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Bill Nichols

tradução
Mônica Saddy Martins

INTRODUÇÃO A O
DOCUMENTÁRIO

Coleção Campo Imagético

O cinema possui hoje uma din!iniica que muitas vezes extrapola as tr{ldiçõcs
históricas dentro das quais se formou. O Campo In1agético, assi111 pcnsndo, abre-se
sobre horizontes diversos da expressiio artística: a fotogra.fií1, a televisll.o, a videoartc,
as 1nídias digitais, o dorn111entário, o fi.ln1e de ficção. Esta coleção pretende explorar o
eixo cinen111tográfico em rna tradição clássica ou de vanguarda, em sua ex.pressão
autoral ou industrial, em sua fornza documcntárin ou ficcional, em sua dilllcnsão
historiográfica ou analítica. Interagindo com o conjunto das ciências lzumanas e com

••
as artes, o cinema situa-se em vórtice privilegiado pnm. se pensar a criação artísticí1
que tem como matéria a image1n/som mediada pela cá.mera.

Fernão P ssoa Ramos ■


Coordcnndor da coleçti.o PAPIRUS EDITORA

Nos anos 20, era ex remamente importante a idéia de que a voz do
cineasta- e, por intermédio dessa voz, um governo ou uma sociedade - tivesse
tomado forma nas rnaneiras pelas quais as visões de m u n d o ernn1
remodeladas na filmagem e na montagem. Essas práticas demonstraram que
filmes complexos podiam ser construídos con1. fragmentos do n1undo
histórico reunidos para exprimir un1 ponto de vista singular. A retórica, em 6
todas as suas formas e ern todos os seus objetivos, fornece o elen1en to final e
distintivo do docun1.entário. O exibidor de atrações, o contador de histórias e QUE TIPOS DE
0 poeta da fotogenia condensam-se na figura do documentarista como DOCUMENTÁRIO EXISTEM?
orador que fala con1 uma voz toda sua do mundo que todos compartilhamos.
Esses elementos foram reunidos pela primeira vez na União Soviética,
durante a década de 1920, ao mesmo tempo em que o desafio de construir
uma sociedade nova assumiu prín1azia em todas as artes. Essa combinação
especial de elementos se enraizou em outros países no fim dos anos 20 e
comeco dos anos 30, quando os governos, graças a defensores como John
A reuníão das muítas vozes do
Grier;on, reconheceran1 o valor do uso do filme na promoção da idéia de
cidadania participativa e no apoio à ação do governo para enfrentar as documentário em grupos
questões mais difíceis da época, como inflação, pobreza e a Depressão de 1929.
As soluções para esses problemas variaram muito, da Inglaterra den1ocrática à C a d a documentário tem sua voz distinta. Como toda voz que fala, a
Alemanha nazista, dos Estados Unidos do 1Vew Deal à Rússia comunista, no voz fílmica tem um estilo ou uma «natureza" própria, que funciona como
entanto, em todos os casos, a voz do documentarista contribuiu de maneira uma assinatura ou impressão digital. Ela atesta a individualidade do cineasta
significativa para estruturar um projeto nacional e propor maneiras de agir. ou diretor, ou, às vezes, o poder de decisão de um patrocinador ou
organização diretora. O noticiário televisivo tem voz própria, da mesma
forma que Fred Wiseman, Chris Marker, Esther Shub e Marina Goldovskaya.
No cinema, as vozes individuais prestam-se a uma teoria do autor, ao
passo que as vozes compartilhadas, a uma teoria do gênero. O estudo dos
gêneros leva em consideração os traços característicos dos vários grupos de
cineastas e filmes. No vídeo e no filme documentário, podemos identificar seis
modos de representação que funcionam como subgéneros do gênero
documentário propriamente dito: poético, expositivo, participativo,
observativo, reflexivo e performático.
Esses seis modos determinam uma estrutura de afiliação frouxa, na
qual os indivíduos trabalham; estabelecem as convenções que um
determinado filme pode adotar e propiciam expectativas específicas que os
espectadores esperam ver satisfeitas. Cada modo compreende exemplos que
podemos identificar como protótipos ou modelos: eles parecem expressar de
maneira exemplar as características mais peculiares de cada modo. Não

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podem ser copiados, mas podem ser emulados quando outros cineastas, c o m
compartilhav a um traço, o u convenção, com os modos poético e expositivo:
outras vozes, tentam representar aspectos do mundo h i s t ó r i c o de s e u s
tambén1 ela camufbv 1 a presença do cineasta e sua influência criadora. O
próprios pontos de vista distintos.
d o cum e n t ár io partícípativo tom o u f o r m a c o m a percepção d e q u e os
A o r d e m de apresentação desses seis modos corresponde, aproxi- cineastas n ã o prccisava1n disfarç;.u a relação íntima q u e tinham con1 seus
madamente, à cronologia de seu surgimento. Portanto,_ podem
uma história do documentário , mas imperfeitame nte. A 1dent1fiparecer fazer temas, c o n t a n d o histórias o u observando acontecirnen tos que pareciam
çao de m ocorrer c o m o se eles não estivessem presentes.
filme con1 um certo modo nJ.o precisa ser total. Um docu1nentan
efle:1vo As legendas de J.\!anook, p o r exemplo, contan1 que K a n o o k e sua
pode conter porções bem grandes de tom das º.bsen·ativas part ativas; um
: .' família cn frentam a fon1e quando esse grande caçador d o norte nào consegue
docun1entári o expositivo pode incluir segme11LOS ºu poell-...OS ou encontrar comida, mas n ã o nos dize1n o que F l a h e r t y comia o u s e ele
performáticos . As característica s de um dado modo funcionam co o
dominantes num dado filme: elas dão estrutura ao todo do filme, mas nao providenciav a c o mida p a r a Nanook. Flaherty pede q u e afastemos nossa
ditam ou determinam todos os aspectos de sua organização . Resta uma incredulidad e no aspecto ficcional de s u a história à custa de u m a certa
considerável margem de liberdade . desonestidad e naquilo g u e revela sobre sua verdadeira relação com seu tema.
Nmn filme n1ais recente, não precisa ser dominante un1 i'\o c s o d e cineastas con10 Jean Rouch (Crónica de u m verão, 1960), Nick
1oà n1ais
recente. Ele pode se voltar para um modo mais antigo, en1bora ainda Broomfic]d (Ailcen V/ournos: Thc selli11g o f a serial killcr, 1992), K:izuo Hara
1n l a
elementos de modos mais recentes. Por exemplo, um cum,e (Y11ki yukite shingun, 1987) e Jon Silver (1:Vatsonville 011 strike, 1989), o que
tano ac o ntece p o r causa da presença do cineasta se torna tão crucial co1no o qu e
performático pode exibir 1nuitas característica s do docun1cntano poet1co. ? acontece apesar dela.
v s
n1odos não representam uma cadeia e-olutiva, na qual os rnodos mais Assin1 como 1:m conjunto m.utável de circunstância s, o d e s e j o de
_ prop o r n1aneiras diferentes d e representar o mundo tan1bén1 contribui para a
tard_1os
têm superioridade sobre os anteriores, superando-os . Unia vez estabel_ec1do formação de cada modo. i'viodos novos surg e m, em parte, como resposta às
por um àconjunto convenções deficiências percebidas n o s anteriores, m a s a percepção da deficiéncla surge,
remonta década dede 1920, m a s continuae de filmes grande
exercendo paradigmátic o ,ainda
influência _u1n
determinado modo fica acessíYel a todos outros. O documentário em parte, da idéia do que é necessário para representar o mundo histórico de
hoie. A maioria
expos1t1vo, por e en plo, d o s noticiários e dos reality shows da televisão dep en d em
u m J p e r s p e c t i v a s i n g u l a r n u m d e t e r m i n a d o n1on1ento. A a p a r e n t e
n1 ito de suas convencões bastante antiquadas, assim c o m o quase todos os
neutralidade e o atributo "entenda c o m o quiser" d o cinema o b se rv a tiv o
d o c u m e n t á r i o s sobr c i ê n c i a e natureza, as biografias - como a s é n e
surgira1n n o fim dos calmos anos 50 e durante o auge das formas descritivas
Bioaraphy d a rede A & E - e a n1aioria dos docun1entário s históricos de grande
da so cio lo g ia , baseadas n a observação. Eles floresceram, em parte, como
esc:la _ c o m o The civil w a r (1990), Eyes on the prize (1987, 1990), T h e
concretização de um s u p o s t o "fim d a ideologia" e d e um fascínio pelo
american cinema (1994) ou The people's century (1998).
corriqueiro, n1as não necessariame nte d a afinidade c o m a situação social
Até certo ponto, cada n1odo de representação docun1e t l sur e, ein difícil ou o ódio político daqueles que estão às margens da sociedade.
uarte, da crescente insatisfação dos cineastas com um m o d o prev1 . Ass 1n, os
D e maneira análoga, a intensidade emociona] e a expressividad e
odos r e a l m e n t e t r a n s n 1 i t e m uma c e r t a s e n s a ç ã o d e h i s t ó r i a d o
subjetiva d o modo perfonnático tomaran1 forma nos anos 80 e 90. Esse n1odo
documentário . O modo observ a tivo surge, em parte, da disponibilidad e de
se enr a izo u n1ais profundamen te nos grupos cujo sentirnento de cornunidade
câmeras portáteis de 16 n1n1 e gravJdores 1nagnéticos nos anos 60. De repe,nt_e,
crescera durante o período, como resultado de uma política de identidade que
0 d o c u m e n t á r i o p o étic o parecia abstrato demais, e o d o cum en t a n o
_ afirmava a relativa autonOJnia e a característica social distintiva de grupos
expositivo, didático demais, pois provou-se acontecm1ent os
_possível ]n1ar marginalizado s. Esses filmes rejeitavarn técnicas co n10 o comentário con1 voz
cotidianos com um mínin10 de encenação e mtervençao.
de Deus, não porque lhe faltasse humildade, 1nas porque pertencia a toda u m a
A observacão estaYa necessariamen te lin1itada ao mon1ento em q u e os epistemologi a, o u m a n e i r a de ver e conhecer o n1undo, que já n ã o se
cineastas regist;avam O q u e acontecia diante deles. ?\'las a observação considerava ::.1ceitávcl.

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Introdução a o documentário 137
The day after Triniiy (Jon Else.
quaisquer afirmações d e q u e 1980). Fotografia genti!menle cedida
f;:1zcn1cs bem cn1 aceit:.1r com reservas por Jon E!se.
arte cinen1atogdfica e cap t a asp e c t o s do
um modo 110\-0 faz progredir a Reconsiderações da retórica da
1nuda é o modo de representação; nã.o
mu;ido con10 jamais foi possível. O C)'L.'C Guerra Fria. após a década de 1960
da representação. Un1 modo novo não é onvi_darn a uma revisão do registro
a quaLdaàe ou o stntus fundamental oo pos-guerra. Cineastas como
idéic:. de " a p e r f e i ç o a n - : e n t o " seja
melhor, e l e é d i f e r e n t e , c-rn.bora a Cormie Fieid. em The fi{e and times
entre os defensores e pr a t i c a n t e s de
freqüentcn1ente alardc.1da, cspccia1mcnte of Rosie lhe riveter. e Jon Else. em
u m conjunto diferente à e ênfases e The day after Trinity. colocam em
un-: rnodo novo. l·n-::. n-1odo novo tern c1rculação tomadas históricas num
mostrando vulnerá\'el à crítica p e l a s
conseqüências, e, por sua vez, acabará se r . ?dodos
contexto novo. Neste exemplo. Else
e n tação pron-::.cta ultrzip a s s 0
lirnit:J.ções que rnT1 outro rncdo de repres
í8Sxamina as hesitações e dúvidas
:melhor de representar o n1undo de Robert J. Oppenheimer acerca do
novos sinalizam m e n o s un1a maneira desenvolvimento da bomba atômica
de organizar o filn1e, 1._11na noYa
histórico do que um.a nova forn1J. don11nante como urna voz da razão perdida. ou
con1 a realidade e uni novo conjunto de suprimida. durante um período
idcologi J. para cxp1icar nossa relação quase histérico. O próprio
qc:es:ões e dcsc.jos parti inquietar o público. Oppenheimer foi acusado de traição.
a respeito de cada un1 dos rnodcs.
/\gora poden:os discutir um. pouco n1ais

O modo poético
o poétíco cornp o r t i l h a um
C o m o vimos n o Capítulo 4, o d o cum entári
ista. O m o d o poético sacrÍfic as
!erreno comum cmn a vanguarda m o d e rn
e, e a idéia de localizaç ã o muito Zciot
·-· ..
cin Lir·/11
- :,·p,.el·. e-/
)( m,nr.:.,
- iver5s, ,;:rr1u (· l 9 3 0 h' d e Lasz 1o l\Iohoh·-
convenções da montagen1 em co nti n u idad es e
. . . . , '- ·
a dela, para explorar associaç õ :\aov c-., p o r exemll]
, o , ap1esenta v a n o s anoulos v · J e uin·, < d.,. . . - cscu1tur,c1s
1.: :::-uas . ,
específica no tempo e n o espaço derivad O s atores ,.·me'tl.cas, para enfatizar
- .
justaposições esp a c i a i s . . as" Vond-=i -0 es d e l uz que passan1 pelo _ filme. en1 vez de
padrões que enYolvem ritmos temp o ra is e
< < \

vigoro s a d o s p e r s o n a g e n s com i oc 1n1en:ar a forn1a concreta da escultura em si. O efeito desst: i,ouo de .luz
sociais raramente assun1em a f o r m a ::;ob1 e e::,pectador assun1e mJis in1portJncia do q u e o obj"to:
definida d o mundo. As p e s s o a s . ·"'º se 1e.e1c
J qtJ... . f. .
complexidade psic o l ó g ica e uma v i s ã o
_e:,

igualdade de condições c o m outros no m u n d o hist'o 11Co -·-- . . -\ na 1ogamcntt:-, Pnnflc .· 231 (·- 1944) , de )e". , 11 ,\ l 1't 1., ., , en 1
funcionam, mais cuacteristicamente, en1 · ·e

selecionam e org a n i z a m em ,13 ,·r


1 ' e, 1IL, 1a h omenagen1 a La rc)l[C , d e Ab e] GiJnt.c:, ,._, e.., en1 parte, unia evocacJo
objetos, con10 a matéria-prima que o s cineastas .
Não ficamos conhecendo nenhum poétic-1 d o f·º dc1. e e.:l a velocidade de un1a locor1:otiYa a vaoor- 8 medi d·•"' ( 'i1•t..
associações e padrões escolhidos por eles.
l ' , , ,1.,
' .- '---!<,

