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ANGELUS MAGNO DE ARAÚJO MELO

CINEMA QUEER: DO ARMÁRIO PARA AS TELAS

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO - UNICAP

Recife – PE
2014
ANGELUS MAGNO DE ARAÚJO MELO

CINEMA QUEER: DO ARMÁRIO PARA AS TELAS

Trabalho de Conclusão de Curso para a Especialização em Estudos


Cinematográficos.

Professor- orientador:
Alexandre Figueirôa

Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP

Recife – PE
2014

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ……………………………………………………..........……...…............ 04

REFERENCIAL TEÓRICO .......................................................................................... 06

1. FILMES SOBRE REJEIÇÃO À HOMOSSEXUALIDADE …………...................... 08

2. FILMES SOBRE TENTATIVA DE MUDANÇA …………………..........…............. 15

3. FILMES SOBRE ACEITAÇÃO DA HOMOSSEXUALIDADE …......…................ 22

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........……………………….......………....................... 28

REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 30

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INTRODUÇÃO

Tornar pública a homossexualidade é algo que traz variadas reações e


consequências, sendo a mais comum a rejeição familiar e social. Outros tentam
sem sucesso mudar sua identidade sexual para se tornarem aceitos na sociedade
heteronormativa e conservadora. Apesar disso, nos últimos anos tem se tornado
mais frequente a aceitação e até a simpatia pela diversidade sexual.
As diversas expressões artísticas no mundo retratam todos esses aspectos
da revelação da homossexualidade, de inúmeras maneiras. A sétima arte não é
diferente: aos filmes que retratam a diversidade sexual é atribuída a denominação
cinema queer. Neste trabalho, a abordagem será nos filmes sobre a revelação
pública da homossexualidade, popularmente conhecida como sair do armário. Os
títulos pesquisados foram classificados nas seguintes categorias: rejeição,
tentativa de mudança e aceitação, tal qual mencionado no primeiro parágrafo.
Os filmes de rejeição são aqueles em que a homossexualidade do
protagonista não é aceita por seus coadjuvantes, sejam eles família, amigos ou
outros grupos. São trabalhos que revelam o machismo e a heteronormatividade
das sociedades em geral, alegando que todos os que divergem deste padrão não
merecem respeito nem direitos. Os personagens que saem do armário ou são
descobertos por terceiros geralmente deixam seus lares e tornam-se infelizes por
um longo tempo, sendo também agredidos verbal e fisicamente.
Os filmes de tentativa de mudança, como diz o próprio nome, são aqueles
em que os protagonistas tentam mudar a própria orientação sexual e se tornarem
héteros, visando serem socialmente aceitos. Geralmente acontece por pressões
familiares, pela mesma razão que os filmes de rejeição. Garotos considerados
afeminados, por exemplo, são obrigados a exercer atividades vistas como
másculas, dentre as quais o futebol, artes marciais e até ingressar no exército. O
mesmo acontece com as garotas que não se interessam pelas atividades
rotuladas como femininas, dentre as quais brincar com bonecas ou preocupar-se
com vestuário e maquiagem.

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Em ambos os casos, os personagens têm forte sentimento de culpa e tentam
sentir prazer realizando atos com pessoas do sexo oposto. Há casos em que
decidem reprimir sua homossexualidade, casar e ter filhos, afirmando que
mudaram. Outros sofrem ao tentar e resistem à mudança, permitindo-se viver o
que realmente são.
Já os filmes de aceitação são aqueles em que os coadjuvantes apoiam o
protagonista quando sai do armário ou vive um relacionamento homossexual.
Pode até haver uma preocupação no início, mas os amigos do personagem se
desculpam e se mostram abertos à sua maneira de viver, defendendo-os daqueles
que são contra. Como exemplo, há filmes em que famílias hétero recebem com
afeto os casais gays ou lésbicos. Homens gays costumam ter mulheres como
confidentes, sejam elas suas mães ou suas melhores amigas.
Com base nessa esquematização, o presente trabalho tem como finalidade
realizar uma monografia acerca da revelação pública da homossexualidade no
cinema. Ao longo do texto, as três categorias anteriormente apresentadas serão
explicadas com uma filmografia correspondente. A relevância do tema se deve ao
fato dele ser muito frequente em filmes de abordagem LGBT, uma vez que se trata
de um momento delicado para a maioria dos que integram a chamada diversidade
sexual.
Do princípio do século XX, quando a sétima arte começou a ser
desenvolvida, até os tempos atuais, são inúmeros os retratos do sair do armário.
Como seria impossível no âmbito desse trabalho fazer um levantamento exaustivo
com todos os filmes sobre o tema, apresentamos e serão analisados alguns títulos
que consideramos emblemáticos ao longo da história do cinema versando sobre o
assunto.

