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Cinema Independente: Resistência ao Monopólio dos Blockbusters

Por Edemilson Roberto da Silva Junior

Distribuído pela Inquieta Filmes, “Organismo”, único longa-metragem dirigido pelo já


falecido Jeorge Pereira, chegou aos cinemas em 25 de abril de 2019. A obra conta a
história de Diego, um jovem que se torna tetraplégico após um acidente – baseada
em histórias reais coletadas pelo diretor baiano, também cadeirante. O filme foi visto
por poucas pessoas em escassas salas. No mesmo dia, no entanto, estreava
“Vingadores: Ultimato” que alcançaria a imponente bilheteria de 2,798 bilhões de
dólares. Neste, super-heróis voltam no tempo para deter um vilão extraterreste que
matou inúmeros seres pelo universo. Apesar de estrearem juntos, uma diferença
exorbitante de público os separa. Assim, o que tornou uma projeção tão mais popular
que a outra?
Das águas turbulentas de “Tubarão”, dirigido por Spielberg, em 1975, emergia uma
nova forma de se produzir cinema. No horário nobre de televisão, foi anunciado a
estreia do filme – uma estratégia de marketing inédita. A ligação entre o cinema, a
televisão e a mídia física se estruturava. Era o nascimento dos chamados blockbusters
– que dominam os cinemas até hoje. Eles costumam ter narrativas no formato clássico
– linearidade da trama, causa e efeito. Há, em sua maioria, o uso de gêneros – terror,
ação, comédia. E, como fator primordial, um alto investimento em propagandas. De
tal modo, o Estados Unidos dominou definitivamente o mercado cinematográfico
internacional – inclusive o brasileiro.
Invés de perder forçar ao se alinhar com outras mídias, o cinema se instaurou como
um produtor de conceito. “Guerra nas Estrelas”, dirigido por George Lucas, estendeu
sua história para o mercado de brinquedos – criando uma coleção de bonecos com
os personagens. “O Exterminador do Futuro” (James Cameron) expandiu seu universo
para clipes musicais. Surge, assim, o high-concept. As narrativas audiovisuais deixam
de ser algo exclusivo das salas escuras para se tornarem amplos fenômenos culturais.
Alguns pesquisadores começam a chamar esse período de “cinema pós-clássico”.
Contudo, muitos escritores - como David Bordwell - não concordam com termo, pois
afirmam que a mudança instaurada ocorria apenas na “cadeia de produção
cinematográfica” e não transpassava para a narrativa – que permanecia muito
semelhante ao formato clássico.
Ao mesmo tempo que a indústria hollywoodiana buscava um monopólico cultural
global, o cinema independente estadunidense focava em questões opostas. Assim,
enquanto “Tubarão” revolucionava o mercado, no final dos anos 70 surgia o
movimento new american independent film, influenciado por John Cassavetes, que
rompia com muitas convenções. A forma como este diretor Greco-americano filmava:
com a câmera na mão, vários close-ups e personagens de sentimentos efervescentes
– confusos e frustrados - inspirou diretores como Martin Scorsese (Taxi Driver) e John
Waters (Pink Flamingos). O movimento bebia de duas grandes fontes: os filmes de
Exploitation e os denominados Cults.
Anteriormente, nos anos 60, o new american cinema ou american new wave já se
estabelecia como antítese ao modo hollywoodiano. Maya Deren, considerada a
pioneira, fazia “a ligação entre a vanguarda europeia dos anos 1920 e a new wave
americana surgida após a Segunda Guerra Mundial”, explicam Thomas Bohn e
Richard Stromgren, no livro “Light and Shadows: A History of Motion Pictures”.
Buscava-se um experimentalismo e independência dos estilos padronizados da
grande indústria - explorando a linguagem cinematográfica e narrativas mais
intimistas. Era o início de uma nova geração de cineastas independentes que
expressavam suas visões e autorias, opondo-se ao “modo de estúdio”.
Emanuel Levy, crítico e professor de cinema, define que “idealmente, um indie é um
filme de baixo orçamento, com um estilo corajoso, sobre um assunto inusitado, que
expressa a visão pessoal de seu diretor”. Ainda hoje, muitos filmes independentes
persistem com esse preceito – o brasileiro “Organismo”, de Jeorge Pereira, é um
exemplo. Entretanto, geralmente acabam ofuscados pelos blockbusters, como
“Vingadores: Ultimato” - que através de complexas campanhas publicitárias
monopolizam as salas de cinema para alcançar bilheterias bilionárias, expandindo
ainda mais suas fronteiras através do high-concept.

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