Iven s , por exemp l o , n1as real m ente S1-<lli ua,1 mente ganha velocid J die e" ti 1spa1 · .a l.umn_ a seu destmo i ignorado LA,
dos atores sociais de Ch u v a ( 1929), d e Joris ·
de uma chuva de verão q u e p a s s a 111.onta 0º en1 1ea,ça
. ] ntn10 . e form,1 mais do qw',. du,_1c 11h a os n1ec.r n 1sn1o ·s d e u P· rd
aprecian1os a impressão lírica que Ivens cria 1 _ •
io1..oi1iotn'a . .
propn<.1n1ente ditos.
sobre Amsterdá.
e m possibi1itar formas , : dimens_clo docurnent,.1! do n1odo p_n tico de representJclo orioin,-1-
v .
O n1odo p o é t i c o é particuiarn1ente hábil ,
inforn1açõcs direta1nente, dar se, en1 ooa med i da ' d o _vcrrau t, l -i l q u e os t-11 mes n1odernistas se b:.iseidm no
alternativ a s de conhecimento p::ua transferir
de \'ÍSL.1 específico ou apresentar , . corno tont,é> .\lot1n'- fl...
·1·l ll 1.l d o h.1stonco l 1,1es e :l-e \.,rnguarda, cornn f:on;po.,itiQ1;
prosseguimento a uni argumento o u ponto
• -. • • ·;:;, , ,

solução. Esse modo enfatiza mais ":-1· f,f C/ll ( 19 Y);,


. -, uc O s k a r F1sc 1
" 1·1i·1r, , - l Lt·1·· • ixrurocs <.k t n r n u L' c n r
proposições sobre problen1as que necessitam
.J l ;:;,t:l, I li'.,l 1. - JDStrJt()S
,
_ .
demonstrações de conhecimento ou t-1guras arnmadas• e tem 1 i n Hº 1. t..,1 ZH,___,a o m1mrna con1 a trJd:\iln docu;nt'ntai
o estado de ànimo, o ton1 e o afeto d o que as
, .
· .
continua pouco desen\·olvido. Í"' ... __ .
lc_ltk1esentar r m u n d o histór;- , L O e• nao - 11111 mundo da imJf!n,1çJo d o ;.irtist,1.
ou ações persuas1vas. O elemento re tó rico
,

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Os docun1er1tários poético s, no entanto , retiram d o mundo históric o sua
matéria -prima , m a s transfo rn1am- na de maneir as diferen tes. N.Y., N.Y
(1957), de Francis Thomp son, p o r exe1nplo, usa planos da cidade de NoYa
York q u e mostram como ela e r a en1 meados d a década de 1950, mas dá
priorid ade à maneir a pela q u a l esses planos poden1 ser selecio nados e
arranja dos para produz ir uma in1pres são poética da cidade como urna massa
con1 volume , cor e movim ento. O filme de Thomp son continua a tradiç ã o da
sinfoni a da metróp ole e reafinn a o potenci al poético do docmne ntário p a r a
ver o mundo históric o de novas formas .
O modo poético começo u alinhad o com o n1odernisn10, con10 uma
forma de represe ntar a realidad e e m uma série de fragmen tos, impress ões
subjetiv as, atos incoere ntes e associa ções vagas. Essas caracter ísticas fora1n
muitas vezes at r ib uídas às t r ansfo rn1ações da industr ializaçJ o, e1n geral, e aos
efeitos da Primei ra Guerra M u n d i a l , em particu lar. O aconte ciment o
modern ista já não parecia fazer sentido em termos realistas e narrativ os
tradicio nais. A divisão do tempo e do espaço e m múltiplas perspec tivas, a
n e g a ç ã o de c o e r ê n c i a a p e r s o n a l i d a d e s s u j e i t a s a m a n i f e s t a ç õ e s do
inconsc iente e a recusa de soluçõe s para problem as insuper áveis cercava m-se Chuva (Joris lvens. 1929). Fotografia genlilrnente cedida pela European Foundation Joris !vens
de urna sensaçã o d e sincerid ade, n1esmo q u a n d o criavam o b r a s de arte Imagens :orno esta iransmiten:i não informações ou um argumento. mas um sentimento ou 1ma impressão
?ºque seJa m temporal: E_ssa e uma perspectiva distinta edislintamente poética do mundo histórico. Perseowr
1

confus as ou ambígu as em seus efeitos. Embor a alguns filmes explore m ial perspect1_va era o 0bJet1vo comum a muitos que a postenon se identificaram mais especificamente co-mo
concep ções mais clássica s do poético como fonte de ordem, integrid ade e documentaristas ou cineastas expenmenta1s
unidad e, essa ênfase na fragme ntação e na ambigü idade continu a sendo un1
traço importa nte en1 muitos docume ntários poético s. Em contrap osição, obras con10 Song ( f Ccy/011 ( 1934), de Basil \Vright
Um cao andalu z (Luis Buiíue l e Salvado r Dali, 1928) e A idade de ouro - s o b r e a beleza intocad a do C e i l ã o (atual Sri Lanka) apesar da inYa;ào
(Luis Buiíuel , l 9 3 0 ) , por e x e m p l o , dão a i m p r e s s ã o de u m a realida de c01nerc ial e do colonia lismo-, Glnss ( 1958), de Bert Ha a nstra - u1n t r ibuto à
docum ental, mas povoam essa realida de com persona gens surpree ndidos en1 habilid ade dos soprado res de \·idro tradicionais e à beleza de seu trabalh o- ou
desejos incontr oláveis, com 1nudan ças abrupta s de tempo e espaço e com A.!1vays for pfc{is11rc (1978), de Les Blank - uma exaltac ão das festivid ades da
m a i s enigma s q u e respost as. Cineas tas c o m o Kennet h A n g e r deran1 terç_a-feira gorda (J\.1ardi Grns) cn1 New Orleans -- Yol;am-se para uma idéia
continu idade a aspecto s do n1odo poético en1 filn1es como Scorpío rising n1a1s clássica de unidad e e b e l e z a e descobr e1n traços delas no mundo
(1963 ), mna represe ntação dos atos rituais dos membr os de un1a gangue de históric o. O modo poético tem n1uitas facetas, e todas enfotizan1 as maneiras
motoci clistas, con10 fez Chris ?v1arker em Sans solei! (1982), u m a reflexJo p e l a s quais a Y0Z d o cineasta d á a fragme ntos d o n1undo históric o urna
c o m p l e x a sob r e cinema , men1ó ria e pós-col onialis mo. (A é p o c a de seu integrid ade formal e estética peculia r ao filme.
lançam ento, obras como a de A n g e r parecian1 finnem ente enraiza das na As not.l\·eis refornn ilaçfKS d e Péter Forgács de filmes an1adores en1
tradiçã o do cinema experim entat contudo , retrosp ectivam ente, podemo s ver docun1 entos históric os enfatizan1 qualida des poética s e associativas em vez de
c o m o elas combin am elemen tos experim entais e docume ntais. A maneir a Yeicula r informa ções ou conven cer-nos de um deterrn inado ponto de vi t;:..
pela qual as classifica1nos depend e n1uito das suposiç ões que adotam os sobre Az i5n·ény (1998), p o r exemplo, narra o destino d e judeus europeu s nos anos
categor ias e gêneros .) 30 e 40, por m io d o s filmes caseiro s de um hon1en1 de negócios de suct.>sso,
G y o r g y Peto; Exodo do Danúbio ( 1999) segue a s viagens de un1 navio de

140 Papirus Edi.tora


• Introdu ção ao docume ntário 141
cruzeiro pelo Danúbio, enquanto ele trJnsporta da Hungria para o I\-Iar
Negro judeus en1 fuga para 3 Palestina e, na volta, leva para a Alemanha
:1.lemães da Bessarábia (a parte norte da Romênia d a época), à m e d i d a que são
expulsos pelos russos, para serem realocados na Polônia. A s tomadas
históricas, os fotogramas congelados, a câmera lenta, as imagens colorizadas,
o s momentos selecionados e m cores, as legendas ocasionais para identificar
ten1po e lugar, as vozes que recitan1 passagens d e diários e a música obsedante
constroem rnn t o m e um estado de espírito m a i s do que explicam a guerra ou
descrevem seu curso de ação.

O modo expositivo

Este 1nodo agrupa fragn1cntos do m u n d o histórico nun1a estrutura


ma1s retórica o u argumentati va do que e s t é t i c a ou p o é t i c a . O modo
expositivo dirige-se ao espectador diretan1ente, com legendas o u vozes que
propõem un1a perspectiva, expõem um argt1n1ento ou recontan1 a história.
Os filmes desse modo adotan1 o comentJrio c o m voz de D e u s (o orador é
ouvido, mas j a m a i s visto), con10 vemos na série Por que lutamos, e1n Victory at Yose,--r:ite· The fale o l heavon / 'o" E;sº 1 - ,
Atensão en1re acesso,,Pk11co " . - 9_88)_. rrografra gentilmente cedida por Jon E!se.
·,,/" .ue conservacao
sea (1952-1953 ), The city (1939), Le sang dcs bêtes (1949) e D c a d birds (1963), e o roe'
· "'' d<>sc:
- ~o "rme
H,' · o comeniarro, · · de Robert. Pedford cai 'la
categoria de discurse com· voz do- Dou•- " "'· ,5,• to que nunca vor.os
~ ' . _Mr· Red'ioro.· porque. .na. .r.·.u:to. /.':r. Redíord
o u uti1iun1 o comentário con1 voz da autoridade (o o r a d o r é ouvido e apOi. -a as cuestões
, . arnbientaic:
• · -- 0 c,,8 _,
." ,-2
,d de·io- urn narraoor n,a1s· '•nformado ao· O-.o um anor,-;rr-:o_ ele t2,,-,h~-6,""'1·
também visto), como nos noticiários televisivos, en1 America 's n1ost wanted, O acaba c:..1:rprIndo ·, "'º n.dade.
a funca· 0 de ,0_L a·--utc
,

Pentágono à venda (1971), 16 in V\lebster Graves (1966), e1n T h e shock ofthe


new (1980), de Robert Hughes, en1 Civilization, de Kenneth Clark, e em \Vays
uma sen.c:JçJo n1ais firme d e enov 1iamentn
o f seeing ( 197 4 ), d e John Berger. " s c1_.it< o , . provou ter
. - Yiscenl
• , - Hen11ngwav, , aue 11;:i\· 1. ;:,
; 11cntano, uma \"07 n1.;iis eficiente. Eie .._tro 1xr' um tom,
A tradição da voz de Deus fomentou a cultura do con1entário com voz 'ª._
o e-1110: l\ l ) , n1as claramente comnron1et; do
_ t - • , 1-, ·1·11·"" uni r·1 1 n1e que q u c p a
masculina profissionalm ente treinada, cheia e suave em t o m e timbre, que ·!- ,. :_ , .
- !ll l l\,\ 1.ll n1a 1s ª1-1 0 10 do que compziixé'1o. {/\lguma.c; có i1-1 iil S ainda cre,-1;" ,.•.;,,11''
e.: •

n1ostrou ser a marca de autenticidade do n1odo expositivo, en1bora alguns dos \ oz- a' ,-t._, es· , t.n11ora -, t
ouçan1os a de Hcmingway.)
filmes mJis irnpressiona ntes tenham e s c o l h i d o vozes n1enos educadas,
precisamente e m nome da credibilidade que obtinham evitando tanto treino. _ _ O docun1ent:ír ios expositivos di?pendem
muito d e ll'11., ,. '1_'1o":_....
·_;::, ! '-'1·
1ntorm<.1tn·;1 transmitida verbaln1ente-. •1n1,1
O grande fi1n1e d e Joris lve:ns que pedia apoio para os àefensores republicanos :\' .. ' inv"'i·,.-,0t _, _
.
, _ ct'-
«, • e.
en1ase tr;:1cic101Ll 1
-· n ,,
d e) c1"e"1J, .a:.-,_ :in1agcns _
da democracia espanhola, A terra espanhola ( 1937), por exernplo, existe em desen1penha m p·111e\ 'i- ".:;e'- L·ndúi
1 , o-. EI a . 1·1 u s t r a n 1 '
e·cf-, -,-,, _ _
p d o menos três versões. Nenhuma tem narrador profissional. Tod::1s as três
:, . « J s . L t l l l , t'\(_ican1 ou contr- p õ
·-'1 · e.,.(,
- r 1 , que.. -, e: e1·Jto. O · (Ollk'ntúrio
e'. ,.---1· -, ,"' .,1'-
, . ·11' 1,,'''-"
J nr r e s. 't:n t ·, l Jl n con10 c,1strnto i- · d a s in1·t1•Cps
tên1 trilhas d e iinagens idênticas, mas a versão francesa usa o cornentário ';::, '· d o ll''llld · - , ':
<
· o 111stonco que:- 0
•1co·
< 111pan, . hJ l l l . 1-_-.. 1e sern_' Dr J r a o r o " ! I1.7.d, ., . . aten<.,no
i - ,. .J,Ossa .- e - - •
irn.prnv1sado do fan1oso diretor de cinema francês Jean Renoir, a o passo que as _ v' entat1zc.1 alf.:,uns dns
. _ ·
.
l1,t 1t o 1_s.1,d_1·1os_ .,: rntcrprct,:içôcs de urn fotogrmn:i. Portanto,
versões i n g k s a s usam Orson \Ve11es e Ernest Hemingway. Ivens escolheu nr::-t:n,(.:-:-.:c
q u t o comcnrano scia . de orden1 ,sup"' .
. -' 1.:r ( ) i. a: (_1·as llllaQ:cns
\Velles prln1eiro, mas seu 111odo de folar n1ostrou-sc elegante demais; ele , '
- que
• o ?' C O P' tl 'P' •1 1r l·1,' l ,,' " ,_
c"1· e p r m' · ,t : l l l ei e um .ug:ir J i· g n o r a d o mc1-; -1, , 0 -1·1 d. 0 a· (),._J)e-tl\"JOJOt.
1 ·
conferia con1paixão humJ.nística aos acontecimen tos em q u e Ivens esperava '- <.., ' ' · '- · , \.. ,
· - , ,
OU