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REFERENCIAL TEÓRICO

Ao longo da história, foram diversos os conceitos elaborados sobre a


homossexualidade e tentativas de justificar sua rejeição ou mudança para a
heterossexualidade. Kaplan e Sadock, em seu Compêndio de psiquiatria dinâmica,
citam uma teoria de Bieber na qual ele afirma:

Bieber (...) argumentou que a heterossexualidade é o estado humano


biologicamente normal. Em sua opinião, experiências familiares
patogênicas precoces resultam no aparecimento da homossexualidade.
Para os homens, essas experiências resultam primariamente de uma mãe
sufocante e sedutora e de um pai passivo, hostil, isolado ou ausente
(BIEBER apud KAPLAN, SADOCK, 1984, p.484).

Ainda que nos anos 1970 a homossexualidade tenha sido tirada da


classificação de distúrbio da Associação Americana de Psiquiatria, o preconceito e
a rejeição prevaleciam em inúmeras sociedades e setores. Desta forma, o cinema
em geral retratava gays, lésbicas e transgêneros em condições de inferioridade,
como relata Antônio Moreno em A personagem homossexual no cinema brasileiro:

(...) O homossexual seria, em síntese: um sujeito alienado politicamente;


existente em todas as classes sociais, com preponderância na classe
média baixa, onde, geralmente, tem um subemprego; de comportamento
agressivo e que usa, frequentemente, um gestual feminino exacerbado, o
que se estende ao gosto pelo vestuário; e que, nos relacionamentos
interpessoais, mostra tendência à solidão e é incapaz de uma relação
monogâmica, pois utiliza-se de vários parceiros, geralmente pagos, para
ter companhia (MORENO, 2001, p. 291).

Nas palavras do autor, é um modelo cruel, marcado pelo preconceito e a


incompreensão, o deboche e a caricatura. O uso do estereótipo pejorativo, visto
em filmes como A Rainha Diaba (1974), de Antônio Carlos Fontoura, e República
dos assassinos (1979), de Miguel Faria Jr., seria usado pelo temor de um autor se
envolver profundamente na questão gay, evitando abrir perspectivas de reflexão e
debate. Em contraste com estes exemplos, há títulos citados na mesma obra que

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tratam o tema de maneia mais ética e humanista, como O menino e o vento
(1966), de Carlos Hugo Christensen, e Vera (1986), de Sérgio Toledo.
Tanto no cinema quanto na vida real, o fato de a homossexualidade ser
rotulada como pejorativa dificulta muitas pessoas viverem e revelarem sua real
identidade sexual. O conceito de Bieber citado por Kaplan e Sadock no início do
texto é chamado de heteronormatividade, que chega a influenciar também as
relações entre parceiros do mesmo sexo. Um exemplo muito mostrado em filmes
são casais homoafetivos formados por um personagem masculinizado e outro
afeminado. Independente disso, o sair do armário ou a revelação pública da
homossexualidade são retratadas desde o princípio do cinema, em diferentes
pontos de vista.
Na primeira metade do século XX, a homossexualidade no cinema era por
vezes retratada de forma implícita, devido à forte censura na maioria dos países.
Segundo Ronald Bergan no Guia ilustrado Zahar cinema, em 1934, nos Estados
Unidos, foi criado o rígido Código de Hays, que atuava em cooperação com a
Legião Católica da Decência. Neste código, os membros da Agência de Hays,
para a qual todos os roteiros americanos tinham de ser enviados,
comprometeram-se a condenar todos os filmes que não estivessem de acordo
com a moral cristã da época.

