Você está na página 1de 2

24/02/2024, 08:36 Folha de S.

Paulo - Cinema/EUA - Crítica: "Psicose" volta explícito e gay - 09/12/98

São Paulo, quarta, 9 de dezembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA/EUA - CRÍTICA
"Psicose" volta explícito e gay
AMIR LABAKI
de Nova York

Até na ausência de projeções prévias para a crítica, Gus Van


Sant procurou copiar Alfred Hitchcock em sua refilmagem
de "Psicose", lançada na última sexta- feira nos EUA. Uma
real preocupação com o mistério da trama pautou o sigilo em
1960. Agora, história fartamente conhecida, as razões não
parecem assim tão nobres.
Não que Van Sant tenha quebrado sua promessa. Seu
"Psicose" de fato praticamente retoma plano a plano o
clássico hitchcockiano. O enredo é o mesmo: secretária
rouba chefe, foge atabalhoadamente, desaparece ao escolher
mal onde parar e é procurada por sua irmã, seu amante e um
detetive.
O "Psicose" de Gus Van Sant parece a reencenação de um
texto clássico. Roteiro e diálogos originais foram
amplamente respeitados (Joseph Stefano assina ambos). A
fidelidade mantém-se também para a quase totalidade dos
ângulos e movimentos de câmera.
Mas há acréscimos. Van Sant explicita o que em Hitchcock
era elíptico. Primeiro, no tratamento da cor. Hitchcock rodou
em preto-e-branco para evitar o terror banal do sangue
vermelho da célebre cena do chuveiro. Van Sant transformou
seu filme num estudo em laranja (a verdadeira cor de sangue
aguado), perdendo em elegância e contundência.
Segundo, sexo. O "Psicose" original ainda explode de
erotismo. Sexo, e não dinheiro, é o centro do filme. Anthony
Perkins transforma Norman Bates num vulcão de
sexualidade indefinida e represada.
Van Sant simplifica tudo a partir de sua releitura
escancaradamente homossexual. Substituindo Perkins, Vince
Vaughn fez de Bates um gay afetado e insatisfeito, com
roupas justas e risinho histérico. Lila Crane, a irmã que
investiga, ressurge em versão lésbica na pele de Julianne
Moore.
Os novos planos, por fim. Van Sant faz Bates se masturbar
ao olhar, pelo buraco na parede, Marion se despindo. A
tensão dramática cai quando antes subia.
Os curtos planos do ataque no chuveiro são intercalados com
"takes" de nuvens agitadas. A estratégia se repete na cena da
escada com o detetive Arbogast. O close da queda é agora
interrompido por duas inserções: uma sedutora de máscara,
uma vaca no pasto. Nos dois casos, o simbolismo é óbvio e

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq09129811.htm 1/2
24/02/2024, 08:36 Folha de S.Paulo - Cinema/EUA - Crítica: "Psicose" volta explícito e gay - 09/12/98

dispensável.
O novo "Psicose" custou US$ 25 milhões. Não arrecadou
nem US$ 10 milhões nas bilheterias no fim-de-semana de
estréia. Gus Van Sant o dedica a Hitchcock. Não teria sido
uma homenagem maior, e mais barata, restaurar e relançar o
original?

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em
qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq09129811.htm 2/2

Você também pode gostar