142 Papirus Editora


Introdução ao documentário 143
O triunfo _da vontade (leni RiefenstahL 193.5,
onisciência. Na verdade, o con1entário representa a p e r s p e c t iv a o u o Adis_tánc,a físic_a e a distinçáo hierárquica etre líder e
argumento do filme. Seguin10s o conselho do comentário e vernos as i m a g e n s segurdores_ mais uma vez. aparece claramente nesta
como con1provação ou demonstração d o que é d i t o . A descriç J. o d o s cena do desílie de Hitler pelas ruas de Nuremberg
noticiários t e lev isivos sobre a fome na Etiópia corno "bíblica", p o r exernp l o ,
parecia con1provada p e l o s pl a n os ger a is d e grandes n1assas de p e s s o a s
famintJs agrupadas num c a m p o ab e rto.
"No m o d o expositivo, a n1ontag e n1 serve me n os para estabelecer u m
ritmo o u padrão formal, con10 no modo poético, d o q u e p a r a m a n t e r a A /eíra espanhola (Joris !vens. 19371
continuidade do argumento o u perspectiva verbal. Podemos denominar isso Oapoio de lvens à causa republica;a contra a rebe!ião
de m o n t a g e m de evidência. Esse tipo d e n10ntag e n1 pode sacrifica r a do ?eneral Franco. patrocinada peios nazistas. era
co ntin u id ad e espacial o u t e n1p oral para incorporar i m a g e n s de l u g a r e s envad de seu compromisso político com os ideais
?err.ocrat1cos e socialistas. Sua desacentuacâo da
remotos se elas ajudarem a exp o r o ar gmn ento . O cin e asta exp o s i t i v o n1uitas rnerarquia n ste plano de urn oficial e um sldado
·wzes ten1 n12.is liberdade n a s e1e çao e n o arranjo d a s iinag e n s do q u e o cont,asta n1t1damente com Oestilo de filmar de
Riefens!ahl
cineasta d a ficção. Por e xe m plo, em The p l o w tlrnt broke tlic p l a i n s ( J 936),
foram feitos planos de pradarias áridas em todo o meio-oeste, p a r a sustentar a
afirm;:içao de que o dano à terra estava disseminado. Otriunfo da vontade
O n1 o do expositivo enfatiza a impressão de objetividade e argu n 1 e n t o .t. ccn'.inência dos soldados. acima. casa-se com essa
'orn202 de baixo da águia ge,-n1ânica e da suástica
bem cn1b:i sado. O comentário com voz-ovcr parece literalmente "ac i n1a" da c:z:sy;;. Como Hitler. a águia é um sfmbolo do ooder
disputci.; ele tem a capacidade de julgar ações no n1undo hlstórico scn1 se 21emao. Ela preside o desfüe das tropas em mrcha
env o ]v e :r nelas. O ton1 oficial do narrador profissional, como o estilo que p ssa embaixo. inflamando em seu movimento
uminouto a unidade naCional.
percn1ptório dos âncoras e repórteres d e noticiários, en1p e n h a - s e na
construção de uma sensação de credibilidade, usando características como
distôncia, neutralidade, indiferença e oni s c iência . Essas q u a l i d a d e s p o d e m ser
adaptadas a um ponto d e vista iró n ic o , como o q u e encontran1os no A terra espanhola
comentário de Charl e s Kuralt para 16 in \Vebster Graves, ou ainda mais Contrastando c_oma pompa dos intermináveis desfiles e
d1scrsos de R1efenstahl. /vens capta a modéstia do
completan1ente subvertidas e n1 um filme como Terra s e m pão, com seu ataq u e
c_otld_1anorura! na Espanha d::is anos 30. Esta imagem
implícit o à própria idéia d e objetividade. oa cidade de Fuenleduena. situada perto da frente de
cmbate que se desloca. sugere corno as vidas comuns
O documentário expositivo facilita a g e neralizaçã o e a argumentaç ã o :ao
_postas em pengo. e não inflamadas_ pela rebelião
12sc:sta.
a bran gen te.As imagens sustent:.1m as afirmações bá s ica s de um arg u m e n t o
geral en1 vez de construir un1a idéia nítida das p a r t i c ularidade s d e um
detcnninado canto do m u n d o . Esse modo também prop i c i a uma economia
d e análise, já que as argun1 e ntações podem ser feitas, de maneira sucinta e _.
precisa, e m palavras. O documentário expositivo é o n1odo i d e a l p a r a reprcscntacão do mundo , J.á q ue es t,a, co1110-a rctonca, menos sujeito
· ,1 lóoic-1
-=- "·
, ,
transn1itir informações o u mobilizar apoio d e n t r o de uma e s t r u t u r a do que a crença.
preexistente a o filme. N e s s e caso, o filme aurnenta noss:i r e s e r v a de N a série Por q u e !11tn1uos, p o r exemn!o
, t' ' •i=-r,lnk C º p 'ª
. Lonsegu1u
--
Ll

conhecin1ento, mas não desafia ou subverte as categorias q u e orga n i z a m esse '"º · gran de 1-:arte d e seu em defesa dos n1otiYos por qL:c os
), an_1zar 1rgu 11ento
conhecimento. O bo1n senso constitui a base perfeita p a r a esse t i p o de _1men norte-amenc.1nos dev e riam mgressar de bom grado na lutJ, durante d

Introdução ao documentário 145


144 Papirus Editora •
r2.ra urna mistura do patriotis1no nativo;
Segunda Guerra J\1undlal, apelando
das Jtrocidades da 1náquina de
dos ide.:iis da dernocracia norte-Jn1cricana,
perversa de Hitler, "t\tusso1ini e Hirofto.
p,crra d o Eixo e da desun1anidade
forn1a "n1undo livre" contra "inundo
Entre duas J.lternativJ.s polarizadas n a
o mundo livre? O senso comum
escravizado' quem nJ.o escolheria defender
prcdon1inanternentc branco 1
simplificou a resposta - par a un1 público
no "conjunto" dos v;:i.lorcs norte-
compktan1ente in1pregnado da crença
amencanos.
parece cxtre1namcntc
Cerca de 50 a n o s depoi s , o apelo de Capra
da virtude patriótica e d o s ide;.1is
ingênuo e exagerado no seu tratarncnto
conjunto d e valores e p e r s p e c t i v a s
dernocrátlcos. O senso comum é un1
condicionado. Por essa razão,
menos permanente d o que h!storican1ente
c.xernplos clássicos de p e r s u a s ã o
alguns fihnes expositivos, que p a r e c e m
bastante datados e1r, o u t r c . O
oratória em um n1on1ento, parecerJ.o
sendo }01.1Yável, n1as o qu e se considera
argu,ncnto básico p o d e continuar
senso con1um pode 111.udar significativan1ente.
Victory at sea (Henry Solomon e Isaac Kieinerman . 1º52-·9-3- ,., i ::i i
.
w et brouillard V,ctory at sea volta ao a"- s a d «:>r::.n• a r a contar a ·nis1oria
,...,orno N··1 • •
da Segunda GLleíra
rede CBS na forma do-,◊-s nZd; esse o ·; 1~- ·,1e
Mundial. Feito para a i,,me aoota uma postura comemorativa. Re!embra
O modo observativo · · con•ratcmpo-
., - d,a oersoect'va · so b · o
batalhas e estratéoias "' e vi nas
. - . , . , ao .revivente e do veterano. Exalta
poder naval e sua contribuicão
, • dana'o pouca at enc a o a guerra em terra firme · ou as· conse_quenc1as
· • · c1v1s
· que
_
estao no centro de Nuit et brouillard. No entanto •ambo"- ors :• ' ba e 1a: r n -se na c m p la ção de tornadas
C o m freqüência, os modos poético e expo s itivo do documentário históricas contemporâneas dos acontecimentos os . uais _Li mes
Lo r n a n:i. F1lm;s e com_ i la çao invariaveimente

t
sacrificar a m o ato específico de filinar as pessoas, para construir p a d r õ e s alteram o significado das tomadas históricas incorporada ne.-s. ; : Aq_u1. os do,s ,.ct ,1lmes utn;zam-nas com ob1etivos
formais ou argun1entos persuasivos. O cineasta reunia a n1atéria-p r i m a que só são possiv<>is oa a aque:es ' aue •o'let em so re O sigrn:icado do passado em vez de re l atar os
· · '-'·
acoritecimentos da ép ca'.
necessária e, com elas, e m seguida, dava forma a un1a reflexão, urna p e r s p e t iv a
ou un1 argumento. E se o cineasta apenas observ a s se o que se p a s s a diante da
cân1cra sem u m a intervenção explícita? ?\ão s e r i a essa urna nova e '.:)ran: sacr fi_cadas ú observação espontànea cfa experiência vivida. O respeito
convincente forn1a de documentação? '; esse esp'.'110 d e observação, t 3 n t o na montagem pós-producão co,;w
Os avanços tecnológicos n o Canadá, na Europa e nos Estados Unidos, cu a1.1te a tilma?em, resultou em filn1es sem con1entário com \·07· ,1,·cr ' · , "' 'Cn, -l r·
nos a n o s que se seguiram à S e g u n d a Guerra 1V1undial, c u l i n i n a r a m , ' L' t 'L.i t O S s o n o r 0 s. con1p ]em1:'ntares, sem l e g e n d a s , scrn
i l l U S, i C 8-. O l '_
:. . ..
,tcons 1tu1çoes h1stoncas, , . sem situações repetidas para a cán;era' e '·'- ·1;/2 -'s"'m
-
aproximadamente c m 1960, em várias câmeras de 16 mm, cmno Arriílex e .
Auricon, e em gravadores de áudio, como o Nagra, que podian1 ser facilmente entrcnstas Oqu-:.'Ycnios,,; -·
- t: () <1. l .1 L, tstavc1 1,a, o u J.ssm1 n o s parece, en1 Primâr:a.:; 1 •

l -- ·-)' ··( 0· 1o \.'19fff·


' 1 90' ( l .,'_•·, em ) e i; em .c:5 WCí]lleífl•11r::: (l\lichel Brauit e Gilics
carregados por u111a só pessoa. O discurso já podia ser sincronizado com as
r
imagens; sem o u s o de equipan1ento volumoso o u dos cabos q u e uniam ,;, u x., . 9 8;. obre um grupo d e J1;:ibitantes de lvlontreal que se diverte cm
gravadores e cirncras. A cârnera e o gravador podian11nover-se livremente na .iogos. l1.1·no_; em partes e Crônica de 11111 vcràa, que faz um perfil
: ,,1 s -
cena e gravar o q u e acontecia enquanto acontecla. Jc1 \ i d a d e \ J . J 10:--; n 1 d 1 v 1 d u o.,., i n' P·,ps " , _ d"'\:; 19'0-
1.1.1. e rn T/ 1 c c/w z r ( l 9 6 2 ) , : , ; o b r e o s
-1 · . ..
u tm10s dias de uni hornei · 11 con(.cna -J. d o cl: morte; em G1mmc 5/;cftcr t.19',:"0).
Todas as formas de controle que um cineasta poético o u expositivo . : · · ..
,ob··ic: o abomlllJ\ cl �!1011' dos Rollmg.. Stones t'll1 ·-\lt-irnc11;t ' • , ,1-a e_-.a 1·ç·
11 0 1 .nia,
. cn1
poderia exercer n a encenação, n o arranjo ou na comp o s l ção d e uma cena

Introdução ao documentário 147


146 -.:Papirus Editora

i.........
dos Hell's Ang e l s é p a Ar i a l m e n t e d e atrações" e não científico. O cineasta procura o con s cntin1c n to informado
que a inorte de u m homem nas mãos
back (1967)) s o b re a tu.rne 1ngl e s,a .de d o s pa_rticipantes e possibilita q u e esse consentimento informado seja
registrad a pela câmera; em Don't look
(1968), sobre um festival d e musica n t end ! ,º e.c o n cedid o?_1 té q u e ponto pode un1 cineJsta explicar as possíveis
B o b Dvlan em 1965; em Montercy pop
Hendrix, Jefferson Ai r pl a n e e outros; ou t..onsequenoas d e perm1t1r q u e o comportarncnto .seja observado por outros e
co n1 o'tis Redding, Janis Jop1in, }i1ni
se preparando p a r a un1 p a p e l numa representado parâ outros?
ein Jane (1962}, que apresent a Jane Fonda
peça d a Broadv,·ay. Fred \Viseman, por exc1nplo, pede conscniimento vcrbai auando
e zes, a obra dos neo-realistas fi.hna, supõ e que, quando filnrn em instituições públicas, tenha o,direito
As imagens resultantes Je1nbram, muit a s v _mas
momento em qu e ela é v_ivida. Os d e registrar o q u e acontece; ele nunca dá aos participantes qualquer controle
italianos. Olh:mos para dentro d a vida no
outros, ignorando o s o n easta s . s bre resultad o . ?,..1esmo assin1, n1uitos participantes de A escola acharam 0
a t o r e s sociais i n t e r a g e m uns c o m os
o s em ocupaç õ e s urg e n t e s f i l m JUSto e represent a t iv o , e m b ora a n1ai o ria dos c r í t i c o s O tenha
Freqüentemente, o s personagens são surpreendid
afastando a da p r e s e n ça dos considerado u m a acusação g r a v e contra a o roan izacã
. o rea,·,nent a1 ( a
ou n u m a crise p e ss o al, que exig e m sua atenção, _ _ .
b o
revelar traços d e c a ráter e d1sc1plma escolar e s. Uma ab o rd agen1 radicahnent e diferente ocorre cm Iivo
cineastas. Com o n a ficção, as cenas costuman1
o s co n clusõ es baseados n o laivs (1981 ), s o b re os direitos fundiários dos aborígines, en1 q u e os cineastas
individualidade. Fazemos inferências e tira1n
do qual ouvimos. O isolamento não filmam nada sem o consentime n to e a co]aboraçâo dos participantes.
comportamento q u e observamos o u a respeito pe l
o e sp ecta dor assuma um p a Tudo, do conteúdo às lentes, foi a b erto à discussão e ao entendimento.
do cin e asta na p o sição de observador pede que
que se diz e faz.
mais ativo na detenninação da i m p o rtâ ncia do Já que o cineasta obscrvativo adota u m 1nodo especial d e presença " n a
considerações éticas q u e cena", em qu e parece s er invisível e não-parti c ipante , também surgem as
O modo observativo p r o p õ e uma série d e
de s e us afazeres. É esse at o questões: quando o cineasta te1n a responsabilidade de intervir? E se ac ntec e r
incluem O ato de o b s e rvar os outros ocupando-se alguma cois a q u e prejudique o u fira um dos atores sociais? Deve u m operador
mes1n o ? Ele coloca o espectador
v o y eu rístico en1 si mesmo ou voyeur de si d e câmera filmar a im o laçã o de u m monge vietnamita que, sabendo que h á
do q u e o filme de ficç ã o ?
n u m a posição nec e ssariamente m e n o s confortável câmeras presentes para gravar o acontecimento, ateia fogo ao próprio corpo,
veja1nos e ouç a in o s tudo, ao
N a ficcão, as cenas são arquitetadas par a que para protestar contra a guerra? Deve o d m e r a se recusar, ou n ã o se recusar, a
a exp e r i ê n c i a de pe s s o a s
passo 9ue as cenas do documentár i o representam dissuadir o monge? Deve o cin e asta aceitar u1n a faca de present e de u m
posição de ficar olhando '\ e l o
reais qu e , por acaso, test e mu nh an10 s. Es s a participante, durante a filmagen1 de um julgamento de assassinato, e depois
el , s e o prazer d e olhar tiver
b u r a c o da fechadur a " pode s e r d e sconfortáv e ntregar esse prese n te à polícia quando descobre sangue n e l e ( como fizeram
aq u e l e q u e é visto e de
prioridad e sobre a oportunidad e de reconhecer
a 111aior qu a n d o a p e s s o a nào Joe B e rliner e Bruce Snofsky e m seu Paradise lost, de 1996 ) ' Este último
inter a gir com ele. Esse desconfort o pode ser a ind exemplo nos desloca na direção de uma f o r m a inesperada e in a dvertida de
p r ó p r i a em s e r o b s e r v a d a
é u m ; atriz q u e concordou p o r vontade participação, e não de obs e rv a ção, assim co m o tan1bém traz questões mais
dese1npenha n d o u m papel nu1na ficção.
a b r a ngentes s o b re a relação d o cineasta con1 seus temas.
um con1portamento
A imoressão de que o cineasta não está impondo
não admitida ou indir e ta . Os filn1es observativ o s mostram mna força especial ao dar uma idéia
a o s o utros t;mbén1 suscita a questão da intron1issão d a duração real dos acontecirnentos. Eles r o n1p e m com o ritmo dramático
nossa percepção a re sp i t o
As pessoas con1portam-se de n1aneira que matize d o s film e s de ficção convencionais e com a montagem, às vezes apressada, das
um cineasta que nJo diz o
dela s , para me lh o r ou para pior, a fin1 de satisfazer imagens que sustentam o s docun1entários expositivos o u p o éticos. Por
representar porq u e clJ.s
q u e quer? O cin e asta procura o ut ras pessoas p ra
a
pelas razões erradas? exemplo, quando Fred \Viseman observa a filn1agem de u m comercial de
possuem qualidades que poden1 fasci n ar os espectadores televisã o de 30 segundos dur a n te aproximadarnente 25 minutos, em J.\1odelo
q u e obser 'a, en1
Essa pergu nta geraln1ente \ ' C l T I à tona no fihT1e etnográfico, ( 1980), ele transmit e a sensação de haver observado tudo o que era digno de
a contextualizaç ã o
o u t r a s cult u ras , comportainent o s que pode1n, sem ser observad o n a filmagem.
fossem pa r t e de um "cine1na
adequada, parec e r exóticos o u bizarros, con10 se

