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Resumo:
O objetivo deste trabalho é realizar um resgate teórico e histórico sobre o conceito de independência no
panorama da prática cinematográfica, relacionando tal discussão a experiências fílmicas brasileiras
localizadas fora do eixo da produção hegemônica. Assim, procuraremos evidenciar como o Cinema Novo,
atendendo à sua própria perspectiva a respeito do papel da arte audiovisual no contexto latino-americano,
ajudou a constituir um sistema de produção cinematográfica alternativo, com soluções do âmbito dos
arranjos econômicos estreitamente alinhada aos anseios – e necessidades – dos diretores engajados a esse
movimento.
A partir da advertência dos limites carregados pela expressão, o que pode ser
investigado no panorama das práticas cinematográficas são graus de independência,
modos e formas que, em alguma(s) instância(s), desconectam o filme dos padrões
usuais. É na imprensa especializada dos Estados Unidos que começa a difusão da
categoria “cinema independente”, sempre com polêmicas em torno da abrangência do
conceito. Em artigo publicado na American Film em 1981, Annette Insdorf defende
como independente as obras não comerciais e que compartilhassem elementos dos
filmes de arte. Em publicação mais recente, ela reafirma seu ponto de vista sobre a
influência do cinema de autor e do estilo europeu na concepção de cinema
independente. Como exemplo cita Nother Ligths, filme dirigido por John Hanson e Rob
Nilson premiado com a Câmera de Ouro no Festival de Cannes em 1979. Os diretores
chegaram a iniciar uma negociação com alguns estúdios sobre a produção do filme, mas
optaram por não seguir adiante para garantir o controle artístico da obra.
O que distingue Northern Lights e numerosas outras independentes de
recursos dos produtos de Hollywood é a combinação de elementos tais como
elenco, estilo cinematográfico, e visão social ou moral. Confrontando grandes
estrelas com novos rostos, grandes negociações com telas íntimas, a grandes
estúdios com autenticidade regional, estes cineastas tratam preocupações
americanas com estilo europeu. Na sua escolha de forma e métodos de
trabalho, na sua urgência por registrar assuntos raramente vistos em filmes
comerciais, esses diretores politicamente sensíveis e geograficamente
enraizados resistem às prioridades e potencial de absorção de Hollywood.
(INSDORF, 2005, p.29, tradução nossa)
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O custo médio de produção de filmes de Hollywood e passou de US$ 1,9 milhão em 1972 para
aproximadamente US$ 4 milhões em 1977 (LOWRY, 2005, p. 42).
esperam encontrar talentos promissores e fontes de inspiração. (CRETON,
1998, p. 13, tradução nossa).
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O trecho a seguir exemplifica o tom dos comentários do exibidor: “Em troca do seu rico dinheiro, os
cotistas recebem um papelucho impresso e selado, com todos os aspectos de uma ação nominal de um
banco, e ficam sonhando com os lucros enormes que vão ter, como aconteceu com os que
participaram do filme Este mundo é um pandeiro e outros citados como exemplo pela lábia dos
intermediários” (RIBEIRO JUNIOR apud MELO, 2011, p. 175).
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O primeiro Congresso Nacional do Cinema Brasileiro ocorre em São Paulo em 1952, mesmo ano do I
Congresso Paulista do Cinema Brasileiro. O segundo Congresso Nacional foi realizado no ano
qualificar o filme brasileiro – tanto em termos de conteúdo quanto de presença no
circuito exibidor. Entre os pontos de debate levantados pelo movimento ganham eco a
questão da concorrência com o filme estrangeiro no mercado, o papel ideológico da
produção local e a necessidade de regulação do mercado como um mecanismo
protecionista para o cinema nacional. Adiante, quando abordarmos a discussão sobre o
painel contemporâneo das políticas públicas para o cinema brasileiro, veremos como
essas questões que começaram a ser delineadas há mais de cinquenta anos não foram
completamente superadas, e sim atualizadas diante das novas condicionantes culturais,
econômicas e tecnológicas do mercado cinematográfico nacional.
A partir dos filmes citados vemos como as obras enquadradas no Cinema Novo
eram carregadas de engajamento político e de crítica social, numa espécie de análise-
denúncia sempre aplicada à realidade de populações marginalizadas e até então
desconhecidas nesse campo de expressão artística. Mas como filmes com esse caráter
temático encontravam formas de financiamento? Embora as informações sobre a
produção dos filmes da época sejam escassas – assim como dados de bilheteria e
circulação – sabe-se que o crédito bancário foi uma das principais fontes de recursos
para os diretores do Cinema Novo. Destacaram-se o apoio oferecido pelo Banco
Nacional de Minas Gerais, pelo Banco do Estado de São Paulo e pelo Banco do Brasil,
que em 1962 incluiu em sua Carteira de Crédito Agrícola e Industrial normas para
financiamento da produção de filmes.
