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Ser um diretor de cinema brasileiro

Por Luiz Rosemberg Filho, 2001

A direção equilibra-se entre o saber, o espaço e o


tempo. Trabalha-se com técnicos e atores na busca das
personagens, na maior parte das vezes complexas. Modelar
personagens é esculpir tempos distintos e vagar pelo
espaço. Não falo como teórico (pois não sou) mas como
realizador.
Visualizar um filme não é tê-lo rodado. Não existe
um só método, mas muitos caminhos possíveis. O importante
são dois fatores: a necessidade de se fazer um
determinado trabalho e a verdade das personagens, e do
trabalho. Como isso nem sempre passa, engole-se lixo como
produto de qualidade ou "padrão internacional". E o que é
isso? Nada. O que dimensiona um trabalho é toda a sua
complexidade desarrumando de maneira sensível o vazio do
seu tempo.
Um filme não tem que ser necessariamente um
depoimento político, que na maior parte das vezes fica
datado. Raro são os filmes como Ivan, o terrível, O
bandido Giuliano, O leopardo, Dr. Fantástico, Cidadão
Kane, As mãos sobre a cidade, Terra em transe, que
sustentam o sabor da eternidade. Exatamente por isso o
cinema abre-se como um leque de intervenções no tempo.
Como não respeitar e amar Godard, Bergman, Antonioni,
Rivette, Rosselini, Pasolini, Visconti e Joaquim Pedro?
São maneiras diferentes de dirigir filmes, mas todos são
geniais do ponto de vista da criação cinematográfica.
E o que define um diretor? Fundamentalmente a sua
capacidade de trocar, de ousar, de sentir e de sempre
recomeçar do zero. A cada filme uma nova viagem nas
complexidades nem sempre possíveis de serem verbalizadas.
Trabalha-se então muito com o silêncio. Especula-se numa
infinidade de universos. O espaço de um diretor é pura
subjetividade atuando no isolamento nem sempre muito
claro de uma ideia. Sua grandeza (se é que existe isso)
apresenta-se como capaz de dimensionar o investimento de
cada um dando luz onde reina a escuridão. Um filme se faz
escutando mais que falando. E nem todos sabem escutar.
Têm medo de serem questionados no seu pequeno poder. Um
poder extremamente frágil, se não se trabalha com a
necessidade.
Ou seja, um diretor move-se através de dúvidas,
imagens, silêncios, espaços, pessoas, técnicos,
desordens, fragilidades, sentimentos e vaidades. Um
diretor não é um Deus ausente na complexidade de uma
produção. Ali está com as suas dúvidas, energias, sonhos
e riscos. No Brasil, então, esse risco é multiplicado por
mil, se você não seguir as ordens de Hollywood para
depois ter o seu filminho passado na TV. Ciente de toda a
podridão que o envolve, o diretor precisa também aprender
a entender. Se não quer fazer idiotismos para consumo,
lamentavelmente sofrerá mais. São as regras de um mercado
alienado e por isso mesmo injusto.
Num ato onde não se simplifica a complexidade, dá-se
existência a subjetividades e comportamentos não
lineares. Desloca-se constantemente da luz para a dúvida.
E é a dúvida que dá luz a um filme, não a pequena certeza
do sucesso. Damo-nos conta então de que o cinema não é
apenas a objetividade do mercado, do produtor ou dos
meios de comunicação. De algum modo expande-se na direção
da música, da dança, da poesia, ou mesmo da pintura. Sai
do controle de todos e vaga com a sua fragilidade por
pequenos-grandes espaços.
Dirigir é trabalhar na transformação do sensível do
tempo-espaço em ideias e imagens complexas ao olhar do
espectador. Ao contrário da TV, que estabiliza tudo pelo
nível do lixo, a direção de um poema filmado nos revela
nossas vitórias e fracassos, mas mantendo sempre a tão
combatida originalidade. Nosso cérebro ordena a desordem
na reinvenção de impulsos complexos na mobilização do
olhar para a desordem necessária. Como bem diz um
provérbio japonês da Era Meiji: "As dificuldades são como
as montanhas. Elas só aplainam quando avançamos sobre
elas". Eu acho que um diretor de cinema, de vídeo, ou
mesmo de teatro é um pouco esse avanço essencializando
complexidades e afetos.

P.S. Esse texto é para a minha geração, que não defendeu


nem elogiou Hollywood, Henry Stone ou a TV Globo.

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