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INTRODUÇÃO A LINGUAGEM

CINEMATOGRÁFICA

AULAS 4, 5 E 6
Professor Rodrigo Carreiro
» Composição de personagem

Tudo gira em torno de uma pergunta: quem é esta pessoa?

A resposta é um conjunto de sinais: roupas, lugares onde mora e trabalha,


decoração, tiques nervosos, jeito de olhar e andar, voz, assuntos, expressões etc.

A caracterização do personagem ficou mais intensa a partir dos anos 1960. Ela pode
ser providenciada por roteirista, diretor ou ator. Às vezes, fazem dossiês: um
passado complete (memórias, amizades, traumas, sonhos, desejos).

Toda a equipe de pré-produção (inclusive diretores de arte, figurinistas,


maquiadores, cabeleireiros) contribui para a construção correta do personagem.
» Dimensões do personagem

Um personagem bem construído é tridimensional.

- FÍSICA: idade, sexo, altura, peso, cor da pelo, cor dos olhos, maneira de
andar e sentar, jeito de falar, postura diante dos outros, etc.

- SOCIAL: classe social, profissão, vida familiar, relação no casamento, relação


com os filhos e pais, orientação política, etc.

- PSICOLÓGICA: padrões morais, ética, projeto de vida, vida sexual, conduta,


sonhos e desejos e medos mais íntimos, traumas, etc.

Boa parte da preparação dos atores consiste em compreender todas as


características e motivações do seu personagem, de modo que consigam
pensar e agir como como eles, de modo instintivo.
FILME: SPIDER
» Nuances da atuação

São duas as técnicas fundamentais de interpretação. A primeira, construtivista,


propõe que o ator mantenha distância do personagem e o contrua a partir de uma
elaboração intelectual. Essa escola foi hegemônica no Ocidente por séculos.

A outra, criada por Stanislavski e popularizada nos EUA através do Actor’s Studio
(Lee Starsberg, em 1947), propõe o contrário: o ator submerge dentro do
personagem ao ponto de pensar como ele.

A preparação de atores é uma extensão da técnica de Staniskavski, que se baseia


em dois conceitos:
MEMÓRIA SENSORIAL: capacidade dos atores de reagir de
forma instantânea a estímulos externos (ruídos, sons,
cheiros, palavras, gestos).

Durante MENINA DE OURO, Hillary Swank conviveu com


boxeadoras (uma delas interpretou sua maior rival no filme)
durante as filmagens, e aprendeu técnicas de boxe.

MEMÓRIA FÍSICA: capacidade do ator em utilizar


memórias pessoais para ajudar a compor o personagem.
» Os atores e o star system

Desde os primórdios de Hollywood (anos 1930), os atores criam “personas”:


James Cagney –gângsteres, Marlene Dietrich – “femme fatale”, Greta Garbo –
papéis melodramáticos.

Exemplos atuais: Tom Hanks, Tom Cruise, Denzel Washington (sempre


bonzinhos), Jeremy Davies e Michael Shannon (sempre malucos).

Escalação para papel pode criar diálogo


intertextual entre o personagem e a
“persona” projetada pelos trabalhos
anteriores do autor.

Exemplo: Jodie Foster em VALENTE.


» Ação x Exposição

Exposição: diferentes maneiras de


informar a platéia sobre informações
relevantes para o andamento da
história.

Boa exposição: cenas ágeis, poucos


diálogos, muito subtexto. Atuações
físicas, lacônicas: “show, don’t tell”
(ditado dos anos 1930).

Má exposição: muitos diálogos,


narração em off, conversas “com o
melhor amigo” ou até mesmo sozinho
diante da câmera.

Diálogos banais: roteiristas põem o


Agente para conversar com um
Ajudante, em geral ignorante sobre a
trama. É um artifício comum para
fazer a audiência entender a trama.
FILME: O CÓDIGO DA VINCI
FILME: VERÃO VIOLENTO
» Plano, Cena e Seqüência.

As unidades básicas de um filme são plano, cena e seqüência. São como os


componentes de um texto: palavra (plano), frase (cena), parágrafo (seqüência).

Todo filme é decupado nestas unidades antes das filmagens. O conceito de


decupagem é fundamental para entender a produção de um filme.

- PLANO: Tudo o que está contido entre um corte e outro.

- CENA: Aquilo que acontece dentro de um lugar e de um momento específico.


A cena contém todos os planos filmados dentro destes limites de espaço e
tempo.

- SEQÜÊNCIA: Um grupo de cenas ligadas por um único objetivo dramático.


