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Cinema

Material Teórico
Elementos da Linguagem Cinematográfica I

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Esp. João Augusto Menoni Vieira

Revisão Textual:
Profa. Esp. Márcia Ota
Elementos da Linguagem
Cinematográfica I

• Introdução
• Argumento, Roteiro e Storyboard
• Personagens
• Cenografia e cenário
• Figurino
• Maquiagem e caracterização

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Conhecer o cinema como linguagem e seus elementos constituintes.
· Desenvolver e realizar pesquisas sobre o cinema como linguagem.
· Valorizar a pesquisa sobre o cinema como linguagem e seus elemen-
tos constituintes para autoformação.
· Valorizar a linguagem cinematográfica por sua complexidade estru-
tural e simbólica.

ORIENTAÇÕES
Nesta Unidade, vamos conhecer elementos da linguagem cinematográfica.

Leia o conteúdo que disponibilizamos para você, com calma e atenção, não
se esquecendo de aprofundar seus conhecimentos acessando o Material
Complementar indicado, a Videoaula e a Apresentação Narrada. Lembre-
se que as dúvidas podem ser esclarecidas com o professor-tutor, que está à
sua disposição.

É importante também que você faça as atividades propostas. A Avaliação


e o Fórum de Discussão, além de pontuarem, são fundamentais para
memorização e reflexão sobre o conhecimento que está à sua disposição.

Importante: respeite os prazos estabelecidos no cronograma.

Bom estudo!
UNIDADE Elementos da Linguagem Cinematográfica I

Contextualização
O cinema, para contar as suas histórias, se utiliza de diversas ferramentas, muitas,
utilizadas por outras artes como o teatro, especialmente. Assim, temos a iluminação,
o figurino, a maquiagem, entretanto, como a finalidade é diferente, uma vez que
o cinema trabalha com imagens em movimento, uma série de características são
inerentes à produção cinematográfica.

Um verdadeiro universo se abre quando começamos a mergulhar no mundo


do cinema. Percebemos que existe uma gama gigantesca de profissionais que
atuam na área com diversas formações: artes visuais, jornalismo, engenharias,
etc. Afinal, para produzirmos um cenário nada melhor que um profissional que
tenha conhecimento em artes visuais; e o pintor de cenários digitais? Por isso,
a importância de conhecer mais profundamente esses elementos da linguagem
cinematográfica.

Não custa nada reforçar a ideia propagada nos últimos anos que vivemos na era
da imagem. Pura verdade. Com a proliferação das câmeras em telefones celulares
ficou muito mais fácil captar imagens. Portanto, não perca nenhuma oportunidade
de registrar momentos interessantes com a sua câmera. Quem sabe, em breve,
você poderá editar essas imagens e produzir um pequeno filme?

Vamos tentar?

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Introdução
A função do poeta não é relatar o que aconteceu, mas o que pode
acontecer, de acordo com as leis da probabilidade e da necessidade.
(Aristóteles, Poética, 335 a.C.)

Por meio dos séculos, culturas se desenvolveram e mantiveram sua coesão a


partir de um simples ato: contar histórias – verdadeiras ou não. De oral passaram a
ser escritas, registradas, ganharam a posteridade. Os livros, o teatro, o cinema, os
meios de comunicação de massa como a TV, rádio, jornal, revista, internet, com
formatos específicos e característicos cada um, que os diferenciam entre si, estão
aí hoje como inúmeras formas para contarmos nossas histórias.

Até chegar às telas, um filme cumpre uma série de etapas fundamentais que, de
maior ou menor graus, contribuem para um resultado positivo da criação da obra
cinematográfica:
• Assim, temos, inicialmente, a fase de desenvolvimento do filme, na qual
são definidos: o argumento/tratamento, roteiro, o diretor, elenco, estúdios,
locações, entre outras questões, bem como a viabilidade do projeto é analisada.
• Segue-se a pré-produção com a definição do storyboard – Ilustrações ou
imagens desenvolvidas em sequência com o objetivo de pré-visualizar um filme
–, atuação do produtor executivo, criação dos personagens e cenários, etc.
• Na produção, iniciam-se as filmagens e, na pós-produção, a montagem
(edição), a sonorização e a aplicação de efeitos visuais e sonoros. Na sequência,
testes do filme com públicos específicos, implantação do plano de marketing e,
finalmente, a sua distribuição.

Fig. 1 – Steven Spielberg (Estados Unidos, 1946) é um exemplo de cineasta,


produtor cinematográfico, roteirista e empresário. É o diretor que tem mais filmes
na lista dos 100 Melhores Filmes de Todos os Tempos, do American Film Institute.
Fonte: Wikimedia/Commons

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UNIDADE Elementos da Linguagem Cinematográfica I

Entretanto, para que todo esse complexo quebra-cabeças se complete é preciso


compreender a linguagem cinematográfica e seus elementos. O elemento básico
da linguagem cinematográfica é a imagem, matéria-prima do filme, resultado do
registro de um equipamento (câmera) capaz de reproduzir exata e objetivamente
a realidade ou a visão de um realizador (diretor, cinegrafista, etc.). O movimento
é, sem dúvida, o caráter mais específico e mais importante da imagem fílmica.
Somado a esse elemento, o som é também decisivo, pois complementa o ambiente
de um filme. Temos, ainda, o conjunto de planos, os ângulos, os movimentos
de câmera e os recursos de montagem, entre tantos elementos, que formam o
fantástico universo audiovisual.

Argumento, Roteiro e Storyboard


Para que uma produção cinematográfica ganhe vida será preciso transformar
uma ideia em um roteiro – muito antes de se tornar uma imagem, o filme deve
ser escrito. Essa ideia poderá ser autoral ou vir de um livro, uma notícia, uma
música, um sonho... O importante é que ele seja o mais original possível para que
o resultado tenha um efeito positivo junto aos produtores, diretores e, por fim, ao
espectador. Mas, nada impede que uma história ou fato já filmado receba uma nova
interpretação. No caso de obras já existentes, será necessário adquirir os direitos de
propriedade intelectual para levar o projeto às telas.

O filme deve ter um tema, uma premissa, uma trama e um (ou mais) gênero(s).
Tema não é a história, traço dos personagens ou aquilo que acontece com eles,
mas a ideia fundamental. Premissa é a forma que o tema assume, é a proposta do
filme. A trama é a história do filme, o desenvolvimento da premissa, é o resumo e
os detalhes da história, como ela começa e desenvolvem-se os problemas, vitórias,
derrotas... E o gênero é a forma com que a premissa e a trama contam a história
como drama, comédia, suspense, aventura. Sabemos que uma mesma história
pode assumir características de gêneros diferentes.

