que os personagens vivem aventuras que provocam emoção
e piedade na platéia
2 Rubrica: cinema.
gênero ou subgênero cinematográfico em que predomina o sentimentalismo
c. tabernária
Rubrica: teatro.
na antiga Roma, comédia de usos e costumes da classe menos favorecida. fábula
tabernária
alta c.
Rubrica: teatro.
a de tema e desenvolvimento elevados, com tratamento de estilo refinado
baixa c.
Rubrica: teatro.
a de caráter grosseiro, bufo ou licencioso

Tragédia

na antiga Grécia, peça em verso, de forma ao mesmo tempo dramática e lírica, na qual
figuram personagens ilustres ou heróicos e em que a ação, elevada, nobre e própria para
suscitar o terror e a piedade, termina ger. por um acontecimento funesto
peça, ger. em verso, cuja ação termina de ordinário por acontecimentos fatais
o gênero trágico.

a arte de representar ou fazer tragédias


ocorrência ou acontecimento funesto que desperta piedade ou horror. catástrofe, desgraça,
infortúnio.
fazer tragédia de, procurar atribuir caráter ou aspecto trágico a fato ou acontecimento sem
grande importância. fazer drama de
Ex.: ele vive fazendo tragédia.

Vai dar bode?

"A morte é o fato primeiro e mais antigo, e quase me atreveria a dizer: o único fato."

Elias Canetti, A Consciência das Palavras.

Se não o único, a morte é nosso medo mais antigo. Para enfrentá-lo inventamos de tudo, a
começar pela religião, onde nasceu o teatro. "Faz de conta que ele não morreu, que ele
está vivo aqui, neste altar ou neste palco, faz de conta que eu sou ele, vejam!"

Faz de conta que você está só no mundo, completamente só, no meio da noite gelada, no
alto de uma torre, e escuta passos. Afinal, você não está só. "Quem está aí?" O medo gela
sua espinha: talvez seja um fantasma. O fantasma do pai - rei, chefe, sacerdote - foi nosso
primeiro Deus.

"Quem está aí?" A morte não ser o fim é boa e má notícia. Fantasmas e deuses têm humor
inconstante e, problema, não morrem. Mas talvez possam ser acalmados, com belos
túmulos, flores, velas, quem sabe? O teatro nasceu destes ritos propiciatórios.

"Atenas tinha o festival de Antesteria, no fim de fevereiro, quando os fantasmas que no


momento infestavam a cidade eram aplacados e banidos por meio de festins de danças
dramáticas. A Noite das Bruxas, nos Estados Unidos, é uma sobrevivência deste
costume". *

Um velho truque humano para superar medos é o "desfazimento mágico" (para Freud,
Ungeschehenmachen): já que não podemos derrotar a morte em vida, podemos derrotá-la
em nossa imaginação.

"O homem primitivo nega a morte trazendo de volta o falecido sob a forma de espírito, e
o rito do ancestral ou adoração do espírito converte-se numa representação dessa
ressurreição. (...) Muitas das tragédias gregas (Édipo em Colona de Sófocles, Medéia de
Euripídes) estavam relacionadas a rituais que louvavam um herói ou heroína primitivos."
*

Alguns destes rituais primitivos incluíam sacrifícios de animais, sua morte era oferecida
aos deuses e, às vezes, sua carne era compartilhada para que os vivos absorvessem sua
força. A morte do animal purgava os pecados, o "bode expiatório" morria por nós, para
nos salvar. Pobre do bichinho! Para atenuar a culpa da morte de um caprino inocente, o
sacerdote vestia sua pele (Ungeschehenmachen) e cantava, num renascer simbólico. Era o
"canto do bode", em grego "tragoedia", tragédia.

A tragédia nasceu na Grécia e quase morreu na cruz: na ressurreição de Cristo nasceu sua
igreja, cuja difusão no Ocidente quase acabou com o teatro: "Mais sofreu Cristo!". Quase.
O teatro renasceu, outra vez dentro da religião, na representação da vida dos Santos e da
própria vida de Cristo, os Passos da Paixão que ornamentavam os altares laterais das
igrejas viraram quadros vivos em ocasiões festivas.

Não por acaso o mais antigo texto preservado deste novo teatro cristão chama-se "Quem-
quaeritis" ("A quem procurais?", século IX), quase a mesma pergunta que abre o Hamlet.
Os Anjos (metade do elenco) faziam a pergunta às Mulheres (outra metade do elenco)
que visitavam o túmulo de Cristo. Elas respondiam: "Jesus de Nazaré, que foi
crucificado". A tréplica dos Anjos informava que Cristo não estava mais lá: conforme o
anunciado, ascendera aos céus. "Ide e anunciai que ele ascendeu de seu sepulcro". Cristo,
o velho Rei Hamlet, Clitemnestra (que aterroriza Orestes, seu filho matricida), Duncan
(rei da Escócia assassinado por Macbeth) e tantos outros fantasmas, recusam-se ao
sepulcro.

Mas é bom lembrar que existe algo além da morte: a vida, este sim o fato primeiro. A
maneira mais eficaz de enfrentar a morte é nascer e procriar, rituais de fertilidade são tão
antigos quanto homenagens aos mortos. Ritos fálicos, orgias cerimoniais, festins sexuais
existem em todas as culturas, desde sempre: o sujeito ou a sujeita se veste de bode, pirata,
rei ou odalisca, bebe e se diverte por três noites e, na quarta-feira pede desculpas a todos
no escritório, não sabe onde estava com a cabeça.

Destes rituais eróticos nasceu o avesso da tragédia, a comédia, "com sua imensa alegria e
com o riso que silencia muitas ansiedades e dores de coração do espectador. A proverbial
leviandade do palco é uma das suas mais antigas heranças; de forma sublimada é também
um legado muito precioso".*

Nascemos sabendo que morreremos, a vida é ótima mas, no fim, vai dar bode, é
inevitável. Inevitável, mas não insuportável. Para suportar a vida, que termina em morte
nas tragédias ou em casamento nas comédias, é que fazemos teatro.

* GASSNER, John. Mestres do Teatro I: tradução Alberto Guzik e J. Guinsburg, editora


Perspectiva, 2007.

TRATADO COISLINIANO (Epítome do Livro II da Poética de Aristóteles)

Da wikipedia:

O manuscrito conhecido por Tratado Coisliniano é um texto anônimo do século VI que


seria uma epítome dos conteúdos do dito livro segundo da Poética de Aristóteles, mas sob
o qual recaem suspeitas dos estudiosos de conter elementos de escolas posteriores. Em
que pese a impossibilidade de relacionar diretamente o Tratado Coisliniano com o texto
de Aristóteles, o manuscrito é uma interessante fonte de consulta sobre a questão da
comédia e do riso, sobre a qual pouco se tem estudado em comparação à tragédia.

Ao contrário do espaço dedicado às reflexões sobre a tragédia, Aristóteles faz


pouquíssimas referências à comédia em sua Poética. A existência de um segundo volume
dessa obra, o qual seria dedicado a esse outro gênero dramático, é imprecisa e respaldada
apenas na referência histórica do Tratado Coisliniano.

No Tratado Coisliniano, define-se comédia como “uma imitação de uma ação risível e
desprovida de grandeza, acabada, separada em cada uma das partes no tocante aos
formatos” e “representada por atores e também por meio de narrativa, consumando pelo
prazer e pelo riso a purgação destas afecções”. O autor estabelece que o efeito desejado
na comédia é o riso, o qual é gerado “seja pelas falas, seja pelas ações”, e tece uma breve
listagem das estratégias verbais – ou seja, textuais – e daquelas provenientes das ações
para que se obtenha tal efeito cômico. Este último rol parece ser o mais aplicável ao
gênero cômico através dos tempos – diz o autor que o riso surge a partir das ações pelos
seguintes modos: assimilação, para melhor ou para pior; engano; impossível; possível e
incoerente; quebra da expectativa; caracterização vulgar das personagens; uso de danças
(gestos) grosseiras; aceitação, por um personagem, do que é melhor, deixando-se de lado
o que é melhor para si; desarticulação do discurso pela falta de coerência.

Tradução feita pelo grupo de pesquisa Do projeto OUSIA


Coord. Prof. Dr. Fernando Santoro

HYPERLINK "http://www.ifcs.ufrj.br/~fsantoro/ousia/traducao_coisliniano.html"http://
www.ifcs.ufrj.br/~fsantoro/ousia/traducao_coisliniano.html

(...)
Siglae
[ ] delenda
{ } inserenda
( ) translatio ins.

{I e II. Gêneros Literários}

Da produção literária, uma parte é não mimética, outra parte é mimética.


A literatura não mimética reparte-se em investigativa e educativa, e esta(s) em didática e
especulativa.

Já a literatura mimética reparte-se, de um lado, em narrativa, de outro, em dramática, i.e.


que exprime-se por ações, a qual divide-se ainda em comédia, tragédia, mímica e sátira.

{III. Cátharsis}

A Tragédia afasta as afecções da alma relativas ao medo por meio de compaixão e


terror, e [que] almeja estabelecer uma proporção do medo; tem como mãe a dor.

{IV. Definição da Comédia}

Comédia é uma imitação de uma ação risível e desprovida de grandeza, acabada,


separada em cada uma das partes no tocante aos formatos; representada por atores
e também por meio de narrativa, consumando pelo prazer e pelo riso a purgação
destas afecções; tem como mãe o riso.

{V. Causas do Riso}

Mas o riso é gerado – seja pelas falas – seja pelas ações.

Riso proveniente das falas.

1) Por homonímia [diferentes com o mesmo nome]


2) {Por} sinonímia [iguais com nomes diferentes]
3) {Por} prolixidade [palavras demais]
4) {Por} paronímia – [entre palavras, semelhanças...]
4a) de prótese e aférese [acréscimo ou supressão de um elemento fonético
4b) {de} diminutivo.
4c) {de} trocadilho – com voz, – e com coisas de gênero semelhante.
5) {Pela} forma de falar

{VI. Riso proveniente de ações}

O riso (surge) a partir das ações:

1) Desde a assimilação, que se usa para o pior ou melhor


2) Desde o engano
3) Desde o impossível
4) Desde o possível e incoerente
5) Desde a quebra de expectativa
6) Desde a caracterização chula das personagens
7) Desde o uso de danças grosseiras
8) Quando alguém, tendo a possibilidade, deixa de lado o que é melhor e toma para
si o que é pior
9) Quando o discurso é desarticulado à medida em que também não tem coerência
alguma.
{VII. Ênfase}

A comédia difere da injúria, porque, de um lado, a injúria expõe abertamente os defeitos


salientes, enquanto aquela precisa da chamada "ênfase".

{VIII. Bufão}

O bufão busca escarnecer das falhas da alma e do corpo.

{IX. Symmetria}

Deve haver uma proporção do terror nas tragédias e do riso nas comédias.

{X. Aspectos da Comédia}

Aspectos da comédia : enredo, caráter (das personagens), pensamento, elocução, canto,


espetáculo.

{XI. Enredo}

Enredo cômico é aquele que tem sua construção com ações em torno do risível.

{XII. Personagens}

Personagens característicos da comédia : os iconoclastas e também os irônicos e os


fanfarrões.

{XIII. Pensamento}

Há duas partes do pensamento: opinião e prova. {Há cinco provas} : juras, pactos,
testemunhos, confissões, leis.

{XIV. Elocução}

Elocução cômica é comum e vulgar.

O poeta cômico deve atribuir às personagens a língua pátria das mesmas, mas na língua
local dele.

{XV. Canto & Espetáculo}

O canto é uma particularidade da música, desde a qual deverá receber as bases


independentes.
O espetáculo, com grande utilidade para as atuações dramáticas, sustenta a harmonia.
{XVI. Aspectos}

O enredo e a elocução e o canto são observados em todas as comédias, mas pensamentos


e caráter e espetáculo em <não> poucas.

{XVII. Partes da comédia}

Há quatro partes da comédia : prólogo, intervenção coral, episódio e êxodo.


1) Prólogo é uma parte da comédia que vai até a entrada do coro.
2) Intervenção coral é o canto cantado pelo coro, quando tem tamanho suficiente.
3) Episódio é o que fica entre dois cantos corais.
4) Êxodo é o que é falado no fim pelo coro.

{XVIII. Fases da comédia}

Da comédia:
1) Antiga : que se excede no risível;
2) Nova : que o dispensa e inclina-se para o sério;
3) Média : que é uma mistura de ambas.
X

Italo Calvino, “Definições de território: o cômico”.

“Podemos dizer uma coisa ao menos de duas maneiras: uma maneira como quem a diz
quer dizer aquela coisa e somente ela; e uma maneira como queremos dizer, sim, aquela
coisa, mas ao mesmo tempo recordar que o mundo é muito mais complicado, e vasto e
contraditório. A ironia ariostesca, o cômico shakespeariano, o picaresco cervantino, o
humor sterniano, a truanice de Lewis Carroll, de Edgar Lear, de Jarry, de Queneau
valem para mim na medida em que, por meio deles, alcançamos essa espécie de
distanciamento do específico, de sentido da vastidão do todo”.

“A primeira virtude de todo humorista: envolver na própria ironia também a si mesmo”.

O humor é uma das mais sofisticadas e interessantes características da inteligência


humana, é uma forma avançada de filosofia, chega onde o pensamento não vai. Quase
todos os grandes criadores e pensadores (Cristo, Dante, Montaigne, Shakespeare,
Voltaire, Nietzsche) usaram o humor para transmitir suas idéias mais complexas.
Nietzsche mandava desconfiar de qualquer verdade que não contivesse uma gargalhada.
Podemos rir de quase tudo, principalmente de nós mesmos. O riso tem como função
orgânica o alívio de tensão, relaxa os músculos, solta a respiração, desobstrui os canais
lacrimais, umedece os olhos.
“Em todas as suas múltiplas e esplendorosas variedades, o humor pode ser definido
simplesmente como um tipo de estimulação que tende a provocar o reflexo do riso. O riso
espontâneo é um reflexo motor produzido pela contração coordenada de quinze músculos
faciais segundo um padrão estereotipado e acompanhado pela alteração da respiração.
A estimulação elétrica do principal músculo que ergue o lábio superior, o zigomático
maior, com correntes de intensidade variada, produz expressões faciais que vão desde o
leve sorriso, passando pelo riso franco, até as contorções típicas da gargalhada."
Arthur Koestler

A definição de Koestler, “o humor é aquilo capaz de provocar riso” é, como ele mesmo
afirma, incompleta. Que tipo de humor? Chiste? Sátira? Paródia? Farsa? Provocar riso em
quem? Em que condições? Por quanto tempo? O que mais, além do riso, o humor
provoca?

O humor é também, na definição de Henri Bergson, “uma anestesia momentânea do


coração”. O riso é sempre uma tragédia pelo lado do avesso, um drama sem emoção. Um
bêbado pode ser engraçado se não for o seu pai, uma velhinha escorregando na calçada é
engraçado se não for a sua mãe. (Quero dizer, se não for a MINHA mãe. Se for a sua
pode ser engraçado, desculpe.)

Talvez esteja no manipular a duração e a amplitude deste efeito anestésico a questão


chave do uso do humor na ficção. Se a anestesia é breve e permite aprofundar o corte, o
humor é capaz de abrir caminhos, de transformar. Se, ao contrário, a anestesia é excessiva
ou deixa seqüelas, seu efeito é de estagnação, acomodamento, apatia.

Sendo o riso um reflexo natural, o “reflexo do gozo”, o humor tem um julgamento


objetivo: ou funciona ou não funciona. Não existe “ri mas não gostei”. (Na verdade
existe. Ex: Borat).

Meu filho, quando tinha pouco mais de cinco anos e era fã da MTV, me perguntou por
que os clipes das músicas lentas tinham mais fusões e os das músicas rápidas tinham mais
cortes. A resposta não é simples. O sentimento de compaixão ou ternura quase sempre
precisa de algum tempo para se formar. Quem já tentou editar um filme “emocionante”
de 15 ou 30 segundos sabe do que eu estou falando. A ciência diria que a questão é
hormonal, como afirma Aldous Huxley: “Levamos conosco, de um lado para outro, um
sistema glandular que era admiravelmente bem adaptado à vida no Paleolítico, mas não
muito à vida atual. Assim, tendemos a produzir mais adrenalina do que é bom para nós e,
ou nos reprimimos e dirigimos as energias destrutivas para dentro, ou não nos reprimimos
e passamos a ferir as pessoa”. Outra opção é chorar.

O riso, ao contrário do choro (um efeito extremo de emoções extremas), é rápido, cabe
em quinze segundos, até em menos. O humor é uma relação cerebral, de inteligência,
circula pelo poderoso e moderno telencéfalo em correntes elétricas, não se utiliza do
nosso paleolítico sistema glandular.
X

Chaucer, no prólogo do Monk’s Tale (“Conto do Monge”):

“Tragedie is to seyn a certeyn storie / As olde bookes maken us memorie. / Of hym that
stood in greet prosperitee. / And is yfallen out of heigh degree / into myserie, and endeth
wretchedly.”

A tragédia narra certa história,


que velhos livros guardam na memória,
daquele que já esteve em alta posição
e de lá tombou, rumo ao chão,
para virar um miserável:
um final nada agradável.

“Uma tragédia é uma narrativa sobre a vida de um personagem, antigo ou eminente, que
sofreu um declínio da fortuna num desenlace desastroso. (...) Pelo fato de sua ação ser a
da alma que ascende da sombra ao brilho estelar, da dúvida temente à alegria e à
certeza da graça, Dante intitulou seu poema de uma commedia.” George Steiner, A
morte da tragédia.