(...) Entre as proscrições estavam: profanação, nudez, perversão sexual,


miscigenação e cenas de parto. (...) Ainda que inibindo alguns cineastas,
ele ajudou a garantir um fluxo constante de entretenimento familiar de
qualidade (BERGAN, 2006, pp. 34-35)

Dentre as perversões sexuais inclusas na censura estavam a


homossexualidade, razão pela qual era mostrada apenas por insinuações no
cinema. Os trabalhos aprovados pelo Código de Hays recebiam um Selo de
Aprovação em cada cópia impressa dos filmes. Entretanto esta censura começou
a perder sua importância a partir dos anos 1950, quando certos filmes passaram a
ser lançados sem o selo.

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Ao final dos anos 1970 e início dos anos 1980, teóricos iniciaram estudos
voltados à análise sociocultural da diversidade sexual. Tratam-se dos estudos da
teoria queer, nome inicialmente pejorativo para chamar os homossexuais, mas
depois transformado em um termo positivo e em uma afirmação “orgulhosa e
definitiva” da diferença, nas palavras de Robert Stam (2004, pg. 289). Foi neste
momento que não só o cinema, como qualquer expressão relacionada à
homossexualidade recebeu o nome de queer.
Com a chegada do século XXI, há uma proliferação de filmes queer com o
tema da revelação da homossexualidade. Sobre isso, Barbara Mennel, em seu
livro Queer cinema – Schoolgirls, vampires and cowboys, afirma:

(...) Por um lado, a década passada testemunhou um destaque,


especialmente em Hollywood, que prolifera e normaliza os personagens e
temas gays e lésbicos. (...) Por outro lado, o cinema queer internacional se
prolifera em diversas maneiras que excedem os limites de uma descrição
(MENNEL, 2012, p. 112).

1. FILMES SOBRE REJEIÇÃO À HOMOSSEXUALIDADE

Para este capítulo, foram analisados quatro filmes queer de épocas


diferentes, que têm como ponto forte a rejeição ao personagem que revela sua
homossexualidade. Do início do cinema foi escolhido o americano A Florida
enchantment (Um encanto da Flórida, em tradução literal), de 1914, dirigido por
Sidney Drew. Da década de 1960, foram analisados dois títulos: o também
americano Infâmia (The children’s hour), dirigido por William Wyler, e o britânico
Meu passado me condena (Victim), de Basil Dearden, ambos de 1961. Como
exemplo contemporâneo, analisou-se o italiano O primeiro que disse (Mine
Vaganti), dirigido por Ferzan Özpetek e lançado em 2010.
A Florida enchantment (figura 1.1) foi originalmente um longa-metragem,
porém suas cópias se perderam ao longo do tempo. Após vários anos, foram

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encontrados fragmentos de pouco minutos do filme, que, ao ser restaurado,
tornou-se um curta. Esta versão conta a história de uma mulher chamada Lillian,
que, ao engolir uma semente mágica, começa a ter comportamentos lésbicos.
Sem acreditar no incidente, seu marido Fred também engole a semente e se torna
um homossexual bastante afeminado.
Sendo uma comédia, o filme lança mão de elementos caricatos. A jovem
Lillian inicialmente age com delicadeza e humildade, mas ao engolir a semente,
adota uma postura imponente, parecendo ser um homem orgulhoso de sua
masculinidade. Durante um baile, ela recusa dançar com Fred, tratando-o de
forma rude, e prefere dançar com outra mulher. A atitude de Lillian não chama a
atenção de outros coadjuvantes, porém seu marido, que ainda não havia tomado a
semente, resolve dançar valsa com outro homem. O casal masculino, entretanto, é
proibido de dançar, o que os faz ir embora.

Figura 1.1: Após engolir uma semente mágica, a jovem Lillian troca o marido Fred por outras mulheres em A
Florida enchantment (1914) (Imagem: Vitagraph Company of America).

Em outro plano, Lillian veste um terno e usa cabelo curto, tornando-se


totalmente masculinizada. Ela passa a se chamar Lawrence, e em certo momento,
o marido tenta beijá-la, porém ela o recusa com a mesma grosseria com que o