Confira no quadro a seguir alguns filmes e suas características.

Onde os fracos não têm vez (Joel Quem quer ser um milionário? O discurso do rei
Filme
e Ethan Coen, 2007) (Danny Boyle, 2008) (Tom Hooper, 2010)
Responsabilidade; o Esperança e conquista em
Coragem e capacidade de enfrentar
Tema peso e as consequências condições adversas de vida e a
o medo e os desafios da vida.
de escolhas e ações. busca por um futuro melhor.
Impacto que uma maleta Convicção de que é possível
Capacidade de substituir alguém
Premissa cheia de dinheiro tem na vencer as dificuldades apesar
e a falta de eloquência.
vida de uma pessoa. da pobreza extrema.
Um assassino psicótico sem
Jamal, oriundo das favelas de
senso de humor e piedade é História do rei Jorge VI, que
Mumbai, na Índia, participa de um
Trama enviado ao encalço de um homem
programa de TV e levanta suspeitas
contrata um fonoaudiólogo, para
que encontrou uma grande ajudá-lo a superar a gagueira.
sobre sua inteligência.
quantia de dinheiro.
Gênero Suspense Comédia Drama

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No entanto, qual o primeiro passo? É escrever o argumento (ou tratamento) do
filme, um resumo dos eventos-chave da história e dos personagens. É a narrativa
do filme, mas sem a indicação de cenas e diálogos. O texto deve ter, em média,
duas páginas para um curta-metragem e entre cinco e doze páginas para um
longa-metragem.

O parágrafo inicial do argumento é a premissa e consiste em responder três


questões básicas: o quê, quando e onde se passa a história com a descrição do
protagonista, do local e do período. A seguir, deve ser apresentado o evento
instigante do filme, com a ação do protagonista e o primeiro clímax da produção.
O próximo parágrafo mostra os sofrimentos e as atribulações que o protagonista
passa e o conduzem para o segundo clímax. O último parágrafo deve descrever
a ação do clímax final do filme. É quando descobrimos o que acontece com o
protagonista. Em um filme, espera-se que os personagens façam algo e sua ação
contenha um significado ou gere consequências. Está aberto o caminho para a
produção do roteiro do filme.

Roteiro
O roteiro de um longa-metragem, curta-metragem, documentário, videoclipe
ou publicitário é uma iniciativa gerada por uma ideia, um motivo. Detalhes
psicológicos, ambiente das locações, peripécias realizadas pelos personagens,
diversidade dramática das cenas, são artifícios que fortalecem a ideia central. Assim,
o roteirista deve buscar sempre a melhor forma de contar essa história com cenas,
ações e diálogos detalhados. A função do roteirista varia de acordo com o tipo de
filme produzido: ele pode desenvolver uma ideia inédita, adaptar um livro ou uma
novela, uma peça de teatro ou escrever um musical.

No roteiro, normalmente, cada página escrita equivale aproximadamente a um


minuto de filme. Partindo da premissa que um longa tem, em média, 110/120
minutos, o roteiro terá, então, cerca de 110/120 páginas. Dessa maneira, o
roteirista é um escravo do tempo, seja para contar um dia na vida de alguém ou
apresentar toda uma vida de um personagem dentro desse tempo ou páginas.

Para se escrever um bom roteiro é preciso dominar o assunto, realizar pesquisas,


ter uma ideia clara do que se quer dizer, estar atualizado com os acontecimentos,
ter o hábito da leitura, assistir a muitos filmes – especialmente os clássicos – e...
gostar de escrever. O roteiro precisa estar bem formatado com espaços em branco
para anotações da equipe e dos atores, que o conteúdo visual do filme esteja
detalhadamente descrito, que seja fácil de ler, escrito em espaço duplo e com as
páginas numeradas. Depois de pronto, o diretor do filme produz o seu roteiro
técnico com especificações de planos, movimentos e posicionamento de câmara,
que servirá para que o primeiro assistente de direção realize a análise técnica e o
diretor de produção o orçamento final.

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UNIDADE Elementos da Linguagem Cinematográfica I

Estruturas narrativas
A partir do estabelecimento desses elementos básicos, o roteirista deverá definir
qual o tipo de narrativa que ele dará à sua trama, qual a mais adequada para enfatizar
o tema e a mais coerente com sua premissa. Os principais tipos de narrativas são
a direta, a inversa, a episódica e a fracionada/não linear.
• Direta – História em ordem cronológica que pode conter no meio alguns
flashbacks – onde a ação do filme é interrompida momentaneamente para
mostrar uma situação do passado – ou flashforwards – interrupção de uma
sequência cronológica narrativa pela interposição de eventos ocorridos
posteriormente.
• Inversa – História apresentada inteiramente em flashback. Normalmente, as
primeiras imagens do filme são as derradeiras como nas histórias que contam
a trajetória de alguma pessoa, sejam narradas pelo biografado ou por algum
observador. Forrest Gump, o Contador de Histórias (Robert Zemeckis, 1994)
e Cães de Aluguel (Quentin Tarantino, 1992) são bons exemplos.
• Episódica – Histórias diversas, cada uma com a sua própria trama, mas, em
geral, ligadas a um tema comum. Exemplo: Sin City (Robert Rodriguez e
Frank Miller, 2005).
• Fracionada/Não linear – Uma ou várias histórias (ligadas entre si) contadas
em segmentos não cronológicos, que se encontram em momentos-chave,
por meio de personagens, situações ou símbolos. Exemplo: Cidade de Deus
(Fernando Meirelles, 2002).
A base para um bom filme é um roteiro bem estruturado, repleto de elementos
que possam estimular, intrigar, provocar e emocionar o espectador. O roteirista
deve apresentar profundo conhecimento de seus personagens e um controle
completo sobre o que eles fazem e o que acontece com eles. Na mente do autor, o
personagem ganha uma biografia, uma maneira de ser mostrada ao público a partir
de três focos: pessoal (família, amigos, colegas), profissional (tipo de atividade,
reconhecimento) e o íntimo (relacionamentos, hábitos, reações). Alguns roteiristas
preferem construir toda a vida pregressa do personagem para depois acompanhar
suas reações dentro da história. Outros preferem descobrir o personagem dentro
da ação, com sua imprevisibilidade.
O sistema mais comum de estrutura narrativa está dividido em três atos, início,
meio e fim, que pode ser seguido ou sofrer variações por parte do roteirista.