“Na comédia a gente casa, na tragédia a gente morre”.

Eugene Vale:

Situação cômica:

1. não existe situação cômica em si

2. toda situação cômica comporta necessariamente uma dimensão dramática

Tootsie: filmado como um drama. O Rei da Comédia e sua mãe.

Pastelão em “Houve uma vez dois verões”. Quem está se divertindo?

3. obtém-se o caráter cômico por uma redução ativa, artisticamente desejada e dinâmica
dessa dimensão. Essa redução se obtém ou através da maneira como o tema é tratado nas
suas minúcias ou, sobretudo, pelo pressuposto de conjunto que atenua o lado doloroso da
natureza humana, que reduz a angústia garantindo-nos (o que é essencial para a
convenção cômica) que nada demasiado grave sobrevirá e que tudo se arranjará sem
sangue, lágrimas ou gritos de dor verdadeira, sem esquecer aquela perpétua
inverossimilhança que tende também a minimizar a participação emocional no
acontecimento e impedir que se leve a sério a situação dramática.

Monty Python, “Dead Parrot”.

HYPERLINK "http://www.youtube.com/watch?
v=GSC6RayVSqI&feature=player_embedded" \l "!" http://www.youtube.com/watch?
v=GSC6RayVSqI&feature=player_embedded#!

#CAPÍTULO 8: ADAPTAÇÕES

- Contos, romances, biografias, poemas, ensaios, quadrinhos.

Exercício: os menores contos.

Mudando de linguagem.

Aspectos técnicos:

A primeira e mais evidente diferença é que na linguagem audiovisual toda a


informação deve ser visível ou audível. Isto parece uma obviedade ululante mas quem
já tentou fazer um roteiro sabe como é difícil evitar a tentação de escrever: João acorda e
lembra de Maria. Isso é muito fácil escrever e muito difícil de filmar. Palavras como
pensa, lembra, esquece, sente, quer ou percebe, presentes em qualquer romance, são
proibidas para o roteirista, que só pode escrever o que é visível. A literatura, que a todo
momento nos remete ao fluxo de consciência dos personagens, pode utilizar todas essas
palavras. Mas não necessariamente precisa utilizar todas essas palavras, o que faz com
que alguns textos sejam muito mais facilmente adaptáveis do que outros.

A segunda diferença fundamental, e que também diz respeito à natureza dessas


linguagens, pode ser analisada a partir de uma frase de que Umberto Eco: "toda a
narrativa se apóia parasiticamente no conhecimento prévio que o leitor tem da
realidade". A metamorfose de Kafka começa com a seguinte frase: “Ao despertar após
uma noite de sonhos agitados Gregor Samsa encontrou-se em sua própria cama
transformado num inseto gigantesco”. Esta frase, talvez a melhor primeira frase da
história do romance, disse tudo que é preciso saber para que a história comece. Cada um
de nós, leitor, imaginou a sua própria cena, o escritor nos informa apenas aquilo que ele
julga ser necessário, o leitor imagina todo o resto.

Já os cineastas - e os roteiristas - precisam fazer grande parte do trabalho do leitor. Qual a


cor do inseto? É uma cama de madeira ou de metal? Qual a cor das paredes do quarto?
Como é a luz do quarto? Há uma janela? A luz entra pela janela? Através da persiana ou
através das cortinas? Como é o piso desse quarto? É de madeira ou está coberto por um
tapete? A cama tem lençóis? Há outros móveis no quarto? Mesmo que muitas dessas
perguntas sejam respondidas na seqüência do livro o cineasta precisa imediatamente
tomar essas decisões, adiadas pelo autor. Lendo, cada leitor crias suas próprias imagens,
sem custos de produção e limites de realidade. É natural que se decepcione quando veja
as imagens criadas pelo cineasta e diga: "gostei mais do livro".

A ordem em que as informações são liberadas no cinema ou na literatura são inteiramente


diferentes. (ver “Sono Eterno.”)

O terceiro aspecto técnico a ser considerado é que o cinema, como a música, é uma
forma de expressão em que o tempo de apreensão das informações é definido
exclusivamente pelo autor. Cada um de nós estabelece o próprio ritmo de leitura. Cada
um de nós passa o tempo que quiser observando um quadro. Mesmo no teatro, o ator
pode esperar que o público pare de rir de uma piada para dar seqüência ao texto. Mas um
filme de 1 hora e 32 minutos é visto por qualquer espectador em 1 hora e 32 minutos.

Além destas três, poderíamos lembrar ainda de muitas outras diferenças.

O cinema, ao contrário da literatura, é um evento, um ritual para o qual nos vestimos,


saímos de casa e pagamos ingresso, um ritual compartilhado com outros espectadores.

O cinema é um trabalho coletivo, ao contrário do texto, quase sempre expressão de um


indivíduo.

A linguagem cinematográfica, ao contrário do texto, é intuitiva, ninguém precisa ser


alfabetizado para entender um filme.

Mas é importante lembrar que o cinema não é só literatura. Ele mistura fotografia, teatro,
música, dança pintura e literatura, criando a sua própria linguagem, que está em constante
transformação, como qualquer linguagem. Muitos outros elementos, não presentes na
literatura são utilizados pela linguagem do cinema, como os movimentos de câmera, os
enquadramentos, a música, a cor e a luz. Cabe ao roteirista agregar esses elementos ao
filme de modo a ser fiel - ou não - ao espírito do texto.

As relações entre o cinema e a literatura são antigas e nem sempre amistosas. Antes da
invenção do direito autoral, em 1910, os cineastas simplesmente roubavam histórias dos
livros. Em 1911, Gabriele d'Annunzio vendeu toda a sua obra, já escrita e futura, para
uma empresa cinematográfica italiana. Desde lá, milhares de livros têm sido adaptados
para o cinema. Segundo Ely Azeredo, a Bíblia é o livro campeão de adaptações, com
incontáveis filmagens. O segundo lugar é de Sir Arthur Conan Doyle, com mais de 200
versões de Sherlock Holmes. Em terceiro lugar aparece o Drácula, de Bram Stoker.
Imagino que poucos de vocês já tenham ouvido falar em Cornell Woolrich. No começo
dos anos 50 ele publicou numa revista barata de contos policiais uma história intitulada
"Tinha que ser assassinato". Em 1954 o conto de Woolrich se tornaria um dos maiores
clássicos da história do cinema, adaptado por Alfred Hitchcock com o título de "Janela
Indiscreta". Isso não me faz concordar com a divertida afirmação de Hitchcock de que
"livros ruins é que dão filmes bons". Dashiell Hammet e James Cain eram grandes
escritores e seus livros deram ótimos filmes. James Ellroy é um ótimo escritor e seu livro
“Los Angeles, Cidade Proibida” virou um ótimo filme. Shakespeare, para citar o maior
dos autores, já foi transformado em pelo menos quatro grandes filmes: Ran (baseado em
Rei Lear) e Trono manchado de sangue (baseado em Macbeth), duas adaptações de Akira
Kurosawa, Fallstaff, de Orson Welles, e o Hamlet de Laurence Olivier.

Mas é certo que a boa literatura não necessariamente dá bons filmes. William Faulkner,
além de nunca ter virado um bom filme, trabalhou em Hollywood e foi um roteirista
medíocre. Dostoievski, Kafka, Cervantes, Proust, Machado de Assis ou Eça de Queirós
ainda não entraram para a história do cinema.

Etapas: story-line, sinopse, argumento, escaleta, roteiro.

Mesmo quando um romance ou conto serve de ponto de partida de um filme, pode ser útil
fazer o story-line (uma síntese do conflito) e uma sinopse (um resumo da trama).

A partir do texto, o caminho é o mesmo: escaleta, roteiro, roteiro decupado.

O sentido da obra.

Um roteiro deveria preservar o sentido da obra. Muitas vezes, para isso, é preciso mudar
a história.

Caso o autor esteja vivo ou a família detenha seus direitos autorais (menos de 70 anos da
morte do autor), é fundamental definir claramente a autonomia do roteiro sobre o texto,
se há restrições ( e quais são) e mudar a obra.

Exemplos práticos:

Temporal, Veríssimo.
Dorival, Tabajara.
Barbosa, Perdigão.
Agosto, Rubem Fonseca.
Luna Caliente, Mempo.
Maria Moura, Raquel de Queiroz.
O mambembe, Artur Azevedo.
Comédias, Veríssimo.
Sargento de Milícias, Millôr.
O Alienista, Machado.
Veja Bem, Drummond e João Cabral
O comprador de fazendas, Monteiro
Os Sertões, Euclides.
Negro Bonifácio, de Simões Lopes Neto.
Meia Encarnada Dura de Sangue, Lourenço Casarré.
Lisbela, Osman Lins.
O Coronel e o Lobisomen, José Cândido de Carvalho.
Benjamin, Chico Buarque.
Decamerão, Boccaccio.

Os personagens do texto e os atores do filme.

Ex:
Luna Caliente
Dona Flor
Agosto
O Coronel e o Lobisomem

As informações e os diálogos.

Muitas informações da trama de um livro estão fora dos diálogos (se é que há diálogos).

Transformar informações em diálogos é sempre um risco. É preciso dividir a tarefa com


os outros (10) elementos da linguagem.

Diferenças cinema / literatura.

Aspectos éticos:

Para falar sobre o os aspectos éticos da relação do cinema com a literatura, eu começo
lembrando uma frase de Thomas Edison, um dos pioneiros do cinema: "estou trabalhando
numa invenção extraordinária e em pouco tempo as crianças não precisarão ler nenhum
livro". A profecia de Edison, felizmente, não se cumpriu, pelo menos não inteiramente.
(“Não contem com o fim do livro”), mas é certo que parte da necessidade de ouvir e
contar histórias, que até o século dezenove era atendida pela literatura (e, para a maioria
analfabeta, pelo teatro) foi parcialmente substituída pelo cinema e depois pela televisão.
Quem tem filhos sabe da dificuldade de convencê-los a enfrentar a longa, silenciosa e
solitária leitura de um romance. Mas quem ama realmente seus filhos e já sentiu pelo
menos uma vez o prazer da leitura, não desiste de tentar. E quase sempre tem sucesso.

O cinema aprofundou uma transformação chamada por Daniel Boorstin de "a revolução
gráfica". Ela começou nos EUA no século dezenove. Graças às novas tecnologia de
impressão de fotos, os jornais foram inundados de imagens. Alguns críticos começaram a
se queixar do excesso de ilustrações da imprensa. O cinema, surgido no final do século
dezenove e desenvolvido no início do século vinte, elevou os efeitos desta revolução ao
cubo. Na opinião de Boorstin, o que esta enchente de imagens tem de mais preocupante é
que ela possa incentivar apenas o pensamento imagético, "pensar em termos de uma
imitação ou representação artificial da forma externa de qualquer objeto e, sobretudo, de
uma pessoa".

Este pensamento nasce à custa do pensamento ideal: "pensar em termos de alguma idéia
o valor ao qual se pode aspirar." Neal Gabler afirma que "a profusão de imagens nos
direciona para o aqui e o agora, para algo imediatamente útil. O ideal nos direciona para
algo acima e além, para algo cuja utilidade não é aparente de pronto". Para Boorstin a
revolução gráfica foi também uma revolução moral porque substituía a aspiração pela
gratificação.

Neil Postman acrescenta uma observação a isso: o texto impresso exige raciocínio.
Empregar a palavra escrita significa seguir uma linha de pensamento que exige um poder
considerável de classificação, de inferências e argumentação. Uma sociedade baseada
sobretudo no texto escrito seria aquela em que a lógica, a ordem e o contexto
predominam. Numa sociedade baseada em imagens, por outro lado, lógica e contexto
perdem terreno para a gratificação imediata. A revolução da imagem transformou nossa
maneira de pensar. Não seria o caso de afirmar, como Godard, que o cinema foi um erro,
mas é fundamental reconhecer que ele supre parcialmente nossa necessidade de
compartilhar histórias e ocupa um espaço antes preenchido pela literatura.

É importante lembrar, a favor da transposição da literatura para o cinema ou para a


televisão, que todas as obras adaptadas aumentam em muito suas vendas. Eu não sei se as
pessoas lêem os livros mas sei elas compram os livros, o que é bom. Certamente, algumas
lêem os livros. O simples fato de incentivar a leitura justifica as adaptações.

João Nunes

Contos e romances

“ Os romances mais ricos e interessantes têm por vezes uma narrativa não-linear, com
saltos temporais e espaciais dentro da mesma página e até do mesmo parágrafo.
Frequentemente têm mais do que um protagonista, e enredos paralelos de importância
semelhante. Além disso, dão uma presença importantíssima à vida interior dos
personagens, aos seus pensamentos, emoções, sensações, a toda a sua subjectividade.
Ora tudo isto é muito difícil de traduzir na linguagem do cinema, onde o espectador só
pode conhecer o que é possível filmar, ou seja as manifestações visuais e audíveis da
história: as ações, reações e palavras dos personagens. Assim, um dos grandes desafios
de um roteirista ao fazer uma adaptação é como mostrar externamente todo esse
universo interior dos personagens.

Acresce a tudo isto que muitos romances têm uma dimensão tal que a sua adaptação
para um filme de duração normal (90 a 120 minutos) implica grandes cortes em cenas e
por vezes enredos secundários completos. É por isso que muitas vezes é mais fácil
adaptar para cinema um conto ou uma novela do que um romance - a estória está
normalmente mais focada num protagonista, o enredo é geralmente mais simples e
sequencial, e o desafio de perceber os temas e preocupações do autor é um pouco
menor.”

João Nunes
http://joaonunes.com/2007/guionismo/curso-rapido-encontrar-a-ideia-2/

#CAPÍTULO 9: FORMATOS

Novas formas de narrativas audiovisuais são criadas constantemente, todas podem ter (e
quase sempre têm) roteiros. Os limites entre estas muitas formas são quase* inteiramente
subjetivos, tênues e mutantes.

* Ficção é ficção, documentário é documentário.

- Curta, média e longa-metragem.

Não acredito que se possa determinar - com alguma utilidade - distinções éticas ou
estéticas entre formas de expressão artística segundo o seu tamanho. Pense no ridículo
que seria tentar emitir qualquer juízo de valor sobre poemas pelo número de seus versos
ou de pinturas segundo sua metragem. Vale o mesmo para filmes, romances ou programas
de tevê.

Acredito que os princípios básicos de estrutura do roteiro, incluída a divisão em três atos,
são os mesmos em qualquer formato ou duração, mas podemos fazer algumas reflexões
sobre a relação entre a estrutura do roteiro e a duração do filme.

A principal característica de um telenovela, o que a distingue das séries ou miniséries é a


sua duração. Roteiros de novela são escritos enquanto a história está no ar e a reação do
público (à trama ou aos personagens) altera a sua escrita. O autor de uma telenovela sabe
que poucas pessoas assistem a todos os capítulos, e por isso as informações são
constantemente repetidas. O autor também sabe que o grau de desatenção do espectador é
altíssimo, e portanto todas as informações fundamentais à compreensão da trama devem
ser absolutamente claras, faladas, repetidas à exaustão.

É comum, por absoluta falta de tempo do autor para dramatizar informações, que os
personagens das telenovelas escutem atrás das portas ou falem em voz alta seus
pensamentos mais secretos. De fato, vi recentemente um episódio de uma série onde um
personagem escuta atrás da porta enquanto outro personagem fala sozinho, em voz alta,
confessando seus crimes. (O roteirista estava com muita sorte!)

Nunca tentei escrever uma telenovela e posso imaginar a dificuldade que seja manter com
equilíbrio uma trama diária (um longa a cada dois dias) que envolve mais de 50
personagens e ainda esteja sujeita ao gosto do espectador.

O padrão (no caso de roteiros de ficção) é de 1 página por minuto.

Classificação arbitrária:
Curta: até 20 minutos.
Média: 20 – 60 min.
Longa: mais de 60 min.

Roteiros de curtas (até 15 minutos?) devem temer (um pouco) menos o desinteresse
inicial do espectador, geralmente quando ele começa a se aborrecer, já acabou.

O espectador precisa de algum tempo para estabelecer o ritmo do filme. Inversões de


cronologia (como o flashback) são de maior risco nos curtas.

Nas comédias, os diálogos tendem a ser mais rápidos que nos dramas. Em nossos
programas de televisão eu e o Guel calculamos que um roteiro de drama tem, em média,
1000 caracteres (sem espaço) por minuto. A média cresce para 1150 caracteres por
minuto nas comédias. Atenção: isso não é uma regra: é uma constatação a partir de
trabalhos realizados.

Nos documentários este número varia conforme o projeto, mas a leitura do roteiro deve
levar, no máximo, a duração do filme.

“... o romance necessariamente, necessariamente, deve alternar momentos de poesia com


momentos triviais, como uma estátua colocada numa praça, em uma extensão anódina
para que se destaque. Acredito que isso estabelece a diferença essencial entre o conto e o
romance, a intensidade do conto não poderia ser suportada ao longo de quinhentas
páginas.”

Ernesto Sabato
in “Diálogos Borges Sabato”, tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro, São Paulo,
Editora Globo, 2005

TESES SOBRE O CONTO


Ricardo Piglia em "O Laboratório do Escritor" (Iluminuras).
Tradução de Josely Vianna Baptista

Num de seus cadernos de notas Tchecov registrou este episódio: "Um homem, em Monte
Carlo, vai ao cassino, ganha um milhão, volta para casa, se suicida". A forma clássica
do conto está condensada no núcleo dessa narração futura e não escrita. Contra o
previsível e convencional (jogar-perder-suicidar-se) a intriga se estabelece como um
paradoxo. A anedota tende a desvincular a história do jogo e a história do suicídio. Essa
excisão é a chave para definir o caráter duplo da forma do conto.