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tratou no baile. Fred então engole uma semente mágica e começa a gesticular
delicadamente, razão pela qual é debochado por Lawrence, além de
posteriormente ser perseguido pelos vizinhos por se vestir de mulher.
A Florida enchantment é um filme mudo, e na tela aparecem descrições das
cenas, algo típico desta época. Em nenhuma delas, porém, são vistas palavras
como homossexual, lésbica, bissexual ou travesti, tampouco termos chulos a eles
relacionados. A diversidade sexual é mostrada como uma loucura, truque de uma
semente mágica. No final do filme, Lillian acorda, vestida de mulher novamente, e
conta a Fred que teve um pesadelo.
O longa-metragem Infâmia (figura 1.2) conta a história de duas jovens
professoras, Karen Wright (Audrey Hepburn) e Martha Dobie (Shirley MacLaine),
que supostamente vivem um romance. Juntas são donas da escola Wright-Dobie
para meninas, onde também trabalha a senhora Lily, tia de Martha, com quem vive
sempre em conflito. Dentre as pequenas alunas está a indelicada Mary (Karen
Balkin), que sempre desrespeita suas professoras.
Nas primeiras cenas do filme, há apenas insinuações de homossexualidade
entre as duas protagonistas, tanto em seus olhares como nos diálogos que
revelam afeição. A professora Karen está noiva de um médico, Joe Cardin (James
Garner), mas sua colega Martha sempre o trata com frieza e grosseria, revelando
não gostar de sua presença.
A senhora Lily acredita que Martha não aprova o casamento de Karen, e
afirma que a sobrinha parece ter ciúmes da colega, o que seria anormal para a
época. Ao ouvir os boatos sobre Martha e Karen, a pequena Mary mente para a
avó que as donas do colégio vivem um relacionamento. Entretanto, as palavras
homossexual ou lésbica não são escutadas em cena: a menina sussurra no
ouvido de sua avó, que logo revela uma expressão de revolta.
O filme revela que, na época em que a história é ambientada, a
homossexualidade era crime. Quem era acusado de homossexual ou cumpria
pena jurídica ou era segregado de toda a sociedade. O último caso foi o que
aconteceu com s duas professoras: os pais de suas alunas as tiraram do colégio e

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mais tarde descobriram que ambas foram acusadas publicamente, chegando a
estampar capas de jornais.
Karen e Martha entram em desespero e passam a se sentir culpadas pelo
incidente, como se tornassem infelizes para sempre. Depois de um longo tempo,
Martha explica que de fato amava a sua colega, porém se suicida ao final do filme.
Mesmo tendo o apoio do doutor Joe, seu noivo, Karen não se casa com ele e
decide ir em frente sozinha. Nesta cena o filme se encerra.

Figura 1.2: No filme Infâmia (1961), Martha (à direita) não esconde seu ciúme por Karen, noiva de Joe
(Imagem: MGM Home Entertainment).

Já o filme Meu passado me condena (figura 1.3) é o primeiro longa-


metragem em língua inglesa a ter a palavra homossexual em seus diálogos.
Classificado na época para acima de dezesseis anos, tinha como ponto principal
as chantagens feitas a homens gays enrustidos, pelo fato de a homossexualidade
ainda ser crime, tal qual foi explicado anteriormente. Uma das vítimas é o
protagonista Melville Farr (Dirk Bogarde), um advogado bem-sucedido prestes a
ser nomeado para um cargo superior. É casado com uma mulher chamada Laura
(Sylvia Syms).

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Durante algum tempo, o Sr. Farr se relacionou secretamente com um jovem
trabalhador chamado Jack Barret (Peter McEnery), a quem costumava dar carona
em seu carro. Barret foi deixado pelo advogado, mas voltou a procurá-lo tentando
alertar de que estava sendo chantageado por alguém que tinha uma fotografia dos
dois juntos. Melville Farr se recusa a falar com o ex-amante, porém descobre a
verdade depois que o rapaz se suicida na prisão.

Figura 1.3: Meu passado me condena (1961) tem como foco as chantagens feitas a homossexuais, dentre os
quais o advogado Melville Farr (à direita) (Imagem: Rank Film Distributors).