FILME: BUG – POSSUÍDOS
» Suspensão da descrença

Nos filmes ancorados em premissas inacreditáveis, em


circunstâncias que não existem na vida real, o roteirista
precisa trabalhar com base no princípio da “suspensão
da descrença”: criar ou alimentar situações narrativas
que ajudem o espectador a suspender,
voluntariamente, a incredulidade naquela situação
impossível.

O artifício mais comum consiste em criar personagens


– melhor ainda se for o protagonista – que demonstre
incredulidade para com o elemento impossível no
enredo.

Ao ser picada pela aranha radioativa, o Homem-


Aranha de início não acredita em seus poderes.

Harry Potter demora a crer que precisa combater o


maior vilão do universo dele.
» Design de produção

O departamento de arte compreende diretores de arte (art director), designers


de sets (set designer), decoradores (set decorator), ilustradores (concept
designers), maqueteiros (model makers), carpinteiros e outros profissionais.
Normalmente é a maior de todas as equipes envolvidas com a filmagem.

Responsável por toda a arte conceitual do filme. Profissional: Designer de


Produção (Production Designer). Trabalha diretamente com o diretor e o
fotógrafo do filme, para definir toda a aparência visual da produção, inclusive
as texturas e cores.

Curiosidade histórica: William


Cameron Menzies (E O VENTO
LEVOU) foi o responsável acidental
pela criação deste cargo. Até então,
quem fazia esse trabalho era o diretor
de arte (até hoje, especialmente em
filmes menores, o diretor de arte pode
chefiar a equipe de cenografia).
David O. Selznick criou o
pomposo título.
FILME: X-MEN 2 – MKO
Trabalha na pré-produção. Os profissionais desta
seção devem planejar, seguindo as instruções do
diretor, todos os cenários que serão construídos
em estúdio. Escolher e decorar locações
utilizadas faz parte do trabalho.

Ajustar as locações externas à aparência do


filme é função deste profissional. Ex: Em filmes
de época, pode-se e retirar placas de trânsito e
fios elétricos.

Em ZODÍACO, um carvalho de dez metros de


altura foi transportado de helicóptero para uma
locação, apenas para uma cena de dois minutos.

Outro exemplo: OS CAÇADORES DA ARCA


PERDIDA.

Todos os objetos cênicos devem ser planejados


e construídos pelos designers de produção.
Para BLADE RUNNER, usando fibra de vidro
e alumínio, fizeram 27 carros. Todos eles
funcionavam.
O bom design de produção obedece a um conceito, criado pelo diretor e
elaborado em conjunto por este, pelo fotógrafo e pelo designer de produção.
Exemplo: PRÍNCIPE DA CIDADE.

Designer de produção decide com que técnica (ou combinação) cada cena
será filmada. Em O RETORNO DO REI, por exemplo, a locação principal não
existe na realidade. Era um cenário virtual.

Para esta cena, foram usadas combinações de técnicas: filmagens com tela
azul, personagens em CGI, miniaturas – dois castelos em proporções
diferentes, para as tomadas de longa distância – e filmagens reais com os
atores e figurantes.
» Figurinos

Departamento próximo ao Design de Produção. Fotografia também (o fotógrafo


sabe como os cenários, as locações e as roupas vão aparecer na imagem
final).

O responsável é o figurinista (costume designer). Ele tem a responsabilidade


de escolher – desenhar, costurar, comprar – todas as roupas utilizadas pelos
personagens do filme.

Exemplo: Milena Canonero em BARRY


LYNDON.

Figurino tem duas funções: estética e


narrativa. A função estética está subordinada
à narrativa. As cores precisam ser bem
escolhidas. Elas devem refletir o estado de
espírito de um personagem, ou ajudam o
espectador a localizá-lo em uma cena.

Exemplos: DESEJO E REPARAÇÃO e


CONTO DE INVERNO.
LISBELA E O PRISIONEIRO: figurino kitsch, atemporal e tipicamente
nordestino. Conceito de “contaminação”: roupas industrializadas, mas
dialogando com a tradição, e não se opondo a ela. Fira da Sulanca, em
Caruaru: calças jeans, camisas coloridas e alpercatas de borracha.

O figurino tem que dizer algo mais.


Precisa dar ao espectador
informações sobre os personagens.
]Um tema importante que está
presente no subtexto de GUERRA
DOS MUNDOS (e virtualmente em
todos os filmes de Spielberg) é o pai
ausente. Neste caso, temos um filho
adolescente que se rebela – e todo
o filme consiste, no subtexto, em
uma tentativa de reaproximação
feita pelo pai. Esse tema da
rebelião juvenil está expressa no
figurino – mais exatamente, nos
bonés de times rivais de beisebol.
FILME: AMOR, PLÁSTICO E BARULHO
DRACULA, de Francis Ford Coppola, tentou uma abordagem diferente do
figurino. O conceito do diretor era usar cenários discretos, e exagerar no
figurino. Para ele, essa técnica iria chamar mais a atenção para os
personagens do que para a reconstituição de época (aspecto que o público
costuma notar mais, o que deixa os atores em segundo plano).

