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Crítica | Uma Secretária


de Futuro - Plano
Crítico
Leonardo Campos
5–7 minutos

Muito se fala sobre misoginia nos ambientes


de trabalho, mas há narrativas que versam
também sobre questões ligadas ao processo
de disputa entre pessoas que ocupam os
mesmos lugares de fala e sobrevivência. Nos
espaços corporativos, por exemplo, temos
relatos constantes de situações envolvendo o
assédio sofrido pelas mulheres, diante de
homens tóxicos e com posicionamentos
ultrapassados, permitidos apenas quando o
mundo ainda não havia despertado para tais
questões. Mas, caro leitor, quando o tema é
assédio entre pessoas do mesmo segmento, o
paradoxo e a instabilidade se instalam com
veemência. Dramas, confusões e situações
cômicas embalam o desenvolvimento deste
clássico moderno dos anos 1980, Uma
Secretária de Futuro, dirigido por Mike
Nichols, cineasta que tem como base o
roteiro de Kevin Wade, uma trama sobre
tantos assuntos, mas que tem como palavras-
chave essenciais, o conflito entre a ética e a
sua ausência nos ambientes corporativos,
haja vista a guerra travada entre duas
mulheres por dominação e poder.
Ao longo de seus 113 minutos, a comédia
dramática nos apresenta a história de Tess
McGill (Melaine Griffith), uma jovem que
estuda, trabalha e tenta lidar com o
namorado machista e grosseiro que a deixa
constantemente insegura no terreno
pantanoso dos relacionamentos. Ela fica
ainda mais deprimida quando percebe que o
seu chefe tem como intenção leva-la para
cama, o que a faz desistir de crescer dentro
daquele espaço que não cabe mais, afinal,
sua intenção começa a ser a de não seguir as
regras que ela não criou para si. A mudança
parece chegar como uma brisa. Ela vai
trabalhar para Katherine Parker,
interpretada pela habitualmente ótima
Sigourney Weaver. A sua nova chefe, não
líder, como geralmente nós falamos mais na
atualidade, é uma figura de sucesso
fascinante, mas muito inescrupulosa. O que
inicialmente seria uma relação amistosa de
sororidade se torna uma descida aos infernos
psíquicos.
Tess descobrirá isso da pior maneira
possível, após perceber que a sua função de
secretária tem sido não apenas vilipendiada
pelos atos da personagem hierarquicamente
superior, mas também teve as suas ideias
roubadas. Explico: após uma viagem para
esquiar, Katherine Parker se machuca
gravemente e, diante do acidente, precisará
ficar internada por um tempo considerável.
Assim, a sua assistente assume as suas
funções por um tempo determinado. Tess
mantém o padrão de qualidade e dedicação,
dando conta, inclusive, de tarefas
excepcionais, como ir até o domicílio da
chefa para regar as plantas. Ao chegar lá
num certo dia, vasculha umas coisas em sua
curiosidade e descobre que algumas ideias
discutidas durante um momento onde
desejava mostrar serviço no trabalho foram
roubadas pela poderosa executiva.
Assim, começa a “guerra pelo trono”. A
sugestão de Tess envolvendo mídias
comunicacionais para um cliente em
potencial poderia ser a sua chance para
crescer dentro do ambiente corporativo de
clima e cultura organizacionais vacilantes. O
filme trabalha bem as dinâmicas entre as
duas, além de aproveitar as histórias dos
coadjuvantes, complementos para os
conflitos centrais da narrativa, todos muito
bem aproveitados. No meio da batalha
profissional, há ainda, o embate em torno de
um conflito amoroso, focado em Jack
Trainer (Harrison Ford), um homem que se
encontrará dividido entre a ira das
concorrentes. É, em linhas gerais, uma
narrativa bem a cara de sua época, seja nos
figurinos assinados por Ann Roth, pelo
design de produção que mergulha nos
ambientes de trabalho daquela época,
espaços repletos de novidades tecnológicas
de uma era produtiva para a indústria, numa
discussão ainda muito pertinente na
atualidade: a falta de zelo com o próximo e a
crise de caráter quando o que está em jogo é
a manutenção de poder e privilégios nos
caminhos sociais que pavimentamos
diariamente. Ademais, interessante como
Uma Secretária de Futuro debate
comportamentos corruptos por meio de
ironia e comicidade, sem perder o tom de
seriedade de sua linha dramática central.
Um entretenimento de qualidade, com
reflexões ainda muito pertinentes.
Uma Secretária de Futuro (Working
Girl, EUA, 1988)
Direção: Mike Nichols
Roteiro: Kevin Wade
Elenco: Melaine Griffith, Harrison Ford,
Sigourney Weaver, Kevin Spacey, Oliver
Platt, Joan Cusack, Nora Dunn, Philip Bosco,
Alec Baldwin, Robert Easton
Duração: 113 min.

Leonardo Campos

Tudo começou numa tempestuosa Sexta-


feira 13, no começo dos anos 1990. Fui
seduzido pelas narrativas que apresentavam
o medo como prato principal, para logo
depois, conhecer outros gêneros e me
apaixonar pelas reflexões críticas. No
carnaval de 2001, deixei de curtir a folia para
me aventurar na história de amor do musical
Moulin Rouge, descobri Tudo sobre minha
mãe e, concomitantemente, a relação com o
cinema.

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