Na maior parte do filme, o ator Dirk Bogarde interpreta seu personagem com
expressão fria e séria, tentando esconder seu medo e insegurança. Já Peter
McEnery, intérprete de seu jovem amante, não esconde a aflição e sempre está
agitado, com os olhos arregalados. Em sua fuga, o rapaz rasga e esconde um
álbum de fotos do advogado Farr, o que os policiais inicialmente pensam se tratar
de um ídolo do acusado. Não se vê personagens trocando carícias, nem sequer
beijos no rosto. A homoafetividade é revelada por olhares profundos de
personagens gays.
Um dos pontos cruciais do filme é quando a esposa Laura vê escrito na porta
da garagem: “Farr é bicha!”. Nisso, o marido se vê obrigado a contar a verdade
para a mulher, que inicialmente se entristece, mas decide não abandoná-lo e lhe

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auxiliar como puder. No final do filme, após os chantagistas serem presos, a
fotografia é exibida para o público: Farr chora ao lado de Barret, dentro do carro.
Em uma cena anterior, é descrito que se tratava do momento em que o advogado
precisou terminar o relacionamento com o rapaz. Porém, ao contrário do que é
visto em Infâmia, seu caso não é revelado publicamente, ainda que tenha
comunicado o incidente a algumas pessoas de sua confiança. O filme encerra com
a foto jogada na lareira.
Já o longa italiano O primeiro que disse (figura 1.4) conta a história de
Tommaso (Riccardo Scamarcio), o filho caçula do dono de uma fábrica de
macarrões, cuja família mora em uma cidade do interior. Tommaso é um
homossexual enrustido e planeja se revelar para a família, de modo que o pai
conservador o expulse de casa e assim não ter que assumir os negócios da
fábrica. O desejo do rapaz é ser escritor e viver ao lado do seu namorado, que
mora em Roma. Ele confidencia o plano ao seu irmão mais velho, Antonio
(Alessando Preziosi), também homossexual. Porém no dia em que o irmão mais
novo daria a notícia, o mais velho toma a palavra e sai do armário, levando o
destino que seria do protagonista. Irado e decepcionado, o pai não quer mais
saber do primogênito e confia ao caçula todos os seus negócios.
Na maior parte do filme, o ator Riccardo Scamarcio, assim como Dirk
Bogarde em Meu passado me condena, não sorri. Ele se mantém com um olhar
sério e apreensivo, na ansiedade de se revelar. Usa vestes discretas, como
camisa de botões, provavelmente para esconder melhor sua homossexualidade.
Entretanto, os personagens falam abertamente sobre o tema, inclusive tentando
defender o irmão que foi expulso. O pai, além de não aceitar, revela estar
inseguro, pois teme ser alvo de fofocas de toda a vizinhança.
Há um momento em que o namorado de Tommaso e seus amigos, também
homossexuais, decidem visitar o protagonista. Porém, como são afeminados e
gesticulam demais, precisam se controlar e disfarçar para que, na casa, ninguém
pense que são gays. Mas de pouco adianta: na mesa de jantar, um dos
personagens dá um grito agudo e depois se assusta com o que fez.

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Posteriormente, outro amigo se aproxima de um dos familiares do protagonista,
como se quisesse namorá-lo.
Dentro de sua casa, sem chamar a atenção, o protagonista e seu namorado
se beijam e trocam carícias na cama. Em uma cena de praia, os três amigos do
casal dançam sensualmente de sunga, imitando uma cantora famosa. Tommaso
observa e permanece quieto, devido à repressão que sofre, mas sua expressão
demonstra vontade de se juntar a eles na dança. É um dos poucos momentos em
que o personagem sorri no filme.
Já nas últimas cenas, Antonio retorna à sua cidade. Pouco depois de seu
retorno, a avó dos irmãos morre e o mais velho acompanha a família na marcha
fúnebre. O pai inicialmente se recusa a olhá-lo, mas em uma festa no final do filme
ele é visto segurando a mão do primogênito. Não está claro, porém, se houve uma
aceitação da homossexualidade do rapaz.

Figura 1.4: Antonio (à esquerda) e Tommaso (à direita), os irmãos homossexuais do filme O primeiro que
disse (2010) (Imagem: Imovision).

