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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA ARTE

FACULDADE DE CINEMA E AUDIOVISUAL

LUCAS GABRIEL SARDO FIGUEIREDO

VISUALIDADE PÓS-MODERNA E AUTORAL NA


CINEMATOGRAFIA DE WES ANDERSON

BELÉM-PA

2022

LUCAS GABRIEL SARDO FIGUEIREDO


VISUALIDADE PÓS-MODERNA E AUTORAL NA
CINEMATOGRAFIA DE WES ANDERSON

BELÉM-PA

2022
Wes Anderson pode ser resumido em uma característica bem individual: direção
única. É o diretor mais direto do cinema popular hoje em dia, mas seus filmes são
simultaneamente idiossincráticos e implacavelmente detalhados. Entrelaçado em meio aos
seus filmes, o design de produção salta aos olhos, com nuances bem visuais e típicas do
diretor, e de maneira tão deliberada que um espectador e consegue identificar tudo o que
precisa saber para a construção da narrativa; logo, a relação com a audiência é de uma troca
justa: o diretor diz ao público o que eles precisam saber, sempre mostra o que eles precisam
observar e evidencia os sentimentos que precisam sentir.

O cineasta cresceu em Houston, no Texas, e é o filho do meio de três meninos de pais


divorciados. Antes de se aventurar pelo meio cinematográfico, frequentou a Universidade do
Texas, onde se formou em Filosofia. Após isso, trabalhou como projecionista em algumas
salas de cinema e filmou filmes caseiros com a câmera Super 8 de seu pai, foi assim que em
1989 conheceu o ator em ascensão Owen Wilson, que mais tarde viria a ser um rosto
carimbado em todas as suas obras. Seu primeiro trabalho autoral, o curta-metragem Bottle
Rocket (1994) foi exibido no festival de cinema Sundance, mas não recebeu os olhares
reconhecidos de críticos e grandes produtores; porém ao apresentar seu trabalho a um grande
cineasta e roteirista da época, Jim Brooks, Wes Anderson conseguiu recursos para transformar
seu curta em um longa para cinema.

O primeiro longa do cineasta, Bottle Rocket (1996) é o mais diferente e fora da curva
na sua filmografia, levando em conta que era seu primeiro trabalho com um orçamento acima
do que ele costumava lidar. No filme, vemos Anderson utilizando estéticas e métodos de
gravação comumente usados por outros cineastas: pouco se vê de autoral e característico, já
que o autor realmente estudou diretores renomados e famosos, como Roman Polanski,
François Truffaut e Mike Nichols, e utilizou das estéticas destes para fazer seu filme. Apesar
disso, o longa é bem aclamado pela crítica e considerado um início de ouro para um diretor
que se consagraria no cinema mundial.

A composição bela e harmoniosa de Wes Anderson pode ser observada e analisada


através da estética do pós-moderno e pela expressão do autor cineasta. Em se tratando do pós-
moderno, teóricos que trazem o conceito de “cinema do depois” para nomear o cinema pós-
moderno, estabelecem a pós-modernidade dentro de um conceito cultural que privilegia o
visível cada vez mais. A pós-modernidade seria uma ruptura com a modernidade e um
recondicionamento dos valores fundamentalmente modernos. Ausente de qualquer tipo de
definição, o cinema pós-moderno vem com o objetivo de derrubar barreiras e conceitos antes
pré estabelecidos pelo cinema clássico. Filmes considerados pós-modernos desafiam as
estéticas clássicas e modernas, é uma estética que foge das teorias e das explicações.

Dito isso, além da linguagem visual, sonora e verbal, dadas pelo fenômeno da
comunicação, observa-se no cinema de Wes Anderson uma estratégia intertextual típica do
pós-moderno, que busca cruzar diferentes referências. Na composição de suas cenas, o diretor
utiliza uma rigidez formal que remonta dos princípios clássicos de composição. Anderson cria
uma composição através da idealização matemática da natureza, apresentando um ambiente
equilibrado, simétrico, proporcional e harmônico: o diretor abdica da naturalidade por uma
representação racional. Em A Vida Marinha com Steve Zissou (2004), Viagem à Darjeeling
(2007) O Grande Hotel Budapeste (2014) e A Crônica Francesa (2020), Wes Anderson
demonstra repetidamente essa tendência ao uso da intertextualidade, o que confirma a
influência da estética pós-moderna, pois seria uma característica marcante na estética pós-
moderna.