Primeira tese: um conto sempre conta duas histórias.

O conto clássico (Poe, Quiroga) narra em primeiro plano a história 1 (o relato do jogo)
e constrói em segredo a história 2 (o relato do suicídio). A arte do contista consiste em
saber cifrar a história 2 nos interstícios da história 1. Uma história visível esconde uma
história secreta, narrada de um modo elíptico e fragmentário. O efeito de surpresa se
produz quando o final da história secreta aparece na superfície.

Cada uma das duas histórias é contada de maneira diferente. Trabalhar com duas
histórias significa trabalhar com dois sistemas diversos de causalidade. Os mesmos
acontecimentos entram simultaneamente em duas lógicas narrativas antagônicas. Os
elementos essenciais de um conto têm dupla função e são utilizados de maneira diferente
em cada uma das duas histórias. Os pontos de cruzamento são a base da construção.

O conto é uma narrativa que encerra uma história secreta. Não se trata de um sentido
oculto que depende da interpretação: o enigma não é senão uma história que se conta de
modo enigmático. A estratégia da narrativa está posta a serviço dessa narrativa cifrada.
Como contar uma história enquanto se está contando outra? Essa pergunta sintetiza os
problemas técnicos do
conto.

Segunda tese: a história secreta é a chave da forma do conto e suas


variantes.

A versão moderna do conto que vem de Tchecov, Katherine Mansfield,


Sherwood Anderson, o Joyce de "Dublinenses", abandona o final surpreendente
e a estrutura fechada; trabalha a tensão entre as duas histórias sem nunca
resolvê-las. A história secreta conta-se de um modo cada vez mais elusivo. O
conto clássico à Poe contava uma história anunciando que havia outra; o
conto moderno conta duas histórias como se fossem uma só.

A teoria do iceberg de Hemingway é a primeira síntese desse processo de


transformação: o mais importante nunca se conta. A história secreta se
constrói com o não dito, com o subentendido e a alusão.

"O Grande Rio dos Dois Corações", um dos textos fundamentais de


Hemingway, cifra a tal ponto a história 2 (os efeitos da guerra em Nick
Adams) que o conto parece a descrição trivial de uma excursão de pesca.
Hemingway utiliza toda sua perícia na narração hermética da história
secreta. Usa com tal maestria a arte da elipse que consegue com que se note
a ausência da outra história.

O que Hemingway faria com o episódio de Tchecov? Narrar com detalhes


precisos a partida e o ambiente onde se desenrola o jogo e técnica utilizada
pelo jogador para apostar e o tipo de bebida que toma. Não dizer nunca que
esse homem vai se suicidar, mas escrever o conto como se o leitor já
soubesse disso.

Kafka conta com clareza e simplicidade a história secreta e narra


sigilosamente a história visível até transformá-la em algo enigmático e
obscuro. Essa inversão funda o "kafkiano". A história do suicídio no
argumento de Tchecov seria narrada por Kafka em primeiro plano e com toda
naturalidade. O terrível estaria centrado na partida, narrada de um modo
elíptico e ameaçador.

Para Borges a história 1 é um gênero e a história 2 sempre a mesma. Para


atenuar ou dissimular a monotonia essencial dessa história secreta, Borges
recorre às variantes narrativas que os gêneros lhe oferecem. Todos os contos
de Borges são construídos com esse procedimento.

A história visível, o jogo no caso de Tchecov, seria contada por Borges


segundo os estereótipos (levemente parodiados) de uma tradição ou de um
gênero. Uma partida num armazém, na planície entrerriana, contada por um
velho soldado da cavalaria de Urquiza, amigo de Hilario Ascasubi. A narração
do suicídio seria uma história construída com a duplicidade e a condensação
da vida de um homem numa cena ou ato único que define seu destino.

A variante fundamental que Borges introduziu na história do conto


consistiu em fazer da construção cifrada da história 2 o tema principal.

O conto se constrói para fazer aparecer artificialmente algo que estava


oculto. Reproduz a busca sempre renovada de uma experiência única que nos
permita ver, sob a superfície opaca da vida, uma verdade secreta. "A visão
instantânea que nos faz descobrir o desconhecido, não numa longínqua terra
incógnita, mas no próprio coração do imediato", dizia Rimbaud.

Essa iluminação profana se transformou na forma do conto.

********************************************

Além de sua duração, os produtos audiovisuais podem ser divididos de acordo com a
forma de exibição e recepção, em duas grandes categorias:

1. “Dose única”: um filme (curta, média ou longa) pensado para ser visto (embora nem
sempre seja) do começo ao fim, sem interrupções.

É o caso dos filmes produzidos para serem exibidos em salas de cinema, sem
interrupções, ou na televisão, numa exibição única, com ou sem intervalos comerciais.

2. “Em fatias”. Séries, sitcons, minisséries, novelas.

É cada vez mais difícil imaginar que um produto audiovisual será exibido unicamentre
em dose única, numa sala de cinema. Quase todos os filmes acabam na televisão, em
dvds, na internet e, a partir daí, serão exibidos ao gosto do exibidor e vistos ao gosto do
espectador. Isso não impede que a maioria dos realizadores – inclusive eu – escrevam
pensando que o filme será visto em “dose única”.

Já me vi muitas vezes na situação de procurar, depois do filme pronto, o melhor momento


para interrompê-lo e chamar nossos gentis patrocinadores e, apesar disso, continuo
escrevendo sem pensar nisso, quando escrevo para cinema.

O roteiro de televisão é escrito pensando em sua divisão por blocos, se há divisão de


blocos. Faz bem para os índices de audiência que o final de cada bloco provoque, no
espectador, a vontade de tolerar 4 minutos de interrupção na narrativa e voltar para a
história, se não houver nada melhor passando em outro dos 50 canais. À expectativa
crescente da trama antes do final do bloco costuma-se dar o nome de “gancho”. Não
existem regras para um “gancho eficiente”, não há regra para o que pode interessar o
espectador.

- Roteiros que serão interrompidos por comerciais devem considerar a hipótese de


apresentar o conflito principal antes disso. (“Anchietanos”)

. Séries

A televisão (no Brasil, nos EUA e na Inglaterra) divide a programação em três categorias:
news (não-ficção: jornalismo, documentários, revistas de informação, entrevistas, etc.),
“dramaturgia” (“scripted entertainment”, literalmente, entretenimento com roteiro, séries,
minisséries, novelas, sitcons, etc.) e “unscripted entertainment” (que no Brasil tem o
nome genérico de “programa”: game shows, realitys, programa de auditório, talk-shows,
etc).

Os exemplos de mistura entre as várias categorias são tantos e tão variados que nem cabe
enumerá-los, embora o quase sempre execrável “jornalismo-comédia” e os abomináveis
“reality-shows” sejam a praga da hora e mereçam registro.

Programas de auditório, telejornais, sorteios de prêmios, shows de calouros, programas


de debate e entrevista, talk-shows, todos têm – ou podem ter – roteiros, isto é: um
planejamento prévio, por escrito, da ordem em que as “coisas” acontecem (cenas,
atrações, apresentações, entrevistas, depoimentos, etc.), da duração de cada uma delas, e
das eventuais falas, textos escritos ou não, que poderão ser usados na filmagem ou depois
dela.

Aqui vamos falar apenas dos roteiros de “dramaturgia”.

Os roteiros dos telefilmes, histórias de uma hora ou mais, com exibição única, se
assemelham em tudo aos roteiros de um longa metragem para o cinema e, lembrando as
já citadas diferenças de recepção, obedecem (ou desobedecem) as mesmas “regras”, tem
os seus mesmos problemas e desafios.

As séries, isto é, uma mesma história contada em vários capítulos, ou ainda, várias
histórias vividas com os mesmos personagens em diferentes capítulos, obedecem (ou
desobedecem) regras diferentes, tem problemas e desafios específicos.

Séries, roteiro e direção (de pelos um episódio):

Todos estes roteiros foram feitos em parceria, com diferentes autores. (Guel Arraes,
Giba Assis Brasil, Pedro Cardoso, João Falcão, Adriana Falcão e outros)

. A comédia da vida privada


. Luna caliente
. A invenção do brasil
. Brava gente
. Decamerão
. A história do amor

Séries, roteiro (de pelos um episódio):

. Agosto
. Memorial de Maria Moura
. Brasil especial
. Cidade dos homens
. Antonia
. Os normais
. A vida ao vivo
. Ó-paí-ó
. Clandestinos
. Delegacia de mulheres
. Programa legal
. Doris para maiores
. Bicho homem
. Sexo oposto

. Séries vistas, inteiras ou quase inteiras . Séries vistas, alguns episódios.


(mais de uma temporada):

COMÉDIA

Um personagem: Absolutely Fabulous


I Love Lucy Rhoda
A Feiticeira Phillys
Jeannie é um Gênio Cilada
Nanny Futurama
Alf ICarly
Mulher de Fases Mr. Bean
The Office Zack e Cody
Agente 86 Os Feiticeiros de Weverly Place
Bob Esponja Becker
Entre tapas e beijos
Dois personagens:
Shazam e Xerife
Mad About You
Beavis and Butt-Head
Will & Grace
Phineas e Ferb

Uma família:
Os Simpsons
Família Dinossauro
A Família Addams
A Família Buscapé
Os Monstros
A Grande Família
A Família Trapo
Everybody Loves Raymond
That ’70s Show
Third rock from de sun
Os Simpsons
Família Dinossauro
A Família Addams
A Família Buscapé
Os Monstros
A Grande Família
A Família Trapo
Everybody Loves Raymond
That ’70s Show
Third rock from de sun
Papai Sabe Tudo

Vários personagens / turma:


Seinfeld
Monty Python’s Flying Circus
Os Três Patetas
Banana Split
Armação Ilimitada
MASH
Guerra, sombra e água fresca
South Park
Friends
Os Monkees
Cheers
Chaves
Chapolin
The Big Bang Theory

Um lugar, ambiente de trabalho:


Os Muppets
Mary Tyler Moore
30 Rock
O Sítio do pica-pau amarelo
O Bem Amado

DRAMA / ROMANCE

Um personagem: Anos Incríveis


Malu Mulher O Primo Basílio
The Tudors
Dois personagens: Weeds
Grande Sertão Veredas Hung
Roma Alice
Treme
Uma família: Californication
Os Waltons A Sete Palmos
A Casa das 7 Mulheres
Uma turma: A Cura
Ciranda Cirandinha A Muralha
Confissões de uma adolescente Riacho Doce
Sex and the City Noivas de Copacabana
Desperate Housewives Engraçadinha
Anos Incríveis Anarquistas, Graças a Deus
Anos Dourados Chiquinha Gonzaga
Dalva e Herivelto
30 Rock
O Sítio do pica-pau amarelo
O Bem Amado

DRAMA / ROMANCE

Um personagem: Anos Incríveis


Malu Mulher O Primo Basílio
The Tudors
Dois personagens: Weeds
Grande Sertão Veredas Hung
Roma Alice
Treme
Uma família: Californication
Os Waltons A Sete Palmos
A Casa das 7 Mulheres
Uma turma: A Cura
Ciranda Cirandinha A Muralha
Confissões de uma adolescente Riacho Doce
Sex and the City Noivas de Copacabana
Desperate Housewives Engraçadinha
Anos Incríveis Anarquistas, Graças a Deus
Anos Dourados Chiquinha Gonzaga
Anos Rebeldes Dalva e Herivelto
Engraçadinha
Um lugar, ambiente de trabalho: Maysa
Mad Men Pushing Daisies
Twin Peaks Presença de Anita
Incidente em Antares Riacho Doce
A Ilha da Fantasia

POLICIAL / INVESTIGAÇÃO

Um personagem: Os Detetives (Casal Mc Millan, McLoud)


Columbo Família Soprano
Tempera de aço Arquivo X
Arquivo confidencial CSI - Investigação Criminal
Kojak Monk
Baretta Epitafios
House Sherlock
Dexter

Dois personagens:
A Gata e o Rato

Uma turma:
Os Intocáveis
Hawaii 5-0
As Panteras
S.W.A.T.
Mob Squad
Mad Men Pushing Daisies
Twin Peaks Presença de Anita
Incidente em Antares Riacho Doce
A Ilha da Fantasia

POLICIAL / INVESTIGAÇÃO

Um personagem: Os Detetives (Casal Mc Millan, McLoud)


Columbo Família Soprano
Tempera de aço Arquivo X
Arquivo confidencial CSI - Investigação Criminal
Kojak Monk
Baretta Epitafios
House Sherlock
Dexter

Dois personagens:
A Gata e o Rato

Uma turma:
Os Intocáveis
Hawaii 5-0
As Panteras
S.W.A.T.
Mob Squad

AVENTURA

Um personagem: MacGyver
O Super-Homem Chips
Zorro Bionic Woman
Daniel Boone 24 Horas
Batman Game of Thrones
O Homem de Seis Milhões de Dólares Jaspion
National Kid Jiraya
Kung Fu Jornada nas Estrelas
Vigilante Rodoviário O Incrível Hulk
James West The Tudors
MacGyver
Dois personagens:
O Agente da U.N.C.L.E.
O Túnel do Tempo
Carga Pesada

Uma família:
Perdidos no Espaço
Bonanza

Uma turma:
Terra de Gigantes
Jornada nas Estrelas
Thurderbirds
Mob Squad

AVENTURA

Um personagem: MacGyver
O Super-Homem Chips
Zorro Bionic Woman
Daniel Boone 24 Horas
Batman Game of Thrones
O Homem de Seis Milhões de Dólares Jaspion
National Kid Jiraya
Kung Fu Jornada nas Estrelas
Vigilante Rodoviário O Incrível Hulk
James West The Tudors
MacGyver
Dois personagens:
O Agente da U.N.C.L.E.
O Túnel do Tempo
Carga Pesada

Uma família:
Perdidos no Espaço
Bonanza

Uma turma:
Terra de Gigantes
Jornada nas Estrelas
Thurderbirds
Missão: Impossível
As Aventuras de Rin Tin Tin

GUERRA
Combate

SUSPENSE
Lost
Além da Imaginação

MUSICAL The Partridge Family


Glee
Jazz
X

Processo mais comum de criação de uma série:

. Alguém (autor, produtor, ator, diretor) decide criar uma série. Vamos chamá-lo de
“criador”.

. O criador desenvolve (por escrito) o conceito da série, os personagens principais,


ambientes, época, tema, conceitos, etc.

. O criador e roteiristas escrevem a sinopse e a escaleta de um episódio. Se for uma série


“fechada” (em tese), a sinopse deve contar a história até o fim. Se for uma série “aberta”,
o criador e roteiristas trabalham no roteiro de um episódio (quase sempre o primeiro,
piloto) e em algumas sinopses de outros episódios.

. Análise da sinopse, escaletas, roteiros, determinando a escala de produção. (Duração dos


episódios, periodicidade, número de episódios, etc.).

. Descrição da série, seus vários personagens e possíveis tramas. (Bíblia)

. Gravação do piloto.

. Análise do piloto e desenvolvimento (ou não) dos roteiros dos próximos episódios.

Podem ser divididas segundo:

Gênero
Drama, comédia, romance, musical, terror, suspense, crime, infantil, científica, animação,
documental, etc, etc, e todas as misturas possíveis entre os vários gêneros.

TV genres and Category:

Drama:
Action-adventure or Thriller, Comedy-drama, Family drama, Legal drama, Medical
drama, Police procedural, Political drama, Science-fiction / Fantasy / Horror /
Supernatural drama, Serial drama, Soap opera, Teen drama

Miniseries and Television movies


Comedy:
Mockumentary, Satire, Situation comedy, Sketch comedy

HYPERLINK "http://en.wikipedia.org/wiki/Television_program#Seasons.2Fseries"
http://en.wikipedia.org/wiki/Television_program#Seasons.2Fseries

Número
Três ou mais episódios, sem limites. (The Simpsons já tem mais de 500 episódios.
“Carlos”, “Sherlock”, 3 episódios cada.)

Periodicidade
Diária ou semanal, com ou sem um final previsto. Os episódios podem ter histórias mais
ou menos independentes, com arcos dramáticos que percoram vários episódios ou não.

Minissérie.

História única contada em vários episódios, com um final determinado.

A exibição é feita em episódios diários (o mais comum no Brasil) ou semanais (comum


nos EUA e Europa).

Ex: Agosto, Memorial de Maria Moura, Roma, Luna Caliente, Anos Rebeldes, Anos
Dourados, Som e Fúria, etc, etc.

“Teleshakespeare”, de Jorge Carrion

“As séries americanas ocuparam, na primeira década do século XXI, o espaço de


representação que durante a segunda metade do século XX foi monopolizado pelo
cinema de Hollywood.”

“Como nas grandes tragédias de Shakespeare, a série Roma soube alternar a


macropolítica e a micropolítica: a transição da República para o Império e as histórias
dos centuriões da XIII Legião, o Senado e o bordel, Julio Cesar e um criado Judeu, os
amores de Marco Antonio com Cleópatra e a iniciação sexual de um jovem aristocrata
de quem ninguém mais lembra.”

(O Príncipe Cansado)

“Talvez um dos conceitos chave da teleficção dos nossos dias seja a profundidade. Não se
trata meramemente de uma questão de metragem, quer dizer, não só temos personagens e
tramas profundas porque os roteiristas dispõe de muitas horas de ação para desenvolvê-
las, falo de algo mais abstrato. Falo da da capacidade que tem certos personagens de
penetrar na consciência do leitor, de converter-se em familiares, tanto em sua miséria
como em seu esplendor.”
Questões:

Misturas de gêneros. Comédia-romântica, drama-policial, docudrama, etc.