Introdução ao documentário 149


148 Papirus Editora
en1 \Nedding camels Roy Cohn/Jack Smith iJill
o David 1:viacDougall,
De maneira anál o ga, quand p s o n a g e m , Lorang, e
Goàmíiov.'. 1994). Fotcrêíia
discussões entre seu principal gent11rcente cedida por -J.,:
e r
( 1980), filn1a as longas a g , e1e volta nos s a Godrr:ic•N
preço da noiva, filha de Lo r n
um de seus pares sobre o suscitada por causa d e l e Ofürne de Godrniiow. como P,u1tGs
do acordo final ou da nova questão narrativa Cocurneretários de shm',/S musicais
atenção
d a p r óp ria discussão:
a ling u a g e n 1 corp o r a l e o observa ur1:a acresentação p0b!ica·
para o sentido e a textura
e o s "vazi o s", qu e dão nesse case. eia f:!ma dois n:onóioooc: ., ~:
o e o tom das vozes, as pausas
c o ntato visual, a enton a çã de Ror, Va,,vter. Levando em
realidade concreta, vivida. ccnsiàeraçâo que esses eventos são
ao encontro a sensação de como en;er.didos como periormances. em
o fa s c íni o da e xper iên cia vivida
O pr6y:-i0 l'-ifocD0 .1g::1ll 11escreve
1

entre cop í õ e s ;:nrneiro !ugar. e!es penr:iterr, q'Je 0


é exp rim enta do rnais claramente con10 um;: J.ifr-rença c;:,-1east2 B'.,;'.s 2igu:T'as e::.
algo que e e uma acusações de que a presença da
c o 1n o for a n1 filmadas originaln1ente)
(as tomada s não montadas, u m a vitalidade câmera e.itera e que teria acCntecido
parecem t e r u m a densida d e e se e12-.:tão estivesse !á
seqüência e d ita da. Os copiões m e s n 1 0 q u a n d o se
filme n1ontad o . A p e r d a acontece
qu e faltan1 a o
acrescentam estrutura e perspectiva:
valores positivos percebidos nos
,\ sensação de perda parece identificar na hora da filmagem, mas não
copiões e pretendidos pelo cineasta ato de filmar, de alguma forma,
se o
realizados no filme pronto. "Ê como de
as próprias razões para fazer filmes. Os processos
contradissesse a redução do
envolvem tanto
montagem baseada nos copiões da maioria dos planos para
como o corte
comprimento total
dois processos, progressivamente,
comprimentos mais curtos. Esses As vezes, os cineastas parecem
centralizam signific.:1dos especiais. dos
preservar algumas das características
reconhecer isso, qu:.mdo tentam essas c<1racterísticas por
reintroduzem
copiôes em seus filmes ou quando p. 215)
outros meios. ("When less is less",
Tnmscultural Cinema, Un1 xemplo mJis con1plexo é o acontecimento encenado ,1ara s r
i;arte histórico. EntreYistas coletivas com a imprensa, por :,ernp·i ,
histórico.
atesta sua presenç a n o mundo lo :eg1stro
-i: 0 d 1 1: sei fíhnadas num estilo pur:1111cntc obserY<ltiYo, 111,1s esses e\·entoc; não
A presença da câ1nera "na c na"
e
eng j am ento con1 o
de compr o m et im ento ou .
e,JS_tmam não fosse a presença da c.irnera. Isso é o imúSO da premissa b'ásic:
a
Isso co nfir m a a sensaçao rre. Essa p e s e n ça
no momento e111 que ele oc o
r
imediato, o ínti 1n o , o pe s so al, sub_1ace1 te aos fi1 1,cs observativos, sc;;undo a qual O que vemos é O quç teria
sensaçã o de fidelidade ao
que acontec e e q u e p o d e n o s ser Jcontec1do se a camcra nào estives.sc ,11i parn obscrYar.
também confim1a a
e nto s, c o m o se eles
simp l e s m e n t e tivessem
transmitida pelos acontecim 1-,"' llllc... l· l. os
-'-''"· t'In , 1111 do - ,..,,.·
euioantesn-;
a qu e l a Essa inversJo assun,iu proporcôes · , e
foram construídos pa r a t e r exatamente , . " .
acontecido, quando, na Ycrdade, Ness caso, o _
1oz.u 1entarios o_bsêTYJt1,:os'': O íri1111fo dn 1 ontnrfc, d.e Leni Riefrnstahl.
é a "entrevista m a sca r a da".
e
aparência. Un1 e xempl o despretensioso no intuito de üe_i.,0 1 L'.e un1 co111:111to introdutório de iegendas qut' montan1 0 cenc'trio 1;ara
n1ais particip3tiva co m seus ternas,
e.;;
cineasta trabalha de maneira de 11"1odo 0 u,mJCI0 d o Partido Nacional-Socialista akrn,10 cm Nuremberg. cmr 1 , i
uma cena, e, en1 seguida, filn1a-a
estabcieccr o terna geral d e em muitos R1efrnstahl obsen·a os acontecimentos s e m nenhum o u t r o comcent:í io .
Íez isso c o n1 bastante eficiência
obserYaüvo. David ".\t1cDougal1 pr e s t a r atenç ã o ao a onteun1entos - predon1inanternente, desfiles - uc0rrern como se a c,ln1era
de Kenra lwre1n, ern que, sen1
filmes. ü r n exemplo é a cena 511:1 plesrn e nte gras·as,e de qualquer rn,rnei ra o que teria
antes de a filn1age m acontecido. P e r o is de
com as linhas gerais determinadas
câmera, n1as de acordo as medidas de dt.as h o t a s d e pro1eçao, o fdrnc pode d a r a impress{10 d e ter regi::.trado
uma tribo queniana discuten1
e

começar, dois membros d e ·d


· tl e11 an1ente
acontecin1entos histo·r•.·c,,c.., t-1c l e irre demais.
pelo g o v e r n o .
controle de natalidade adotadas
Introdução a o documentário 151

150 Papirus Editora


'
Roy Cohn'Jack Smith (Jill subjacente de estar presente a um acontecimento, n1as filmando con10 Sê
Godrnilow. 1994). Fotografia estivesse ausente, con10 se o cineasta fosse simplesn1ente uma "n1osquinha
aentilrnente
- cedida por Jill
Godmilow.
pousada na parede", convida ao debate sobre quanto do que vemos seria igu,11
Godmilow utiliza a montagem para se o. cán1era não estivesse lá, ou quanto seria diferente se a presença do cineo.sta
criar uma perspectiva distinta sobre a fosse n1ais facilmente reconhecida. O falo de que esse debate seja insolúvel,
atuacão de Ron va,vter nos papéis
de Jack Smith, cineasta underground
por sua própria natureza, continua a alimentar un1 certo mistério, ou
homossexual. e Roy Cohn, advogado inquietação, sobre o cinen1a observativo.
anticomunista de direita (e
homossexual enrustido). Intercalando
as duas atuações distintas. ela dá
· atencão crescente à maneira
O rnodo participativo
contr stante com que os dois
homens lidavam com sua
sexuaiidade durante os anos 50. As ciências sociais há muito cultivam o estudo de grupos sociais. A
antropologia, por exemplo, continua profunda1nente determinada pelo
trabalho de campo, e1n que o antropólogo viYe no rneio de um povo, por um
longo período, e, em seguida, escreve sobre o que aprendeu. Essa pesquisa
geraln1ente exige algun1a forma de observação participativa. O pesquisador
Yai para o campo, participa da vida de outras pessoas, habitua-se, corporal ou
visceral mente, à forma de viver em u m determinado contexto e, então, reflete
sobre essa experiência, usando os métodos e instrun1entos da antropologia ou
°
da sociologia. "Estar presente ' exige participação; «estar presente" permite
observação. Isso quer dizer que o pesquisador de carnpo não se pern1ite «virar
um nativo", e1n circunstâncias normais; ele mantém un1 distanciamento que o
diferencia daqueles a respeito de quem escreve. Na verdade, a antropologia
i-\inda assim, muito pouco teria acontecido COff!O aconteceu não fosse dependeu desse complexo ato de engajan1ento e separação entre duas culturas
a intenção expressa do Partido Nazista de fazer un1 filn1e de seu con1ício. para se definir.
Riefenstahl tinha muitos recursos a seu dispor, e os acontecimentos foram Os documentaristas tambén1 vão a campo; ta1nbén1 eles YiYen1 entre os
cuidadosamente planejados para facilitar a filmagem, incluindo a repetição de outros e falam de sua experiência ou representam o que experimentaram. No
trechos de alguns discursos em outra hora L lugar, quando as tornadas entanto, a prática da observação participativa não se tornou um p2.radign1a.
originJis se mostraYa111 inutiiizáveis. (,.\s partes repetidas são reconstituições, Os n1étodos e as práticas da pesquisa ern ciência social permaneceram
a ri m de se harmonizarem com os discursos originais, escondendo a subordinados à predominante prática retórica de con1over e persuadií o
colaboração que fez p<.ute da filmagen1.) público. O documentário observativo reduz a importância da persuasão, para
O tri u n fo da nn1tade demonstra o poder da in1agen1 na representação nos dar a sensação de como é estar en1 uma detern1inada situação, n1as sem a
do mundo his órico, no rnesmo momento em que participa da construção de noção do que é, p a r a o cineasta, -estar ]á também. O documentário
aspectos do próprio n1undo histórico. Essa participação, especialmente no participativo dá-nos u m a idéia do que ·é, para o cineasta, estar numa
contexto da Alemanha nazista, tem sobre si um;i aura de duplicidade. Isso era detern1inada situação e corno aquela situação conseqüentemente se J.ltcra. Os
a últin1a coisa que cineastas como Robert Drew, 1).,-\_ Pennebaker, Richard tipos e graus de alteração ajudam a definir vanações dentro do modo
Leacock e Fred \Visen1an queriam en1 suas obras. A integridade de sua postura participativo do docun1entário.
ohservativa evitou isso co1n êxito, na n1aioria das vezes, e ainda assin1 o ato
Introdução ao documentãrio 153
152 Papirus Editora