Modelo de um roteiro, conforme Syd Field*


Ato I Início. História e personagens são expostos. O primeiro grande obstáculo se apresenta como, por
Apresentação exemplo, um rival, uma perda, um desafio...
Parte intermediária. A história se desenvolve e se desenrola. A ação cresce e a trama se complica.
Ato II
O problema essencial é revelado, criando um grande impasse ou dilema. Novos personagens são
Confrontação
introduzidos como mentores, inimigos, conspiradores. Uma solução é tentada, mas não dá certo.
Ato III
É quando ocorrem as grandes mudanças, as escolhas, os atos heroicos, os sacrifícios. O final.
Resolução
*(Manual do roteiro, Editora Objetiva, 1995)

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Na ficção há, basicamente, dois caminhos para a condução da narrativa: pela
ação ou pelos personagens. Na narrativa pela ação, os acontecimentos conduzem a
trama com os personagens reagindo a eles. Na narrativa conduzida pelos persona-
gens, não é o que acontece aos personagens que importa, mas quem eles são, quais
as motivações interiores, os seus relacionamentos com o mundo e com as pessoas.

Além do diálogo, na ficção, há três técnicas utilizadas para se passar ao espectador


informações verbais adicionais: contextual, narrativa e direto para a câmera:
• Na contextual, a informação é falada ou escrita no início do filme, contex-
tualizando a história como, por exemplo, em Guerra nas Estrelas (George
Lucas, 1977).
• Na narrativa, a informação é falada por um dos personagens principais em
qualquer momento do filme, oferecendo informações sobre quem eles são e
o que pensam. Exemplo: Trainspotting – Sem limites (Danny Boyle, 1996).
• E, finalmente, na técnica direto para a câmera, conhecida como “quebrando
a quarta parede”, o personagem fala direto para a câmera, reconhecendo a
presença do espectador como em Alfie – Como Conquistar as Mulheres
(Lewis Gilbert, 1966).

Arquétipos: É a imitação de um original, modelo pelo qual se faz uma obra material ou
Explor

intelectual. Em relação a histórias, há arquétipos como o de Aquiles (defeito fatal), Fausto


(ganância), Romeu e Julieta (amor) e Tristão (ciúme). Confira o arquétipo de Fausto no filme
O fantasma do paraíso (Brian de Palma, 1974), uma ópera-rock norte-americana.

Fig. 2 – Cena de O Fantasma do Paraíso (Brian de Palma, 1974)


Fonte: 20th Century Fox/Everett Collection

Roteiro não é somente diálogos


Na época do cinema mudo, os “diálogos” eram sugeridos pela mímica, expressão
corporal e fácil e pelos intertítulos. No cinema falado, o diálogo tem como função
fazer a cena prosseguir, comunicar fatos e informações ao público, estabelecer

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UNIDADE Elementos da Linguagem Cinematográfica I

relações entre esses fatos, revelar conflitos e o estado emocional dos personagens,
além de comentar a ação. Jovens falam como jovens, bem como velhos falam
como velhos.

Um bom roteiro é aquele que diz coisas que não estão escritas, porque as
imagens mostram e as situações falam por si. Os diálogos existem para mover a
história adiante. Entretanto, dizer muito, escrevendo menos é o grande desafio que
se coloca ao roteirista. Um bom roteiro também deixa espaço para que os demais
profissionais façam o seu trabalho. Contar a história e deixar, por exemplo, que o
diretor resolva como transformá-la em imagens é fundamental.

Nas primeiras décadas do século XX, cabia ao diretor dirigir os atores e, ao


roteirista, escrever o roteiro determinando as posições da câmera. Atualmente,
o roteirista deve escrever o roteiro cena a cena e deixar para o diretor definir
como posicionar a câmera. O diretor poderá filmar, por exemplo, a cena da chuva
batendo em uma janela, utilizando-se de um ou de vários planos (o que a câmera
vê) para atingir seu objetivo. Uma cena poderá ser filmada em plano geral (um
quarto, por exemplo, uma área geral) ou em planos específicos (a porta do quarto,
a cama ou a janela). Vamos aprofundar mais a questão dos planos em Elementos
da Linguagem Cinematográfica II.

Forma de um roteiro
Conforme Syd Field – considerado um dos gurus dos roteiristas de cinema e
de televisão –, há poucas regras para se escrever um roteiro. Vamos conferir a
sugestão dele para o formato de um roteiro:

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Vejamos como o autor descreve o roteiro exemplificado:
• Linha 1 – Chamada de CABEÇALHO é o local geral ou específico. Estamos
do lado de fora, EXT., em algum lugar do DESERTO DO ARIZONA; o tempo
é DIA.
• Linha 2 – Dê um espaço duplo e depois descreva pessoas, lugares ou ação em
espaço 1, de margem a margem. Descrições de personagens ou lugares não
devem ultrapassar poucas linhas.
• Linha 3 – Dê um espaço duplo; o termo geral “EM MOVIMENTO” especifica
uma mudança no foco da câmera. (Não é uma instrução para a câmera.
É uma “sugestão”.)
• Linha 4 – Espaço duplo; há uma mudança do lado de fora do jipe para o lado
de dentro. Estamos focalizando o personagem, Joe Chaco.
• Linha 5 – Novos personagens são sempre grafados em maiúsculas.
• Linha 6 – O personagem que fala sempre vem em maiúsculas e centralizado
na página.
• Linha 7 – Indicações de direção para o autor são escritas entre parênteses
embaixo do nome do personagem que fala. Sempre em espaço 1. Não abuse
disso, use apenas quando necessário.
• Linha 8 – O diálogo é escrito no centro da página, de maneira que a fala do per-
sonagem forma um bloco no meio da página cercado pelas descrições de mar-
gem a margem. Em uma ou várias linhas, os diálogos são sempre em espaço 1.

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• Linha 9 – Indicações de direção também incluem as ações dos personagens


dentro da cena. Reações, silêncios e tudo o mais.
• Linha 10 – Efeitos sonoros e de música são sempre grafados em maiúsculas.
Não exagere nos efeitos. O último passo no processo de produção de filmes
é a colocação da música e dos efeitos sonoros. Auxilie os editores colocando
referências de músicas e de efeitos sonoros em maiúsculas.

O roteiro final, ou roteiro técnico, é responsabilidade do diretor do filme, que


coloca todas as sequências de planos juntas. É o roteiro original com os enquadra-
mentos, as direções e os posicionamentos das câmeras durante a ação e o diálogo.

Storyboard
Os storyboards são ilustrações ou imagens do roteiro, plano a plano, em
ordem cronológica, produzidas pelo designer de produção ou por um profissional
contratado. São utilizados para o planejamento visual das cenas a serem filmadas.
Não precisam ser artisticamente perfeitas, mas devem conter as informações sobre
a cena para a equipe de gravação, como os planos principais, o enquadramento,
os ângulos da câmera, o campo de visão e o movimento dos atores em cena.
O desenho pode variar de altamente profissional com grandes detalhes ou
desenhos de bonecos-palitos. O importante é que eles comuniquem efetivamente
as informações relevantes referentes a cada plano para toda a equipe.