Ter ou não ter “um arco dramático” que percorra a série. Os personagens se transformam?
Quanto?

Ter ou não ter “claque”?

Ter ou não ter vinhetas? Texto, cartões, legendas, etc.

Offs?

Flash-backs?

Testemunhais? Documentários?

HYPERLINK "http://www.amazon.fr/LArt-s%C3%A9ries-t%C3%A9l%C3%A9-
Vincent-Colonna/dp/2228905283" http://www.amazon.fr/LArt-s%C3%A9ries-t
%C3%A9l%C3%A9-Vincent-Colonna/dp/2228905283

Mistura de gêneros e heróis complexos.

"A arte das séries de tv" , de Vincent Colonna. (em francês)

#CAPÍTULO 10: MÍDIAS

Um filme (qualquer narrativa audiovisual) pode ser escrito e produzido para diferentes
mídias. Quase todos os filmes frequentam várias mídias.

O caminho mais comum a ser percorrido por um filme é: sala de cinema, dvds, televisão
a cabo, televisão aberta. Raros exemplos (Auto da Compadecida, telefilmes lançados em
dvds) vão no sentido contrário.

Séries de tevê são feitas, em maior número, para as tevês a cabo. Clips musicais são hoje
feitos preferencialmente para a internet. Os filmes pornográficos, um vasto e lucrativo
mercado audiovisual, hoje são produzidos para internet e dvds, não mais para o cinema.
Há filmes feitos para celular, para a internet (todos terminam lá), e também para mídias
físicas, como um dvd, é o procedimento comum na Nigéria, maior produtor mundial de
filmes, seguido pela Índia e Estados Unidos.*

Sobre Nollywood, por Bruno Magrani de Souza*

“O marco inicial de Nollywood é geralmente atribuído a um evento ocorrido em 1992.


Kenneth Nnebue, um conhecido comerciante da cidade de Onitsha, possuía um grande
carregamento de fitas VHS em branco e deparou com o seguinte problema: como vender
as fitas? Foi então que o comerciante teve a idéia de rodar um filme, gravá-lo nas fitas
VHS e vendê-las. Caso o comprador não estivesse satisfeito com o filme, ou se este não
fosse vendido como o esperado, podia- se sempre apagar a fita e utilizá-la novamente.
Eram vendidos ao preço de US$ 3, diretamente pelos vendedores de rua, nos mercados
populares da Nigéria. O resultado dessa idéia foi a venda de mais de 750 mil cópias do
filme “Living in Bondage”, o que não só tornou Kenneth milionário como também
impulsionou uma indústria multimilionária. Hoje em dia, poucos são os filmes vendidos
em VHS. Com a tecnologia digital mais barata e acessível, são rodados diretamente em
formato digital de alta resolução e gravados em VCDs (mais comuns) ou DVDs. Cada
produção custa entre US$ 15 mil e US$ 100 mil e vende algo em torno de 50 mil cópias.

Os filmes tratam de assuntos diversos, mas temas envolvendo religião, magia e dilemas
morais são recorrentes. Quanto aos gêneros, os dramas ocupam o topo da lista dos mais
vistos, seguidos pelas comédias. Como me confessou Charles Igwe, um dos principais
produtores cinematográficos nigerianos: “Somos muito emotivos e sentimentais.
Gostamos de assistir a filmes que tenham final feliz”. Isso é verdade para a grande
maioria dos filmes: se não tem final feliz, não faz sucesso.

*Bruno Magrani de Souza é mestrando em propriedade intelectual pelo Inpi e


pesquisador do
Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito (RJ)

CINEMA: Nollywood: na contramão da onda global, publicado em Teoria e Debate nº 71


- maio/junho 2007.

HYPERLINK "http://www.fpa.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-
anteriores/cinema-nollywood-na-contramao-da-onda-globa" http://www.fpa.org.br/o-que-
fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/cinema-nollywood-na-contramao-da-
onda-globa

publicado em 25/03/2009

Living in bondage (trecho):

Living in bondage, dirigido por Chris Obi Rapu, roteiro de Kenneth Nnebue e
Okechukwu Ogunjiofor, produzido por Kenneth Nnebue.

(trecho)
HYPERLINK "http://www.youtube.com/watch?v=hr7wDcyoIsE" http://
www.youtube.com/watch?v=hr7wDcyoIsE

No que diz respeito à mídia preferencial do filme (sua primeira exibição), para o
roteirista interessam especialmente a quantidade de atenção, a fluência, o conhecimento
prévio do público, a escala de produção, o grau de interatividade.

. A quantidade de atenção do espectador.


Quantida Obs: Tem
de de gente que
atenção fala ao
celular no
cinema,
tem gente
que
desliga o
telefone
para ver a
novela,
mas são
exceções.
Informaçõ
es
fundamen
tais para a
compreen
são da
história
devem ser
mais ou
menos
explicitad
as
(repetidas
,
confirmad
as),
dependen
do da
mídia.

Cinema X X X X X Numa tela


grande,
no escuro,
tudo que
aparece
no filme
(e no
roteiro) é
percebido
pelo
público. A
imagem,
numa tela
grande,
numa sala
escura, é
muito
as),
dependen
do da
mídia.

Cinema X X X X X Numa tela


grande,
no escuro,
tudo que
aparece
no filme
(e no
roteiro) é
percebido
pelo
público. A
imagem,
numa tela
grande,
numa sala
escura, é
muito
eloquente.
(“O
cinema
ama o
silêncio”.
J. C.
Carriére)
Dvds X X X É comum
o
espectado
r dar
pause ou
ver o
filme em
partes.
Também
é comum
que o
espectado
r veja o
filme
várias
vezes.
Cabo X X X Cabo
digital
também
permite o
pause.
Muita
gente vê
pedaços
de filmes.
Muitas
espectado
r veja o
filme
várias
vezes.
Cabo X X X Cabo
digital
também
permite o
pause.
Muita
gente vê
pedaços
de filmes.
Muitas
reprises.
TV X X Alta
Aberta desatençã
o. É
comum a
tevê
ligada,
sem
ninguém
vendo.
Poucas
reprises.
Controle
remoto na
mão,
baixíssim
a
tolerância
. (“A tv
criou uma
geração
de
ditadores”
. Fellini)
Internet X Público
disperso e
desatento.
Número
incalculáv
el de
opções.
Quase
todo
mundo
(que está
conectado
) pode ver
o que
quiser,
quando
criou uma
geração
de
ditadores”
. Fellini)
Internet X Público
disperso e
desatento.
Número
incalculáv
el de
opções.
Quase
todo
mundo
(que está
conectado
) pode ver
o que
quiser,
quando
quiser. A
narrativa
do filme
concorre
com
notícias,
e-mails,
etc.
Celular X Público
desatento,
tela
pequena,
ambiente
de total
desatençã
o. Alguém
já viu um
filme num
celular?

. Fluência: com ou sem blocos e intervalos, com ou sem pause e rewind.


Fluência Obs: a
divisão da
história
em blocos
pré-
determina
das, com
intervalos
, altera a
concepçã
o do
roteiro.
(ganchos)

Cinema X X X X X Rarament
e há
interrupçã
o. (só em
filmes
muito
longos).
Quando
exibido
na tevê,
as
interrupçõ
es são
definidas
pelo
exibidor.
(relação
com os
rolos do
negativo)
Dvds X X O
espectado
r
determina
a fluência.
Cabo X X X Há canais
que
exibem
filmes
com e
sem
intervalos
. TV
digital
pode ter
função
Dvds X X O
espectado
r
determina
a fluência.
Cabo X X X Há canais
que
exibem
filmes
com e
sem
intervalos
. TV
digital
pode ter
função
pause,
rewind.
TV X Sempre
Aberta há
intervalos
,
definidos
pelo
exibidor.
(com ou
sem
consulta
ao
produtor,
diretor).
Por
enquanto,
sem
função
pause.
Internet X O
espectado
r (e a
conexão)
determina
a fluência.
Celular X O
espectado
r (e a
conexão)
determina
a fluência.
. Definição maior ou menor do público alvo.

Definição Obs:
do saber
público (com
alvo maior ou
menor
precisão)
a quem se
fala, pode
interferir
na
concepçã
o do
roteiro.
(Públicos
de idades,
formação,
países
diferentes
.)
Cinema X X X Filmes
para o
cinema
tem
público
alvo pré-
determina
do, mas

surpresas.
Dvds X X Há
públicos
específico
s para os
diferentes
gêneros,
mas o
dvds
costumam
passar de
mão em
mão.
Cabo X X X X X Os canais
de tevê a
cabo
conhecem
muito
bem seu
público
dvds
costumam
passar de
mão em
mão.
Cabo X X X X X Os canais
de tevê a
cabo
conhecem
muito
bem seu
público
de
assinantes
. Cada
canal e
horário
tem seu
público.
(Quem
compra
tapetes ou
vacas pela
televisão?
)
TV X Para
Aberta todos. Há
nichos de
público
por
horário,
mas todos
(diferente
s classes
sociais,
idades,
gêneros e
graus de
instrução)
assistem
de tudo.
Internet X X Para
todos,
com
pesquisa
direta do
público
alcançado
.
Celular X X Para
todos,
com
pesquisa
direta do
público
pesquisa
direta do
público
alcançado
.
Celular X X Para
todos,
com
pesquisa
direta do
público
alcançado
.

. Escala de produção. (relacionada, indiretamente, com a mídia.)

Escala de Obs: há
produção séries
com
orçament
o de
cinema
(sucessos
e
fracassos)
, cinema
de baixo
orçament
o (idem),
etc.
Quanto
maior a
escala de
produção,
maior a
pressão
sobre o
roteiro, a
necessida
de de
vários
tratament
os, etc.
(“O único
risco é o
roteiro”)

Cinema X X X X X Um filme
de longa-
metragem
(no
Brasil) ,
raramente
os, etc.
(“O único
risco é o
roteiro”)

Cinema X X X X X Um filme
de longa-
metragem
(no
Brasil) ,
raramente
custa
menos de
1 milhão.
A média
anda em
torno de 3
milhões,
acho.
Dvds X Custo de
produção
reduzido.
Custo de
cópias
variável
conforme
a
demanda.
Cabo X X X Custo
variável,
dependen
do do
horário,
gênero,
formato,
duração.
TV X X X X Custo
Aberta variável,
dependen
do do
horário,
gênero,
formato,
duração.
Internet X X Custos de
produção
reduzidos,
retorno
financeiro
incerto.
(“Tudo
grátis”)
Celular X Não há
longas
para
do do
horário,
gênero,
formato,
duração.
Internet X X Custos de
produção
reduzidos,
retorno
financeiro
incerto.
(“Tudo
grátis”)
Celular X Não há
longas
para
celular.
Custo de
produção
reduzido.

. Grau de interatividade.

Interativi Obs:
dade Teatro x
jogo. A
tecnologia
digital
embaralh
ou os
conceitos.
Cinema X O prazer
do
espectado
r vem,
como no
teatro, da
incapacid
ade de
interferir
na trama e
no destino
dos
personage
ns.
Dvds X X Idiomas,
legendas,
formato
do
quadro.
Cabo X X X O
exibidor
sabe
exatament
na trama e
no destino
dos
personage
ns.
Dvds X X Idiomas,
legendas,
formato
do
quadro.
Cabo X X X O
exibidor
sabe
exatament
e que está
assistindo
,o
espectado
r pode
escolher o
idioma,
legendas.
TV X X Testes de
Aberta audiência
podem
determina
ro
destino de
personage
ns. (“Você
decide”)
Internet X X X X X O
espectado
r pode
fazer
tudo,
inclusive
criar a
história. E
comentá-
la.
Celular X X O
espectado
r pode
comentar
a história,
mandar
recados,
indicar a
amigos.
As mídias, no sentido geral (que não dizem respeito diretamente ao trabalho do
roteirista), variam ainda de acordo com:

. Qualidade da exibição.

Qualidad Obs: A
e da qualidade
exibição. das
projeções
e do som
variam
muito,
conforme
a sala, o
canal ou a
conexão.
Cinema X X X X X Há
excesso
de
publicida
de e
trailers.
Dvds X X X X Há
excesso
de
publicida
de e
trailers.
Cabo X X X X Com ou
sem
intervalos
, com ou
sem
vinhetas
gráficas.
TV X X X Há
Aberta excesso
de
publicida
de e
vinhetas.
Internet X X Problema
s de fluxo
de
imagem.
Está
melhoran
Aberta excesso
de
publicida
de e
vinhetas.
Internet X X Problema
s de fluxo
de
imagem.
Está
melhoran
do.
Celular X Telas
pequenas.
Está
melhoran
do.

. Público potencial.

Público Obs: A
potencial. expectativ
a do
público
no cinema
se traduz
em
número
de cópias
no
lançament
o. Na
televisão,
no horário
de
exibição
(trilho) e
na
campanha
de
lançament
o.

Cinema X X X No Brasil,
cerca de
15
milhões
de
pessoas
vão ao
cinema
uma vez
por ano.
Ingressos
vendidos
campanha
de
lançament
o.

Cinema X X X No Brasil,
cerca de
15
milhões
de
pessoas
vão ao
cinema
uma vez
por ano.
Ingressos
vendidos
por ano:
cerca de
100
milhões.
Dvds X X Mercado
pirata
muitas
vezes que
o
mercado
formal.
Cabo X X X X 11,3
milhões
de casas
(julho de
2011,
IBGE).
Crescime
nto de
15,6% no
primeiro
semestre.
Número
médio de
pessoas
por
domicílio
é 3,3
pessoas.
37,3
milhões
de
brasileiros
tem tv a
cabo.
TV X X X X X No Brasil,
Aberta quase
todos têm
muitas
vezes que
o
mercado
formal.
Cabo X X X X 11,3
milhões
de casas
(julho de
2011,
IBGE).
Crescime
nto de
15,6% no
primeiro
semestre.
Número
médio de
pessoas
por
domicílio
é 3,3
pessoas.
37,3
milhões
de
brasileiros
tem tv a
cabo.
TV X X X X X No Brasil,
Aberta quase
todos têm
televisão
aberta.
Um ponto
de Ibope,
+- 1,5
milhões
de
espectado
res.
Internet X X X X X Não há
medidas
confiáveis
sobre o
público
que
assistiu
inteiro um
filme na
internet.
Cresce o
número
de
pessoas
+- 1,5
milhões
de
espectado
res.
Internet X X X X X Não há
medidas
confiáveis
sobre o
público
que
assistiu
inteiro um
filme na
internet.
Cresce o
número
de
pessoas
que
baixam
filmes.
Acesso
fácil,
universal
(youtube
e outros).
Celular X Número
de
espectado
res
desconhec
ido.

. Durabilidade presumida.
Obs:
quase
todos os
filmes
frequenta
m quase
todas as
mídias.
Quanto
mais
cópias,
maior
chance do
filme
sobreviver
. (Ésquilo
escreveu
mais de
oitenta
peças, só
sete
sobrevive
ram,
graças às
cópias).

Cinema X X X X X Um filme
feito para
o cinema,
em
princípio,
é eterno.
Vi, este
ano, “A
chegada
do trem
na
estação”,
dos
irmãos
Lumiere.
Dvds X X Devem
durar
mais
alguns
anos.
Cabo X X X Um ano
no ar,
reprises.
Tudo
na
estação”,
dos
irmãos
Lumiere.
Dvds X X Devem
durar
mais
alguns
anos.
Cabo X X X Um ano
no ar,
reprises.
Tudo
termina
em dvd.
(e, na
internet)
TV X X X Grande
Aberta exposição
na estréia,
eventuais
reprises.
Alguns
produtos
terminam
em dvd.
Internet X 70% de
tudo que é
colocado
na
internet
desaparec
e em 4
meses.
Celular X Alguma
exposição
no
lançament
o, depois
internet.

. Relação custo x retorno


Obs: varia
muito de
acordo
com o
produto,
mas o
cinema
tem
sempre
alto custo
(podendo
dar muito
retorno) e
uma
produção
para
celular ou
dvd tem,
em geral,
baixo
custo.
Cinema X X X Alto
custo.
Alto ou
baixo
retorno,
prejuízo.
Dvds X Baixo
custo,
baixo
retorno.
(exceções
: Nigéria,
filmes
pornográf
icos)
Cabo X X Custo e
retornos
médios,
muito
variáveis.
TV X X X X X Baixo
Aberta custo, em
comparaç
ão ao
retorno.
Internet X Baixo
custo,
baixo
retorno.
Cabo X X Custo e
retornos
médios,
muito
variáveis.
TV X X X X X Baixo
Aberta custo, em
comparaç
ão ao
retorno.
Internet X Baixo
custo,
baixo
retorno.
Celular X Baixo
custo,
baixo
retorno.

. Visibilidade (divulgação em outras mídias).

Obs: varia
muito de
acordo
com o
produto,
mas as
salas de
cinema
continua
m sendo o
grande
lançament
o de um
filme.
Tevês
pagam o
filme de
acordo
com seu
público
nas salas.

Cinema X X X X X Jornais,
revistas,
sites,
festivais,
críticas,
programa
s de tv,
todos
tratam de
cinema.
Dvds X Um filme
acordo
com seu
público
nas salas.