teste1nu ho, quando é doloroso para o outro prestá-lo? Que responsabilidade
tem o cmeasta pelas conseqüências emocionais de ser fil 111 a d o ? Que laços
u n e m cineasta e tema e que necessidades os separam?
A sensação d a presença en1 carne e osso, e111 vez da ausência, coloca o
cineasta "na cena' Supomos que o que aprenden1os vai depender da natureza
e d a qualidade d o encontro entre cineasta e ten1a, e não de generalizacôcs
sustentadas por imagens que í1un1inam uma dada perspectiva. Podemos \'.er e
ouvir o cineasta agir e reagir imediatan1ente, na mesma arena histórica cm
que estão aqueles q u e representan1 o ten1a do filme. Surgem as possibilidades
dc _servir de mentor, crítico, interrogador, colaborador ou provocador.
O docun1entário participativo pode enfatizar o encontro real, vivido,
entre cineasta e t e m a no espírito
- de O homem da câmera , de Dzioa b
Vertov,.
Crônica de um verão, de Jean R o u c h e Edgar fvJorin, Hard metais diseasc
( 1987), de Jon Alpert, Watsonville 0 1 1 strike ( 1989), de Jon Silwr, ou Shennan's
march ( 1985), de Ross McElwee. i\ presença do cineasta assun1e in1portância
acentuada, desde o ato físico de "captar a imagem", que tanto se nota em O
h o m e m da câmera, até o ato p o l í t i c o de u n i r forças con1 aqueles que
Takeover (David and Judith MacDougall. 1981). Fotografia gentilmente cedida por David MacDouga!I.
os MacDougalis desenvolveram um estilo colaborativo de filmar com as pesso s que aparecem em se s
representam seus ten1as, como fazem Jon Silver, no início de \i'/aisom·ille on
filmes etnográficos. Em uma série de fümes sobre questões aborígines. dos ua1s Take w!r e um exemp10 strike, quando pergunta aos lavradores se pode filn1ar no saguão do sindicato,
de primeira qualidade. eles muitas vezes serviram de testemunhas d s razoe_s ?e 1:ad1ç_ º- e crença que ou J o n Alpert, q u a n d o traduz para o espanhol o que os trabalhadores que ele
embasaram as demandas do povo aborigrne contra o governo. a resperto _dos d1re1tos ,und1ano de.outros
assuntos. A interacão é extremamente participativa embora o resu!tado possa paecer. a prmc1p10. discreto
acompanha ao i\1éxico tentam dizer a seus companheiros sobre os perigos da
ou observativo, já Que grande parte da colaboração ocorreu anies do ato de filmar. pneumoconiose.
Esse estilo d e filmar é o que Rouch e f\-1orin denominaram de cinéma
Quando assistin1os a docun1entZ!rios participativos, esperamos vérité, ao traduzir para o francês o título que Dziga Vertov deu a seus jornais
testen1unhar o mundo histórico da maneira pela qual ele é representado por cinematográficos d a sociedade soviética: kinopravda. Como "cinen1a Yerdadc",
alguén1 que nele s e engaja atiYa111ente, e não p o r alguém q u e observa a idéia enfatiza q u e essa é a Yerdade de um encontro em v e z da verdade
discretan1ente, reconfigura poetican1ente ou monta argumentativan1e nte esse absoluta ou não manipulada. Vemos como o cineasta e as pessoas que
mundo. O cineasta despe o manto d o comentário con1 voz-oFcr, JJasta-se da representam seu t e m a negocian1 u1n relacionan1ento, como interagem, CJuc
meditação poética, desce do lugar o n d e pousou a n1osquinha da parede e formas de poder e controle entra1n e m jogo e que níveis de revelação,_e rcla;Jo
torna-se um ator social (quase) como qualquer outro. (Quase con10 qualquer nascem dessa forma específica de encontro.
outro porque o cineasta guarda para si a câmera e, co111 ela, um certo nível de Se há uma verdade aí, é a verdade de uma forma de interação, que não
poder e controle potenciais sobre os acontecimentos.) existiria se não f o s s e pela cân1era. Assim, ela é o oposto d a premissa
Docurnent;.'lrios participativos con10 Crônicn de u111 1·er(70, Portrnit of o b s e r v a t i v a , s e g u n d o a qual o q u e vemos é o que tería1nos visto se
]i ?Son o u \Vord is 0 1 1 ! enYohem a 0tica e a política do encontro, un1 encontro estivésse1nos lá n o lugar da câmera. No docun1entário participati\·o, o que
entre alguém que controla umJ G:ln1era de filmar e alguén1 que nJ.n a controla. vemos é o que pode1nos Yer apenas quando a câmera, ou o cineJsta, está lá em
Con10 i que o cineasta e o ator social reagem um ao outro? Como negociam o nosso lugar. Jean-Luc Godard un1a vez declarou q u e o cinema é verdade 24
controle e dividen1 a responsabilidade? Quanto um cineasta pode insistir no vezes por segundo: o documentário participativo satisfaz essa assertiva.

Introdução ao d o c u m e n t á r i o 155
154 ·Papirus Editora
Crônicn de um verlío, por exen1plo, tem cena s resultantes das interações
d e colaboração entre cineastas e representantes de seus ternas, um eclético
grup o de pessoas que vivia cn1 Paris no ,;crão de 1960. En1 um dos casos,
:tv1arce11ine Lorid an, uma jov e n1 que, mais tard e , casou-se com o ci neasta
holan dês Joris lvens , fala de s u a experiência de judi a dep o r t a d a da Franç;:1 e
envia da a um can1po de conc entra ção alen1ão durante a Segu n d a Guerra
fv1und i aL A cân1era segue lv1arcel1ine, enquanto ela atravessa a Plac e de la
Conc orde e, dep o is, o antigo rnercado paris iense , Les Halle s. Ela faz uni
rnonólogo basta nte comovente de suas experiências, mas só porq u e Rouch e
fv1orin planej a ram a cena corn ela e deram a el a o gravador par a carrega r . Se
tivessem esperado que tudo ;1conte c esse por si m e smo, para entã o observar,
nada teria acont e cido. Eles perse guira m essa idéia de colaboraç ã o ainda alén1,
exibindo partes do filme para o s participantes e filmando a discussão q u e se
seguia. Rouch e fv1orin també1n aparecem no filme , discutindo s e u objetivo d e
estud ar "e s sa tribo estranha q u e vive e m Paris" e avaliando, no fim do fihne, o Crumb (Terry Zwigoff. 1994)
Terry Zw; off ad_ota uma relação extremamente particip
que aprenderam. ativa com o cariunista R. Crumb. Muitas das conversac:.
-mteraçoes ev:dentemente nà? teriam _aconte como aconteceram se Zwigoff não estivesse !á com ;
cido
.. amera. C!umb assume uma atitude mais reflexiva a
Analogament e , em N o t a !ove story ( 1981 ), Bonnie Klein , a cineasta, e respeito de si mesmo. e mais investigativa em relacàc
seuds 1ra0Cs. enquanto coiabora com Zwigoff, que tem o
Lind a Lee Tracy, uma ex-stripper, discutem suas reações a vária s formas de daa V! a oe rumb. desejo de examinar as comp!exidad"S e co trad,·co' es,
·
pornografia enqu anto entrevista1n participantes da indústria do sexo. E m
uma cena, Linda Lee posa para un1a fotografia de nu e discu t e como se senti u
c01n a experiência. As duas n1ulheres embarcam numa viage m p a r c i a l m e n t e
exploratória, n u m espírito sernelhante ao de Rouc h e 1'v1orin, e p a r c i a l m e n t e
confessional/redentora, num senti do completa1nente diferente. O ato de fazer
o filme desen1penha um pape l catártico, reden tor, em suas vidas ; o mun do
delas n1uda mais do que o daqu eles que aparecen1 no filme.
Em algun s casos, c01T10 em Le chagrin et la pitié ( l 970) , de lv1arcel
Ophuls, sobre a colaboração entre França e Alemanha na S e g u n d a Guer ra
Iv1undial, a voz do cineasta ernerge, principalmente, como uma pe r s pe c t iv a
sobr e o tema do filme. O cinea sta serve c o m o pesq uisad or ou rep ó r t e r
investigativo. E m outros caso s, a voz do cinea sta emerge do envolvin1 e nto
direto, pessoal, nos acontecin1entos, enqu anto eles ocorrem. Talvez isso se
man tenh a n a órbi ta do r e p ó rter inve stiga tivo, que f a z seu p r ó p r i o
envolvimento na história ser cru c ial para o desenrolar dos acontecimentos.
Um exemplo é a obra do cinea sta canadense 1v1ichael Rubbo. Em seu Sad song as ma res de_fa P!aza de Mayo (Susana Munõz e Lourdes Porti!lo. "1985).
1-otogra11a gentilmente cedida por Lourdes Portii!o.
o f yellmv skin ( 1970), ele expl ora as ramificações da guerra do Vietnã e ntre a
ssas duas ineastas otam u r.1:laçào extre:11arnente participativa com as mães que arrisCôvam a 'Jic.la em
popu lação civil d a quele país . Um outro exem plo é a obra de Nich olas aºs"'seatas _"ur nte a guerra ::,UJa__na Argen!ma. Os fi!hos e filhas dessas mulheres estavam entre os
Broomfie]d, que adota um estilo mais imprudente, mais conf ront ador - senã o C,.:aparecidos que o governo sequestrou e muitas vezes
· · matou_ sem qualquer avic:.o ' - m· -o n•o
- ou p'oced1 , •,o- ca'
· '·
Munoz p- Port'I1'. o nao
- pu deram molaar as m rnfestações públicas. mas conseç.uiram resgatar as história
_
di:!S maes. s pessda is
cuia coragem as levou a desa;1ar um regime brutalmente repress
ivo.
156 Papir-us Editor-a
• Introdução ao documentário 157

L_
E! diablo nunca duerme (Lourdes
Porti!io. 1995). Fotografias
gentilmente cedidas por Lourdes
Portillo.
A diretora Lourdes Portil!o no papel
de detetive calejada. O filme reconta
sua viagem ao México pam
investigar a morte suspeita de um
tío. Às vezes reflexiva e irônica.
Portil\o, todavia. deixa em aberto se
o tio foi vítima de um jogo sujo.
possivelmente pelas mãos de um
parente.

Ei diab/o nunca duerme


A cineasta. durante uma entrevista. em busca de p,stas e, idea!men
te_ da confissão que resolverá o mistério.
Embora r.unca obtenha uma confissão. a sensação de que
poderia obtê•!a empresta ao filme um ar de
s:.;spense narrativo. come num füme noir.

família, nos campos de confinamento de nipo-americ;1nos durante a Segun da


Guerra 0. Iundial, que cfa forma a Cocl/10 11n lun ( 1999:l. En1 Diário inconcluso
. 0ººIll
alf • ( J 998): a ir ritação con1 a maneira arredia
' " e _ em seu Kurt e Courtncl'
de Court ney Love, apesar das suspeitas não comprovadas da cump h.c 1.d , a d_e ( 1983 ), I'v1arilu l\'lallet propõ e urna estrut ura ainda mais explícita, na forn1 1 de
diário, ao fazer o retrato de sua \·ida de exilada chilena en1 \tontreal. casad a
dela na n1orte de Kurt Coba in, força Broom field a filn1ar sua p r o p n a
denúncia, aparenten 1 ente espontànea, da pa r ticipação de Courtney, num coff1 o cineasta canadense i\,1ichael Rubbo. As sim tarnbén1 faz Kazuo I-fara, em
sua crónica d a relaçâo con1plexa e emocionalmente \·olátil que revive con1 a
_jantar forn1a] patrocinado pela American Civil Liberties Union.
ex-mulher, enquanto ele e sua atual parce ira a seguen1 durante um certo
Eni outros casos , distan cian1 0-nos da postu ra inves tigati va p a r a tempo en1 ExtrelilCÍ} " personal Eros: Love .'ong ( 197-I). Esses filmes fazen1 do
assumir rnna relação rnais receptiva e reflexiva com os acontec i mento s q u e se cineasta u1na persona tão nítida quanto qudlqut r outra de seus filmes. Corno
desenrolarn e que envol vem o cinea sta. Esta últim a escolh n s leva em testemunho e confissão, n1uitas n,zes, c ste-s m<.rnifestam un1 poder n:.'Yt.'i..1dor.
<lirecão ao diário e ao testem unho pesso al. A voz na pnme1ra p e s s o a
pred nlina na estrutur a global do filn1e. É o engajan1ento pa r t i c i 1ativo do Nern todos os documentários participativos enf..'ltizam a experiência
cineasta no desenrolar dos aconteci1nentos que prende nossa atenç a o . ativa e Jbert a do cineasta ou a intera ·Jo de cinc<.1st.1 e p<.irticipantes do filn1e. O
cineasta pode querer apre s entar um;-1 perspectiva mais an1pla, freqüentcn1ente
o en,,oh·imento de Nicholas Necroponte con1 urna mulher q u e ele histórica e111 sua natureza. Como isso pode ser frito?,.\ resposta rnc1is cn111urn
conhece no Central Park, em "\oYa York, e que parec e ter uma histór ia inclui a entre-vista..--\ entrevista permite que o cineasta se dirija formalrnente às
comp lexa, 111;_;5 não totalm ente Yt::rossímil, torna-s fundament<.11 par . a pesso as q u e apzirecem no filme en1 vez de dirig ir-se ao públi-:-o por
estrutura geral de Jupiter's 1vifc (199.S_l. Analogamente, e en1y;enho de Er:11 0 cornenLirio c o m Yoz-over. No docun 1entá rio parti c ip ativo, a entre \·istJ
Omori na reconstituição da história reprin1ida da expenénc1a de sua p r o pn a rtpre-senta um;:is dJs íorrnas mais comu ns de encontro entre cine<.1sL1 e ten1a.

158 Papir os Editora Introdução a o documentário 159


As entrevistas são uma forma distinta de encontro sociaL Elas diferem
da conversa corriqueira e do processo mais coercitivo de interrogação, à custa
do quadro institucional em que ocorram e dos protocolos ou diretrizes
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específicos que as estruturem.As entrevistas ocorrem nun1 campo de trabalho
antropológico ou sociológico; toman1 o nome de "anamnese" na medicina e
no serviço social; na psicanálise, tomam a fon11a de sessão terapêutica; em
direito, a entrevista torna-se o processo prévio de "colher meios de prova" e,
durante julgamentos, o testemunho; na teleYisão, forma a espinha dorsal dos
programas de entrevista; no jornalismo, assun1e tanto a forma de entrevista
como de coletiva para imprensa; e na educação, aparece corno diálogo
socrático. i.\1ichel Foucault argumenta que todas essas formas incluen1 formas
regulamentadas de troca, com un1a distribuição desigual de poder entre cliente
e profissional da instituição, con1 raízes na tradição religiosa da confissão.
Os cineastas usam a entrevista para juntar relatos diferentes numa
única história. A voz do cineasta e1nerge da tecedura das vozes participantes e
do rnaterial que trazen1 para sustentar o que dizen1. Essa con1pilação de
entrevistas e material de apoio nos tem dado numerosos filmes, de Vietnií., ema
do porco (1969), sobre a guerra no Vietnã, a Eyes 011 the prize, sobre a história
do n1ovimento pelos direitos civis, e de The l f e and times ofRosie thc rivctcr,
sobre as mulheres no trabalho durante a Segunda Guerra Mundiai, a Sl10al1,
sobre as conseqüências do Holocausto para aqueles que passaran1 por ele.
Fihnes que compilam imagens de arquivo, como Padeniye dinastii
Romanovich, de Esther Shub, que se baseia totaln1ente em filmes de arquiYo
encontrad os por Shub e reeditados para contar uma história social,
ren1ontam aos primórdios do documentário expositivo. Os documentários
acrescentam o engajamento ativo do cineasta com os participantes de seus
filmes, ou com seus informantes, e evitam a exposição com Yoz-over anônima.
Isso situa o fihne mais honestam ente nun1 111on1ento dado e numa
perspectiv a distinta; enriquece o comentário com a textura de vozes
indi v idu a is . Al g uns, como Harla 11 County, U.S.A. ( 1977), de Barbara Kopple,
sobre a greve numa mina de cJrvão no Kentucky, ou Roger e eu (1989), de
C2 fifac desert (Jon Else. í 997). Fotografia ger,'.!imente cedida
?\.lichael ?vfoore, frisam os acon tecin1cntos do presente dos quais o cineJsta Cam!!ac desert é outrn exemolo
::ior .Jcn :=:so
;, ·, "0 xce1·on1
· e de,., 1'"me
:, que L,:íe
. , · - · - ,
as tD'T'aCé';S nistoricas e;:, trad<cão rio ,,e:.,.."'"'
participa embora acrescentem un1 pano de fundo histórico. Alguns, como Sa ri e a qurvo
.
linha da morte, de Errol :-.1orris, lVlien we ivere kings (1996), de Leon Gasts,
; : : , : -:- as om eritrevistas coniernporáneas. que acrescentam uma
'""' "c-c:rne_nLOS h:stoncos. sem recorrer 20 comentário com •\fOZ·over· Cadif;~c
ers c'i a :;i ::i"';
.'",'o uc:- n da aoua
- '·na,..._,.,, .
· e o seu impacto aevast2.dor nos ,,a!es do
'-•ct,;;:Jrrna
' ª dese<
n · ,._u1· a .h,,,s,or;a
reconst'i'- ;'-
sobre a luta travada por ?'víuhamn1ad Ali e George Foreman en1 1974, ou Leni interior daque!e estado
Riefenstahl, a deusa impe1feita ( 1993), de Ray 1'v1ueller, sobre a carreira :-\ experi0ncia di.:.- gnys e iésbic1s antfs de Stor,evv·..-,
controversa de Riefenstah], centram-se no passado e em como o recontam • . ' ' '1
"1' , n,11-
!' exemplo,
'-
--:-octeri<. er recontada como uma históri;1 social
geraL por n1eio do
aqueles que o viveram. l"lll"''ô/
'-"· \., .J-10
.d , ("' ·
(dll \OZ-0\"C/"" . .
''- lT'·-c,''1S
'- ' cL, 1 ,d ,.__,., ,,u• ;l --, ·· · ·
J""·" ,1t1'c--cl
a.'-'sen1 as -ia
, jas. Tan1birn