Eles consistem em uma sequência de quadros, nos quais são desenhadas as cenas
da forma como imaginadas pelo diretor. Os desenhos podem ser acompanhados
de anotações sobre a cena, como a descrição da ação, do movimento, o som que
a acompanhará, ou qualquer outra informação. É uma etapa intermediária entre o
roteiro do filme e sua realização na prática. Os storyboards também economizam
tempo e dinheiro, uma vez que, quanto mais preparada estiver a equipe durante a
pré-produção, melhor.

Fig. 3 – Storyboard do filme Os vingadores (Joss Whedon, 2012). Cena entre o Homem de Ferro e Thor
Fonte: Bryan Andrews

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O diálogo entre o diretor, o diretor de fotografia e o designer de produção é
extremamente facilitado com o storyboard. As ideias sobre a aparência e o estilo do
filme são definidas nessa etapa. O diretor conversa sobre cada marcação da câmera,
iluminação, lentes e maquinaria (trilhos, gruas, etc.) com o diretor de fotografia.
O storyboard é uma referência durante a etapa de produção, funcionando como um
mapa de toda essa trajetória. Não há necessidade de se ficar limitado às dimensões
dos quadros nas folhas, uma vez que, em cenas mais complexas, há necessidade de
mais espaço e quadros maiores. Quando ele estiver pronto, é prudente encaderná-
lo para preservar a sequência das cenas.
Página
STORYBOARD
Ação
Ação

Fig. 4 – Exemplo de folha horizontal para o storyboard de um filme


Fonte: www.abcine.org.br

Personagens
O desempenho dos atores no cinema tem pouca relação com o que se vê no
teatro. No palco, o ator pode ser levado a “forçar” seu desempenho e a “estilizá-lo”,
em uma perspectiva de que não depende do natural. No cinema, em geral, a
câmera evidencia a expressão gestual e verbal dos atores, principalmente em
primeiro plano e sob ângulos adequados. A comunicação verbal é manifestada
e assimilada pelo público por meio da oralidade dos atores e, o não verbal, é
percebido no cenário, figurino, na sonoplastia, iluminação, nos acessórios e até
mesmo na expressão corporal dos personagens.

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Algumas concepções de desempenho dos atores:


• Hierática – estilizada e teatral, voltada para o épico.
• Estática – representada pela presença do grande ator/atriz.
• Dinâmica – característica dos filmes italianos; traduz a exuberância do
temperamento latino.
• Frenética – expressão gestual e verbal propositalmente exagerada (alguns
filmes do diretor japonês Akira Kurosawa).
• Excêntrica – exterioriza a violência dos sentimentos ou da ação.

Mas, afinal, no seu desempenho o ator deve colocar-se na pele do personagem


ou desempenhar o seu papel sem encarná-lo? Constantin Stanislavski (1863-
1938), ator, diretor e escritor russo criou a estética de que, em cena, os atores
precisam esquecer completamente seus próprios conceitos e acreditar naqueles
que seus personagens preconizam, precisam abdicar do seu “eu” e assumir o do
personagem. A representação, dessa forma, faz com que o espectador acredite
tratar-se de uma realidade. Esse formato ainda domina as escolas de atores, tão
influente que qualquer nova teoria na área parte de sua afirmação ou negação.

O outro tipo de desempenho (desempenhar o seu papel sem encarná-lo) é


defendido pelo filósofo e escritor francês Denis Diderot (1713-1784), cuja tese
fundamental diz que um grande ator é insensível e não deve sentir as emoções que
representa. O ator, segundo ele, deve, de certo modo, dividir-se em dois, servindo-
se mais de seu julgamento do que de sua sensibilidade na criação do personagem.
O dramaturgo, poeta e encenador alemão Bertold Brecht (1898-1956) também
comunga dessa opinião. Conforme ele, o ator não deve se identificar com o
personagem, deve manter um distanciamento em relação a ele, criando no
espectador a impressão de que está elaborando o personagem diante de seus olhos.
Sasha Guitry (1885-1957), ator e cineasta russo, sentenciou: “Faculdade de fazer
os outros partilharem de sentimentos que ele (o ator) não experimenta”.

Protagonista, antagonista e outros


O protagonista é o personagem principal de uma narrativa, geralmente o herói,
o mocinho, o bonzinho, cujas ações carregam a trama e conduzem a história. É por
ele que o espectador torce. Normalmente, a história é relatada a partir do ponto de
vista do protagonista. Todos os eventos, personagens e elementos da história giram
ao seu redor. Temos, ainda, os personagens principais, que provocam a curiosidade
do espectador por meio da sua personalidade, enquanto que o protagonista chama
a atenção pela ação. Os personagens principais devem enfrentar conflitos internos
e externos durante a história.

Já o antagonista é aquele que se contrapõe ao protagonista, criando empecilhos


aos objetivos do “final feliz”. É o bandido, o vilão, o malvado. Entretanto, ele
pode não ser humano, pode ser um animal, um ser extraterrestre, um espírito,

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limitação de ordem física ou psicológica ou ainda uma força da natureza como no
filme O impossível (Juan Antonio Bayona, 2012), no qual uma família sobrevive
a um tsunami de proporções devastadoras na costa da Tailândia. Tubarão (Steven
Spielberg, 1975) é outro exemplo. No caso de O náufrago (Robert Zemeckis,
2000), o inimigo é a própria ilha.

Os personagens devem ter definidas


suas características, personalidade e iden-
tidade, bem como os ambientes nos quais
eles habitam para que o espectador os co-
nheçam. Como características temos os
atributos físicos externos: alto/baixo, gor-
do/magro, loiro/moreno, sério/sorridente,
bonito/feio, formal/informal, etc. Em rela-
ção à personalidade, temos as qualidades e
os defeitos decorrentes das características
físicas, falas e comportamentos: proativo,
metido, flexível, manipulador, simpático,
interesseiro, humilde, esnobe, confiante,
inseguro, etc. A identidade de um perso-
nagem mostra qualidades e defeitos da
personalidade: introvertido/extrovertido, Fig. 5 – Protagonista e antagonista clássicos:
inteligente/burro, paciente/irritadiço, cria- Batman e Coringa, em Batman: O Cavaleiro
tivo, exibido, médico, professor, faxineiro, das Trevas (Christopher Nolan, 2008)
escritor, etc. Fonte: imdb.com

Temos, ainda, outros personagens que formam e complementam a teia das


tramas como o oponente, de relação próxima com o antagonista, cuja missão é
auxiliá-lo a não deixar o protagonista atingir seu objetivo; o falso protagonista,
que deve induzir o espectador a acreditar que ele é o foco principal da trama para,
na sequência, revelar quem é o verdadeiro protagonista; o coprotagonista, que
tem relação próxima com o protagonista e, de alguma forma, o ajuda na busca
de seu objetivo; o coadjuvante, que é um personagem secundário e auxilia no
desenvolvimento da trama; e, finalmente, o figurante, cujo papel é meramente
ilustrativo, mas, igualmente importante no contexto do filme, não tem relação com
nenhum dos personagens e é utilizado apenas para compor um cenário.

