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o contrário do que muitos possam pensar, a representação do personagem
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homossexual
CONTATO
no cinema não aconteceu tardiamente em termos absolutos.
Ela existe desde o início. Literalmente: em 1895, Thomas Edison já rodara
um filme experimental, “The Gay Brothers”, em que 2 homens dançavam ao
som de um violinista. O primeiro beijo entre dois homens foi registrado no filme “Wings”,
de 1927, o primeiro vencedor na história de um Oscar de Melhor Filme. Antes disso,
insinuações de situações de temática gay já podiam ser encontradas em filmes de
Chaplin (Behind the Screen, 1916) ou em alguns curtas de O Gordo e o Magro. Após, até
em musicais, como em “A Alegre Divorciada” (1934), estrelado por Fred Astaire e Ginger
Rogers.
De uma forma geral, porém, o registro dominante era somente um: se um homem
tivesse trejeitos femininos ou se ele ousasse vestir-se de mulher, o único efeito que se
poderia esperar era o da comédia. O homossexual pressupunha e representava alívio
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dramático e nada além. Ainda assim, havia espaço para algumas notáveis exceções, como
a famosa cena de “Marrocos” (1930) em que a cantora personagem de Marlene Dietrich
aparece em um smoking, elegante e sem jamais perder o efeito de femme fatale, e num
movimento inesperado beija suavemente uma das mulheres na plateia, num ato
claramente provocante para homens e mulheres nas poltronas dos cinemas.
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O Código de Hays condenava nos filmes situações que envolvessem beijos de língua,
cenas de sexo, sedução, estupro, aborto, prostituição, escravidão (de brancos), nudez,
aborto, obscenidade e profanação. O termo homossexual, ainda que não citado,
provavelmente se encaixava nesta última proibição. E, como se pode notar, a violência
não era censurada em suas diversas encarnações possíveis. O código foi seguido
fielmente pela grande maioria dos filmes produzidos em Hollywood até 1968, quando a
MPAA criou o seu novo termo de conduta e censura, com bases muito similares ao
anterior, e usado até hoje. Filmes que envolvem situações sexuais ainda são mais
censurados do que filmes ultraviolentos e aqueles que envolvem relacionamentos
homossexuais certamente um tanto mais.
À época, as proibições instituídas pelo código tiveram efeito pior do que banir o
personagem homossexual do cinema; elas mudaram a sua representação, instituindo
apenas a possibilidade de 2 papéis: a de antagonista naturalmente perverso ou a de
personagem trágico. A galeria de vilões de clara, porém jamais aberta, orientação
homossexual é extensa. Em “Festim Diabólico” (1948), obra-prima de Alfred Hitchcock, a
dupla de assassinos que desafia o personagem de James Stewart em um jogo psicológico
é carregada de desejo homoerótico. Os vilões de muitos filmes do agente 007, como foi
brilhantemente dissecado por Umberto Eco em seus ensaios, são em sua maior parte
gays naturalmente malévolos ou dotados de uma incurável mania de grandeza.
Mais grave e danosa do que esta representação, porém, foi a ideia de que o destino do
personagem gay deveria ser sempre trágico, fosse pela falência de suas ambições dentro
do universo narrativo ou pelo proibido do seu desejo. Como não esquecer a
emocionante cena final de “Juventude Transviada” (1955), de Nicholas Ray, em que o
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personagem de Sal Mineo, apaixonado pelo de James Dean, comete o sacrifício final para
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salvar o amigo?
Ou a cenaENGLISH CONTATOda personagem-título de “Rebecca, A
em que a governanta
Mulher Inesquecível”, também de Hitchcock, manifesta sutilmente ao abraçar um casaco
o desejo que sentia por ela? Este último caso revela também o quanto Hollywood era
severa com personagens homossexuais femininos, retratando-nas frequentemente como
megeras sem coração.
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Qualquer cena ou argumento que tratasse o personagem gay de forma aberta estava
destinada a alguma censura, fosse da MPAA ou dos próprios produtores/cineastas.