160 Papiros Editora


lntrodu ão a o documentá rio 161

!....._
aqueles tern.pos, por Em Reagrupamento (l 982), a declaração d e Trinh 1\li n h -h a , de que vai
, .i1JS. ',.,J,u\ 1ct, d a q ucks que viYcra:rn
"' 1,, .,..,,,s .
p o d e n.a ser r e c n n ,e~ -1da
" f a l a r próxima" d a Africa, em v e z de falar ''sobre a Africa", simboliza a
escolhe a :-;cgun d a opçao.
i ,,.,

ta::-,. , ' '.d'.__


:\,vo1 ou,\_, i r l 977).-,de Jon Ada ir,
n1eio de cntrcv1s J:,
. mudança que a reflexão produz: consideramos conzo representamos o mundo
. ter, testou
, dezenas d e possíveis
. - .
A d,a 1 r , 0:..011,0 C º ·i 1 11 ic · Fiei d em Ros1c t ic nvc
d para 'lpareccrno11bT,c.Ao histórico e tambén1 o que está s e n d o representado. Em lugar de ver o mundo
..,.- de escolher cerca e uma dúzi·· '
. .p a n t e:i , J.il . Lt::, 1
p a r t 1c -

o material de
. p o r intermédio d o s documentários, os documentários reflexivos pedem-nos
. . _, . d"',.; f-ic1d
. ·
e Emile de .-\nton10,,. . -\d·._ Jli decide manter . ,
co11L1ano : . -
c...om b ase para ver o documentário pelo que ele é: um construto ou representação. Jean-
, - '.' e l C C. ]a b o r a e sua história princ1pa1mente
ap o 10
.
nmn n.1; 1,
1 . , · 11 ,· o p ü S " l \ C I , -
Luc Godard e Jean-Pierre Go r in levam isso ao extremo en1 Letter to Jane
conseguem _ expressar
,. . com suas propnas
nas " ca b cç, as f11v1tcs"
' , < . daqueles q u e . .
· . . . - soe1a ( 1972), uma "carta" de 45 minutos, e m que exan1inan1 minuciosam e nte uma
-
cap i t u 1, o d a h 1stor1a . l no1, 1 1 1 · · Da rn.esma maneucl
·•e -a·1·er'car1a
p a l a v r a s esse · · ' .. •tas para serYir coino um tipo fotografia jornalística de Jane Fonda durante m n a visita ao Vietnã do Norte.
que as h1stonas . , . orais, q 1. '°' são 0orava d as e traj1scn N e n h u m aspecto dessa fotografia aparentemente objetiva fica sem s e r
i-...

. , . f
- o r m a se .i)are ce , n1as da
qual ta1nbéln difere
de fonte p n m a n a , co1n a Q' J 1al
" 'c . essa -
d maten·al à e entrevista, a clareza e a examinado.
na seleção e no arran,1;o c11dadosos ·O l, ,

dão aos filn1es testen1unhais uma Assim c o m o o modo o b se rv a tivo do d o c u m entá r io depende da
franqueza em o c io n al daqueles q u e f a 1an1
ausência aparente o u da não-intervenção do cineasta nos acontecimentos
característica convincente. .
. encontro direto com filmados, o documentário em geral depende do descaso do espectador por sua
u pi-óorio .
O s L. ;u,!· c' a.. ç�a s que buscam represcncar se - . : situação real, diante da tela do cinema, interpretando um filn1e, e m favor de
,
o. s cerra - e os c1neasla
· s q lle busca1n representar questoes soe1a1s .
o rnunco q u º e . .,
. um acesso imaginário aos acontecimentos mostrados na tela, c o m o se apenas
históricas com entrev .. :;SL s <.,: i,11acrens
., • 0. de arcuwo
abrang
, c .·1•1LLS - -
..,
Y0,sricctivas
'-- • r . ) , esses acontecimentos exigissem interpretação, e não o filme. O lema segundo
. r- • • tes d""
11nnorLa11 'v ,-i--.odo .,xtrt1c1natrvo. '---om _._1

constituem uo,::. .:r > 1..0in1 _ . n o nentes · 1·' •
e .e
.. ,
o qual um docun1entário só é bon1 quando seu conteúdo é convincente é o
. te-1110s a ScDSu.çao - , - d e aí u e testcrnu• nllanlosn:-.-.:C1formadect1a]ogo
. -' , ·""'-'- ,._
espectadores, c aliza do, a que o modo reflexivo do documentário questiona.
q u e en1a t'JZJ o e11aa:,a,11ento
b . " l o
entre cme<..ls, - -" 1 e p a r (ci'iante 1 r · e
, _
carreg«..,d-0 de ,.. ,., n o cão. Essas caractenstKas Uma das questões trazidas para o primeiro p l ano nos d o c u m e n tário s
-'- '"'. e .o encontro
1 ,
1nteraçao nev0 0 "--iad·i
. - _
.
d .o cinema documentário ter un1 apelo mmto . reflexivos é aquela c o m que comcça1nos este livro: o que fazer con1 as pessoas?
fazen1 o mo d' º P art·opo.tivo 1 • .
, .
JJ , q p _, e urna aran
v d e ,,ane
. . dade de assuntos d o s n1a1s pessoais Alguns filmes, c o m o Reagrupanzento, Daughter rite (1978), Homenagem a
an1p l o u e e r c o
corno
u...e n eia esse n1odo de1nonstra Bontoc (1995) ou Farfronz Poland ( 1984), tratam dessa questão di r etamente ,
aos n1ais históricos. Na verdade, cdom.f req históric
. • p r• o uz1r represe ; t a c,õ e s do n1undo o questionando os m e i o s usuais de representação: Reagrupamento rompe com
o s dois se entre"'l aç a m !nara -
quanto
continoentes as convenções realistas da etnografia para questionar o poder d o olhar fixo da
. . , d e persnect1vas e s p c o'f.icas, t a n t o u
-
proven1enlt:S
câmera de representar, ou descrever enganosamente, os outros; Daughter rite
cmnprometidas.
subverte o apoio n c s atores sociais ao usar duas atrizes profissionais para
representar os papéis d e duas irn1ãs q u e refleten1 sobre sua relação com a mãe,
usando idéias colhidas em entrevistas com un1a ga1na variada d e mulheres,
o modo reflexivo mas escondendo as vozes das entrevistadas; Honzenagem a Bontoc reconta a
, · de história familiar d o avô do cineasta levado das Filipinas para atuar numa
1stonco p r o v ê o ponto
., no n1odo P articipativo, o . mundo h.
SL, - . exposição sobre a v i d a filipina na St. Louis World Fair, em 1904, por mei o d e
ra· entre cineasta e part1opante do
encontro pa .-·a o s 1rocessos d e negociar o reconstituições encenadas e men1órias imaginadas que questlonan1 as regras
-
tilme, no :no. d O r eflexrvo .,
_ o s p,ocessos
F · . - ' sao _ de n e voociaçâo entre cmeasta e
O cineasta en1
costu1neiras de cornprovação; a dfretora de" Far fron1 Poland, Jill Godmilmv,
. . E,,1 vez de se(Tuir
espectador q u e se lorna1•11 o foco d.e atencao. a
o fala diretamente conosco para pondera r os problemas da representação <lo
·
seu relaconan1ento com ou .Lros atores soc1a1 v " acompanhamos
, ·. ·s , no' s acror--a
movünento Solidariedade na Polônia, quando s ó tinha acesso parcial aos
- ' , , d o nao . so, d·o n1-111do
,._ histórico
relaclonamento do cmeasta conosco, falan acontecimentos. E s s e s filmes t e n t a m aumentar nossa consciE'ncia dos
representaçao.
c01110 també-111 d o s problemas e questões da

Introdução ao docl!mentário 163


162 Papims Editora ,

L
Sobrenome Viet nome de batismo Nam (Trinh T_
Minh-ha. 1 989). Fotografias gentilmente cedidas por
Trinh T. Minf,-ha.
Estes três fotogramas sucessivos, cada um
consistindo num primeíríssimo plano que omite
partes do rosto da entrevistada. correspondem ao
s!oryboard desenhado pelo cineasta antes da
produçào. Eles violam as convenções das
entrevistas cinematográficas, chamando nossa
atençào tanto para a formalidade e o
convencionalismo das entrevistas como para os
sinais de que essa não é uma entrevista (normal).

Sobreno_me Viet nome de batismo Nam (Trinh T. Minh-ha. 1989).


Fotografia gentilmente cedida por Trinh T. Minh-ha_
A maquiag:m e? figurino s o uma
reocupaçào mais constante para os documentaristas do que poderíamos
supor. A_qui, a cineas_ta Tnnh T. M1nh-ha prepara a atriz Tran
Thi Bich Yen para uma cena em que esta
encenara u_ma entrevista na qual descreve sua vida no Vietnã. A
entrevista parece ser no Vietnà. mas. na
verda e. fo1_rod da na Califórnia_ Como Far from Poland. esse
filme explora a questão de como representar
s1tuaçoes nao diretamente acessíveis ao cineasta.

1nulheres que representam o papel de mulheres vietnamitas no Vietnã são, na


verdade, emigrantes que foran1 para os Estados Unidos e que recitam, num
problemas da representação do outro, assin1 como tentam nos convencer da cenário, relatos transcritos e editados por Trinh de entrevistas realizadas no
autenticidade o u da veracidade da própria representação. Vietnâ por outra pessoa con1 outras mulheres!
Os documentários reflexivos tambén1 tratam do realismo. Esse é un1 Analogan1ente, em O homem da câmera, Dziga Vertov den:ionstra
estilo que parece proporcionar rnn acesso descomplicado ao mundo; toma a como a impressão de realidade vem a ser construída, ;mnecando com un1a
forn1a de realismo físico, psicológico e en1ocional por meio de técnicas de cena do cân1era, lv1ikhail Kaufman, filrnando pessoas ;ndando nun1a
montagem d e evidência o u em continuidade, desenvolvimento d e carruagem puxada por GH"alos de dentro de uni carro que anda paralelamente
personagem e estrutura narrativa. Os docun1entários reflexivos desafian1 à carruagem. \7 e rtov, então, corta para unia sala de montagem, onde a
essas técnic:is e convenções. Sohre110111c Viet nome de batismo ],.Iam ( 1989), por n1ontadora, Elizavcta Svilcn·a, n1ulher de Ve-rtov, une as tiras do filme que
exen1plo, boseia-se em entreYistas com mulheres do Vietnã, que descreven1 as representam esse acontecin1ento naquela seqüência que, presumiw,In1entc,
condições opressivas que enfrentam desde o fin1 da guerra, n1as, no meio do acabamos de ver. O resultado global desconstrói a in1pressão de ;1cesso
filme, descobrin1os (como se ,.-árias sugestôcs estilísticas já não tivessem dado desimpedido à realidade e convida-nos a refletir sobre o processo pelo qual
todo o sen·iço) que as entreYistas foram encenadas, em Yários sentidos: as essa impressão é construída por meio da montagem.

L
164 Papirus Editora
Introdução ao documentário 165
Outr os filme s,com o David Holzman's diary (196 8), No lies (197 3) e
Daughter rite ( 1978), r e p resentam a si mesm os, em ú l t i m a análise, como
ficções di s farçadas. Eles se apóia m em atore s treinados p a r a desemp e n h a r os
papéis q u e , inicialmente, a c redit a mos serem a auto- repre senta ção de p e s s o a s
env o lv id as e m seu cotid iano. Nossa perc epçã o do e n g a n o - às v e ze s, em
alusões e indíc ios no deco rrer do filme o u no fim, quan do os créditos revel am
a natur eza fabri cada das perfonnances a q u e a s sistimos - leva- n o s a qu e s t i o n a r
a aute ntici dade do docu men tário e m geral : que " v e r d a d e " reve lam os
d o cum e n t ár io s sobre o eu? No q u e a auten ticid ade é difer e nte de u m a
performance e n cenada o u plane jada? Q u e convenções nos le v am a crer na
auten ticid ad e da performance docu ment al? E co mo p o d e essa crenç a ser
subv ertid a de m a neira prod utiv a ?
O m o d o reflexivo é o modo de representação m a i s co nscien te de si
mesm o e aque le que m a i s s e qu e sti o n a . O acesso reali sta ao m u n d o , a
capac idade de prop orcio nar indíci o s c o nv incentes, a possi bilid ade de p r o v a
inconte s táv el, o vínculo index ador e solen e entre imag em index a dora e o q u e
ela repre senta - todas essas idéias passan1 a ser suspe i ta s . O fato de q u e ess a s
idéias p o d e m forçar mna crenç a fetich ista inspira o d0Cl.1n1entário refle x i vo a
exam inar a natur e za de tal crenç a en1 v e z de atestar a valid ade daq u i l o e m q u e
s e crê. N a melh or das hipó teses , o d o c u m entário refle xivo estim ula no
espec tador u m a forma 1nais elevada d e consciência a respe ito de sua r e laç ã o
com o docu ment ário e a q u il o que ele repre senta . Vertov faz isso em O homem
da câmera, par a demo nstra r como cons truím os n o s s o conh ecim ento do
mund o ; Buflu el faz isso e m Terra sem pão, para satir izar as sup o s i ç õ e s qu e
acom panh am esse con h e cim ento; Trin h faz iss o e m Reag r u p a m e n t o , p a r a
ques tion a r as s u p o s i ç õ e s s u b j a c e n t e s a um d e t e r m i n a d o c o r p o de
conh ecim e ntos ou mod o de inves tigaç ão (etnog rafia) , coITIO faz Chri s Mark er
em Sans solei!, para quest i o n ar as supo siçõe s subja cente s ao ato de faz e r fi l mes
sobre a v i d a dos outros, n u m mund o divid ido por limit es raciais e p o l í t i c o s .
A l c a n ç a r uma f o r m a m a is e l e v a d a de con s c iê ncia envo lve urna
mud ança nos graus de perce pção . O docu ment ário refle xivo tenta reaju star as P/2do'1ng camels (David e Judith MacDou
ai! 1q3r,\ - ·o a ,
su pos i ç õ e s e expect a tiv a s de seu públ i co e não acres centa r conh e cim e nto "� �os turkana
i\Jessa tri!ogia de filmes sr•"'r"' . g;, d.o. no,
,- •.te-'v,.drm g . ,_ia ger,t,lrnente cedida por David ív'1acDoua.~aii
es!íatégias reflexivas para nos conscientizar
o Q uen1a ·· : 1.
r:;:i •1 •rv1,acDougan. adotam varias
.1v ·1d e .i'u d;'h
no vo a categ orias exist entes . Por essa razão , os docu n1en tário s p o d e m ser d,., "' , 1,;_-me : ;o a,1vo dos crneastas na elaboracão
a que ass:stimos. Às vezes. é uma oer;u ia -,;:, ;"\o\ pe10s .. ,neaslas qt.Je intcia a discussão.
das cenas
reflex ivos tant o da persp ectiv a formal quan t o política. íegendas escritas OU"' lembram do _ as vezes. são
,,O · - nos
· ' ., c'
o mo,le·-
,, xo ·'ªprocesso d"'- ·'ep '- - · r os memb
."'S"'nta ' •
íma que membros de wPa ruii•u·ra e:~ngi.o·,,o·na possam ros outra cu 1lura de
D e uma persp e ctiv a formal, a refl e x ão desvia noss a atenção p a r a n o ss as • •

