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CENTRO UNIVERSITÁRIO BELAS ARTES DE SÃO PAULO

REDAÇÃO E COMUNICAÇÃO DIRIGIDA


A presença feminina no cinema de máfia americano
Por Giovana G. Abrantes

Artigo para composição de nota da


matéria de Redação e Comunicação
Dirigida, no 4º Semestre do curso de
Comunicação Social, com
especialização em Jornalismo,
orientado pelo Professor Franthiesco
Ballerini.

SÃO PAULO
24 DE NOVEMBRO DE 2022
Apesar de muito querido nos corações de milhões de aficionados por cinema
ao redor do mundo, o cinema de máfia é, hoje, um subgênero que luta para
sobreviver à base de aparelhos. Entretanto, o debut de Graham Moore, notável
roteirista estadunidense responsável por obras como The Sherlockian e The
Imitation Game, como diretor geral de um longa, chegou recentemente às
plataformas digitais. The Outfit dá fôlego à subsistência do cinema de máfia e,
ainda, dá margem para a abertura de uma discussão válida, mas ainda pouco
comentada: existe protagonismo feminino nos filmes de máfia? E qual é a posição
da mulher dentro dessas obras?
O recém lançado de Moore conta a história de de Leonard Burling, um
alfaiate que gerencia um pequeno negócio em um bairro controlado pela máfia
irlandesa na Chicago da década de 1950 e tem como fiéis clientes os Boyles, os
mafiosos da região, que utilizam sua empresa como um local para lavagem de
dinheiro. Contudo, a ligação entre o protagonista não fica apenas no meio
profissional, uma vez que Mable, o interesse amoroso de Leonard, é a atual
namorada de Richie Boyle, filho do chefão da máfia. Entre idas e vindas, a relação
entre o protagonista e o mundo do crime vai se convergindo ao ponto em que não
há mais saída para o protagonista, que terá de lidar com as consequências dos
crimes que não cometeu.
A obra foi bem avaliada nos principais medidores críticos do cinema atual.
Com atualmente 85% de aprovação da crítica especializada no Rotten Tomatoes,
média 7.1 no IMDb e 69 de crítica especializada no Metacritic, é possível afirmar
que o longa representa um alívio para o subgênero. Mas ainda assim, faz-se
necessário pontuar a seguinte narrativa, que se repete não apenas neste filme
especificamente, mas na maioria que compõe seu gênero: a visibilidade feminina
neste tipo de roteiro é quase inteiramente nula. Em The Outfit, Mable não passa de
um ponto de encontro entre Leonard, o protagonista, e Richie, o antagonista. Não é
inegável, entretanto, que a participação da dama corrobora para a conclusão e
fechamento do terceiro ato. Mas ainda assim, a personagem de Zoey Deutch é o
mais recente de inúmeros exemplos de mulheres do cinema de máfia que
simplesmente não possuem qualquer reconhecimento ou valor dentro dos negócios
onde estão inseridas por sua relação com quem faz parte desse meio.
Os maiores clássicos do gênero deixam isso bem claro. A obra-prima de
Francis Ford Coppola, The Godfather de 1972, baseada no livro de Mario Puzo,
possui sim a presença de mulheres fortes, mas que de nada valem senão para
construir uma ponte entre Michael Corleone e sua jornada para se tornar o novo
chefe da família. Connie, a única irmã, é o ponto de partida do filme, uma vez que é
pela festa de casamento dela que somos introduzidos a relação familiar entre
Michael, Vito e os outros. Ainda assim, a personagem não deixa de ser um
instrumento para impulso narrativo dos outros personagens, todos homens. O
núcleo que a envolve, principalmente a sequência onde é espancada pelo novo
marido, serve mais como uma maneira de expor a violência e a relevância da
proteção dos Corleone entre si mesmos — nesse caso, exercida através de Sonny,
quando este mais tardiamente no filme, encontra-se com Carlo e o espanca numa
das mais memoráveis cenas da obra — do que como um aprofundamento de sua
personagem. Apollonia é o ponto sensível de Michael, mas não muito tempo depois
é eliminada da história para que o protagonista retorne à América e resolva juntar-se
a Kay.
O maior resumo da situação e que explica basicamente o que está sendo
exposto, é a cena final do filme, quando o close-up no rosto de Kay, e em seguida o
plano que expõe Michael dentro do escritório são completos com a porta do cômodo
sendo fechada, e Kay, sendo deixada para fora dos negócios. Na sequência, The