Entende-se a pós-modernidade como um questionamento dos discursos fundadores,


clássicos (metanarrativas). Busca novas convenções, nas mais diversas referências, para
fundar um novo pensamento, uma nova racionalidade. Nessas condições, o cineasta cria um
universo que se distancia da realidade, embora pareça normal nos cenários, mas no uso da
forma humana e na perfeição das cenas, os evidencia como criações fictícias e não
representações propriamente ditas. Seus filmes deixam de ser histórias de narrativa real para
se tornar fábulas com personagens alegóricos. Tais características trazem para a filmografia
de Anderson uma originalidade e afirmam a criação direta do cineasta em seus trabalhos, o
que o torna um autor que reflete sobre as características e discursos estéticos do seu tempo, ou
seja, um discurso pós-moderno.

O modelo renascentista é uma influência que o cineasta carrega consigo em suas


obras: com aspectos harmônicos e delicados, isso compete em uma maneira de estética bem
racional de se analisar as obras. É como se Anderson buscasse um tipo de perfeição e beleza
de forma extremamente racional, através de composições equilibradas, proporcionais e
simétricas, e expressasse em suas produções um caráter linear, múltiplo, aberto e claro. A
questão da luminosidade também é crucial em análises, pois são composições de cenas bem
tratadas de maneira uniforme e abrangente. Tudo que está enquadrado em cena está ali por um
motivo, e tem uma explicação para estar ali; os olhos do espectador viajam pelas composições
e observam tudo de forma clara e concisa e mais tarde, no decorrer da narrativa, serão
recompensados com uma clareza nas interpretações.

Tomando como exemplo os filmes Viagem à Darjeeling, Os Excêntricos Tenenbaums


(2001), e A Vida Marinha com Steve Zissou é possível analisar e reparar em referências e
inspirações em quadros renascentistas. A composição duramente proporcional e harmônica
das obras são distribuídas de maneira uniforme, não existem grandes contrastes de luz e
sombra, tudo fica bem claro aos olhos do público, desde detalhes mínimos a texturas. Aqui a
luz pode representar a razão que tanto era propagado nas obras renascentistas, libertando o
humano da obscuridade, onde as cores saturadas e quentes se sobrepõem ao caos, como forma
de esclarecer pensamentos e liberdade.

Uma peculiaridade a parte nas obras de Wes Anderson é o trabalho com a composição
das cores. Sempre que o diretor é lembrado pelos espectadores, um dos critérios mais
discutidos são as cores, que sempre saltam aos olhos e tornam a obra visualmente fascinante,
quase um quadro em movimento; um identidade sua facilmente reconhecível. Todas as cores
utilizadas se interligam com a narrativa e a expressão dos ambientes e, sobretudo, dos
personagens; a exemplo, o universo de Steve Zissou, que apresenta um núcleo paterno
fragilizado, os tons azuis são muito utilizados e o grande diferencial, o gorro vermelho, como
sinal de alerta e de atípico naqueles personagens. Outros exemplos podem ser a saturação de
amarelo em quase todas as suas obras, que trazem um sentimento de paz e esperança e, junto
disso, características saudosistas e nostálgicas são sentidas pelo público. Parte disso é porque
os personagens de Anderson tendem a ser adultos agindo como crianças, logo, agem como tal;
é como se ele recorresse a essa imatura e ingênua felicidade que sentimos quando somos
menores e vemos as coisas por outro ponto de vista.

Todas essas estéticas mais visuais são envelopadas em narrativas que seguem um
determinado padrão nas obras de Wes Anderson. No quesito história e personagens, vemos
uma narrativa guiada pela perspectiva de jovens adultos completamente desajustados e
imperfeitos. São caracterizados principalmente por suas contradições e seu egoísmo, são
emocionalmente frágeis e desapontados com algo, chegam a ser inadequados. Como exemplo,
Os Excêntricos Tenenbaums, O Fantástico Sr. Raposo (2009), e Moonrise Kingdom (2012)
filmes que abordam a temática familiar e como seus problemas pessoais afetam nas suas
relações em família; com narrativas bem simples, o cineasta consegue propor um choque com
as cores fortes, alegres e saturadas e performances bem detalhadas com personagens que são o
completo oposto da estética apresentada, sendo descompassados, aborrecidos e frágeis. A
partir das decepções dos personagens, o diretor cria histórias extravagantes; cada obra dele,
segundo o próprio autor, tem um pouco de sua biografia na narrativa.