época. no caso do filme etnográfico. Muitos


y ,
ror,,;.:ice
·;; · e ,,nd~ er- -c:c:es am ·� re1,,e1x1·1.ºe
� s eram ;aros na
desses f1l�e� . �-:-
supo siçõ e s e expec tativa s sobre a f o r m a do docu n1en tário em si. D e uma esqUimó: iesternunham ' mc<e: co ,,_ - .· q...,e,em dar c:. impressao passaaa por Nanook. 0
ro<e:u
ros-- u1•1aao .
. da ,nteraç _ os _e ·-- e mpo, ..:c:inemos conforme e!es ocorr�m ··natu:alrnente ... não come
y -

persp ec t iv a política, a refle xão apon ta para nossas supo siçõe s e exp e c t a t i v a s ao de cineasta e participante

166 Papirus Editora


• Introdução ao documentário
167
Corc-us: A home rnovie for Se/ena en1 seu impacto. En1 vez de provocar primor<lia]n1ente nossa consciência da
(Lourdes Portiiio. 1999). Fotografia fon11a, os documentários politicamente reflexivos provoc:11n nossa consciência
aentilmente
- cedida por Lourdes
Poriilio. da organização social e àos pressupostos que a sustentam. Portc1nto, tendem a
A diretora lou,des Portillo investiga induzir a um efeito "ah-ah'.': cm que con1prccndcn10s o funcionzm1ento de um
as repercussões do assassinato da _princípio ou estrutura, o que ajuda a explicar aquilo que, de outro n1odo, seriJ
famosa cantora iexanc-americana
Selena. Era e!a um exernpio positivo unia representação d e experiências n1ais localizadas. Passamos a olhar mais
para as jovens que aprenderam a atentan1ente. Os docun1entários politicamente reflexivos reconhecem a
canaiizar svas energias para se
maneira como as coisas s3.o, mas ta1nbém invoca1n a maneira con10 poderiam
tornarem umtoras de sucesso, ou
era. e:a mesma. uma jovem ser. Nossa consciência n1ais exacerbada abre uma brecha entre conhecin1ento e
estimulada por imagens desejo, entre o que é e o que poderia ser. Os documentários politicamente
estereotipadas da sexualidade
feminina? Porli!lo não responde a
reflexivos aponta1n p a r a nós, espectadores e atores sociais, e não para os filmes,
essas oerauntas. mas co!oca-as de con10 agentes gue p o d e m fechar essa brecha entre aquilo que existe e as novas
maneir c;tivante. Para atingir esse forn1as que desejan1os para isso que existe.
objetivo. fi!ma parciairnente em
vídeo. cria;--;do urn retrate familiar de
Seiena e seu iegado.
O modo perforrnático

Corno o modo poético, o modo performático suscita questões sobre o


que é o conhecimento. O que se p o d e considerar corno entendin1ento ou
c9_ n 1 p.re en sã o? Alé1n d e informações objetivas, o que entra e1n nossa
compreensão do m u n d o ? Estaria o conhecimento mais bem descrito como
algo abstrato e imaterial, baseado e1n generalizações e no que é típico, na
tradição da filosofia ocidental? Ou estaria ele mais ben1 descrito como algo
Th c H'onwn' (il,n ( 1971), Joyce {1t tlúrty-four r. 1972) e Gro1i·i11g 1T __.fc11'.{!fe concreto e material, baseado nas especificidades d a experiência pessoal, na
', l, ;1, :, ,-, e, 1·11 «., 11r1ioria
c,.....,o\1 :"eou·," " das· con\·encões
, do documentário rart1c1p-;1tr,:o, tradiçao da poesia, d a literatura e da retórica? O documentário performático
;11,1s t a m b é m procura\'arn produzir uma consciêncizi mais e l e v a d a da endossa esta última posição e tenta den1onstrar como o conhecimento
discrinlinação ; o f id a pelas rnulhcre-s no mundo ccrntempor,1ncc1• Opüen as
r
material propicia o acesso a uma compreensão dos processos mais gerais em
r:rçdon
' 1 ina ntes in 1 a g e ns (estereotipadas) da 111ulher a rep;·s::-sentaçoes funcionamento na sociedade.
·
ndicdrnente diferentes e aL1stJm as esperanças e ,)s d ....s,'.-,.}·os" e:c; 0
• ...,,,,.. - e
:• eirn"1•.'do,
O significado é claramente un1 fenômeno subjetivo,carregado de afetos.
S<.1ti:.Je- it os p;:]a propagancL1 e pe1os melodr,1n1as_ COIT! JS C\.}-")t'riE.'nc1<.1s e
Cn1 carro, um revólver, un1 hospital ou u m a pessoa terão significados diferentes
ch.'nlJ.ndas de mulheres q.ue re_jeitararn ess,:::s iôé1,1s em foyc;r e outras, d
para pessoas diferentes. Experiência e memória, envolvimento c1nocional,
(\(_-J;.,.,J,
j.-.- ''- < 1 1 e,i
• tª... d, i. (. c ''l " L ' l l k. ', . Esse:-
' filn1es o,uestion;:,n1 as idéi::s firn1er,1entc
guestões de valore crença, compromisso e princípio, tudo isso faz parte de nossa
',•"'·1b,....lecid~s
t.::>l, . . t. • <1, elo• fen1inino
_. • e t<.1111hén1 serYem r•ara ll()JTJear () que fica in\·isíYe]:
• • con1preensão dos a s p e c t o s do i n u n d o que 111ais s ã o e x p l o r a d o s pelo
n-.. ,· ,5,50 -1 des, . :Joriz;:icJo e a h1cr0.rquJJ qut' ,1o;ç podeni Y. , u1JJJ1Ju,1S e
, 1 · , · ,,- .1 ,~ J., -{p
J s, ·,C. v ,<, , C , _
docun1entário: a e s t r u t u r a institucional (governos e igrejas, fa1nílias e
scxisn10_ Experi[-ncias indi\·iduais combinam-se c1:1 pcrcepç<'ies co1:1 ins:
_

casan1cntos) e as práticas sociais específicas (an1or e guerra, con1petição e


emé'rge uma noY<.1 forn1a dt:: Yt:T. u m a pers "'ecti\·,1 distmtJ J3 ( rdern socia1. cooperação) que constituem uma sociedade (como discutimos no Capitulo 4).
A "alienacãn" em reb(i.o J s suposições predominantes p o d e ter um O docun1entário perfon11ático sublinha a complexidade de nosso conhe-
con1ponente forn,1al o u fílrnico, mas t:m1bém é extrernamentc social ou política cimento do mundo ;:io enfatizar suas dü11ensões subjetivas e afetivas.

Introdução ao documentário 169


168 Papirus Editora

Obras cOITlO Línguas dcsniadn s ( 1989), de ?vlarlon Riggs, O corpo belo Afayo (1985) e Rases in december (1982), incluem momento s performá ticos
1\ ] 9 9 1 'J , dn •'- N ' o j O T 1 t o c \' J º, , ;ª. ,S_ )· ' de l0.-hr1on
- . o z i Onwurah .. e H o 1 1 1 c 1 1 r ? {..! , C ! l l ( l Jn
q u e nos atraen1 para represen tações subjetivas no estilo de "como seria
< .l • •

·
F, 1, .1 .c·s C"f,·'.l·,Tzam a comnlexi dade emocional da cxperiéncia. d a perspcctn·a
.
,._ L l l > • 1 e, • '- !
_ se . . . " de acontecim entos passados traumáti cos (o "desapar ecimento " d o
do oróprio cineasta. L:rn ton1 autobiog ráfico con1pôe es es lrncs, q u t tcr:n.
,

filho de uma das mães que protestav am contra a repressão governam ental na
Se.1: ..., ,1 ·n, ,·, J , '-,- «-, '-
,·oni a forma d e dí3.rio do m o d o p a r t i c p a t l v o . Os 11Jmes
1 ;, L
. . , Argentin a, e o estupro de Jean Donovan e três outras mulheres por militares
·._. J. 0 1 , l<.1. • ' - . s d ã o ainda rnais ênfase 3.s caracter ísticas subJct1Y as da
ner'· , ,1 1 ; : , i,-o salvadore nhos, respectiv amente), mas o traço organizad or don1inan te desses
·e· n c ª; ,..,' "' d a menio' r,· a que se afastam do relato obietivo. lvíarion R"1ggs, 1
C X D e n ç (, ' - •
filn1es gira em torno de uma história linear q u e inclui esses acontecim entos.
". O ; · , . tº:X . ºL.l1 1 0 1 • 0 , _.,, 1 tiliza poemas recitados e cenas cnsaiadJs q u e tratam .. os r-1
~• O s documen tários performá ticos dirigem-se a nós de maneira emociona l e
randes ri cos pessoais envolvido s na identidade negra e hon1ossexua1;1 o hlme significat iva en1 vez de apontar para nós o m u n d o objetivo q u e temos en1
d e On,\·urah desenvol ve-se a t é uni encontro sexual ence:;1ad o entr.e s· a
, · ;;
comum.
propna mu:e e l 1•i 11 bonito• :ioYcm·' e Fuentes encena uma fantasia a respelto cta

1.1ª S_l... L O l l \:or1d Esses filmes nos envolvern menos com ordens ou imperativ os retóricos
. . . _
fuga de seu avô do cativeiro, q u a n d o erJ obJeto d e ex1b1çao T • ,
1 _'
-.ra1r,e D'1 ;1 904 • o -::, ,.., c 0 , ,.,,...;,-.,e,1tos reais são arnplifica dos pelos 1n1agmanos. , \
. i , .... , _ _ , , _ , . ,
d o que com un1a sensação relaciona da co1n sua nítida sensibilid ade. A
co:nbina ção livrt:' do real e d o in1aginado é u m J caractens tica comcrn do
• . sensibilid ade d o cineasta busca estimular a nossa. Envolven 10-nos em sua
doo-1mc ntjrio performá tico. represent ação d o mundo histórico , n1as fazemos isso de maneira indireta, por
interméd io da carga afetiva aplicada ao filme e que o cineasta procura tornar
o
que esses filmes con1pJ.r tilham é uni de ,:io, a ênfas . que nossa.
, . -ren•' a·,' 1·0
COCL1l.i a'·;u. .•, represent·•cào realista do n1undo h1sto:-:co para :ICença::,
L ... '

'foéticas, est:utura s narr;:itivJs n1enos convencionais e formas d e represcnt aça?