Godfather: Part II de 1974, a relação entre os dois expõe da melhor forma como a
presença feminina nos filmes de máfia é extremamente problemática. Michael
constantemente afirma e reafirma para a esposa que não o questione a respeito dos
negócios da família, e mantém ela e as crianças presas sem qualquer tipo de
explicação enquanto Michael viaja para Cuba. O final desse conflito vem na forma
de uma das mais emocionantes cenas e, talvez, uma das mais difíceis de digerir no
filme. Quando Kay afirma ao marido que abortou o filho que carregava em seu
ventre, por medo de que mais uma criança fosse condenada a virar alguém tão frio
quanto o pai. Em consequência, Kay é expulsa de casa e proibida de ver os próprios
filhos.
Mais um clássico que inegavelmente reforça essa narrativa é Goodfellas de
Martin Scorsese. A obra de 1990 é um dos maiores marcos do gênero, entretanto, o
protagonismo feminino é nulo. O único momento do longa de quase duas horas e
meia de duração em que uma personagem feminina oferece o mínimo de perigo é
quando Karen Hill, esposa do protagonista Henry, aponta uma arma para o rosto do
homem enquanto ele dorme, apenas para ameaçá-lo ao acordar, por estar a traindo
com uma moça mais nova. A cena dura poucos minutos, e logo a “soberania”
feminina é interrompida pelas agressões de Henry Hill à esposa traída. Não muito
diferentemente, em Cassino, também de Scorsese, lançado em 1995, apresenta
sua personagem feminina quase como uma femme fatale dos filmes noir da década
de 1940. Em primeira análise, a personagem interpretada por Sharon Stone, Ginger
McKenna, é o símbolo da loira malvada, Blonde Ice, da obra. Tudo aquilo que ela
quer, ela tem. Mas não demora muito para que com o sucesso de Ace (Robert de
Niro), a decaída de Ginger aconteça. De repente, a ameaça oferecida pela
inteligência e sedução da loira se tornam um passado distante, que no presente,
são apenas pedras no sapato do protagonista, que tem que lidar com uma mulher
enlouquecida e dopada por 90% do tempo.
Não é novo que o subgênero de máfia é um dos muitos representantes do
movimento “Macho Movies”, que tomou força durante o período da Nova Hollywood,
no final dos anos 60, que foi iniciado, curiosamente, com o lançamento de Bonnie
and Clyde, de 1967, dirigido por Arthur Penn. A ironia encontra-se no fato de que
Bonnie é uma das principais personagens femininas do cinema, e sua sensualidade
e inteligência a marcam como um ícone do cinema mundial e do poder feminino nos
filmes de crime, entretanto, essa representatividade é quase nula na maior parte dos
filmes que o sucederam, não apenas durante o período que compreende a
American New Wave, mas mesmo depois. O exemplo mais recente foi o supracitado
The Outfit. Os filmes de crime, mais especificamente os de máfia, talvez ainda
respirem por aparelhos e perdem sua força com o passar do tempo por seus ideais
retrógrados, machistas e que não contemplam de forma alguma qualquer tipo de
minoria social.
É importante ressaltar, no entanto, que esses filmes representam uma das
principais fases do cinema mundial e são clássicos absolutos que definiram uma
época e inspiram, até hoje, cineastas no mundo inteiro. Contudo, com o
envelhecimento dos gênios do cinema americano dos anos de 1970 e 1990, esses
preceitos vão ficando para trás e dão lugar a novas histórias, que atendem públicos
cada vez maiores e que podem, também, construir um novo legado no cinema. O
cinema de máfia tem sua relevância e está marcado para sempre na história da
indústria cinematográfica. Esses são filmes que ainda geram entretenimento e ainda
são base para muito que veio depois. Mas o cinema, assim como a arte e a
sociedade no geral, não param. Sempre evoluem, transformam-se e recorrem a
novas histórias, novos métodos e novas interpretações.

Imagens Anexadas:

The Outfit (2022) — Dir. Graham Moore, distribuído por FilmNation Entertainment;

The Godfather (1972) — Dir. Francis Ford Coppola, distribuído por Paramount
Pictures;
Goodfellas (1990) — Dir. Martin Scorsese, distribuído por Warner Bros. Pictures;

Bonnie and Clyde (1967) — Dir. Arthur Penn, distribuído por Warner Bros. Pictures.

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