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2. FILMES SOBRE TENTATIVA DE MUDANÇA

Da mesma forma que o capítulo anterior, para este texto foram analisados
quatro títulos queer de diversas épocas. Do início do cinema, o curta americano
Algie, the miner (Algie, o mineiro, em tradução literal), de 1912, dirigido e
produzido por Alice Guy. Do final da década de 1950, o longa-metragem também
americano Chá e simpatia (Tea and sympathy, 1956), dirigido por Vincente
Minnelli, baseado na peça homônima de Robert Anderson. Dos anos 1990, o filme
francês Minha vida em cor-de-rosa (Ma vie en rose), de 1997, dirigido por Alain
Berliner. E como exemplo mais recente, o longa canadense C.R.A.Z.Y – Loucos
de amor (C.R.A.Z.Y., 2005), de Jean-Marc Vallée.
Com o ator Billy Quirk no papel principal, a comédia Algie, the miner (figura
2.1) é sobre Algie Allmore, um rapaz delicado e afeminado que mora na cidade.
Ele está noivo de uma moça, mas para ter sua mão, o pai dela o obriga a durante
um ano provar que é homem. O rapaz, então, decide trabalhar como mineiro no
interior.
O filme revela que, mesmo tentando agir com masculinidade, Algie não
esconde suas tendências homossexuais. Gesticula delicadamente várias vezes e
até beija caubóis na boca, algo dificilmente visto nas telas nessa época. O ator
Billy Quirk sorri mais do que outros homens no filme e tem uma maquiagem
levemente feminina que o distingue dos outros personagens masculinos. Em
suma, o mineiro Algie é mostrado como um irreverente palhaço, alvo de piadas de
quem o vê.
Ao longo do filme, o protagonista começa a perder seus trejeitos
homossexuais e passa a ser tratado como igual entre seus colegas de trabalho.
Tal aspecto lança a ideia de que a tentativa de mudança de Algie foi bem
sucedida. No final do curta, ele retorna à sua cidade e lhe é permitido casar com
sua namorada.

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Figura 2.1: Em Algie, the Miner (1912), o protagonista vai ao interior para ser homem, mas não resiste aos
seus desejos homossexuais (Imagem: Motion Pictures Distributor and Sales Company).

Mais de quarenta anos depois de Algie, the miner, o filme Chá e simpatia
(figura 2.2) trata da homossexualidade de forma menos clara. Conta a história do
jovem Tom Lee (John Kerr), de dezessete anos, que está hospedado na mansão
do casal Reynolds para treinar esportes com outros rapazes. Entretanto, Tom não
é como os outros garotos: sensível e delicado, prefere atividades na época vistas
como femininas, dentre as quais jardinagem, costura e música. Por isso seus
colegas o chamam pejorativamente de irmãzinha, o que deixa seu pai bastante
aborrecido, pois deseja que o filho a todo custo seja um homem.
O treinador de Tom e seus colegas é o senhor Bill Reynolds (Leif Erickson),
dono da mansão, que embora ache o protagonista ridículo, demonstra certa
tolerância ao seu comportamento. Entretanto, a doce e compreensiva Laura
Reynolds (Deborah Kerr), esposa do professor, acolhe o rapaz e o ajuda a
encontrar sua própria identidade. Tom gosta de passar a maior parte do tempo
com ela, recebendo chá e simpatia – daí o título do filme. Laura é uma mulher
bastante avançada para o tempo, e afirma que junto à virilidade, o homem precisa

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ter afeto e sentimentalismo. A atitude da senhora, porém, desperta ódio em seu
marido, que aparenta ter ciúmes, e no pai do garoto, que a acusa de desviá-lo de
seu objetivo.

Figura 2.2: A senhora Reynolds ampara o delicado Tom Lee, que é chamado pelos colegas de “irmãzinha” em
Chá e simpatia (1956) (Imagem: MGM).

Na maior parte de suas cenas, o personagem Tom Lee é visto com uma
profunda melancolia e medo, especialmente no olhar. Sua movimentação é rígida
e tensa. Enquanto isso, seus colegas se expressam com bastante euforia, seja
nos jogos onde provam a masculinidade ou nos momentos em que debocham de
Tom. O protagonista, como outros rapazes, veste camisa de botões e calça, mas
seu cabelo é um pouco maior do que o deles e usa um topete, sempre se
recusando a cortar o cabelo por ordem do pai.
Na época em que o longa foi rodado, não era permitido mostrar carícias
explícitas entre homens e sequer pronunciar a palavra homossexual. Os diálogos
sobre o tema não são claros, resumindo-se a uma ideia de desvio de
comportamento e disciplina.
Em sua tentativa de mudança, um de seus colegas tenta ensiná-lo a ter
trejeitos másculos, aos quais Tom não consegue se adaptar. O protagonista tenta
se relacionar com mulheres: primeiro com Laura Reynolds, beijando-a na boca, e