Além disso, ele queria sugerir estados de espíritos – e abordar a questão da


humanidade do vampiro – através do figurino.

Como fazer
isso?
» Maquiagem

Comum em filmes de horror e


fantasia (lobisomens, vampiros,
zumbis).

Exemplo: PLANETA DOS MACACOS. Dois milhões de dólares: maquiagem


que realmente desse a ilusão de que macacos verdadeiros podiam falar.
Maquiagem de três horas e meia.

Com Tim Burton: expressão corporal.


Maquiagem = látex, cola e pêlo de
cavalo. Oito horas por dia.
Dan Stripeke, maquiador de
Tom Hanks: vinho tinto, PH da
pele.

BARRY LYNDON: maquiagem


como um índice da maldade dos
personagens.

MADRUGADA DOS MORTOS:


três estágios de zumbis.
» Storyboards

Funcionam como uma revista em quadrinhos que conta toda a história do


filme. Elaborados em estreita colaboração com o diretor.

Importantes na escolha os ângulos de câmera. Uso de planta baixa da locação


para selecionar ângulos.

Cada diretor usa storyboards de um modo. Alfred Hitchcock e irmãos


Wachowski: abundantes. Cena a cena.

Martin Scorsese: storyboards apenas em cenas-chave.

Paul Greengrass: nada de storyboards (VÔO UNITED 93).

Recife, janeiro de 2008 Introdução à Crítica de Cinema Professor: Rodrigo Carreiro


» A câmera: ângulos e tipos de plano

“A linguagem cinematográfica sugere os caminhos que uma mente segue ao lidar


com os acontecimento do qual toma parte”. Michael Rabiger

A câmera tenta reproduzir o modo como funciona a percepção do ser humano,


controlando a sua atenção e conduzindo seu olhar.

O conceito de decupagem, aplicado à encenação, significa a divisão de uma cena


em planos, com a câmera registrando a ação da forma mais adequada para a
compreensão do acontecimento.

Onde esta pessoa fictícia deve se posicionar para compreender claramente tudo o
que ocorre? Como a percepção dela é afetado pelos eventos?

Mais importante ainda: para qual (ou quais) elementos da composição esta
pessoa deve dirigir sua atenção, a fim de entender com clareza o evento?
» Ângulos de câmera

- PLANO/CONTRAPLANO: Sistema de corte muito popular no cinema, a partir


dos anos 1950, para filmar diálogos. Consiste em intercalar imagens dos
personagens que estão conversando, alternando entre os pontos de vista de
ambos. Podem ser dois ou mais atores.

- PLONGÉ: A câmera filma a ação de cima para baixo. Em geral, este ângulo expressa
visualmente uma relação desigual de dominação entre os personagens que estão sendo
mostrados. Quem olha para baixo domina; quem olha para cima é dominado.

- CONTRA-PLONGÉ: É exatamente o contrário do anterior, ou seja, a câmera filma a


ação de baixo para cima. O personagem focalizado neste ângulo tende a ser dominado
pelo outro.

- CÂMERA NO NÍVEL DO OLHO: Este ângulo é, em geral, escolhido para enfatizar uma
relação estável entre os personagens, em que nenhum deles exerce dominação sobre o
outro. Portanto, trata-se de um ângulo objetivo. É preferível em documentários e
reportagens de TV.
FILME: A SOMBRA DE UMA DÚVIDA
FILME: O LEITOR 1 E 2
FILME: A BANDA DE UM HOMEM SÓ
» Tipos de planos

