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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Instituto de Comunicação

Bruna de Oliveira Dias


Júlia Horta Andrade

Análise fílmica: Janela Indiscreta, Alfred Hitchcock.

Belo Horizonte
2020
O “mestre do suspense” Alfred Hitchcock foi um grande cineasta, responsável por dirigir
clássicos do cinema que hoje em dia são referências para quem estuda esse campo da arte.
Hitchcock começou a dirigir seus filmes em 1920 e marcou a indústria cinematográfica, inovou
em movimentos de câmera, jogos de sombra e histórias elaboradas (Caprino, 2018). Esse grande
diretor deixou para sempre o seu nome na história e serve de fonte de inspiração para todos que
desejam se aventurar no fazer do cinema. Dentre sua enorme filmografia é possível citar:
Rebeca- A mulher Inesquecível (primeiro longa-metragem que ganhou notoriedade) Um Barco e
Nove destinos, Quando fala o coração, Janela indiscreta e Psicose; todas estas obras foram
indicadas ao Oscar, entretanto Hitchcock não chegou a ganhar o prêmio de melhor diretor em
nenhuma de suas indicações. O cineasta foi um dos principais responsáveis por definir a
diferença entre mistério e suspense e ,também por ter dirigido tantos suspensas incríveis para as
telas do cinema, ficou conhecido como o “mestre do suspense” e tem garantido o seu lugar de
extrema importância no desenvolver do cinema. (Oliveira, 2015)

O filme Janela indiscreta de Alfred Hitchcock, lançado em 1954 e inspirado em um conto de


Cornell Woolrich, tem como protagonista o fotógrafo investigativo Jeff ( James Stewart), que
sofreu um acidente em seu trabalho e por isso está impossibilitado de se mover e tem que passar
os seus dias sentado em uma cadeira de rodas. A trama foi desenvolvida em um conjunto de
apartamentos em que Jeff era morador e devido ao seu estado físico, (o fotógrafo) passa o dia
observando a vida das pessoas que moram naquele conjunto, através de sua janela. Dessa forma,
o espectador é levado a conhecer aquelas histórias junto com Jeff e sob sua perspectiva. O longa
inicia-se com um plano mais aberto, para contextualizar o espectador do espaço no qual a trama
irá se desenvolver. Já no início então, podemos observar as diferentes configurações dos
apartamentos das pessoas que vivem no conjunto e começar a entender as relações entre os
moradores. Em seguida o foco é no apartamento do Jeff, quando a câmera vai nos dando pistas
do que descobrimos ser a profissão do protagonista, ao mostrar várias fotografias pelo
apartamento. Neste momento, o espectador adentra o local em que ele vai passar o resto do
filme, juntamente com Jeff e o conhece mais intimamente.

Pensando em Hitchcock, e em como ele dirige suas obras, é interessante ressaltar que suas
produções são conhecidas por suas inovações (nas trilhas sonoras, ângulos, planos, etc) e os
choques causados aos espectadores. Apesar de refletirem e reforçarem o auge do cinema
clássico, devido a época em que algumas de suas obras foram lançadas (como Janela Indiscreta,
filme em questão analisado), Hitchcock também apresenta características e elementos do cinema
moderno. É possível afirmar que essa é uma de suas marcas: mesclar o clássico e o moderno,
deixando-se pesar para o lado que mais o convém, sem seguir muito os preceitos já estabelecidos
em Hollywood. Sendo assim, é possível afirmar que para analisar uma obra de Hitchcock é
necessário levar em conta o cinema clássico e moderno. (Caprino, 2018)

Para a então análise do filme Janela Indiscreta, dentro da mudança da época clássica para a
época moderna do cinema, torna-se importante reconhecer os traços dos dois movimentos ao
decorrer do longa. Enquanto de um lado, a câmera mais parada, a história seguir uma ordem
cronológica, sem mudanças bruscas na montagem, o fato do espectador não perceber todos os
cortes e a falta de um contato do personagem diretamente com o espectador ( quebra da quarta
parede) reforçam os traços clássicos. Pelo outro, ao analisar aspectos como a trilha sonora do
filme, percebemos características que vem do cinema moderno, como músicas e sons diegéticos
– tanto os personagens quanto os espectadores conseguem ouvir, o que ,além de uma abordagem
criativa com a trilha sonora, difere do que o espectador estava acostumado no cinema clássico. O
uso de músicas calmas, em cenas que o personagem está inserido em um momento tenso
reforçam essa mudança, como por exemplo o momento em que Liza (Grace Kelly) entra no
apartamento do assassino. Além disso, Janela Indiscreta tem uma forte característica que marcou
a transição do cinema clássico para o moderno, que foi o chamado Cinema Intimista, ou o drama
do cinema intimista, em que foca a maior parte do filme na ótica do personagem principal e
auxilia o espectador a avaliar os acontecimentos a partir do seu ponto de vista. Hitchcock faz o
espectador trabalhar junto com Jeff, sendo como um cúmplice do protagonista. Ambos recebem
praticamente as mesmas informações e detalhes o que induz o espectador a torcer e desejar o
mesmo que o personagem, ainda que esse desejo seja imoral e só sirva para confirmar o
pensamento de Jeff. Dessa forma, a ânsia para que o vendedor tenha realmente assassinado sua
esposa, e que Liza consiga invadir o apartamento e pegar a prova necessária, são ações e desejos
eticamente errados, na perspectiva moral, mas na perspectiva do personagem e de seu espectador
fazem sentido. (Gois, 2012)
Existe apenas um momento claro em que o olhar do espectador não está junto com o de Jeff: a
cena em que o cachorro morre e todos os moradores aparecem em suas janelas para observar o
que estava acontecendo. Nesse corte, o foco passa a ser a dona do cachorro e o olhar é de todos
que moram naquele conjunto, temos novas perspectivas. Além disso, é interessante dizer como
cada apartamento no filme representam o recorte da sociedade. Cada janela é uma
contextualização e colocação de mundos diferentes, são histórias que servem como um pano de
fundo para o acontecimento principal. Esses enquadramentos vão revelando para os espectadores
várias vidas e contextos, Hitchcock consegue nos contar a história de todas as janelas, mesmo
que não tenha um foco direto em cada uma, ou fala desses personagens.