Fig. 6 – Figurantes de Guerra nas Estrelas (George Lucas, 1977)


Fonte: http://zip.net/bgsRDg

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Em relação aos personagens existirem, ou não, eles podem ser identificados


como real ou histórico: aquele que existiu e que é reproduzido com algum grau
de fidelidade; fictício: criado com base em pessoas reais, que vivem histórias
que poderiam acontecer com pessoas comuns; real-ficcional: é real, mas com
personalidade fictícia; ficcional-ficcional: característica possível somente na ficção,
muito comum em filmes de fantasia, terror e ficção científica.

Confira algumas cenas engraçadas com erros não percebidas pelo público (talvez nem pelo
Explor

diretor no momento da filmagem) protagonizadas por figurantes em filmes famosos:


https://goo.gl/1oZqT9

Cenografia e cenário
A cenografia, nascida na Grécia antiga, era a forma de representação dos locais
das encenações por meio de pinturas. Durante a primeira metade do século XX,
quase todos os filmes foram rodados em estúdios e palcos sonoros. Era muito
caro filmar em locações (externas). O conceito de cenografia foi ampliado e, hoje,
resulta em um conjunto de manifestações visuais que se correlacionam de forma
organizada em um determinado espaço cênico por meio de cenários, objetos,
estruturas arquitetônicas, mobiliário, pinturas, etc. O cenógrafo contemporâneo
atua, em grande parte, em todo o processo, desde a concepção do projeto até a
instalação do cenário, auxiliado, muitas vezes, pelo cenotécnico.

É importante perceber que qualquer encenação se encontra em algum tempo


(passado, presente ou futuro) e também em algum espaço:
a) com limites físicos definidos como em uma cidade, rua, casa, sala, quarto,
porta, etc.;
b) no mundo externo como um determinado país, região;
c) um espaço com existência somente na imaginação (fictício) como um planeta
desconhecido; e
d) sem limites físicos conhecidos, como o interior de uma mente.

Assim, o cenário, instalado no espaço cênico delimitando as áreas de atuação da


encenação, configura o espaço e o tempo em que ocorre a narrativa.

Como elemento significante, o cenário real ou virtual deve obrigatoriamente


comunicar algo de forma específica, juntamente com todos os outros elementos
que compõem a cena como os diálogos, o som, a imagem. Ele não deve ser
encarado simplesmente como decoração, mas, sim, como um elemento
comunicador, que tenha uma determinada função em cena. O cenógrafo deve ter
essa consciência de seu importante papel, ser criativo, participar ativamente do
processo de significação da produção cinematográfica, colaborando diretamente
na construção do texto da encenação.

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No cinema, o conceito de cenário compreende tanto as paisagens naturais,
quanto as construções realizadas pelo homem. Os cenários, sejam interiores ou
exteriores, podem ser reais, ou seja, já existirem, ou construídos em estúdio (no
interior do estúdio ou ao ar livre em suas dependências) ou ainda de forma virtual em
imagens geradas por computador. Muitas vezes, é mais econômico reconstruir em
estúdio um local do que filmar no local original. Cenários também são construídos
para acentuar o simbolismo, a estilização e a significação como em O mágico de Oz
(Victor Fleming, 1939) e Dogville (Lars von Trier, 2003), realizados integralmente
em estúdio.

(7)

(8)
Figs. 7 e 8 – Dogville (2003), de Lars von Trier (1956-), foi rodado em um único
cenário, com muitos jogos de luz e sombras em quase três horas de duração
Fonte: http://zip.net/bbsQVR

Vejamos algumas concepções de cenários:


• Realista – Não tem outra significação além de sua própria materialidade.
Significa o que ele realmente é.

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UNIDADE Elementos da Linguagem Cinematográfica I

• Impressionista – Representado, especialmente pela natureza. É definido


em função do estado psicológico da ação como, por exemplo, mar e praia:
liberdade, nostalgia; deserto: solidão, desespero; cidade: violência, solidão;
chuva: tristeza, entre outros. A cena de um personagem junto a uma janela
em dia de chuva, sem dúvida, oferece a sensação de tristeza.
• Expressionista – Produzido artificialmente, com o objetivo de criar uma
impressão visual de acordo com a ação. O gabinete do Dr. Caligari (Robert
Wiene, 1920) é o mais puro exemplo de cenário expressionista pictórico
ou teatral e também arquitetural. É integralmente artificial com regras de
perspectiva desprezadas, com construções oblíquas e sombras e luzes pintadas.

(9)

(10)
Figs. 9 e 10 – Cenas do filme O gabinete do Dr. Caligari (Robert Wiene, 1920),
nas quais são facilmente percebidas características do cenário expressionista
Fonte: imdb.com

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Cenários no mundo digital
Os computadores tiveram um enorme impacto sobre a forma de as pessoas
fazerem filmes, particularmente no mundo dos efeitos especiais. Nos últimos
30 anos, os cineastas passaram a conviver com uma nova realidade que foi se
instalando na produção cinematográfica e, hoje, é irreversível: imagens geradas
por computador. Assim, a pintura de cenários é um processo inteiramente digital,
criando mundos muito convincentes.

O objetivo da pintura digital de cenários é obter qualidade real utilizando imagens


digitais em 2-D e animação por computador em 3-D. Cenógrafos e cineastas se
utilizam de telas azuis e telas verdes para substituir partes de uma filmagem com
efeitos digitais por meio da técnica chamada chroma key, efeito visual que aplica
uma imagem sobre a outra por meio da anulação de uma cor padrão. Muitos
pintores de cenário se utilizam diretamente de softwares gráficos e de design para
criar sua arte, enquanto outros ainda usam papel, lápis e tinta.

As cenas imponentes do enorme vulcão negro da Montanha da Perdição (também chamada


Explor

de Orodruin) em O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel (Peter Jackson, 2001) com o olho
flamejante de Sauron flutuando por cima, são digitais. Orodruin foi representado por dois
vulcões ativos na Nova Zelândia.