Dessa forma, um romance sobre um escritor alcoólatra e sexualmente confuso (“Farrapo
Humano”, 1945) virou um filme sobre um escritor alcoólatra com bloqueio. Outro
romance, sobre ataques a homossexuais e assassinato se tornou um filme sobre
antissemitismo e assassinato (“Rancor”, 1947). Uma cena de “Spartacus” (1960), em que há
uma relação de erotismo entre 2 homens, tão comum e popularmente conhecida como
típica da Roma e Grécia Antigas, e um diálogo sugestivo foi cortada da versão final. O
mesmo, por outro lado, não acontecera um ano antes com a antológica cena final de
“Quanto Mais Quente Melhor” (1959): ou seja, se o romance gay fosse sugerido como real
não era tolerado, se fosse para efeito cômico, aí continuava não havendo problema.
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AIDS. O representante máximo desse modelo talvez tenha sido o personagem de Tom
Hanks em “Filadélfia” (1993), que lhe garantiu um Oscar (e um exemplo de papel a ser
premiado num filme para tantos outros atores e atrizes que o repetiram).
diretor Gus Van Sant ganhou reconhecimento com “Garotos de Programa” (1991) em que
abordava o relacionamento entre 2 deles. Ou que o fenômeno australiano “Priscila – A
Rainha do Deserto” (1994), mesmo com todos os seus estereótipos, conseguiu apresentar
travestis a uma audiência ampla pela primeira vez na história do cinema.
Essas primeiras conquistas ecoaram pelos anos 2000, que observou um verdadeiro
boom na produção de filmes de temática gay. Pela primeira vez, em mais de 100 anos de
cinema, o personagem homossexual foi representado em todas as suas complexidades. E
deixou de ser o personagem para se tornar os personagens. Um garoto que descobre a
sua própria sexualidade pode, por exemplo, encontrar ecos e questões relevantes no
belo filme inglês “Delicada Atração” (1996), no divertido alemão “Tempestade de Verão”
(2004) ou no emocionante filme tailandês “The Love of Siam” (2007). Por outro lado,
aqueles que procuram o lado sócio-político do tema encontram diversos ângulos: o
político do grande “Milk” (2008), de Gus Van Sant, o religioso no brilhante e corajoso
documentário “For The Bible Tells Me So” (2007), sobre como famílias católicas ou
protestantes lidam com filhos e filhas homossexuais, ou o comportamental de “Kinsey”
(2004) que expôs a uma grande audiência as descobertas do doutor Alfred Kinsey sobre
a complexidade da sexualidade humana.
Se os critérios forem severos, podemos afirmar que o mundo tem apenas uma década e
meia de produção de filmes a respeito dos mais diversos aspectos que envolvem a
homossexualidade. O espaço de tempo é curto e certamente ainda há muito o que
desenvolver no que diz respeito aos filmes de gênero e às complexidades de
personagens gays. Se a nossa relação com o cinema pressupõe um diálogo que contribui
na nossa formação, essa produção frequente torna-se ainda mais necessária. Não se
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pode esquecer que, em 2006, “O Segredo de Brokeback Mountain”, o filme mais sério a
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respeitoda temática ENGLISHum grande
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público, inexplicavelmente perdeu o Oscar
de Melhor Filme, após ter levado as 2 estatuetas que definem uma grande produção (a de
Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Direção), para o inócuo “Crash”. Uma década e meia
de conquistas não apaga do inconsciente coletivo 100 anos de repressão. A mudança
apenas começou.
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24/02/2024, 08:36 O homossexual no cinema: o dilema da representação
Fábio Silveira
Formado em Comunicação Social - Jornalismo pela Escola de
Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Trabalha com
cinema e música. Foi Analista de Projetos Especiais no Instituto Gênesis
(PUC-Rio) e International and New Media Manager na Deckdisc.
Atualmente, é Label Manager Brazil da Altafonre Music Network.