Outra fonte de recursos para a produção cine-novista foi a Comissão de Auxílio
à Indústria Cinematográfica (CAIC), criada em 1963 por Carlos Lacerda, então
Governador do antigo Estado da Guanabara. O órgão pertencente à Secretaria de
Turismo utilizava os fundos do Banco do Estado da Guanabara para promover
premiações e financiamentos de filmes. Entre os filmes beneficiados pela CAIC estão
Vidas secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963), Deus e diabo na terra do sol (Glauber
Rocha, 1964), Terra em Transe (Glauber Rocha, 1967), Os fuzis (Ruy Guerra, 1963)
Capitu (Paulo César Saraceni, 1968) e Macunaíma (Joaquim Pedro de Andrade, 1969).
O financiamento e a comercialização dos filmes do Cinema Novo – ou a maioria – era
organizado através da Difilm, distribuidora que funcionou entre 1965 e 1969 formada
por Marcos Faria, Carlos Diegues, Leon Hirszman, Roberto Farias, Rivanides Farias,
Joaquim Pedro de Andrade, Paulo César Saraceni, Luiz Carlos Barreto, Walter Lima
Júnior, Zelito Viana e Glauber Rocha. Na opinião de Diegues:
A Difilm é um momento capital da história da gente, porque é o momento
que enfrentamos o concreto da economia cinematográfica. Não adianta mais
ficar falando em imperialismo, Estado etc., tem de se ir lá mesmo. Hoje isso
não é mais novidade, mas no dia em que as paixões desaparecerem, e as
pessoas puderem analisar com tranquilidade se verá que foi a primeira vez na
história do cinema mundial que um grupo de artistas se transforma em
empresários de si mesmo (DIEGUES apud SIMIS, 1996, p. 256-257).
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Em 1948 haviam cinco categorias, cuja classificação dependia de diversas características das salas. A
partir de 1956 o número de categorias baixou para três: cinemas de estreia, cinemas não-lançadores e
cinemas com ingresso máximo de 7 cruzeiros. Depois, em 1959, incluiu-se a categoria especial que
abarcava salas mais luxuosas e ficava isenta de tabelamento (SIMIS, 1996).
salas e de cinemas de bairro (SIMIS, 1996). “No tocante à distribuição, o aumento do
número de salas de estréia reduziu o tempo de exibição dos filmes e acarretou maior
demanda de filmes novos” (1996, p. 191), explica a autora.
Numa tentativa de atenuar o impacto negativo que a política do tabelamento de
ingressos representou para o cinema nacional, foram criadas medidas de incentivo à
produção de filmes. No início da década de 1950, São Paulo já contava com
premiações em dinheiro para profissionais do setor (Cidade de São Paulo, prêmio
municipal, e Governo do Estado, prêmio estadual), iniciativa que foi ampliada para todo
o país através do projeto Adicional de Bilheteria, promulgado em 1955. Tratava-se de
um valor pago aos produtores de forma proporcional ao desempenho de bilheteria do
filme. O prêmio variava de 5% a 20% da renda obtida nos dois primeiros anos de
exibição.
Estes mecanismos serviram de estímulo para o aparecimento de produtores
independentes, pessoas que se aventuravam a produzir, co-produzir ou
concluir filmes. Um investimento que previa uma continuidade para a
atividade, ou seja, os lucros obtidos poderiam servir para o início de outras
produções e co-produções. (GAMO, 2006, p. 15)
Referências
CONRICH, Ian. Communitarism, film and entrepreneurism, and the crusade of Troma
Entertainment. In: HOLMLUND, Chris; WYATT, Justin (Org.). Contemporary
american independent film: from the margins to the mainstream. New York: NY
Routledge, 2005.
CRETON, Laurent. De l’indépendance en économie de marché: le paradigme
stratégique en question. In: CRETON, Laurent (Org.). Théorème. Cinema &
(in)dépendance – Une économie politique. Paris: Sourbonne Nouvelle, 1998.
GALVAO, Maria Rita. Burguesia e Cinema: o caso Vera Cruz. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1981
GALVAO, Maria Rita. O desenvolvimento das ideias sobre cinema independente. In:
Cademos da Cinemateca, São Paulo, n. 4. 1980.
XAVIER, Ismail. O cinema brasileiro moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2011.