Cinema X X X X X Jornais,
revistas,
sites,
festivais,
críticas,
programa
s de tv,
todos
tratam de
cinema.
Dvds X Um filme
feito
exclusiva
mente
para dvd
tem, em
geral,
baixa
visibilida
de.
Cabo X X Varia
muito,
dependen
do do
projeto,
da tevê,
do tema,
etc.
TV X X X X Alta
Aberta visibilida
de na
estréia
(especial
mente na
própria
tevê),
revistas e
colunas
especializ
adas,
muitas,
todas
voltadas
ao
público
da tevê.
Internet X X Acesso
fácil,
universal
(youtube
do do
projeto,
da tevê,
do tema,
etc.
TV X X X X Alta
Aberta visibilida
de na
estréia
(especial
mente na
própria
tevê),
revistas e
colunas
especializ
adas,
muitas,
todas
voltadas
ao
público
da tevê.
Internet X X Acesso
fácil,
universal
(youtube
e outros),
excesso
de oferta.
Celular X

TEXTOS COMPLEMENTARES

Trecho do Primeiro Capítulo da Minissérie "Agosto", roteiro e adaptação de Jorge


Furtado e Giba Assil Brasil sobre romance de Rubem Fonseca.

CENA 1-1 - EXT/NOITE - RUAS

Um Mercedes preto roda na noite. Reflexos da cidade passam pelo seu capô. Um letreiro
sobreposto indica:
1o DE AGOSTO DE 1954
0 HORA E 15 MINUTOS

O carro sobe numa entrada de garagem e pára. Buzina duas vezes.

CENA 1-2 - EXT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: FRENTE

O Mercedes está parado em frente à garagem do edifício, com os faróis acesos, em luz
alta. RAIMUNDO, um pernambucano magro de testa pequena, meio ofuscado pela luz,
passa pela frente do carro e abre o portão. O carro entra na garagem. Raimundo aperta os
olhos, ainda sem enxergar direito, e acena discretamente para o motorista, sem ter certeza
de tê-lo reconhecido. Depois, torna a fechar o portão.

CENA 1-3 - INT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: GARAGEM

O Mercedes pára na garagem, no subsolo do edifício, onde há outros carros. Apaga os


faróis. A porta do motorista abre, uma pessoa desce. Em seguida, a outra porta também
abre.

CENA 1-4 - INT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: PORTARIA

Raimundo entra pela porta envidraçada do edifício. Olha rapidamente para fora, para os
dois lados da rua. Tranca a porta e entra.
CENA 1-5 - INT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: GARAGEM

PAULO Gomes Aguiar, 40 anos, grande, musculoso, magro, elegante, aproxima-se do


elevador, no interior da garagem, e aperta o botão. Há uma outra pessoa com ele, nunca
mostrada. Paulo olha para esta pessoa com uma ponta de desejo.

CENA 1-6 - INT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: PORTARIA

Raimundo, sentando-se em seu posto na portaria, olha o ponteiro do mostrador do


elevador, que marcava a Garagem, começando a se mover. Quando o elevador passa pelo
andar da Portaria, Raimundo pode ver, pela portinhola, o rosto risonho e levemente
embriagado do Dr. Paulo Gomes Aguiar.

TEREZA, uma morena baixinha, 25 anos, vestida de forma simples, surge dos fundos da
portaria.

TEREZA
Então, Raimundo?
RAIMUNDO
Vamos esperar um pouco.

TEREZA
Não vai chegar mais ninguém. Tá todo mundo dormindo.

RAIMUNDO
Mais uma hora, Tereza. Mais uma hora.

TEREZA
Amanhã eu tenho que acordar cedo.

Raimundo levanta-se cautelosamente, vai até a porta, abre-a e olha para os dois lados.

RAIMUNDO
Tá bem. Mas eu não posso demorar.

Raimundo e Tereza caminham até os fundos da portaria. Tereza abraça Raimundo,


enquanto os dois desaparecem atrás da porta do quarto de Raimundo, na continuação do
corredor. Em seguida, Raimundo entreabre a porta.

RAIMUNDO
Tem que deixar um pouco aberta. Alguém pode chegar.

Tereza continua abraçando e beijando Raimundo. Ele, aos poucos, vai entrando no clima.

Sob os sons da trepada de Raimundo e Tereza, recuamos pelo corredor, de volta à


portaria, enquanto sobem os acordes iniciais de O INVERNO, de Vivaldi. O ponteiro do
elevador está parado no oitavo andar.

CENA 1-7 - INT/NOITE - APTO DE PAULO: QUARTO/BANHEIRO

A música de Vivaldi se mistura com os sons de uma trepada. O quarto de Paulo é


espaçoso e cheio de detalhes luxuosos em estilo art nouveau, tudo de muito bom gosto.
Sobre a mesa de cabeceira, um jornal com a manchete MAR DE LAMA NO PORãO DO
CATETE. Sobre o jornal, dois copos de uísque quase vazios, um cinzeiro cheio. Roupas
espalhadas pelo chão.

De repente, ouve-se um grito de gozo. Sobre a cama, a mão crispada de Paulo. A mão
relaxa e fica imóvel. O braço, imóvel. O rosto contraído, olhos e boca abertos, língua para
fora entre os dentes, marcas de esganadura no pescoço. Paulo está morto. O colchão se
move: a outra pessoa levanta-se da cama. A música é interrompida. Som de agulha de
vitrola sendo levantada sem cuidado, arranhando um pouco o disco.
Por trás da cortina do box, formas indefinidas de alguém tomando banho. Em seguida, o
chuveiro é desligado. A cortina do box se abre e revela o peito musculoso de um homem
negro, com uma marca de dentada, pouco abaixo do mamilo esquerdo. O homem passa a
mão no ferimento, que sangra. Ele tem um grande anel dourado. Tira o anel e examina o
sangue em sua mão. Vai até a pia, coloca o anel ao lado do sabonete e lava as mãos. O
sangue escorre pela pia.

CENA 1-8 - INT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: QUARTO DE RAIMUNDO

O encanamento desce, aparente, pelo quarto de Raimundo, um cubículo sem janelas, com
uma cama estreita e um pequeno armário sem porta. Raimundo e Tereza estão deitados na
cama. Ouve-se o som da casa de máquinas do elevador. Raimundo se ergue, apressado.
Abotoa a calça e a camisa.

RAIMUNDO
Vem descendo alguém. Fica aqui.

Raimundo apaga a luz do quarto e sai, deixando a porta entreaberta.

CENA 1-9 - INT/NOITE - EDIFíCIO DEAUVILLE: PORTARIA

Raimundo chega apressado à portaria e olha para o ponteiro do elevador que vem
descendo. Raimundo senta em seu posto e fica olhando para o ponteiro. Não consegue
ver ninguém pela portinhola. O elevador passa direto para a garagem.

RAIMUNDO
(com expressão de tédio) Garagem...

Raimundo se levanta e vai abrir o portão da garagem. A portaria fica deserta.

CENA 1-10 - EXT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: FRENTE

Raimundo abre o portão da garagem. Fica esperando algum carro sair. Nada acontece. Ele
olha a garagem. Nenhum movimento.

CENA 1-11 - INT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: PORTARIA

Pés de um homem na portaria do prédio. Ele pára no saguão, como se olhasse em torno, e
sai do prédio.
CENA 1-12 - INT/NOITE - CATETE: CORREDOR/QUARTO DE GETúLIO

Interior do palácio do Catete, na penumbra. No fundo do corredor, abre-se a porta de um


pequeno elevador. Um homem sai do elevador e aproxima-se. Letreiro sobreposto indica:

PALáCIO DO CATETE
1 HORA E 40 MINUTOS

O homem é GREGóRIO Fortunato, 50 anos, negro, forte, corpo volumoso. Veste paletó e
gravata.

Obs: atenção ao figurino: o público deve acreditar que se trata do mesmo homem que
saiu do Deauville na cena 1-11.

Gregório vem pelo corredor até parar em frente a uma porta fechada. Escuta. Abre uma
fresta na porta. GETúLIO Vargas está de costas, sentado na cama, de pijama. Gregório
fica um tempo parado, olhando para o presidente, com um ar de quase devoção. De
repente, ouve uma voz às suas costas.

MANUEL
Tenente Gregório?

Gregório volta-se, calmo, com uma ponta de ódio no olhar. Vê MANUEL, um negro
franzino, 25 anos, com uma bandeja na mão.

GREGóRIO
(encostando a porta) O que foi, Manuel? Não vê que o presidente está
tentando dormir?

MANUEL
O senhor precisa de alguma coisa?

Gregório fica olhando fixo para Manuel.

MANUEL
(assustado) É que eu pensei que o senhor...

GREGóRIO
(autoritário) Volta pra cozinha, Manuel.

Manuel sai. Gregório dá mais uma olhada para o interior do quarto de Getúlio e fecha a
porta. Afasta-se lentamente.

As 36 situações Dramáticas segundo Gozzi-Goethe-Polti


(Carlo Gozzi, 1720-1806, dramaturgo italiano. Johann Goethe, 1749-1832, poeta, escritor
e dramaturgo alemão. Georges Polti, autor de "As 36 situações Dramáticas", 1934).

1, implorar. 2, o salvador. 3, a vingança que persegue o crime. 4, vingar parente por


parente. 5, acuado. 6, desastre. 7, vítima de. 8, revolta. 9, tentativa audaciosa. 10, rapto.
11, o enigma. 12, conseguir. 13, ódio de parentes. 14, rivalidade com parentes. 15,
adultério mortal. 16, loucura. 17, imprudência fatal. 18, crime de amor involuntário. 19,
matar um parente ignorado. 20, sacrificar-se pelo ideal. 21, sacrificar-se pelos parentes.
22, sacrificar tudo pela paixão. 23, ter que sacrificar a família. 24, rivalidade entre
desiguais. 25, adultério. 26, crimes de amor. 27, ser informado da desonra de um ser
amado. 28, amores proibidos. 29, amar um inimigo. 30, a ambição. 31, luta contra deus.
32, ciúme equivocado. 33, erro judiciário. 34, remorso. 35, reencontrar. 36, perder a
família.

Principais forças temáticas, segundo Étienne Souriau:

- Amor (sexual, familiar ou de amizade + admiração, responsabilidade moral, salvação da


alma)
- fanatismo (religioso ou político)
- cupidez
- avareza
- desejo de riquezas, de luxo, de prazer, de beleza, de honrarias, de autoridade, de
satisfações de orgulho
- inveja
- ciúme
- ódio
- desejo de vingança
- curiosidade
- patriotismo
- desejo de realização profissional
- desejo de realização de vocação (religiosa, científica, artística, de viajante, de homem
de negócios, de vida militar ou política...)
- necessidade de repouso, de paz, de asilo, de redenção, de liberdade, de Outra Coisa, de
Outro Lugar, de inocência, de virtude, de absolvição, de esquecimento, de exaltação, de
ação, de sentir-se vivo, de realizar-se.
- Medo da morte, do pecado, do remorso, da dor, da miséria, da feiúra (ambiente), da
doença, do tédio, da perda do amor. (olfrygt, em dinamarquês arcaico: medo que acabe a
cerveja)
- Receio da infelicidade dos seres amados, do seu sofrimento ou morte, da sua desonra
moral, de seu aviltamento.

Os 25 enredos mais bem pagos, por Charles Simmos (autor e editor americano)
Uma criança amadurece
Um vício-inexplicável é revelado uma virtude
Uma situação misteriosa é explicada
Uma identidade complexa é revelada
O herói é libertado de sua falsa crença
Uma recompensa material é procurada e uma espiritual é encontrada
A agressão se volta contra o agressor
O herói incompetente prova seu valor
Uma tarefa impossível é realizada
Uma tarefa possível é realizada
Amigos ou amantes e se reconciliam
A unidade ameaçadas da família é restabelecida
O mal de um homem mau prevalece
O herói bom-mau chega ao equilíbrio
O herói é tentado mas sua virtude vence
O herói encontra a paz
O herói escolhe a alternativa mais sábia ou a melhor pessoa
Garoto ganha a garota, garota ganha o garoto, um ganha o outro.
Garoto perde a garota, garota perde o garoto, um perde o outro.
O herói repara sua única falta (falha trágica)
A felicidade é abandonado em troca do dever
A dúvida sobre o herói é dissipada
Uma faceta da natureza humana é revelada
A fé ou esperança vital do herói diminui e é revivida
A validade da magia é estabelecida

HYPERLINK "http://gordianplot.com/index.php?
title=PLOTS_THAT_SELL_TO_TOP_PAY_MAGAZINES" http://gordianplot.com/
index.php?title=PLOTS_THAT_SELL_TO_TOP_PAY_MAGAZINES

Os Dez Mandamentos da Good Machine

1. O orçamento é a estética - adapte seu roteiro às suas possibilidades. Lembre-se: se a


escala de sua história ultrapassa os seus recursos, o público vai achar que algo está
faltando e você vai perdê-lo.

2. Realismo custa dinheiro - por isso determine bem suas opções estéticas e atenha-se a
elas.

3. Se você não pode realizar um filme "no-budget" sem ter um orçamento e ater-se a ele.
Saiba o custo de tudo, saiba quanto você já gastou, saiba quanto você ainda vai precisar
gastar.

4. Faça tudo o mais legalmente possível - consiga licenças, escreva memorandos, trate
dos direitos autorais, liberações, permissões, etc. Não deixe que nada venha a atrapalhar a
obtenção da licença final para a exibição do seu trabalho.

5. Não faça acordos para conseguir dinheiro que façam com que você se sinta
desconfortável ou que possam comprometer muito sua liberdade - seja preciso, claro e
inequívoco quanto a sua linha criativa fundamental.

6. Não seja um idiota com sua equipe (há duas formas de ser idiota: ser rude ou ser
desorganizado e desperdiçar o tempo deles).

7. Se você deixar, as pessoas desaparecem. Alimente bem o elenco e a equipe - uma boa
alimentação é meio caminho andado para compensar o mau pagamento. E dez horas de
descanso entre os dias de trabalho não é um luxo, mas uma necessidade.

8. Todos os erros são cometidos na pré-produção. Improvisação e sorte são recursos


excelentes durante as filmagens - mas eles não substituem a total falta de preparo.
Comunique suas idéias à equipe. Não a obrigue a adivinhar o que você está pensando.

9. Não perca tempo terminando esta lista. Comece a rodar!

ETAPAS DA CONSTRUÇÃO DE UM ROTEIRO:

Trecho de primeira anotação para o roteiro de “Houve uma vez dois verões”

(sexta-feira, 3 de março de 2000, 16:53:00)

Chico, em Porto Alegre, recebe um telefonema. É Roza, quer encontrar com ele.

Juca e Chico ensaiam o encontro. Escolhem a roupa dele.

Encontro de Chico e Roza. Ela informa que está grávida.

Decidem que um aborto é o melhor a fazer. Ela não tem grana e não pode pedir dinheiro
para o pai. O aborto custa mil e quinhentos reais.

Ele raspa a poupança, vende o som e o scaner, consegue mil reais. Juca empresta 500.
Chico encontra com Roza, ele entrega o dinheiro. Ela dá um beijo nele e desaparece.

Outro verão. Juca e Chico na mesma praia, jogam fliper. Chico finalmente consegue ficar
entre os dez melhores escores da máquina e vai escrever seu nome na lista. E vê que o
primeiro, segundo, quarto e quinto lugares da lista de recordes são de Roza. As datas dos
records são anteriores ao primeiro encontro dos dois.

Chico passa o resto do verão procurando por ela, em outras praias.

Chico encontra Roza. Diz que descobriu tudo: ela é craque no fliper, estava mentindo
para ele. Ela confessa, aplicou aquela com trinta garotos no verão passado, ganhou uma
grana. Ela pergunta o que ele vai fazer. Ele quer transar com ela mais uma vez.

Transam, ele vai embora.

Primeiro tratamento do roteiro:

terça-feira, 26 de dezembro de 2000, 10:54:20

CENA QUARTO DE CHICO, DIA

Chico em seu quarto, estudando e ouvindo música. Pára de ler e tira do bolso a ficha do
flíper. Fica rodando a ficha na mesa.

CHICO (OFF)
Voltei para Porto Alegre e tinha prova de química orgânica, um saco. Eu
podia descobrir as impressões digitais dela na ficha, se eu já não tivesse
segurado e esfregado esta ficha mil vezes. Ligações covalentes, pra que eu
vou usar isso na vida? Talvez ela já esteja na Austrália.

Toca o telefone. Ele atende.

CHICO
Alô?

CHICO
É.

CHICO
Claro.
CHICO
Tudo.

CHICO
Como é que tu conseguiu meu telefone?

CHICO
Sei.

CHICO
Não, estava estudando.

CHICO
Química orgânica.

CHICO
Quero, claro.

CHICO
Sei. Que horas?

CHICO
Tudo bem.

CHICO
Tá.

CHICO
Outro.

Chico desliga o telefone, fica parado alguns segundos e dá um grito.

CENA QUARTO DE CHICO, NOITE

Chico fala olhando para si mesmo no espelho enquanto experimenta várias camisetas.
Juca vai alcançando camisetas e jogando as já experimentadas na gaveta.

CHICO
Ela disse alô, eu disse alô, já achando que era ela mas não podia ser ela.
Ela disse é o Chico? e eu disse é, aí já achando que era ela mesmo. Aí ela
disse é a Roza. Com z, lembra? Eu disse, claro. Ela disse, tudo bom?, eu
disse tudo. Aí ela disse que queria me ligar mas não tinha o meu número.
Eu perguntei como ela conseguiu. Ela disse que encontrou uma amiga da
praia que tinha, deve ser a Violeta.

JUCA
Argh.

CHICO
Eu disse sei e ela perguntou se estava interrompendo alguma coisa, eu
disse não, eu estava estudando química orgânica. Aí ela perguntou se eu
queria encontrar com ela, eu disse que sim, claro, é lógico. Não, eu acho
que eu só disse quero, claro. Aí ela perguntou se eu sabia de um bar na
Nilópolis, um que tem umas mesinhas brancas e um toldo amarelo, perto
do posto.