16 COMMENTS
Gabi
30 de janeiro de 2017 às 12:34
Fábio, é sempre um prazer ler seus textos sobre cinema! Acho impressionante
como os últimos 100 anos foram capazes de fazer todo o comportamento humano
ser moldado a um modelo bem quadradinho. Esses modelos no cinema (e depois
televisão e internet) reforçam estereótipos que a gente acaba aceitando como
verdade…não conheço e confesso que não percebi as sutileza em muitos dos
filmes. Parabéns pela coluna! Bjs
Responder
Anthony
30 de janeiro de 2017 às 14:13
Café História
30 de janeiro de 2017 às 16:00
Café História
30 de janeiro de 2017 às 16:00
Café História
30 de janeiro de 2017 às 18:14
Èrico
30 de janeiro de 2017 às 20:09
Phelipe Veiga
30 de janeiro de 2017 às 22:50
Olá Fábio, excelente texto. Faço porém uma sugestão de correção: Priscila Rainha
do Deserto não tem nenhuma travesti em seu roteiro. Tratam-se de três drags,
sendo quem uma delas é transexual, porém não me lembro da personagem em
questão se identificar como travesti, ou nem mesmo de dizer de sua redesignação
ou não, tema comum às travestis. Sobre Brokeback Mountain, estava feliz pela
ausência dele, porém, apesar de ele aparecer no final, gostei que tenha sido citado
de modo a referenciar possível caso de preconceito da academia e não avanço na
representação das personagens gays, haja vista que o fim trágico tradicional marca
presença novamente.
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Antonio de Lion
19 de novembro de 2017 às 22:01
Artigo interessante e preciso. Indico dois equívocos: o primeiro é dizer que Divine é
uma travesti. Ela era uma drag queen e atuou dessa forma em várias produções do
Waters. Judith Butler, inclusive, destaca esta questão performática da construção
artística do feminino de Divine em “Gender Trouble”. Outro equívoco é falar que
“Pricila a Rainha do deserto” é sobre travestis… um comentário aqui já esclarece
isso. E lembre-se: travesti é sempre no feminino. Transexuais sim tem a variância
de gênero (a/o).
Responder
Texto muito bem erscrito, porém com faltas injustificáveis. Os filmes israelenses
“Do Outro Lado da Fronteira” e “Yossi e Jager” foram um salto importante na
abordagem do homossexual no cinema asiático, retratando no primeiro caso o
amor entre um palestino e um israelense, e no segundo o de dois soldados
israelenses no front setentrional da invasão israelense do Líbano. O assassinato
frio de Mustafá no primeiro aponta para a homofobia maior do lado árabe. A
temática sob o ponto de vista religioso ortodoxo retornaria em “O Pecado da
Carne”. No Extremo Oriente, “Adeus Minha Concubina” aborda o problema da
paixão entre um homossexual passivo por um hétero. No entanto o filme mais
antigo no tema é o alemão Verschiedene Als Anders, com participação do primeiro
a defender os direitos dos homossexuais, Magnus Hirschfeld (de cujo sobronome,
segundo algumas fontes, provém a palavra “veado!” para designar homossexual,
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posto queARTIGOS ENTREVISTAS
em alemão e iídiche, Hirsch/Hirzs NOTÍCIAS
significa veado.
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José carlos
11 de março de 2021 às 15:15
Carlos
14 de abril de 2021 às 23:18
Muito bom o texto. Hoje a temática homossexual pra muitos é modinha. Sou de
uma época em que tudo era pecado, então, já viu. Me impressiona o cinema
israelense com um país totalmente religioso, mas com bolsões de liberdade sexual.
Cito o filme A bolha.
Responder
Julio Gomes
28 de junho de 2021 às 21:58
Excelente texto.
Apenas senti falta da citação do francês “A Gaiola das Loucas” (1978), que, pelo
aparato cômico, conseguiu grande penetração (perdoe-me qualquer trocadilho) em
todo o mundo trazendo uma realidade homossexual em considerável
profundidade, sendo inclusive refilmado em Hollywood em 1996.
Responder
André
29 de junho de 2021 às 00:48
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