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em seguida com uma atraente garçonete, que também o chama pejorativamente
de irmãzinha. Após este momento, Tom tenta se suicidar com uma faca e
posteriormente foge de casa.
A senhora Reynolds decide procurar o rapaz e o encontra no meio de uma
floresta. Ela lhe diz que o beijo que dele recebeu foi o melhor que já sentiu, e
afirma que um dia ele irá encontrar uma garota que corresponda aos seus valores.
Ao final do filme, quando Tom lê uma carta de Laura, ela diz em voz over que o
parabeniza por ter se casado. Com isso, Chá e simpatia retrata outra mudança
bem-sucedida, tal qual em Algie, the miner.
Minha vida em cor-de-rosa (figura 2.3), vencedor do Globo de Ouro e
indicado para mais de 14 prêmios internacionais, conta a história de um menino de
sete anos chamado Ludovic (Georges Du Fresne), cujo maior sonho é tornar-se
uma menina. O garoto gosta de usar roupas e acessórios femininos, mas sua
família é contra tal atitude, alegando que é ridículo e que ele sempre será um
menino.
A linguagem cinematográfica do filme revela momentos imprevisíveis. Logo
no início do filme, quando o pai de Ludovic apresenta seus filhos em uma festa de
boas-vindas, ele chama pela filha Zoé. A visão do espectador sobe a escada de
sua casa e mostra um quarto onde uma criança, vista de costas, usa um vestido e
passa batom nos lábios, sem mostrar totalmente seu rosto. Esta criança, que tem
cabelos em tamanho médio, é vista descendo as escadas e aparece em público, o
que faz pensar que é Zoé. Entretanto, trata-se da primeira aparição de Ludovic, e
sua irmã aparece logo em seguida dizendo que o menino pegou seu vestido de
princesa.
Outro momento imprevisível no filme é durante uma peça de Branca de Neve
e os sete anões, interpretada pelos alunos da classe de Ludovic. O protagonista
interpreta um anão, e num intervalo, a menina que vive a princesa da história se
ausenta para ir ao banheiro. Com certo atraso, a pequena Branca de Neve
reaparece coberta por um véu, partindo para o caixão cenográfico onde será
beijada pelo príncipe encantado. Entretanto, antes do beijo, seu véu é
acidentalmente puxado pelo príncipe e todos descobrem que é Ludovic, o que

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choca a plateia formada pelos pais das crianças. Em seguida há um corte para a
porta do banheiro, trancada por uma cadeira, na qual a verdadeira intérprete da
princesa grita pelo menino que usou sua fantasia.
A personagem de televisão que Ludovic mais gosta se chama Pam, uma
delicada jovem loura que possui poderes de fada, como voar e lançar feitiços.
Semelhante à famosa boneca Barbie, ela vive em um mundo colorido e tem um
romântico namorado que se chama Ben. A música-tema de Minha vida em cor-de-
rosa toca no seriado de Pam, acompanhada de uma coreografia especial bastante
imitada não só por Ludovic, mas também por seus familiares. Em vários
momentos o menino se imagina no mundo da boneca, vestido como uma menina
e prestes a se casar com outro menino, filho do chefe do seu pai. Este garoto
também é seu colega de classe, e foi o interprete do príncipe na peça de Branca
de Neve, razão pela qual o protagonista se vestiu da princesa.

Figura 2.3: Ludovic, o menino que sonha em ser menina em Minha vida em cor-de-rosa (1997) (Imagem: Sony
Pictures Classics).