PLANO GERAL ABERTO: Câmera fica muito distante. O objetivo dramático é


localizar a ação dentro do ambiente em que ela se insere. Este ângulo é muito
comum no início de uma nova cena, em particular se esta cena se localiza numa
locação ainda não mostrada dentro do filme. O ângulo ajuda o espectador a se
localizar geograficamente no espaço cênico.
PLANO GERAL FECHADO: A câmera filma os pessoas de corpo inteiro. Indica
a necessidade de prestar atenção para os personagens que protagonizam a
cena, mas ainda insere estes personagens dentro do ambiente.
PLANO AMERICANO: Mostra os personagens da cintura para cima. Garante
atenção total do espectador para os personagens, ressaltando ainda sua
expressão corporal. Isola-o do ambiente (ou seja, o personagem é mais
importante do que o ambiente neste momento da cena em particular).
PLANO MÉDIO: Focaliza apenas o tórax e a cabeça dos personagens. Eles são
bem mais importantes do que o ambiente (que quase não aparece dentro da
composição). Sinaliza a grande importância do que está sendo dito.
CLOSE UP: Filma-se apenas o rosto do personagem. É o ângulo preferido dos
cineastas para sinalizar que o espectador deve dar importância máxima ao que
está sendo dito. Usa-se em momentos de grande intensidade emocional. É
desvalorizado se, numa conversa, for usado o tempo inteiro. Usado com
economia, mostra ao espectador os momentos mais tensos e dramáticos de um
diálogo. Despreza a expressão corporal dos personagens, e enfatiza a
expressão facial.
PLANO-DETALHE: Normalmente, é um plano que tem pequena duração. Muito
usado para destacar alguma ação pequena que, no entanto, tem importância
dramática central para a compreensão da cena. O detalhe pode ser um objeto,
uma parte do corpo ou do rosto (uma mão, os olhos) ou ainda uma ação
(esconder um objeto atrás de si).
» Movimentos de câmera

TRAVELING: A câmera é colocada sobre trilhos e se movimenta em qualquer


direção (frente, trás, lados, em trajetória oblíqua ou circular).

PAN: A câmera gira horizontalmente em torno do próprio eixo. Simula o olhar


de uma pessoa que acaba de chegar a um novo ambiente e o está
reconhecendo.

TILTS: Câmera gira verticalmente, de cima para baixo ou o contrário. É muito


usado no início de uma nova cena, por exemplo para simular o efeito de uma
pessoa que olha (ou um prédio, uma casa, um novo ambiente) de cima a baixo.

GRUA: Movimento anteriormente planejado, podendo subir a câmera, descer,


girar em qualquer direção e fazer todo tipo de combinação. Normalmente, tem
a função narrativa de exercer um efeito dramático poderoso.
ZOOM: Efeito obtido pela manipulação da lente, podendo ser de aproximação
(ZOOM IN) ou afastamento (ZOOM OUT). A câmera, em si, permanece fixa, de
modo que a relação de profundidade de campo permanece inalterada.

CÂMERA NA MÃO: Técnica nascida dos documentários feitos a partir dos anos
1960, quando o equipamento passou a ser mais leve e portátil. Permite
agilidade nas filmagens e permite certos movimentos de câmera que seriam
impossíveis com equipamentos mais pesados. Por outro lado, a estabilidade da
imagem é prejudicada (sacolejos, tremidas e chicotes). Técnica muito popular a
partir do início do século XXI, mesmo em filmes de ficção, porque agrega
realismo e tensão.

STEADICAM: Câmera acoplada a um sistema de pesos que pode ser


manuseada com as mãos e elimina o sacolejo da imagem.
» Conceitos acessórios

PROFUNDIDADE DE CAMPO: Espaço coberto pelo


foco da lente utilizada pelo fotógrafo em determinada
cena. CIDADÃO KANE foi um filme pioneiro no uso
de uma técnica (DEEP FOCUS) em que, combinando
luz forte, lente grande-angular e película mais
Sensível à luz, o fotógrafo obtinha grande
profundidade de campo.

Orson Welles gostava de usar o segundo plano para


comentar o que estava acontecendo no primeiro
plano.

Existem basicamente três tipos de lente: grande-angulares (distância focal


curta), teleobjetivas (distância focal longa) e zoom (distância focal variável, em
diversos comprimentos).

A lente grande-angular permite maior profundidade de campo e reforça


volumes e linhas diagonais, mas distorce nos cantos e reduz a amplitude do
espaço lateral captado. Ao contrário, a teleobjetiva não distorce, mas tem
pouca profundidade de campo e “achata” os volumes. As lentes zoom tem
menos nitidez.
ESTABLISHING SHOT: Tomada (ou conjunto de tomadas) utilizada no princípio
de uma nova cena. Tem a função primordial de ajudar a platéia a assimilar a
geografia do novo ambiente.

MASTER SHOT: Tomada (ou conjunto delas) panorâmica que localiza


geograficamente o ambiente de uma cena. Pode ser (ou não) um establishing
shot.

COBERTURA: O ato de “cobrir uma cena”


significa, no jargão do cinema, filmar a mesma
ação dramática de diversos ângulos diferentes,
a fim de permitir ao montador diversas opções,
na hora de reunir os diversos planos de uma
Determinada cena.

Até os anos 1950, era normal filmar com pelo menos duas câmeras,
sendo que uma delas permanecia gravando tudo à distância, num longo
MASTER SHOT, enquanto a outra filmava a ação de perto.
FILME: TUBARÃO
FILME: O PLANO PERFEITO

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