Fig. 11 – Cena da montanha Orodruin em Senhor dos anéis –


A sociedade do anel (2001), dirigido por Peter Jackson
Fonte: http://zip.net/bcsRbr

O pintor de cenário geralmente começa pesquisando materiais de referência em


arquivos digitais de fotos de prédios, montanhas, céus e florestas ou tirando fotos
digitais de locais do mundo real para uso posterior. É o momento da criação com
a adição ou supressão de elementos, conforme a exigência da cena. Em algumas
ocasiões, as pinturas de cenários digitais são impressas em grandes partes de tela
e usadas como cenários físicos durante a filmagem.

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UNIDADE Elementos da Linguagem Cinematográfica I

Muitos pintores digitais são graduados com bacharelado em artes. Eles aprendem
os fundamentos do desenho, da escultura e da pintura em meios tradicionais,
como óleo e aquarela, além de conceitos sobre composição, seleção de cores e
perspectiva, muito úteis no mundo digital.

(12)

(13)
Figs. 12 e 13 – Cenário digital de Avatar (James Cameron, 2009), Fig. 12,
foi inspirado no Zhangjiajie Grand Canyon, na China, Fig. 13
Fonte: imdb.com

Locações
Ao realizar uma locação real é importante realizar uma visita técnica prévia
ao local com o objetivo de verificar, por exemplo, as condições de luz natural nas
várias fases do dia (e da noite, se for o caso) e também o período do ano (chove
muito?). Também é fundamental verificar os pontos de energia elétrica acessíveis
para os equipamentos, ruídos como trânsito intenso, aviões e até como podem ser
controlados o público, que, certamente, terá curiosidade no momento da filmagem.
Será preciso, ainda, obter-se autorização antecipada do proprietário (particular ou
público) para a utilização do espaço.

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Alguns passos básicos para uma locação segura:
• Visitar a locação no mesmo horário do dia da filmagem.
• Localizar o fornecimento de energia.
• Conversar com as pessoas do local.
• Considerar as fontes de ruído.
• Autorizações para filmagem no local.
• Prever a logística de transporte, estacionamento, sanitários e alimentação da equipe.
• Tirar fotos da locação.

Figurino
O figurino, juntamente com a iluminação, o som, os diálogos e, é claro, a
imagem, compõe os meios de expressão de um filme. O personagem, o próprio
filme ou o gênero podem ser definidos pelo figurino. Como os demais elementos
visuais de um filme, o figurino compõe uma determinada comunicação, auxiliando
no entendimento de um contexto. Um mendigo, por exemplo, usa roupas sujas
e rasgadas e, um milionário, trajes impecáveis. É o conjunto de indumentária e
de acessórios, criado ou produzido pelo figurinista ou por um estilista para ser
utilizado pelos atores. Ele deve ser relevante na formação do personagem, versátil
e normalmente durável para que se mantenha em condições ideais e resista à
temporada de filmagem.

Toda manifestação cênica, como o cinema, teatro, televisão, ópera ou dança,


tem no figurino um elemento fundamental, sendo utilizado para ambientação
histórica, delinear as características dos personagens, ressaltar aspectos psicológicos
e peculiaridades.

Alguns exemplos mostram a importância do figurino na carreira de grandes artistas


Explor

e também de grandes estilistas. Coco Chanel surgiu como figurinista na década de


1920, criando a indumentária da peça Antígona. Nos anos 1950, o também estilista
francês Hubert de Givenchy, auxiliou na consagração da atriz Audrey Hepburn – ícone
de elegância – em criações para filmes como Cinderela em Paris (1957) e Bonequinha
de Luxo (1961). O estilista Paco Rabane também atuou como figurinista na década de
1960. Seus modelos se destacaram especialmente em função dos materiais utilizados,
entre ele o plástico e o acrílico.

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UNIDADE Elementos da Linguagem Cinematográfica I


Fig. 14 – O estilista francês Givenchy deu uma nova cara para o “pretinho básico”, no início
dos anos 1960, modelo eternizado por Audrey Hepburn em Bonequinha de Luxo (1961)
Fonte: imdb.com

O figurinista trabalha diretamente com o diretor de arte, uma vez que ambiente e
figurinos devem estar integrados. Por exemplo, se o filme tem uma paleta de cores
específica, figurino e ambientes deverão seguir essa paleta. A pesquisa é fundamental
para que o figurino literalmente vista o personagem conforme sua personalidade e
situação financeira. Será preciso identificar em quais cenas o personagem aparece,
verificar quantas mudanças ou ajustes de figuro serão necessários.

Nessa etapa, é de extrema importância atentar para um detalhe fundamental:


a continuidade do uso do figurino pelos atores para se evitar inconsistências. Um
personagem não pode usar uma gravata em um minuto e, logo depois, aparecer
com outra diferente, ou, estar com um traje preto e, um minuto depois, estar com
um traje azul. Essa tarefa é do continuísta, que assessora o diretor na continuidade
dos planos, movimentos dos atores, figurinos, cenografia, etc. Ele deve produzir
boletins diários de continuidade.

Filmes com grandes orçamentos podem se dar ao luxo de desenvolver figuri-


nos extravagantes e exuberantes da forma que imaginarem produtores, diretores,
figurinistas. Em produções mais modestas, talvez seja preciso solicitar a colabo-
ração dos atores para que contribuam com roupas e acessórios de seus próprios
guarda-roupas.

Erro de continuidade? Descuido? Foi proposital? O certo é que o aparecimento de um par de tênis
botinha da marca norte-americana All Star no filme Maria Antonieta (Sofia Coppola, 2006) gerou
muita polêmica, afinal, a história se passa no final do século XVIII. “Nós decidimos deixar o tênis em
cena só, você sabe, para ter um elemento de brincadeira… É um universo adolescente… e, bem, por
diversão… porque eu pude”, disse a diretora. Polêmicas à parte, o figurino do filme se constituem em
um trabalho fantástico que rendeu o Oscar da categoria para Milena Canonero, cujo currículo inclui
figurinos de Laranja Mecânica (1971) e O Poderoso Chefão III (1990).

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Fig. 15 – O “famoso” All Star no guarda-roupa de Maria Antonieta
Fonte: http://zip.net/btsSLF

Podemos identificar pelo menos três tipos de vestuário no cinema:


• Realista – Produções nas quais há uma realidade histórica e o figurinista toma
como base documentos de época. Há uma exatidão nas indumentárias dos
atores. Na temática histórica é imprescindível uma profunda pesquisa em
relação ao período de tempo em que se passa a trama. Exemplo: Elizabeth
(Shekhar Kapur, 1998), com figurinos de meados do século XVI, que conta
a história da rainha que assume o trono inglês em meio a um caos religioso
e político; e A troca (Clint Eastwood, 2008), ambientado em Los Angeles
(Estados Unidos), em 1928.