• -
Línguas desatadas , por exemplo, começa com um chamado fora de
f
,. - campo) que ricochete ia da esquerda para a direita, em estéreo: " D e irmão para
niJ.is subjetivas. Outras obr;1s n;:i n1esn1a 1mha sao: L oo k.·mgJCJ ' · ' ·1.n..ua..ç [ n. 1"u( i %, L8 L ·, , , ,
- irn1ão': "De irn1ão para irmão"; e termina corn urna decJaraçã o: "Homens
so b re ,a \·'d a d , 'Lan0sto11
1 o �- Huohes
' · 0 - ' ' e Fmntz Fanon: Pele negm,
- nzascam urnnca
( 1996), sobre a vida de Frantz Fanon, ambos d e Isaac Julicn; Blac
. .
negros que aman1 homens negros é o ato revolucio nário." O curso do filn1e
,mu:t. di:cr p o r u m a s é r i e d e d e c l a r a ç õ e s , reconsti tuições, recitaçõ es poéticas e
l w r ses (1992), vídeo de Larry ,-\ndre,vs sobre questões de ra.ça e ldent1dJ.Cle;
Forest ofb/js s, ( 1985), de Robert Gardner, sobre práticas funerária s e1:.1 Benares, pe1formances encenada s que atestam, todas, as complexi dades das relações
11 a índi.a; \Vlw kill c d Vincent Chin? ( 1988),de Chris Choy e Rcnee Tapma, sobre raciais e sexuais n a subcultur a ho1nossexual en1penha -se cm cstünular -nos a
0 assassinato d e un1 sino-ame ricano por dois 1netalúrgicos desen1pr egados, .u adotar uma postura de "irmãos,, de nós mesmos, pelo menos durante o filme.
supostam ente O ton1aram por japonês; Hi,stórin S01110s convidad os a experin1e ntar o que é ocupar a posição social subjetiva
' e 1ória ( 1_9; l :,. de Rea Ta_1-n,
soore o err1vcn . 'n o d· a e,· .,1east·1
· p-1ra aprenoer a h1sloria do co11 u1"'1nento de .>
L- " · , ' U3 à e u m homen1 negro homosse xual, como o próprio l\1arlon Riggs.
fan 1 ília em ·can1 p os de detenção durante, J. Scg 1 1 a Gu r.c.r,::\ .\1und1a ; e k7u_s:z Assim c o m o a estética feminista pode en1penhar-se p a r a deslocar o
( 1991 ), de Pratibha Parm2r, sobre o que e ser as1at1Co-bntc1,1,co e h ' : 1L oss xu .. público, independ entemen te d e seu sexo e de sua orientaçã o sexual, pâra J.
A característica referencial do donm1cn tário, q u e atesta sua d Janeia posição subjetiva do ponto d e vista de um personag em feminist a sobre o
.funçao
ab erta para o n1un d o, O'·,á j·w L-u··3 r a un1a , caractc-ríst;ca exprcssrva, que anrrna a
L • • • IT.tundo, o documen tário perforn1 ático busca deslocar seu público para L:111
perspectiva cxtren1arnen'.e situada, concreta e nitidame nte pessoal de su,1c1tos
• •

2.linhamento o u afinidade subjetiva com sua perspcctiYa específic a sobre o


específicos, incluindo o cmcJsta. mundo. Da m e s m a forma que obras anteriores, con10 Liste11 to Britnin ( 19-! l ),
Desde, pelo menos, Turksib ( 1929), Sol Svanctíi (1930) e , nun1 espí ito sobre a resistênc ia do povo britânic o ao.bornb ardeio a l e m ã o durante a
satírico, Tcrrn sem pi'io ( 1 9 3 2 ) , o documen tário tem n1ostrad o muitas Segunda Guerra Jv1undial, ou T ri pesni o Lenine ( 1934 ), sobre o luto do püY0
caracteris ticas performá ticas, n1as elas raran1en te serviran1 para orgamzar soviético pela n1orte de Lenin, os documen tários perforn1 áticos recentes
fil n l eS inteiros. Estavam presente s, mas n ã o eram don1jnan tes. Alguns tentam represen tar uma subjeti-vidade social q u e une o geral a o particular, o

L
· , · part1c1pat · d individua l ao coletivo e o político ao pessoal. A dimensJo expressiYa pode
ctocumen tanos · · o s anos, 80 , co1no Las madres de la Plaza de
· · no:::.

1 7 0 Papiros E d i t o r a
Introduçã o ao d o c u m e n t á r i o 171
tradicionais da etnografia ocidental, con10 as numerosas fitas grJ\"aJ,1s pelo
pü\"O caiapó da bJcia d o rio Amazonas e pelos aborígines da Austrália'). No
entanto, ele não contrapõe o erro ao fato, a informação errônea 3. inforrnação;
ele Jdota un1 n1odo de representação distinto, que sugere que conhccirnento;;;
compreensão exigem un1a forma intciran1cntc diferente de cnYolvirnento.
Con10 os prin1ciros documentjrios, antes que o n1odo obserYafr,:o
p r i o r i z a s s e a filmJgcn1 direta do e n c o n t r o soci 11, o docun1cnLl.rio
pcrforn1ático rnistura livren1ente as técnicas cxprcssi\·as que dao textura e
d e n s i d a d e à ficção ( p l a n o s de p o n t o de vista, n ú m e r o s m u s i c a i s ,
repre_sentações de e s t a d o s subjetÍ\ ºOS d a mente, retrocessos, fotograrnas
congelados etc.) com técnicas oratórias, para tratar das questões sociais que
nem a ciência nem a razão conseguen1 resolvem.
O documentário performático aproxima-se do domínio do cincrna
experin1ental, ou d e v a n g u a r d a , m a s , finaimentc, enfatiza n1cnos J
cJrJcterística independente do filme ou vídeo do que sua dimensão expressiva
relacionada. com representações que nos enviam de n)lta ao mundo hi,stórico
em busca d e seu significado essencial. Continuamos a reconhecer o 111undo
histórico cn1 pessoJ.s e iugares fami]i;1rcs (Langsto;--i Hughes, vist;1s cL· Detroit,
a ponte sobre a baía de San FíJ.ncisco, e assin1 por di;:mtc), no tt:stcrnunho de
outras pessoas (os participantes J c Línguas desatndos, que descrcven1 35
experiências de homens negros homossexuais; as confidências pessoais fora
i º
1
n qual jo:1e s se ag r uP. 85 de campo feitas por N gozi Onwurah sobre sua rchçJo con1 a mãe, çm O carpo
; ;: i b::�� i; g ( ; ' e l : : ! : : i ra distinta. homossexual. .negra. e ran,a_s1a r:os . ai,e
1

outras em ,,.anas categorias de m1m:ca belo) e a s cenas c o n s t r u í d a s em t o r n o dos m o d o s d e reprcscn t a ç a o
,::, . ,e r ,n tem umas com as
.: ·:·ct sa Paris is bummg
• · exolicar essa subcultura aos não-participantes. ergu1Gha-nvs
vr"=!a n i ?:a· qd ou• e:· · p. - e · oara · : nem
• cue · 1,5 m Weos 1er roves participativo e observativo (entre\·istas con1 váriJs pessoas em Khush e J'rn
. de uma ,1orma
performaiicamente na característica e na textura desse munao british hut . . . ; momentos observados na vida cotidiana e m Forestofb!i:::.s).
nem Oead birds conseguem
N o entanto, p e l o n1undo representado nos document.irios pcr-
,·necíficos , n1"·1S estern..1e-sic para ab;1rcar un1a
cstar <.rncoracl a en1 ·1 1 1Ju.1 \•·•\ lj u 0 -:-, t::-,, • ,
formáticos, espalhan1-sc tons e\·ocativos e nuanç:as expressivas, q u e
forma de reacão subidiYa social ou comp,1rtilh 1da. constante111ente nos lc111bran1 de que o nrnndo é mais do que a son-i.a das
'2, muitas vezes, J l'.os sub-
Em ol ras rcc nks, essa subjcti\·idade social e\'idências visíveis que deduzin10s dele. Un1 outro excn1p1o parcial do con1eço
ou das 0tn_1G1S: '-:�s
represei tados ou mal representados, da mul,h 1Ts .1 1 nori:s do modo performático, .l'·I11it et Úrouillard ( 1955), de Alain Resn;:lis, sobre o
('."{)1'5 e das lésbicas. O docun1cntJrio
perforn1atico pode ag i !_L n10 um o r r d l \ Holocausto, defende c o m vigor esse ponto. O comentário em voz-uvcr e as
des
_;; r;.1 os filn1es em que " n ó s
falamos sobre eles para n s ·. Em vez db o, imagens ilustrati\'as do filn1e conduzcrn-no para o m o d o expositin), n1as a
ot_1 "nós ta a111 0s S )b n ) >
' p a
proclamani "nós fobmns sobre nós ara \'Ocês" : característica obsessiva e pessoal do con1ent3rio l e v a - o na direção do
uma tenden1..1.'. 1t.:eq u 1
nós". O doc:un1cnt,\rio performático con1part1lh<.1
1
perforn1ático. O filme é n1enos sobre história que sobre n1cmória; n1enos
(a obra etnog ·ahc;;11 1ente
líbradora e corretiva con1 a auto-etnografia sobre história das classes don1inantcs - o que aconteceu, quando e por q u ê - e
que SJO o s te1nas
1n.orn1-1L
· ,· . :l·, 1 , r e,, r u r rnc.·mbros das c:on1uni<.fades
'"1,· z. ·,i c:h, n mJis sobre história das bases - o que un1a pessoa poderia expcrirncntar e
como poderia ser a passJ.gem por aquela e.xpcriênci L No tom evocativo e

• Introdução a o d o c u m e n t â r i o 173
172 Papil"US Editora •

-· -
Nuit el brouillard (Alain Resnais, 1955)
Grande parte das imagens apresentadas em Nuit et brouiflard loi filmada por oficiais dos campos de
concentraçào e descoberta depois da guerra pelos Aliados. Alain Resnais compiia essas imagens históricas
num chocante testemunho dos horrores da falta de humanidade, Esse filme proporciona muito mais do que
uma comprovação visual das atrocidades nazistas. Ele nos exorta a lembrar. e nunca esquecer, o que
aconteceu há muito 1empo nesses campos. Liga o passado ao presente e entrega à memória o fardo de
sustentar uma consciência moral.

elíptico do comentário de Jean Cayrol, sobrevi-vente de .Auschwitz, 1\.Tuit et


l1r o 11 ill a r d tenta repre senta r o irrep resen tável : a t o s absoluta111ente
inconcebíveis que se opõem a toda raz5.o e a toda orden1 narrativa. Os sinais
Yisíveis abundam - pertences e corpos, vftin1as e sobre viven tes-, mas a voz de
N11it ct br ouilla r d \·ai alón do que esses sinais confirn1an1: ela exige uma reaç ã o
emoc ional de nossa parte , que recon heça a total impo ssibil idade de
comp reend er desse acon tecim ento dentr o de qualq uer estru tura
preestabelecida de referê ncia (mesrno quando conse guim os cheg a r a um
juízo da n1onstruosidade hedionda c.k:c;se genocídio).
Nun1 espírito análogo, o cineasta húngaro Péter Forg;.ics descn.'Yeu seu
Az Crvér.v 1Péter Forqar-.:: º98\ ;: Ol•OgraHaS •· genHlme •· nte
objetin) de não polemizar, não explicar, nao <.ugumentar ou ,i ulgar, mas sin1 de
E , ·. ' ... _ . ce,j:oas oor Péter Foroàc
• _ , '. · - - . . . , · , J

~ c:
. · ,

Péter rorgacc: ,.0 bac:e,a-c:e ,niegralme nte ' e,'' -


_'"'ª98;) oe arquivo: nesse caso. tilrnes caseiros das décadas de


e\·ocar a idéia de con10 foram as experiências rassadas para Jqueles q u e as 19-:._
tO
., P 19 .,.. · ssas 1omaces rnstoncas reve=am 5
= •

_ a 1J1da corr10 e!a era vista e expcrirnc


YÍYcran1. Seus extraordinários docun1entários silo feitos com base en1 Yídeos -
Foraacs re;az ac: imc,:_cn - w . co rt an dO·<-CS l . ,. . . - · -r:tada nurr·' v"-ado
, ry,0,..,--.r
· · ··""••J.
..--.t,-,
.,,e;,,., .;
,_ vC, ,10,nar uma sen;:,ara o _rnmIru,nao sua veloC!cia· ·
de. acrescentando leoer.da
· · - s e música. a -:a.-,
''; - ·=-r 1 d- pe"<::ncr
'.. -...,·:':,,,a h,-•::Jric
,.;:,: . a com c,sa :orr.-1a oe envo!v1menio em0Cio a1. O res;;ilacio
0
e hac:tante
- '' •ooe"- -,,- ,ao.ca
r,., , rnen1_e_e:lerenie. no tom. dos documentários clássicos da Seaund
. o mooo expoSH!' O. como a serie Por que iufãmos. - a Guerra :\'h;nêiai

124 Papiru s Editora


• Introdução ao documentár-io 175

--·
caseiros reorganizados como representações perfonnáticas da agitação social Quadro 6.1
causada pela Segunda Guerra JVíundial: A z Orvény ( 1998) reconta a vida de um O s m o d o s do documentário
Principais características
ben1-succdido homen1 de negócios judeu na década de 1930, Gyorgy Feto,
- Deficiências
que acaba sendo pego pela decisão da Alemanha, no fin1 da guerra, de aplicar
a "solução final" aos judeus húngaros; Êxodo do Danúbio (1999) conta as Ficção hollywoodiana [anos 10]: narrativas ficcionais de mundos imaginários
migrações forçadas de judeus - que descem o Danúbio rumo à Palestina, - ausência de "realidade"
diante da resistência britânica à chegada de quaisquer outros refugiados- e de
alemães - que fogem da Romênia, rio acima, de volta para a Alemanha, Documentário poético [anos 20]: reúne fragmentos do mundo de
modo poético
quando o exército soviético os expulsa de seus domínios. O filme baseia-se, - falta de especificidade, abstrato demais
principalmente, em filmes caseiros feitos pelo capitão do navio de cruzeiro
que estava envolvido no transporte desses dois grupos pelo Danúbio. Documentário expositivo [anos 20]: trata diretamente de
questões do mundo histórico
Êxodo do Danúbio não tenta contar toda a história da Segunda Guerra
- excessivamente didático
I\-1undial. Ao enfocar acontecimentos específicos, vistos por um participante e
não por um historiador, Forgács, todavia, sugere alguma coisa sobre o tom Documentário observativo [anos 60]: evita o comentário
geral da guerra: sugere como, p a r a certos participantes, a guerra foi e a encenação; observa a s coisas conforme
principaln1ente un1 enorn1e fluxo de povos, entrando e saindo de váüo · elas acontecem
países, por uma variedade imensa de razões. Ocorrem perdas, com o - falta de história, de contexto
deslocamento. O peso da guerra fez-se sentir não só nos b_ombardeios; m-as Documentário participativo [anos 60]: entrevista
também nesses casos de êxodos de civis que transformaram a face da Europa. os particpantes ou interage com eles; usa
Forgács quer deixar a avaliação e o julgamento para nós, mas também imagens de arquivo para recuperar a
história
postergar esse tipo de reflexão, enquanto experimentan1os um encontro mais
·- fé excessiva em testemunhas,
direta111ente subjetivo com os acontecimentos históricos. Ele invoca o afeto história ingênua, invasivo demais
em vez do efeito, a emoção em vez da razão, não para rejeitar a análise e o
julgamento, mas para colocá-los numa base diferente. Como Resnais, Vertov e Documentário reflexivo [anos 80]:
Kalatozov antes dele, e corno tantos de seus conte1nporâneos, Forgács evita questiona a forma do documentário.
posições convencionais e categorias pré-fabricadas. Ele nos convida, como tira a familiaridade dos outros
modos
fazem todos os grandes documentários, a ver o mundo com novos olhos e a
- abstrato demais, perde de
repensar nossa relação com ele. O documentário performático restaura uma vista a s questões concretas
sensação de magnitude no que é local, específico e concreto. Ele estimula o
pessoal, de forma que faz dele nosso porto de entrada para o político. Documentário performático [anos
80]: enfatiza aspectos
Podemos resumir esse esboço geral dos seis modos de representação subjetivos de um discurso
documental no quadro seguinte. O documentário, como a vanguarda, classicamente objetivo
cc1neça como uma resposta à ficção. (As datas neste quadro significam - a perda d e ênfase
quando um modo se torna uma altern;:itiva comum; cada m o d o tem na objetívidade pode
antecessores e cada um continua até ho,ie.) relegar e s s e s filmes
à vanguarda; uso
"excessivo" de estilo.

176 Papirus Editora Introdução ao documentário 177

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