JUCA
O Coquinho.

Camiseta azul, gola redonda.

CHICO
O Coquinho. Eu disse sei e perguntei que horas. Ela disse oito, oito e meia.
Eu disse tudo bem, ela disse então a gente se vê lá. Eu disse tá. Ela disse
um beijo. Eu disse outro.

JUCA
Vai com a azul. No Coquinho só tem moinhos, a azul é mais moinhos. O
que tu vai dizer? Tem camisinha?

Camiseta preta, gola vê.

CHICO
A gente não vai trepar no Coquinho.

JUCA
(dá uma camisinha para Chico) Leva camisinha.

CHICO
Uma só?

JUCA
Ué? Não ia trepar e agora quer duas?

CHICO
Só se der algum problema. Tudo bem, uma chega, a gente não vai trepar.

JUCA
Tu sabe o que vai dizer para ela?

CHICO
Sei.

CENA MESA, NOITE

Chico, de camiseta vermelha, toma um gole de guaraná.

CHICO
Eu pensei muito naquela noite. Claro que eu nunca vou esquecer, tu sabe
disso. Talvez tenha sido mais importante para mim do que para ti, deve ter
sido. Mas eu queria que fosse importante para ti também. Queria não, eu
quero. Eu não quero que aquela seja nossa única noite. Quero que seja a
primeira.

Juca olha para Chico.

JUCA
Tá legal. Gostei do "queria não, quero". Parece que tu errou e corrigiu na
hora. Mas a camiseta azul é melhor.

CENA COQUINHO, NOITE

Chico, de camisa azul, está sentado numa mesa de rua no Coquinho. Bebe um guaraná,
de canudo. O guaraná tem aquele gelos furados, Chico espeta um gelo e larga o canudo
sobre o copo, com o gelo pendurado como um anel.

Chico fica olhando o gelo derreter pendurado no canudo. O gelo pinga magicamente no
exato ritmo da música "Bird on the wire".

O anel de gelo está quase se partindo. Chico passa os olhos pelo bar, nada de Roza. O
anel de gelo se movimenta, vai cair. O gelo cai no copo.

ROZA
Oi.

CHICO
Oi.

Chico se levanta. Beijam-se de maneira meio atrapalhada. Sentam. Chico sorri, Roza
também.
CHICO
Bom te ver.

ROZA
Também queria te ver.

CHICO
Eu pensei muito naquela noite.

ROZA
Eu não pensei nada, acho que estava louca. A gente nem usou camisinha.

CHICO
Não, eu quero dizer que eu pensei muito sobre aquela noite. Claro que eu
nunca vou esquecer, tu sabe disso.

ROZA
Nem eu vou esquecer. Eu estou grávida.

Chico fica olhando para Roza. Ela sorri.

CENA PRAÇA, NOITE

Roza mostra a Chico uma tabela de cores de um teste de gravidez.

ROZA
Olha aqui. Se ficar vermelho, ou cor de rosa, é porque tu não tá. Se der
verde, ou azul, é porque tu tá. Quanto mais azul, mais é certo que tu tá
grávida.

CHICO
E aí?

Ela mostra, numa agenda, uma tirinha de papel, metade branca, metade verde, bem
clarinho. Chico examina a tirinha na luz.

CHICO
É meio verde mesmo.

ROZA
Essa foi a primeira que eu fiz, semana passada. Esta eu fiz ontem.

Ela mostra uma tirinha metade branca e metade muito azul.


CHICO
E tu fez mais de uma vez?

Ela mostra a ele um folha da agenda com várias tirinhas, todas muito azuis.

Uma PAI e uma MÃE com seu TRÊS FILHOS estão comprando pipocas. Chico olha
para as crianças enquanto fala com Roza.

ROZA
Eu vou tirar.

CHICO
Como?

ROZA
Vou abortar.

CHICO
Mas como?

ROZA
Numa clínica. Uma amiga minha conhece.

CHICO
Não é perigoso?

ROZA
Sempre é, um pouco. Ela disse que é um lugar chique, sala de espera,
cheio de gente, na zona sul.

CHICO
Como é que faz?

ROZA
É uma máquina, um tubo, tipo um aspirador. O cara enfia o tubo, liga a
máquina e pronto.

CHICO
Pode ser perigoso.

ROZA
Se eu fizer logo, não é tanto, quanto mais cedo, menos perigoso.

CHICO
Eu posso te ajudar?
ROZA
Não sei. Tu tem mil reais?

CHICO
Mil reais? Custa mil reais?

ROZA
Custa dois mil reais. Eu acho que consigo mil, já tenho seiscentos.

CHICO
Mil reais?

ROZA
Mil reais. Eu posso conseguir mais um pouco se vender o celular.

CHICO
Tu tem celular?

ROZA
Tenho, mas é de cartão. (anota o número, dá o papel a ele) Me liga. Se eu
conseguir mais que mil, te aviso. Se tu me ligar e outra pessoa atender é
porque eu vendi o celular.

CHICO
Tá.

CHICO
Eu acho que ia ser legal ter um filho contigo.

ROZA
É. Quem sabe, mais tarde.

CHICO
É.

CENA BRIC, DIA

Chico entrega um aplificador para um VENDEDOR, num bric. O cara testa o


amplificador.

CHICO (OFF)
O filho que eu não vou ter com Roza nunca vai mentir para a mãe que o
amplificador estragou para poder vender por seiscentos um amplificador
que vale mil e juntar com o dinheiro da poupança para pagar um aborto.

CENA COQUINHO, DIA

Chico e Roza numa mesa do bar. Ela chora, ele conta o dinheiro. Termina de contar, põe o
dinheiro na agenda dela.

CHICO
Falta duzentos. Vou pedir para o Juca, talvez ele tenha.

ROZA
Melhor não dizer para ninguém. Eu consigo.

CHICO
Quer que eu vá contigo?

ROZA
Não precisa. A minha amiga vai, ela tem carro.

CHICO
Quando tu vai?

ROZA
Logo que der. Eu te ligo.

CHICO
Liga?

ROZA
Ligo.

Ela dá um beijo nele, enxuga as lágrimas e sai.

CENA QUARTO DE CHICO, DIA

Chico em sua casa, sentado, olha o telefone. Ele pega o telefone e confere o botão que
regula a altura do toque, põe no volume máximo. Larga o telefone.

Levanta-se, caminha pelo quarto, pega um game-boy, liga. Fica jogando game-boy alguns
segundos. Desliga o jogo e vai até o telefone. Confere o fio do telefone, verifica se está
bem conectado na parede. Pega o fone e escuta rapidamente. Desliga e fica olhando para
o telefone.
Pega o telefone e disca.

CHICO
Roza?

CHICO
Marcos? Tu tá com a Roza?

CHICO
Ah, é? Quando?

CHICO
E... tu conhece a Roza de onde?

CHICO
Ah, é?

CHICO
Não, ela me falou que ia vender o celular, mas não pensei que fosse tão
rápido. Ela não te deixou nenhum número?

CHICO
Bom, se ela ligar tu podia dar um recado?

CHICO
Tudo bem, eu sei que ela não vai ligar, mas SE ela ligar, tu pode dizer que
o Chico telefonou?

CHICO
Tá bom, obrigado.

CENA QUARTO DE CHICO, NOITE

Juca está jogando tetris. Chico está na cama.

JUCA
Quem disse que o filho era teu?

CHICO
Não enche o saco.

JUCA
Tô falando sério. Quem disse que era teu?
Juca tem um espaço certinho para uma pedra comprida de quatro, vermelha. Mas ela não
vem.

CHICO
Eu sei que era meu. Ela sabia.

JUCA
Sabia que precisava de mil reais, isso é que ela sabia. Pode ter pedido pro
outro cara, ele não deu, ela te procurou.

CHICO
Era meu. Eu sei que era.

O espaço da pedra de quatro continua vago, Juca empilha as outras pedras nos cantos.

JUCA
Ela vendeu o celular.

CHICO
Ela disse que ia vender.

Surge uma pedra vermelha. Cai e se encaixa na buraco.

JUCA
Ela não te ligou, não te deu endereço. Tu não acha estranho?

Quatro fileiras desaparecem.

CENA COQUINHO, NOITE

Chico no bar, sozinho. Olha entre as mesas.

CHICO (OFF)
Achei estranho. Passou uma semana e eu achei muito estranho. Passou um
mês e eu tive certeza que ela estava na Austrália, rindo da cara do idiota
que pagou o aborto para ela.

CENA PLAYWORLD, NOITE

Chico joga pimbal.

CHICO (OFF)
Passou um ano e eu estava no mesmo flíper, jogando na mesma máquina,
na mesma praia, a maior e pior do mundo. Felizmente era dezembro, o
meu pai juntou uma grana este ano. Prometeu que no ano que vem nós
vamos tirar férias em janeiro. Meu recorde no pimbal era quarenta e oito
mil e eu já estava com cinqüenta e seis. Sessenta! Sessenta e dois mil.
Sessenta e quatro!

CHICO
Setenta mil!

Juca se aproxima.

JUCA
Setenta mil?

CHICO
Setenta e dois!

A bola passa. Game over.

CHICO
Merda!

Acende-se o placar dos recordes.

JUCA
Recorde da máquina!

O cursor do placar dos recordes está piscando no décimo lugar. O primeiro, segundo,
terceiro, quinto e sétimo lugares estão ocupados por Roza, com z. O placar também
indica as datas dos recordes.

Chico e Juca ficam olhando para o placar.

CENA RODOVIÁRIA, DIA

Chico, de mochila, na fila para comprar passagens da rodoviária.

CHICO
Ela sabia jogar, sabia jogar muito bem. Ela fingiu que não sabia para eu
ajudar.

JUCA
Talvez o filho fosse teu.
CHICO
Que filho? Ela nem tava grávida.

JUCA
Tu disse que viu o exame.

CHICO
Vi umas tirinhas de papel, podia ser qualquer coisa. Ela me fez vender meu
pioneer. Eu vou matar aquela guria.

JUCA
Esquece.

CHICO
Esquece um cacete.

Chico embarca no ônibus interpraias.

JUCA
Ela deve estar na Austrália.

CHICO
Eu encontro.

CENA ÔNIBUS, DIA

O ônibus passa pela estrada entre dunas e lagoas. Chico, com a cara grudada o vidro, olha
os fios que correm ao lado da estrada. Parece que é o fio que se move, descendo e
subindo, uma linha preta embarrigando sobre um céu azul e nuvens ralas.

Música.

“Cabelos cor de jambo”, de Frank Jorge.

CENA BAR, NOITE

Chico caminha por uma calçada cheia de gente, mesas nas calçadas. Uma guria está
chorando, outra guria consola. Um gordo ri alto. Um Garçom traz dois chopes.

CENA FLÍPER, NOITE

Chico caminha entre as máquinas de um flíper.


CENA ESTRADA, DIA

Chico pede carona. Uma kombi, dirigida por uma freira, pára. Ele embarca na kombi.

CENA KOMBI, DIA

Chico, com uma cara de enjôo, tenta sorrir para suas companheiras de viagem, 6 freiras.
Chico passa mal e vomita.

CENA ESTRADA, DIA

Chico desce da kombi no meio da estrada. As freiras partem, xingando. Chico volta a
pedir carona.

CENA BAR DE CALÇADA, NOITE

Chico senta numa mesa de bar. Come um sanduíche. Ouve o barulho de um pimbal,
alguém jogando muito bem. Chico interrompe a mordida no meio. Entra no flíper.
(últimos acordes da música).

CENA FLÍPER, NOITE

Chico se aproxima por trás da máquina onde há alguém marcando muitos pontos. Chico,
de longe, espia quem está jogando.

É uma criança. Chico morde o sanduíche. Chico pára de mastigar, parece ter reconhecido
a criança. Aproxima-se.

CHICO
Oi.

CRIANÇA
Não atrapalha.

CHICO
Eu te conheço.

CRIANÇA
Sorte tua.
CHICO
A gente não se viu no ano passado?

CRIANÇA
Game-over! Tu me atrapalhou. Tu me fez perder uma ficha!

CHICO
Eu te compro outra.

Chico vai até o caixa. Pede uma ficha a moça do caixa. É Roza.

ROZA
Ó.

CHICO
Ó.

CENA HOTEL, NOITE

A Criança está dormindo no sofá de um pequeno apartamento de hotel. Roza tira o som
de uma televisão portátil. Chico está na sala Roza vai até o quarto, pega a carteira, tira o
talão de cheques. Chico pára na porta do quarto.

ROZA
Quer os juros da poupança?

CHICO
Quero. Quanto dá?

ROZA
Tu me deu oitocentos, faz um ano. Acho que dá uns mil.

CHICO
Tá bom.

Ela faz o cheque. Ele entra no quarto, pega o cheque.

CHICO
Esse cheque tem fundo?

ROZA
Vou botar o telefone atrás. Tá bom assim?
Ela entrega o cheque a ele.

CHICO
(ele confere) Outro celular? É teu mesmo?

ROZA
(mostra o celular) Quer conferir?

CHICO
Quero.

Chico senta na cama, pega o telefone do quarto e disca. O celular dela toca.

ROZA
Quer que eu atenda?

Ele desliga o telefone. Ela guarda o celular.

CHICO
O que tu ganhou com isso?

ROZA
No verão passado? Catorze mil reais. Vinte e dois caras, quinze caíram.
Estou devolvendo mil. Ganhei catorze mil.

CHICO
Vinte e dois caras?

ROZA
Vinte e três, na verdade. Mas um eu nem procurei, ele trabalha de office-
boy, sustenta a mãe e o irmão, só descobri depois. Deixei para lá.

Roza pega um vidro de mertiolate, abre. Roza senta numa cadeira e apía o pé sobre a
cama. Começa a passar mertiolate entre os dedos do pé.

CHICO
Tu não ficou com medo de engravidar de verdade?

ROZA
Eu tomo pílula.

CHICO
E a aids? Se o cara usa camisinha, não funciona.

ROZA
É um risco. Mas eu só escolho caras de pouca experiência. Ou nenhuma,
como tu.

CHICO
Dava para ver assim, de longe?

ROZA
Quase sempre dá. Mais alguma coisa?

Ela troca o pé.

CHICO
Ele é teu filho?

ROZA
Meu irmão.

CHICO
E a tua mãe?

ROZA
Não sei onde anda. Meu pai morreu.

CHICO
Não tem mais ninguém?

ROZA
Onde?

CHICO
Tua família.

ROZA
Tenho um tio. Um idiota.

Ela abaixa o pé e fecha o vidro de mertiolate.

CHICO
Isso tudo não dá muito trabalho? Porque tu não cobra para transar? É mais
prático.

ROZA
E tu acha que alguém ia pagar mil reais para transar comigo?

Chico olha para ela. Pega o cheque e rasga e pedacinhos. Joga os pedacinhos do cheque
sobre cama. Ela fecha e larga o vidro de mertiolate.

Chico tira os tênis e joga no chão.

Roza, abrindo a blusa, vai até a porta do quarto e se certifica que a criança está dormindo
na sala. Fecha a porta do quarto.

A blusa de Roza cai no chão, junto aos tênis de Chico. A colcha da cama cai e provoca
uma revoada de pedacinhos de cheque.

CENA MINIGOLFE, DIA

Manhã, quase ninguém na rua. Chico caminha por um campo de minigolfe. Entra numa
das pistas. A pista, de cimento, tem como obstáculo um grande calombo. Chico chuta
uma tampinha, posiciona a tampinha no centro da pista. Chico observa o trajeto que a
tampinha deverá fazer para chegar no buraco, além do calombo. Chico olha para a
tampinha e dá um chute, seco.

A tampinha sobe e desce o calombo e cai exatamente no buraco. Chico sorri.