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(17)
Figs. 16 e 17 – Cenas de A Troca (Clint Eastwood, 2008), ambientado em Los Angeles
(Estados Unidos), em 1928, com figurino de Deborah Hopper. Exemplo de figurino realista
Fonte: imdb.com

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• Alegórico ou para-realista – Figurino inspirado na moda de uma época, mas,


estilizado. Prevalece a preocupação com o estilo e com a beleza estética em
relação à exatidão histórica. Possui uma elegância atemporal. Exemplos: Os
sete samurais (Akira Kurosawa, 1954), Os caçadores da arca perdida (Steven
Spielberg, 1981), ambientado na década de 1940; e a sequência Piratas do
Caribe (vários diretores, 2003-2011).

(18)

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Figs. 18 e 19 – Piratas do Caribe 4: Navegando em Águas Misteriosas
(Rob Marshall, 2011) tem figurino de Penny Rose
Fonte: imdb.com

• Simbólico – O figurino tem o objetivo de traduzir simbolicamente caracterís-


ticas, tipos sociais ou estados da alma, ou, ainda, de criar efeitos dramáticos
ou psicológicos. A exatidão histórica não importa. Exemplos: sequências de
Guerra nas estrelas (vários diretores, 1977-2015) e de Jornada nas estrelas
(vários diretores, 1979-2013).

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(20)

(21)
Figs. 20 e 21 – Jornada nas estrelas, o filme (Robert Wise, 1979) foi o primeiro da sequência
para o cinema (20). Na TV (21), a primeira série foi veiculada em 1966. O figurino mudou
Fonte: imdb.com

Maquiagem e caracterização
Quando um ator entra em cena, ele é parte de um sistema visual, cujo propósito
é contar uma história. É como se ele não fosse dono do seu rosto, que passa a ser
um suporte para que os traços de um personagem ganhem vida. Agindo como uma
“máscara”, a maquiagem ou caracterização, oferece uma identidade aos aspectos
do personagem por meio da composição de cores, traços e formas. A maquiagem
para cinema está inserida em um contexto estético narrativo, cujo objetivo é criar
e contextualizar personagens em uma trama.

Atualmente, maquiadores podem criar praticamente qualquer ilusão, basta ter


tempo e dinheiro. Para se conseguir um bom resultado de maquiagem cênica é
importante dispor de bons profissionais que conheçam os tipos de acabamento para
cada contexto estético, gênero do filme, tipo de filmagem, conforme a tecnologia
cinematográfica utilizada.

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Técnicas e materiais de maquiagem (ou outros materiais) permitem a construção


de diversas aparências de atores, entre eles o envelhecimento e o rejuvenesci-
mento, a utilização de próteses, recriação de épocas, simulação de suor, sujeiras,
hematomas, olheiras, arranhões, cicatrizes, tiros, cortes, etc. Podem ser utilizados,
por exemplo, carvão ralado para sujar debaixo das unhas, argila para misturar com
água e fazer o efeito de quebrado ou sujeira com resíduos. Para envelhecer um
personagem os fios dos cabelos são tingidos com pigmento prateado.

O maquiador de filmes deve ser capaz de realizar transformações mínimas e, em


outras vezes, imensas a fim de representar de forma fidedigna um personagem,
tudo dependerá da amplitude da caracterização exigida como em Alice no País
das Maravilhas (Tim Burton, 2010). Na ficção, com atores normais, o maquiador
deverá estar preparado para representar tanto um mendigo quanto um rei, um
magro ou um gordo, uma pessoa comum ou um imperador romano, um marechal
do império... Algumas vezes, poderá ter o desafio de ser capaz de elaborar diferentes
personagens em um mesmo artista.

O maquiador deverá também conhecer a história da moda para poder dar a


forma e pentear corretamente barbas, bigodes, cavanhaques e para saber que
personagem usa ou não usa que tipo de elemento postiço, etc. Um bom maquiador
deve ser capaz de fazer uma barba, um bigode, sobrancelha, cavanhaque caso não
os possua prontos.

     
Fig. 22 – Maquiagem de Alice no País das Maravilhas (Tim Burton, 2010)
é, sem dúvida, um dos destaques do filme
Fonte: imdb.com

A computação gráfica chegou para revolucionar o mundo da maquiagem e


da caracterização. Efeitos, que eram produzidos manualmente, são produzidos
com chroma key e com roupas de captura de movimentos. Os efeitos especiais
são utilizados para inchaços da pele, sangue ou outro elemento dentro de uma
tubulação, uma cabeça explodindo, um braço arrancado, etc. Já a animatrônica –
uso de eletrônica e robótica em bonecos ou fantoches mecanizados – fará o uso de
robôs, independentemente do ator.

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Vamos conferir algumas maquiagens e caracterizações que marcaram a
sétima arte:
• Frankenstein (James Whale, 1931) – Caracterizações em filmes antigos
eram ainda mais complicadas, as técnicas eram rudimentares e muitas vinham
do teatro. A cabeça do homem-monstro, interpretado por Boris Karloff, era
feita com algodão e goma. Uma tinta verde era aplicada nas mãos e no rosto
para dar o aspecto pálido à criatura.

Fig. 23 – Boris Karloff sendo caracterizado como o homem-monstro do Dr. Frankenstein


Fonte: http://zip.net/btpHmG

Tootsie (Sydney Pollack, 1982) – A transformação de Dustin Hoffman em uma


mulher no filme é sensacional para a época. Além de uma maquiagem convencional
de mulher, porém completa e carregada, ele teve os traços afinados, os poros
estreitados e mãos depiladas. Uma dentadura com dentes maiores e mais finos,
enchimentos com curvas e a peruca completavam a transformação.

Fig. 24 – Dustin Hoffman se transforma em Dorothy Michaels


para disputar um papel feminino em uma telenovela
Fonte: http://zip.net/btpHmG

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• Monster – Desejo Assassino (Patty Jenkins, 2003) – Caracterização


naturalista que transforma uma linda atriz (Charlize Theron) em uma mulher
com cabelos maltratados e pele cheia de sardas e manchas.