A construção de Hitchcock da personalidade do protagonista ao longo do filme é muito


interessante. Ainda que o fotógrafo estivesse impossibilitado de se locomover, a relação de
dependência com sua enfermeira Stella ( Thelma Ritter) e sua namorada Liza foi construída de
uma maneira que revelasse traços de suas características. O diretor consegue demonstrar para o
espectador a relação de incertezas que Jeff tinha com Liza, a personalidade aventureira e apreço
pela liberdade que tinha o fotógrafo, contra a vida glamurosa e sem muitas mudanças de Liza.
Essa questão é enfatizada quando Jeff conta de suas viagens a trabalho e, por conta do medo
explícito e, então revela seu medo de entrar em um relacionamento sério. Assim, mesmo tendo
afeto pela namorada, ele tenta fugir ao máximo da responsabilidade de levar a relação adiante.
Além disso, toda sua vontade de descobrir o que realmente aconteceu no apartamento do
vendedor e sua esposa, evidência seu caráter aventureiro e curioso . Entretanto, é interessante
ressaltar as suas ajudantes durante o processo de descoberta do assassinato: as duas mulheres que
o ajudavam, Liza e Stella, que foram as pessoas que de fato acharam as provas e se arriscaram do
lado de fora do apartamento para desvendar o mistério que os rondava. Ainda é válido reforçar
que em outros momentos junto com Jeff, Liza também ajuda na construção da narrativa do que
teria acontecido no apartamento do suposto assassino e faz considerações importantes, que são
desmerecidas pelo detetive Doyle (Wendell Corey), que argumenta como sendo apenas intuições
femininas, revelando características machistas. Dessa forma, o protagonismo feminino do longa
é fundamental para seu desenvolvimento e muito importante, visto que as mulheres são as
responsáveis pela resolução do caso.
Para, então, compreender completamente a análise de Janela Indiscreta, é importante ter
ciência do contexto histórico no qual o filme está inserido. O longa foi lançado em 1954,
próximo ao fim da Segunda Guerra Mundial e enquanto o medo da Guerra Fria se alastrava pelo
mundo. Era de característica marcante de muitos filmes refletir essa ansiedade e o medo que
estava sendo vivenciado pela população, além de deixar registrado para a história do cinema
técnicas únicas de produção dos filmes. Entretanto, ao longo de todo filme, não percebemos
nenhuma menção a esse momento que o planeta estava vivendo. A obra de Alfred Hitchcock nos
coloca em contato no que parece ser até mesmo a representação de uma outra sociedade, como
um mundo do qual não temos saída da realidade criada por ele. Apesar de ser desenhado com as
técnicas inovadoras. Para complementar, não foi apenas Hitchcock que dirigiu filmes que não
tratavam do contexto social e histórico da época. Cantando na chuva de Gene Kelly e Stanley
Donen é um outro clássico que foi produzido apenas para entreter o espectador e não fazer uma
menção ou até uma crítica do momento em que estavam inseridos. (GLOBO LIVROS, 2016)

Em conclusão, é interessante observar outros detalhes do filme, que nos contam sobre a
história e os personagens construídos nela. Como por exemplo, os casais, que, ao longo do filme
são filmados juntos, enquanto o vendedor e sua esposa, são sempre filmados em cômodos
diferentes( o que que indica ao espectador que o relacionamento dos dois é frágil e não passa por
uma boa fase), em outro momento temos também em algumas cenas a música transformando a
história, como a da visita de Liza à casa do assassino, também há a demonstração de distância
entre os vizinhos, ainda que morem um ao lado do outro, eles não tem nenhuma outra ligação ou
aproximação, questão que fica explícita na cena em que a dona do cachorro grita sua indignação
com a falta de sensibilidade de todos uns para com os outros. Assim, Janela Indiscreta é um
filme que foi um marco e inspiração para que surgissem mais filmes contados apenas de uma
perspectiva e para mostrar que outros diretores podiam ter a audácia do gênio do cinema
Hitchcock e construírem mais obras incríveis como essa.

Referências:
CAPRINO, Andréia Rosin. O cinema clássico-narrativo em Hitchcock: Comentários sobre o filme
“Janela Indiscreta”. Paraná: UFPR, 2018.

GOIS, Maíra Lima. Cinema e Voyerismo em Hitchcock: Do olhar á Apropriação do Desejo. São
Paulo: Revista Anagrama, 2012.

GLOBO, Livros. O livro do Cinema. São paulo: Globolivros, 2016.

OLIVEIRA, Luís Carlos Gonçalves. Vertigo, a teoría artística de Alfred Hitchcock e seus
desdobramentos no cinema moderno. São Paulo: Escola de comunicação e artes/ USP, 2015.

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