Trezentos filmes com grandes roteiros, em ordem alfabética pelo sobrenome do diretor:

Memórias do subdsenvolvimento Alea, Tomas Gutierrez


Guantanamera (Alea, com J. C. Tabió)
Annie Hall Allen, Woody
Manhattan
Hannah e suas irmãs
Crimes e pecados
Tiros sobre a Broadway
A rosa púrpura do Cairo
Memórias
Zelig
Fale com ela Almodóvar, Pedro
Mulheres à beira de um ataque de nervos
Tudo sobre minha mãe
Que fiz eu para merecer isto?
O jogador Altman, Robert
Exército inútil
Cerimônia de casamento
Short Cuts
Nashville
MASH
Magnolia Anderson, Paul Thomas
Macunaíma Andrade, Joaquim Pedro
Profissão: repórter Antonioni, Michelangelo
Blow-up
Segunda-feira ao sol Aranoa, Fernando Leon de
Muito além do jardim Ashby, Hal
Deu pra ti anos setenta Assis Brasil Giba / Nadotti, Nelson
Pixote Babenco, Hector
Minha mãe é uma sereia Benjamim, Richard
Morangos silvestres Bergman, Ingmar
O sétimo selo
Fanny e Alexander
Cenas de um casamento
O último tango em Paris Bertolucci, Bernardo
1900
A última sessão de cinema Bogdanovich, Peter
Impróprio para menores
Esperança e glória Boorman, John
O jovem Frankenstein Brooks, Mel
Banzé no oeste
Este obscuro objeto do desejo Buñuel, Luis
O discreto charme da burguesia
Viridiana
O anjo extreminador
O filho da noiva Campanela, Juan José
A felicidade não se compra Capra, Frank
O Boulervard do Crime Carné, Marcel
A corrida do ouro Chaplin, Charles
Luzes da cidade
Tempos modernos
O garoto
Fargo Coen, Joel e Ethan
Gosto de Sangue
A roda da fortuna
O poderoso chefão I Coppola, Francis
O poderoso chefão II
Apocalypse now
A conversação
Peggy Sue
Drácula
Z Costa-Gavras
Music box
Cabra marcado para morrer Coutinho, Eduardo
My fair lady Cukor, George
Casablanca Curtiz, Michael
As horas Daldry, Stephen
Os dez mandamentos De Mille, Cecil
Carrie, a estranha De Palma, Brian
Vestida para matar
Ladrões de bicicletas De Sica, Vittorio
O silêncio dos inocentes Demme, Jonathan
Vivendo no abandono Dicillo, Tom
Banca de Neve e os sete anões Disney, Walt
Pinocchio
Dançando na chuva Donen, Stanley
Charada
A Vida dos Outros von Donnersmarck, Florian Henckel
O pagador de promessas Duarte, Anselmo
Os imperdoáveis Eastwood, Clint
O encouraçado Potemkin Eisenstein, Sergei
Ivan, o terrível
Alexandre Nevski
O casamento de Maria Braum Fassbinder, Rainer Werner
O desespero de Verônica Voss
A estrada Fellini, Federico
A doce vida
Amarcord
Os boas-vidas
Noites de Cabíria
Entrevista
Oito e meio
Abismo de um sonho (Sheik Bianco)
E o vento levou… Fleming, Victor
O mágico de Oz
Rastros de ódio Ford, John
No tempo das diligências
Um estranho no ninho Forman, Milos
Amadeus
Procura insaciável
Os amores de uma loira
Cabaret Fosse, Bob
All that jazz
Lenny
Sete dias de maio Frankenheimer, John
Herói por acidente Frears, Stephen
A grande família
Operação França Friedkin, William
O exorcista
As aventuras do Barão de Munchausen Gilliam, Terry
Monty Phyton em busca do cálice sagrado
Acossado Godard, Jean-Luc
Viver a vida
Uma mulher é uma mulher
Pillow Book Greenway, Peter
O nascimento de uma nação Griffith, D.W.
Intolerância
L.A., cidade proibida Hanson, Curtis
Aguirre, a cólera dos deuses Herzog, Werner
Fitzcarraldo
O enigma de Kaspar Hauser
Janela indiscreta Hitchcock, Alfred
Um corpo que cai
Psicose
Intriga internacional
Os pássaros
Pacto sinistro
O homem que sabia demais
Butch Cassidy e Sundance Kid Hill, George Roy
O golpe de mestre
O mundo segundo Garp
Eles não usam black-tie Hirshman, Leon
Sem destino Hopper, Denis
O homem que queria ser rei Huston, John
A Noite do Iguana
O Falcão Maltês
Uma aventura na África
O Tesouro de Sierra Madre
Cidade das ilusões
Mais estranho que o paraíso Jarmush, Jim
Down by law
Jesus Cristo Superstar Jewinson, Norman
A vida de Brian Jones, Terry
O Reencontro Kasdan, Lawrence
Corpos ardentes
Um bonde chamado desejo Kazan, Elia
Sindicato de ladrões
Zorba, o gregoKazantzakis, Nikos
Onde fica a casa do meu amigo? Kiarostami, Abbas
Close up
Através da oliveiras
A vida privada de Henrique VIII Korda, Alexander
Dr. Fantástico Kubrick, Stanley
2001, uma odisséia no espaço
A Laranja Mecânica
O Iluminado
Os Sete Samurais Kurosawa, Akira
Ran
Dodeskaden
Rashomon
Viver
Trono manchado de sangue
Derzu Uzala
M, o vampiro de Dusseldorf Lang, Fritz
Toy Story Lasseter, John
Lawrence da Arabia Lean, David
A Ponte do rio Kwai
Faça a coisa certa Lee, Spike
O Bom, o mau e o feio Leone, Sergio
Era uma vez no oeste
Era uma vez na América
Os reis do iê-iê-iê Lester, Richard
Vida em família Loach, Ken
Ser ou não ser Lubitsch, Ernest
O Diabo disse não
A loja da esquina
Ninotchka
O céu pode esperar
American graffiti Lucas, George
Guerra nas estrelas
Rede de intrigas Lumet, Sidney
O veredito
12 homens e uma sentença
Longa jornada noite adentro
Uma história de verdade Lynch, David
A embriaguez do sucesso Mackendrick, Alexander
Atlantic City Malle, Louis
O homem do Sputnik Manga, Carlos
A malvada Mankiewicz, Joseph
A condessa descalça
Salve o cinema Makhmalbaf, Mohsen
Um instante de inocência
Diabo a quatro Marx (Irmãos, autores, mas não diretores)
Um dia nas corridas
Uma noite em Casablanca
Uma noite na ópera
Próxima parada: bairro boêmio Mazursky, Paul
Sem fôlego McBride, Jim
O incrível exército de Brancaleone Moniccelli, Mario
Os companheiros
Gaiola das loucas
Meu caro diário Moretti, Nani
Nada de novo no front Milestone, Lewis
Nasce uma estrela Minelli, Vincent
Assim estava escrito
Nosferatu Murnau, Friedrich
A primeira noite de um homem Nichols, Mike
Quem tem medo de Virginia Wolf?
Todas as mulheres do mundo Oliveira, Domingos
O império dos sentidos Oshima, Nagisa
A pequena loja dos horrores Oz, Frank
Os safados
Todos os homens do presidente Pakula, Alan J.
Bonnie & Clyde Penn, Arthur
Meu ódio será tua herança Peckinpah, Sam
Chinatown Polanski, Roman
TootsiePollack, Sidney
A Batalha de Argel Pontecorvo, Gillo
Quando Paris alucina Quine, Richard
Feitiço do tempo Ramis, Harold
Juventude transviada Ray, Nicholas
Cliente morto não paga Reiner, Carl
Questão de honra Reiner, Rob
A regra do jogo Renoir, Jean
Meu tio na América Resnais, Alain
Hiroshima, meu amor
Deus e o diabo na terra do sol Rocha, Glauber
Terra em transe
A garota do adeus Ross, Herbert
Sonhos de um sedutor
Adeus, Mr. Chips
A grande ilusão Rossen, Robert
Nelson Freire Salles, João Moreira
Santiago
Amuleto de Ogum Santos, Nelson P.
Rio quarenta graus
Vidas secas
O grande momento Santos, Roberto
Cria cuervos Saura, Carlos
Patton Schaffner, Franklin
Perdidos na noite Schlesinger, John
O tambor Schlondorff, Wolker
Nós que nos amávamos tanto Scola, Ettore
Um dia muito especial
Feios, sujos e malvados
Rocco Papaleo (Chigago story)
A viagem do Capitão Tornado
O baile
A Família
O terraço
Taxi driver Scorsese, Martin
O touro indomável
Bons companheiros
O rei da comédia
Alice não mora mais aqui
O último concerto de rock
Blade runner Scott, Ridley
Dirty Harry Siegel, Dom
E.T., o extra-terrestre Spielberg, Steven
Tubarão
Os caçadores da arca perdida
Encurralado
Os brutos também amam (Shane) Stevens, George
Sete homens e um destino Sturges, John
Mephisto Szabó, István
Jonas que no ano 2000 fará 25 anos Tanner, Alain
Pulp fiction Tarantino, Quentin
Cães de aluguel
Meu tio Tati, Jacques
As férias do Sr. Hulot
Andrei RublevTarkovski, Andrei
A noite de São Lourenço Taviani, Paolo e Vittorio
Noite americana Truffaut, François
Jules e Jim
O homem que amava as mulheres
Belíssima Visconti, Luchino
Rocco e seus irmãos
O leopardo
Mamãe é de morte Waters, John
Cidadão Kane Welles, Orson
O mestre dos mares Weir, Peter
Pasqualino Setebelezas Wertmuller, Lina
O crepúsculo dos deuses Wilder, Billy
Se meu apartamento falasse
Cinco covas do Egito
Quanto mais quente melhor
O pecado mora ao lado
Testemunha de acusação
Irma la Douce
Pacto de Sangue
A montanha dos sete abutres
A primeira página
Sabrina
A noviça rebelde Wise, Robert
West side story
Como roubar um milhão de dólares
Ben-Hur Wyler, William
Lanternas vermelhas Yimou, Zhang
Uma cilada para Roger Rabbit Zemeckis, Robert
De volta ao futuro
Crumb Zwigoff, Terry

Onze idéias (e meia) para ter idéias.

Millôr Fernandes: “Inspiração é coisa de amador.”

Quem pretende ser pago para contar histórias não pode ficar esperando visitas da Musa,
ela tem mais o que fazer.

I . Contra o originalidade.

Uma vez um jovem repórter perguntou para o Einstein se ele tinha um caderno onde
anotava suas idéias. Resposta: "Idéias, meu filho, eu tenho bem poucas" (1). Idéias são
raras, meia dúzia de boas dão e sobram para uma vida ou duas. Einstein era um gênio que
sabia que o mais valioso poder da mente é o de relacionar idéias e não propriamente de
criá-las. O número de idéias já existentes é mais do que suficiente para ocupar o cérebro
de qualquer um (2). Enquanto idéias não surgem, o melhor a fazer é tentar conhecer e
misturar idéias já nascidas, de preferência uma mistura de forma e proporção incomum
ou, melhor ainda, inédita, a ponto desta mistura poder até ser chamada de nova, embora
provavelmente os gregos já tenham tido uma idéia igualzinha, e antes deles os chineses e
os hindus.

II. Bons lugares para procurar idéias.

Para conhecer e misturar idéias, primeiro é preciso encontrá-las. A vida real, os livros, a
música, as artes plásticas e o cinema são, nesta ordem, os cinco melhores lugares para
encontrar idéias. Idéias nascem no terreno pantanoso que separa certezas e dúvidas.
Certezas e dúvidas são bem mais freqüentes e não menos valiosas que as idéias, a ciência
e a arte vivem de sua luta constante. Na ciência as idéias vêm da natureza, obedecem leis,
valem até que surja uma idéia melhor e então viram refugo. Na arte, que é tudo que a
natureza não é, criar e transformar são sinônimos. A arte não é substitutiva, não se
desinventa nem se perde. Um bom laboratório pode identificar traços de Noel em Chico,
Glauber em Caetano, Cèzanne em Picasso, Lubisch em Billy Wilder, Montaigne em
Borges, Shakespeare e Cervantes em todo mundo. Um laboratório melhor pode achar
traços de Giotto em Caetano, Picasso em Billy Wilder, Borges em Chico. Há algo de
todos em todos, desde sempre e, espero, para sempre.

III. Não esqueça o leitor.

Versos de uns se misturam ao olhar de outros, memória, observação e invenção se


confundem e a esta mistura chamamos de idéia. Surge, ou não, um incompreensível (se
não for remunerado ou retribuído de alguma forma) desejo de comunicar o resultado da
mistura, de representar a realidade percebida em forma de linguagem, que é sempre
pessoal, com sotaque, cacoete e vícios. Se tal representação tiver pelo menos um leitor
(leitor, espectador, ouvinte ) pode até ser arte ou ter algum valor de mercado. “Arte”,
como sabia Stravinsky, “requer comunhão”.

IV. Anote em algum lugar, em letra legível, o que diz a Musa.

Numa maravilhosa entrevista sobre o conto (3), Jorge Luis Borges afirma não acreditar,
ao contrário da teoria de Edgar Allan Poe (4), "que a arte, a operação de escrever, seja
uma operação intelectual". "Penso", diz Borges, "que é melhor que o escritor interfira o
mínimo possível em sua obra. Isto pode parecer estranho, mas não é". Borges lembra que
esta é a doutrina clássica: Homero, "ou os gregos a quem chamamos de Homero", sabiam
que o poeta não inventa nada, ele é simplesmente "o amanuense de algo que ignora e que
em sua mitologia particular chama de a Musa" ("Canta, Musa, a cólera de Aquiles").
Borges continua: "Os hebreus preferiram falar de Espírito, e nossa psicologia
contemporânea, que não sofre de excessiva beleza, de subconsciência, inconsciente
coletivo, ou algo assim".

V. Como não ter idéias.

Ter idéias, portanto depende da Musa ou Qualquer Coisa Assim (não tenho o e-mail nem
telefone de contato).

Não ter idéias, ao contrário, só depende de você. Há várias maneiras de não ter idéias.
Seja reverente. O que já existe é ótimo e suficiente, para que trazer ao mundo mais
idéias? A chance que você tem de produzir algo realmente significativo (como
Aleijadinho, Freud, Marx ou Aristóteles) é praticamente nenhuma. Há livros demais no
mercado, filmes e quadros demais, há mercado demais. Você não precisa fazer mais nada.
E creia. Acredite no que diz o livro, a imprensa, o cinema, os artistas, os líderes políticos,
religiosos e empresariais. Acredite que um líder que é ao mesmo tempo político e
empresarial pode ser também um líder religioso. Acredite que tudo pode ser diferente se
você fizer tudo exatamente igual. Acredite em tudo, sem parar. Ou descreia de tudo, sem
parar. Nada fará diferença. Esqueça de você e pense no outro, a vida do outro, a dor do
outro, a idiotice do outro, a sua não importa. Desconhece-te a ti mesmo.

VI. Concentre-se na encomenda.

Idéias dependem da encomenda. Ter uma idéia para quê? Para o almoço? Para um
presente? Para um filme, um quadro? Autores que escrevem/pintam/filmam porque
querem são uma moda bem recente, quase toda a arte produzida pelo homem até o século
XIX foi sob encomenda: Giotto, Cervantes, Rembrandt, Velazquez, Michelangelo,
Mozart, Aleijadinho, só trabalharam sob encomenda. O melhor cinema americano
(1910-1960) foi todo feito sob encomenda, ninguém pensava estar fazendo arte, apenas
cumpriam prazos e orçamentos. Shakespeare escrevia por encomenda, quase sempre
adaptando histórias conhecidas, com prazo de entrega e exigências diretas da trupe. Tem
que ter nove personagens. Tem que ter uma cena com cachorro e outra com pirata. Tem
que ter beijo e duas músicas. E é para sábado. Assim, e ainda atuando (nos papéis que
tinham as falas mais complicadas mas não exigiam muita ação) e fazendo negócios
(morreu rico, sócio da companhia, do teatro, dono de terras e de uma das melhores casas
da cidade), ele produziu a maior obra de um ser humano. E mudou o mundo.

VII. Arte e técnica são uma coisa só.

"Não se envergonhe de ser um artesão, isto não te impedirá de ser um gênio" (Delacroix).
Muitas das criações de Shakespeare surgiram a partir de detalhes técnicos. O novo teatro
tem um lugar para um conjunto de músicos? Que tal um pouco de música na peça? Pouca
gente percebe a importância da técnica na criação artística. É mais sedutor falar em
inspiração, revolta e originalidade, do que falar em prensas, grifas ou tipos de papel. Mas
uma prensa mudou a literatura, uma grifa (5) criou o cinema e um novo tipo de papel
mudou a história do mundo. O códex, que hoje chamamos de livro, com páginas cortadas
e costuradas, foi inventado provavelmente no século I, provavelmente pelos cristãos,
membros da classe baixa e iletrada no império romano. O livro se tornou possível com a
invenção de papéis mais resistentes, capazes de serem cortados em folhas e costurados.
Os antigos textos do Tanach (6) judeu eram escritos em peles de animais e guardados em
rolos, dentro de potes de cerâmica ou caixas de madeira. Os cristãos usaram a nova
mídia, o livro, para divulgar sua religião, como hoje usam as rádios e a televisão aberta.
Os livros costurados, ao contrário dos potes de cerâmica que guardavam os rolos do
Tanach, determinam uma ordem linear e imutável para a leitura dos textos: primeiro
Gênesis, depois Êxodo, etc. Talvez seja de montagem a principal diferença entre o Antigo
Testamento cristão e os livros do Tanach judeu. No Antigo Testamento o livro dos
Profetas (que anunciam a chegada do Salvador) foi para o final, imediatamente antes do
Novo Testamento. A montagem cristã é assim: Ele virá, alguém chega e, portanto, deve
ser Ele. Na leitura dos judeus (com rolos em potes, a montagem dos judeus é não-linear,
como nos editores digitais de imagens) os Profetas vinham no início: ele virá, não chega
ninguém e segue o drama. A tecnologia sempre altera a arte e a linguagem.
Atualização: as câmeras de alta resolução (Red, Alexia, e a decupagem).

VIII. Desconfie do óbvio. Faça (a si mesmo) perguntas sobre o óbvio.

O que é o cinema? Como funciona? Como a música, e ao contrário da literatura, o cinema


tem uma duração. Como a música, e ao contrário da pintura, cinema tem um ritmo. Como
a literatura, o cinema pode usar o poder das palavras. Como a tragédia na definição de
Aristóteles, o cinema é “uma máquina coribântica e psicagógica”. Como a fotografia, o
cinema reforça a tese de que é ver para crer. Mas o cinema, que pede sua força
emprestada de todas as artes, não é só arte, se é que é arte. O cinema é também uma
indústria, ou uma arte industrial, reprodutiva. O cinema é também um evento que pode
causar, como foi percebido desde as suas primeiras exibições, "uma poderosa impressão
de realidade".

