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A história do cinema está diretamente ligada à história recente da

humanidade. O desenvolvimento da chamada “sétima arte” acompanhou o


surgimento de diversas perspectivas sociais e científicas e, por isso, não é difícil
relacionar o mundo ficcional das telas com a realidade. No final do século XIX, a
sociedade então extremamente racista servia como alicerce para a produção de
filmes unicamente direcionados ao público branco e, além disso, com temáticas
discriminatórias. A realidade preconceituosa da época, portanto, contribuia para a
naturalização de tais abordagens no mundo cinematográfico. Com o passar dos
anos, foram surgindo noções essenciais acerca de direitos humanos e igualdade - o
cinema, assim, foi se adaptando aos novos cenários. Contudo, as raízes
preconceituosas da humanidade ainda segregam muitas minorias: comunidades
negras e LGBT’s, por exemplo, até hoje, não são devidamente respeitadas no
cinema, seja pela ausência de representatividade, seja pela a discriminação de
profissionais.
Retornando ao início do século XX, é importante citar o filme “O Nascimento
de uma Nação”. Lançado em 1915 e dirigido por D. W. Griffith, a obra retrata a vida
de duas famílias brancas no panorama da Guerra de Secessão. Posteriormente,
aborda o contexto pós-abolição da escravidão e, dessa forma, apresenta alguns
personagens negros. Tal apresentação, entretanto, é exacerbadamente racista -
esses personagens, no filme, assumem posturas de crueldade e violência, em
contraste às figuras brancas, retratadas sempre de modo doce e delicado. Essa
perspectiva se configura em uma cena da película que merece destaque: um
homem negro, atuando de forma completamente irracional e impulsiva, é atraído por
uma mulher e a persegue. Analogamente a uma “caça”, o homem corre em direção
à mulher até que esta, na beira de um penhasco, pula para escapar da perseguição.
Com a queda, ela morre. Essa cena, além de racista em sua essência, justamente
por retratar o negro como um “selvagem” e a mulher branca como sensível e
delicada (há, no filme, a sua comparação com um esquilo), também desperta
animosidade nos espectadores da época, que associam a morte da moça ao
homem. Inclusive, a continuação dessa cena é a descoberta da morte pelo irmão da
vítima que, disposto a deter essa “violência do negro”, funda a Ku Klux Klan, um
grupo de supremacia branca. O racismo presente na obra, então, era embasado (ou,
até mesmo, estimulado) pelo mundo real da época - o próprio diretor Griffith
identificava-se com os ideais supremacistas da Ku Klux Klan.
A sociedade, com o tempo, foi evoluindo, mas o racismo persistiu
vigorosamente. Talvez não de forma escrachada como anteriormente, mas as
concepções racistas no cinema ainda são tônicas de diversos debates. O
documentário “A Negação do Brasil”, do ano 2000, retrata os primórdios da
participação de negros no cinema brasileiro e a sua gradual evolução. Da mesma
forma, enfatiza a ainda existente discriminação. O longa comenta que o mito da
“democracia racial” - conceito proposto pelo antropólogo Gilberto Freyre o qual
afirmava que a miscigenação no Brasil garante a igualdade racial - , faz com que
indivíduos ignorem o preconceito na sociedade (e, por extensão, no cinema). O
racismo, dessa maneira, persiste de forma velada. Ademais, o documentário aborda
o inicial desprezo por atores e personagens negros e sua lenta valorização. O black
face (atitude em que um ator branco pinta-se com carvão para representar uma
pessoa negra), inicialmente considerado normal, hoje em dia, já é enxergado como
extremo preconceito e totalmente ofensivo. Tal atitude, inclusive, foi utilizada por
Griffith, em “O Nascimento de uma Nação”. Com a condenação dessa prática, atores
negros começaram a ser escalados, porém, na grande maioria das ocasiões,
possuíam papéis pequenos e desvalorizados, geralmente de subordinação a algum
branco - o papel de empregados domésticos, por exemplo, era um dos mais
frequentes. No decorrer do documentário, portanto, há a análise dessa cronologia de
inserção étnica no cinema, deixando clara, porém, a desigualdade ainda presente.
Todavia, não é apenas a discriminação racial que persiste no mundo
cinematográfco. A participação de LGBT’s em filmes também é extremamente
escassa e, além disso, a abordagem de temáticas homossexuais nos enredos das
obras é ainda encarada com aversão por muitas pessoas. Antigamente enxergada
como uma “doença”, a homossexualidade, embora por vezes ainda tratada como um
tabu, foi passando a ser respeitada. É sobre isso que aborda outro documentário,
chamado “A Fabulosa História do Cinema Gay”. Análogo ao “A Negação do Brasil”,
o filme também expõe a evolução cronológica de uma minoria nos cinemas - desta
vez, a comunidade LGBT. A obra narra que as primeiras aparições de relações
homoafetivas entre mulheres no cinema era direcionada ao público masculino
heterossexual. Somente muito tempo depois, porém, tais temáticas foram
produzidas como forma de afirmação e orgulho dos LGBT’s. Mesmo assim, da
mesma forma que a minoria negra, ainda falta uma representatividade efetiva de
homossexuais nos cinemas e, ainda mais, suas participações não devem causar
qualquer forma de aversão em quaisquer espectadores.
Por fim, conclui-se que, embora tenha o cinema todo o prestígio e a
valorização que merece, sua história foi (e ainda é) discriminatória. Desde a obra
racista de Griffith, até a exclusão de homossexuais das telas, o mundo
cinematográfico mostra que evoluiu, mas ainda tem um longo caminho pela frente.
Espera-se, portanto, que, no futuro próximo, atores, diretores, e seus filmes, utilizem
a influência que possuem para demonstrar os valores de igualdade e respeito.

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