Fig. 25 – Charlize Theron em uma incrível transformação no filme Monster


Fonte: http://zip.net/btpHmG

• O labirinto do fauno (Guillermo del Toro, 2006) – O filme inteiro é uma


verdadeira aula de efeitos especiais e de maquiagem, principalmente em
relação à criatura do título. Quem viveu o fauno foi Doug Jones, famoso por
realizar captura de movimentos e usar fantasias em outras produções. Parte
da fantasia era um animatrônico controlado por computador, mas que exigia
interpretação do ator. O filme recebeu o Oscar em três categorias: Direção de
Arte, Maquiagem e Fotografia.

Fig. 26 – O fauno foi interpretado por Doug Jones, famoso por realizar
captura de movimentos e usar fantasias em outras produções
Fonte: imdb.com

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Maquiadoras do cinema nacional
• Anna Van Steen – Profissional experiente, foi responsável pela maquiagem
do filme Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002), no qual os personagens
passaram por várias décadas, sendo necessárias muitas transformações
orgânicas com perucas, barbas e bigodes falsos. Ana também trabalhou na
produção do longa Xingu (Cao Hamburger, 2011), ambientado no Brasil
da década de 1940. A maquiadora caracterizou os três irmãos Villas-Bôas,
que envelheceram na selva, com pinturas corporais indígenas, maquiagem de
época e com efeitos especiais.

Fig. 27 – Os atores João Miguel, Felipe Camargo e Caio Blat como


os irmãos Villas-Bôas em Xingu. Maquiagem de Anna Van Steen
Fonte: http://zip.net/bdsSNw

• Marlene Moura – Em 1969, aos 19 anos, iniciou sua carreira como assistente
de maquiagem na extinta TV Tupi, no Rio de Janeiro. A maquiadora foi
reconhecida pela Academia Brasileira de Cinema pelo seu trabalho nos filmes
O palhaço (Selton Mello, 2011) e Olga (Jayme Monjardim, 2004). Atualmente,
Marlene mora em Los Angeles e vem ao Brasil a convite de diretores de
cinema e de TV. Para se aperfeiçoar e atualizar, ela ainda frequenta a Cinema
Makeup School, em Los Angeles.

Fig. 28 – Paulo José e Selton Mello maquiados por Marlene Moura, em O Palhaço
Fonte: http://zip.net/bnsSrj

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UNIDADE Elementos da Linguagem Cinematográfica I

• Siva Rama Terra – O trabalho da maquiadora pode ser conferido nos longas
O cheiro do ralo (Heitor Dhalia, 2007), Os desafinados (Walter Lima Jr.,
2008) e Sudoeste (Eduardo Nunes, 2012), este último do gênero realismo
fantástico realizado em preto e branco. As unhas dos atores tiveram que ser
pintadas de verde para aparentarem uma cor normal ao serem exibidas em
gamas de cinza.

Fig. 29 – Dira Paes em Sudoeste, filmado em preto e branco, mais um desafio para a maquiadora Siva Terra
Fonte: http://zip.net/bksSgV

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
The Film Foundation
A fundação é conduzida por um grupo renomado de cineastas conduzidos por Martin
Scorsese. A organização já ajudou a salvar 700 filmes, trabalhando em parceria com
arquivos e estúdios.
http://www.film-foundation.org/

Livros
Guia 300 Filmes para ver antes de morrer
MARON, A. (ed.). Guia 300 filmes para ver antes de morrer. Coleção Mente
Aberta. São Paulo: Editora Globo, s/d.
Lições de roteiristas – Roteiristas falam sobre seus filmes mais importantes
SCOTT, K. C. Lições de roteiristas – Roteiristas falam sobre seus filmes mais
importantes. Rio de Janeiro: Record, 2008.
Hitchcock/Truffaut – Entrevistas
TRUFFAUT, F. Hitchcock/Truffaut – Entrevistas. São Paulo: Companhia das
Letras, 2004.

Vídeos
Avatar – Making of (parte 1)
https://goo.gl/ePZ32o
Avatar – Making of (parte 2)
https://goo.gl/LeXlTE

Filmes
O Curioso Caso de Benjamin Button
Direção: David Fincher. 2009, cor, 166 min, Estados Unidos. Uma verdadeira aula
de maquiagem e efeitos especiais. É a história de um homem que nasce velho e vai
ficando mais jovem ao longo dos anos.
Cinema Paradiso
Direção: Giuseppe Tornatore. 1998, cor, 155 min, Itália. Nos anos que antecederam
a chegada da televisão em uma pequena cidade da Sicília, o garoto Toto (Salvatore
Cascio) ficou hipnotizado pelo cinema local e iniciou uma amizade com o projecionista
Alfredo (Philippe Noiret).

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UNIDADE Elementos da Linguagem Cinematográfica I

Referências
BAHIANA, A. M. Como ver um filme. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.

BARNWELL, J. Fundamentos de produção cinematográfica. Porto Alegre:


Bookman, 2013.

BERGAN, R. Guia ilustrado Zahar – Cinema. Rio de Janeiro: Jorge Zahar


Ed., 2007.

BRISELANCE, M. F e MORIN, J. C. Gramática do cinema. Lisboa: Texto&Gra-


fia, 2010.

COMPARATO, D. Da criação ao roteiro. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

FIELD, S. Manual do roteiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.

GARDIES, R. Compreender o cinema e as imagens. Lisboa: Texto&Gra-


fia, 2007.

MARTIN, M. A linguagem cinematográfica. São Paulo: Brasiliense, 2003.

RODRIGUES, C. O cinema e a produção. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

SERVIÇO Social da Indústria (São Paulo). Caderno de artes cênicas: volume I.


São Paulo: Sesi-SP, 2012.

Sites consultados
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CINEMATOGRAFIA. Storyboard. Disponível
em: <http://www.abcine.org.br/>. Acesso em: 02 fev 2016.

HOW STUFF WORKS – COMO TUDO FUNCIONA. Como funcionam os


pintores de cenários digitais. Disponível em: <http://lazer.hsw.uol.com.br/
pintores-cenarios-digitais.htm>. Acesso em: 10 fev 2016.

GISELE DOS SANTOS. Figurino para o cinema – Maria Antonieta. Disponível em:
<http://pt.slideshare.net/gibanes/aula-07-figurino-de-maria-antonieta-de-sofia-
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MAQUIAGEM DE CINEMA. Disponível em: <http://boudoirdamaquiagem.


blogspot.com.br/2013/08/maquiagem-de-cinema-parte-i.html>. Acesso em: 28
jan 2016.

NILTON KLEINA. As 10 melhores transformações do cinema usando maquia-


gem. Disponível em: <http://www.tecmundo.com.br/cinema/63641-10-melhores-
transformacoes-cinema-usando-maquiagem.htm>. Acesso em: 03 fev 2016.

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