IX. Idéias, ainda bem, mudam.

Figura 1

Observe com atenção a figura 1. Na esquerda, o roteirista/cineasta/autor, com algo na


cabeça, uma idéia para um filme, vamos chamar de idéia A. (Note-se que, para fazer um
filme, são necessárias centenas, talvez milhares de idéias, idéias de todos os tipos e
tamanhos, que vão desde “qual é o assunto do filme?” até “qual o melhor brinco, o
branco ou o vermelho?” e “onde estacionar o caminhão do gerador?”) Na direita, o
espectador, vendo e ouvindo o filme e formando na cabeça algo que vamos chamar de
idéia B. (Note que as milhares de idéias do filme podem, na cabeça do espectador, virar
milhões ou meia dúzia, ou nenhuma). Idéia: representação mental de algo concreto,
abstrato ou quimérico. Observe ainda que, entre o autor com a idéia A e o espectador com
a idéia B existe um filme, retangular, com uma duração x. (A leitura de Hamlet pode
levar um tempo que varia de três horas a uma vida inteira. Já o filme Hamlet tem 155
minutos, para todos.) A imagem, levemente estilizada, representa o encontro do Príncipe
Hamlet com o espectro do Rei Hamlet. O texto sob a imagem representa a fala do
fantasma: “Se um dia você amou seu pai...” Na criação cinematográfica, idéias devem
virar luz ou som, cinema não tem cheiro ou sabor (como a culinária), nem volume (como
a arquitetura e a escultura).

Figura 2
Antes de virarem luz e som, as idéias devem virar palavras, escritas no roteiro. É por isso
que a regra única do bom roteirista, que deveria estar tatuada no dorso das mãos, é:
“Tudo o que está escrito no roteiro deve ser visível ou audível. Exceção: nenhuma”.
Parece óbvio e simples. É óbvio, mas não é nada simples. Volta e meia me pego
escrevendo uma cena: “João acorda e Maria não está no quarto”. Isto não é roteiro, é
literatura. Num roteiro, “não está no quarto” não significa nada. Maria não está no quarto,
Muhammad Ali não está no quarto, Skip, o Canguru, não está no quarto. Quarto: João
acorda, sozinho. Se o roteirista escreve que “Maria não está no quarto” segue o texto
pensando que Maria já existe em algum lugar. Mas Maria, que não está no quarto, é um
item de uma lista de ausências. No cinema, ou vemos e ouvimos Maria, ou não há Maria
alguma.

O roteiro é a tentativa de transformar a linguagem cinematográfica em palavras. É


também um instrumento de trabalho para a equipe, encarregada de transformar palavras
em linguagem cinematográfica. Esta equipe age no mundo real, onde chove e faz sol, e
onde tudo custa dinheiro. Esta equipe é humana, dorme, namora, come, viaja, dorme
demais, se atrasa, trabalha demais, se cansa. E tudo isso custa dinheiro.

Figura 3

A idéia A (do autor) vira roteiro, a equipe transforma o roteiro em filme, que tem imagem
e som. Esta imagem e este som entram na cabeça do espectador, que forma a idéia B. A
diferença entre a idéia A e a idéia B pode ser chamada de número de Wilder. (Em
homenagem a Billy Wilder, roteirista e diretor. Seus filmes têm, para mim, a menor
distância possível entre intenção e gesto, A menos B é igual a zero.) Algumas raras vezes
o filme na cabeça do espectador é mais interessante do que era na cabeça do autor (A<B:
a equipe ou a imaginação do espectador melhoraram muito o roteiro). Muitas vezes a
realidade transformou tanto o roteiro que pouco sobra da intenção original (A>B). Paulo
José diz que o roteiro é a tese, as condições de produção são a antítese e o filme é a
síntese.

X. Cinema é trabalho de equipe.

A idéia da existência de um autor no cinema é bastante discutível. Para a imensa maioria


dos espectadores, o filme é dos atores. E pense no mais autoral dos filmes, Cidadão Kane,
escrito, produzido, dirigido e interpretado por Orson Welles. Mesmo assim, o filme não
seria nada (ou seria totalmente diferente) sem o roteiro de Herman Mankiewics, sem a
fotografia de Gregg Toland, sem a música de Bernard Herrmann. Se você quer uma arte
solitária, que exponha uma única subjetividade, tente a poesia, a pintura, a literatura, até
mesmo a música. Para fazer cinema você precisa de muitas idéias, de muitas pessoas.

XI. Tudo na vida tem um fim.

Menos a lingüiça, que tem dois. Um filme tem uma duração. No cinema, como na música
- e ao contrário da literatura e das artes plásticas - o tempo de apreensão da informação é
determinado exclusivamente pelo autor. Buñuel dizia que o filme devia respeitar a
inteligência e também a bexiga do espectador e, portanto, não devia ter mais que uma
hora e meia. Há alguns raros bons filmes que não contam história alguma, filmes que
dialogam mais com as artes plásticas e menos com as artes dramáticas. Os filmes
narrativos, que contam uma história, não deveriam durar mais do que a história. É
preciso, portanto, descobrir qual é a história: quem quer o quê? Quando o personagem
consegue o que quer - ou desiste de tentar, ou o que ele quer não mais existe - a história
termina.

Gosto muito do curso rápido de dramaturgia que o Rei de Copas dá a Alice na cena do
julgamento, quando ela pergunta como contar uma história: “Comece do começo. Vá até
o fim. E então pare!”

XI.1/2. Leia mais.

Cinema cria imagens, leitura cria imaginação. Quem quer fazer cinema deveria ler muito,
especialmente livros bons, alguns até sobre cinema.

É claro que nenhuma destas onze idéias é inteiramente original. Algumas foram achadas
na rua, muitas dentro de casa, outras em livros, músicas, quadros, filmes. De algumas
fontes eu não perdi o rastro. Aqui vão.

Notas:

(1) Imagine que maravilha poder perguntar alguma coisa para o Einstein. Se tivesse a
chance, o que você perguntaria?

(2) "O que os românticos chamam de genialidade ou talento ou ainda inspiração não é
nada mais do que encontrar a estrada certa seguindo o faro de alguém, só que pegando
atalhos." (Italo Calvino). "É melhor partir de um clichê do quer terminar nele." (Alfred
Hitchcock)"Tudo o que não é tradição é plágio." (Eugene d'Ors) "A originalidade é a
volta à origem." (Antonio Gaudi) "O clássico que escreve sua tragédia observando certo
número de regras que conhece é mais livre que o poeta que escreve o que lhe passa pela
cabeça e é escravo de outras regras que ignora." (Raymond Queneau)

(3) Entrevista de Jorge Luis Borges ao jornalista peruano Américo Cristófalo, publicada
no Brasil pela revista Porto e Vírgula, com tradução de Charles Kiefer.
(4) Poe dizia ter escrito "O Corvo" seguindo regras rígidas de construção, como quem
faz uma máquina de produzir melancolia ("o mais legítimo entre os tons poéticos"). O
tema escolhido deveria ser, portanto, a morte de uma mulher bonita, "sem dúvida o
argumento mais poético do mundo". Gosto da idéia (achei lendo Vonnegut, que deve ter
achado lendo Aristóteles) de que um texto é uma máquina, mas concordo com Borges
(nisso e em tudo mais) quando diz que a explicação de Poe sobre a feitura de "O Corvo"
é uma brincadeira, tão divertida quanto o método investigativo de Auguste Dupin, o
primeiro dos detetives, criação de Poe nos "Crimes da Rua Morgue".

(5) A grifa é uma peça das câmeras e dos projetores de cinema, uma espécie de garfo que
se encaixa nas perfurações do filme e o faz avançar. Antes da grifa os irmãos Lumière só
conseguiam fazer filmes borrados. O filme avançava de maneira contínua, mesmo
quando o obturador estava aberto, e por isso a imagem não ficava nítida. Louis Lumière
lembrou que o mesmo problema acontecia nas máquinas de costura, o tecido rasgaria se
avançasse enquanto a agulha o perfura. Na costura o problema foi resolvido com uma
grifa, que faz o tecido se mover e parar em frações de segundo. Era isso que eles
precisavam, uma grifa. Lumière disse que a idéia de usar a grifa nas câmeras e
projetores lhe surgiu numa noite de insônia, em 1894: "Eu estava meio doente e tive que
ficar de cama. Uma noite em que não conseguia dormir, a solução se apresentou
claramente a meu espírito".

(6) Tanach é um acróstico de Toráh (Pentateuco), Neviim (Profetas), Ketuvim (Escritos).

(7) Roget achava que o fenômeno era puramente orgânico, que a imagem de um objeto
permanecia na retina por um tempo que variava de 1/20 à 1/5 de segundo. Se fosse
assim, o cinema seria impossível, as imagens iriam se embaralhar no cérebro. Mas em
1912 Max Wertheimer e Hugo Munsterberg descobriram que se trata de um fenômeno
também psicológico, uma espécie de ponte criada pelo cérebro entre uma imagem e
outra. Eles deram a isto o nome de fenômeno Phi. A persistência retiniana, percebida por
Roget, faz com que o tempo entre as imagens não seja percebido, mas quem cria a ilusão
de movimento é o tal fenômeno Phi. Sem ele, não haveria cinema.

(8) Verdade? Mentira! A fotografia reproduz parcialmente um ponto de vista num local e
num momento específico. Um filme sobre uma vida não é uma vida, assim como a
fotografia de uma cadeira não é uma cadeira e a pintura de um cachimbo não é um
cachimbo. Mas um quadro que representa uma cadeira sempre contém uma dúvida: o
artista pintou uma cadeira que via ou uma cadeira que imaginava? O quadro é a
imitação de uma idéia ou de uma cadeira real? Por mais realista que seja a pintura, a
intermediação da subjetividade do artista está sempre presente. Isto não acontece no
cinema, ao contrário. Na fotografia, e ainda mais no cinema, a imagem de uma cadeira
sempre leva a crer a existência de uma cadeira real e possível de ser fotografada. A
fotografia (e mais ainda o cinema) nos força a uma ilusão: eu estou vendo uma cadeira,
logo existe uma cadeira. A mimesis é camuflada pelo caráter mecânico e aparentemente
não subjetivo da linguagem fotográfica. Todos nós sabemos que esta não-subjetividade é
falsa. E na era das imagens digitais é cada vez mais falsa.

# PARTE 11: BIBLIOGRAFIA

Sobre roteiro de cinema e televisão:

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HYPERLINK "http://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_coisliniano"http://pt.wikipedia.org/
wiki/Tratado_coisliniano

Referências na internet:

(ativas em agosto de 2011)

CASA DE CINEMA DE PORTO ALEGRE


HYPERLINK "http://www.casacinepoa.com.br/"http://www.casacinepoa.com.br
Site da produtora. Conexões para vários sites de cinema. Roteiro integral, em diferentes
versões, de vários longas e curtas.

No site da CCPA, na página de cada filme pode ser encontrado o seu roteiro, alguns em
várias versões. Por exemplo, aqui a página de “Houve uma vez dois verões”, em duas
versões:
HYPERLINK "http://www.casacinepoa.com.br/os-filmes/produção/longas/houve-uma-
vez-dois-verões"http://www.casacinepoa.com.br/os-filmes/produ%C3%A7%C3%A3o/
longas/houve-uma-vez-dois-ver%C3%B5es

Escritório de Direitos Autorais (EDA) da Biblioteca Nacional, onde devem ser feitos os
registros de roteiros:
HYPERLINK "http://www.bn.br/portal/?nu_pagina=25"http://www.bn.br/portal/?
nu_pagina=25

Parte das aulas de Giba Assis Brasil na Unisinos estão disponíveis na internet:
HYPERLINK "http://www.roteirodecinema.com.br/manuais.htm" \l "unisinos"http://
www.roteirodecinema.com.br/manuais.htm#unisinos

As oito regras de Kurt Vonnegut para uma história curta:


HYPERLINK "http://www.casacinepoa.com.br/o-blog/jorge-furtado/oito-regras-de-
vonnegut"http://www.casacinepoa.com.br/o-blog/jorge-furtado/oito-regras-de-vonnegut

Screenwriting, na Wikipedia:
HYPERLINK "http://en.wikipedia.org/wiki/Screenwriting" \l
"The_sequence_approach"http://en.wikipedia.org/wiki/
Screenwriting#The_sequence_approach

Roteiro de Cinema, editado por Fernando Marés de Souza desde junho de 2002, ótimo
portal com muitos links e fontes de pesquisa:
HYPERLINK "http://www.roteirodecinema.com.br/"http://
www.roteirodecinema.com.br/

Blog de João Nunes, roteirista português:


HYPERLINK "http://joaonunes.com/"http://joaonunes.com/

WRITERS GUILD OF AMERICA


Muitos textos, links e ferramentas (páginas de pesquisa) para roteiristas. Em inglês.
HYPERLINK "http://www.wga.org/"http://www.wga.org/

SCRIPT-O-RAMA
HYPERLINK "http://www.script-o-rama.com/oldindex.shtml"http://www.script-o-
rama.com/oldindex.shtml
Site bastante completo com centenas de roteiros disponíveis para download. Em inglês.

HYPERLINK "http://inflow.corky.net/"INFLOW'S
HYPERLINK "http://inflow.corky.net/scripts/"http://inflow.corky.net/scripts/
Dezenas de rorteiros para dowload, Monthy Phiton, Tarantino, Kubrick, irmãos Cohen
(inclusive Fargo). Em inglês.

- Direitos

. Não mande o seu roteiro PARA NINGUÉM sem antes registrá-lo.

Como e onde registrar: cópia datilografada, com as páginas numeradas e rubricadas, uma
a uma. Fundação Biblioteca Nacional.

Escritório de Direitos Autorais (EDA) da Biblioteca Nacional, onde devem ser feitos os
registros de roteiros:

HYPERLINK "http://www.bn.br/portal/?nu_pagina=25"http://www.bn.br/portal/?
nu_pagina=25

- Últimas Palavras

. O que não é visível ou audível não é roteiro.

. Questione suas escolhas. Pergunte sempre por que fazer qualquer coisa. Pergunte
sempre por que não fazer qualquer coisa. Experimente outras possibilidades.
“Quando alguém nos contrata para escrever um roteiro está nos fazendo um elogio de
proporções inimagináveis. Estão nos pagando para colocar marcas pretas numa folha de
papel. Estão nos dizendo, “Aqui tens um monte de dinheiro… agora nos conte uma
história”. Se conseguirem encontrar um trabalho mais extraordinário do que este, por
favor digam-me.” J. Michael Strackzynski.

. Pense sempre que seu filme vai ter um público. Igor Stravinsky: "...a arte requer
comunhão, e o artista tem necessidade imperativa de levar outros a participarem da
alegria que ele experimenta".

. Não subestime a inteligência do público.

. Não superestime a inteligência do público.

. Lembre-se que um set de filmagem é normalmente um péssimo lugar para ser "criativo".
Muito barulho, muita gente, pouco tempo. Em casa, escrevendo o roteiro, você tem
tempo e condições para, no roteiro, fazer e refazer uma cena. Para isso, você só precisa de
papel, lápis e borracha. Não custa nada. Fazer e refazer uma cena no set de filmagem ou
numa ilha de edição custa muito dinheiro.

. Com as câmeras digitais, os editores digitais e a internet, não há desculpa aceitável para
não fazer um filme.

. A convicção audaz: se aquilo em você acredita firmemente contradiz todas as regras,


esqueça as regras.

. Oscar Wilde: "Um pouco de sinceridade é uma coisa perigosa, e muita, é absolutamente
fatal."

“A little sincerity is a dangerous thing, and a great deal of it is absolutely fatal.”


Oscar Wilde, The Critic as Artist, part 2, 1891

. Kurt Vonnegut: "Se querem realmente magoar seus pais e não tem coragem de se tornar
gays, o mínimo que podem fazer é entrar para as artes. Não estou brincando. As artes
não são uma maneira de ganhar a vida, são uma maneira de tornar a vida mais
suportável. Cantem no chuveiro. Dancem ao som do rádio. Contem histórias. Escrevam
um poema a um amigo, até mesmo um poema horrível. Façam isso da melhor maneira
que puderem. Receberão uma enorme recompensa. Terão criado algo."

. “Tentaste sempre. Sempre falhaste. Não te aborreça. Tenta de novo. Falha de novo.
Falha melhor.” Samuel Beckett.

Escrito para a equipe de “Decamerão” em 18 de outubro de 2008.


Ao trabalho

Falar em prosa é coisa corriqueira


Mato que acha até quem não procura
Poesia é flor que nasce noutra beira
E onde floresce põe, na precisão, loucura.

Caros atores, amigos, cara equipe


Lá vamos nós então, mais um trabalho
Espero que nenhum de nós se gripe
Espero poucos cortes, nenhum talho

O sentido, como sempre, é a mistureba


Bocaccio e o Bardo, versos raros, grosserias
Um naco de chanchada, da ópera uma reba
Piadas, trocadilhos, patuscadas, ironias

Espero mourejar tal qual um mouro


Espero não achar ninguém xarope
Espero gargalhadas, algum choro
Espero, sobretudo, um bom ibope

Teremos algum sexo, é verdade


Mas só de faz de conta, respeitoso
O filme é pra agradar qualquer idade
Ou então o que dirá o Pedro Cardoso?

Espero, como sempre, o inesperado


A cor do fim da tarde, visitas de animais
O eco de uma frase, um som dobrado
Um corvo na janela e nada mais.

Que todos se divirtam e cumpram cronogramas


Decorem bem as falas, com atenção e zelo
Cuidem dos figurinos, vão cedo pras suas camas
E, por favor, não me falem de cabelo!

Não cheguem atrasados nas filmagens


Não deixem bagas fora dos cinzeiros
Não digam aos locais muitas bobagens
Mantenham-se casados ou solteiros

Da poesia o cinema é bom marido


A chama da palavra numa tela
A luz que aquece a casa do sentido
O i que se transforma numa vela

No fim, o filme, vez em quando arte


Tela que grava o brilho de um instante
O circo mal chegou e logo parte
Se for paixão, que seja fulminante.

18.10.08

© Jorge Furtado

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