As obras de Wes Anderson refletem uma busca por uma rigidez formal, uma certeza
nas composições e tentam resgatar a composição das obras clássicas renascentistas como
forma de trazer de volta o que pode se posicionar como o novo tradicional. Apesar da beleza
das composições e um trabalho nas encenações dos cenários e a riqueza nos detalhes, o
olhares vazios e a falta de expressão dos personagens está ali para o público uma pessoa
insensível com o mundo e suas surpresas, com aspecto de fadiga e cansaço diante da
modernidade cheia de informações e novas maneiras de se expressar. Seria uma crítica ao
sujeito que viveria nessa fase do cinema pós-moderno, que convive em meio às incertezas,
que busca tirar prazer de tudo e vive intensamente as experiências do presente.

O sujeito do pós-moderno, tenta resgatar o saudosismo e a nostalgia de um passado


que ele não viveu, mas somente imaginou. Não é possível voltar ao passado, mas é possível
resgatá-lo como uma representação, e, como os personagens de Anderson, somente busca a
eles uma procura incansável do prazer, e um cansaço do que o futuro pode vir a reservar. Para
alguns autores do pós-moderno os discursos que formam a sociedade, as metanarrativas, tem
enfraquecido, e o uso dos meios de comunicação têm influência direta nisso. Pode-se concluir
que quanto mais rápida é circulada a informação, mais rápidas serão as mudanças na
sociedade, seja no comportamento ou na consciência. Logo, a quantidade de informações
digitais provocam mudanças nos discursos que compõem o pensamento de uma época,
produzindo essa sensação de incerteza.

Afirma-se que a filmografia de Wes Anderson quer criar um meio de arquitetar


histórias que ganham vida através de uma visão realista da vida, mas reproduzida de maneira
fantástica e bela esteticamente. As obras apresentam sintomas de uma nostalgia de um tempo
que o racionalismo tomava a sociedade. O sujeito pós-moderno tem características hedonistas
e individualistas em sua personalidade.
REFERÊNCIAS

Graça, André Rui, Eduardo Tulio Baggio e Manuela Penafria. "Teoria dos cineastas:
uma abordagem para a teoria do cinema." Revista Científica/FAP (2015).

Ferro, Fernanda Ianoski. "TEORIA DE CINEASTAS: UMA REVISÃO


BIBLIOGRÁFICA." REVISTA LIVRE DE CINEMA, uma leitura digital sem medida (super
8, 16, 35, 70 mm,...) 8.4 (2021): 47-64.

Junior, Renato Luiz Pucci. "Cinema pós-moderno." Significação: Revista de Cultura


Audiovisual 11-12 (1996): 211-220.

Rahde, Maria Beatriz Furtado, e Flávio Vinicius Cauduro. "Imagens e Imaginários: do


moderno ao pós-moderno." E-Compós. Vol. 9. 2007.

Urbano, Clarissa Souza Palomeque. "CINEMA E PÓS-MODERNIDADE."

MacDowell, James. "Wes Anderson, tone and the quirky sensibility." New Review of
Film and Television Studies 10.1 (2012): 6-27.

O Grande Hotel Budapeste. Wes Anderson. EUA. Searchlight Pictures. 2014.

A Vida Marinha com Steve Zissou. Wes Anderson. EUA. Searchlight Pictures. 2004.

Bottle Rocket. Wes Anderson. EUA. Searchlight Pictures. 1996.

Os Excêntricos Tenenbaums. EUA, Searchlight Pictures. 2001.

Viagem à Darjeeling. EUA. Searchlight Pictures. 2007.

A Crônica Francesa. EUA\FRA. Searchlight Pictures. 2019.

O Fantástico Sr. Raposo. EUA. Searchlight Pictures. 2009.

Moonrise Kingdom. EUA. Searchlight Pictures. 2012.

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