Em contraste com Chá e simpatia, Minha vida em cor-de-rosa possui


diálogos claros sobre o tema em questão. Quando a mãe de Ludovic conta que o

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menino foi levado a uma psicóloga, uma de suas vizinhas conta que assistiu a um
programa sobre transexuais, dizendo que sentiria vergonha se um filho dela
aparecesse como mulher. Após a cena em que sua irmã Zoé revela ter
menstruado, o pequeno protagonista afirma querer menstruar também, para ser
uma garota de verdade. Durante a pesquisa, percebeu-se que a menarca também
é um tema pouco explorado no cinema, e não era sequer mencionada em
décadas anteriores.
A avó de Ludovic é uma das únicas pessoas que sabe lidar com a
sexualidade do menino. Ela o ampara em seus momentos de desespero e até o
incentiva a manter seus sonhos. Entretanto, após inúmeros conflitos, o
protagonista foge de casa várias vezes, o que preocupa sua família. A sequência
mais marcante é após uma festa infantil, quando Ludovic encontra um outdoor
com uma propaganda da Pam e sobe uma escada, entrando em seu mundo
colorido. A mãe do menino o segue e chega a observar o filho pedindo à
personagem que o leve para bem longe, onde ele seja aceito.
Sendo um filme rodado nos anos 1990, anos após inúmeras lutas do
movimento LGBT, a tentativa de mudança no filme é mal sucedida, revelando que
esta não é possível, ao contrário dos exemplos anteriores deste texto. A mãe de
Ludovic desmaia ao vê-lo conversar com Pam, mas ao acordar e perceber que foi
um sonho, ela decide aceitar seu modo de ser e lhe permite se vestir de mulher.
Já em C.R.A.Z.Y – Loucos de amor, o garoto Zachary Beaulieu (Marc-André
Grondin) tenta de várias maneira viver sua homossexualidade. Filho de uma
família extremamente machista e conservadora, na infância prefere brincadeiras
de menina, como andar conduzindo um carrinho de bebê. A partir da
adolescência, descobre aos poucos que têm atração sexual por homens, mas
procura reprimir devido às pressões familiares, especialmente do pai. Em diversos
momentos o rapaz se relaciona com garotas, embora por pouco tempo.
A adolescência de Zachary é ambientada na década de 1970, época da
estética psicodélica, repleta de cores fortes, além de artistas com aparência
andrógina, como o cantor David Bowie. Assim é o protagonista, de cabelos lisos
acima do ombro, que em uma das cenas imita Bowie com a clássica pintura facial

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no formato de um raio. Na parede de seu quarto está pintada a arte da capa do
disco The dark side of the moon (1973), da banda britânica Pink Floyd, na qual um
dos elementos que mais chama atenção é um arco-íris. Este fenômeno natural é
considerado o símbolo do Orgulho Gay, e no filme aparenta ser associado à
sexualidade do personagem principal.
Os diálogos sobre homossexualidade são claros, especialmente quando o
pai de Zachary condena a orientação sexual do filho, afirmando, por exemplo, que
“só existe o macho e a fêmea” e questionando como é possível que se realize um
ato de sexo anal. Os irmãos insultam constantemente o protagonista, chamando-o
de veado e de outros termos chulos, além de agredi-lo fisicamente. No entanto,
são insinuações, dentre os quais uma cena de sexo oral entre Zachary e outro
rapaz dentro de um carro. Há também um plano em que o protagonista, visto de
costas, se masturba vendo a fotografia de um homem musculoso, porém não é
mostrado explicitamente. Mesmo nos dias atuais, masturbação é algo pouco visto
nas telas do mainstream.

Figura 2.4: Zachary, o jovem gay de C.R.A.Z.Y. – Loucos de amor (2005), tem como ídolo o cantor David
Bowie, famoso por sua aparência andrógina copiada pelo protagonista (Imagem: TVA Films).

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Nos anos 1980, quando Zachary se torna um adulto jovem, seu visual é
diferente. Os cabelos passam a ser espetados, em estilo punk, e veste
frequentemente jaqueta com encharpe, sendo esta peça muito usada por homens
gays no cinema. Durante o casamento de um dos seus irmãos, Zachary é visto
beijando outro homem dentro de um carro, o que mais tarde provoca uma briga
em sua família na qual o pai o manda ir embora. O protagonista viaja para um país
distante e chega a ir a uma boate gay, mas seu sentimento de culpa é tão forte
que, em um plano, ele imagina ver seu pai o repreendendo ali. Entretanto, assim
como em Minha vida em cor-de-rosa, nada o faz mudar sua orientação sexual, e o
rapaz permanece gay até o final do filme.

3. FILMES SOBRE ACEITAÇÃO DA HOMOSSEXUALIDADE

Nesta monografia, foram estudados cinco títulos com o tema da aceitação: o


curta americano The Dickson Experimental Sound Film (1895), de William
Dickson; o longa-metragem também americano Glen ou Glenda? (Glen or
glenda?, 1953), de Ed Wood; o britânico Saindo do armário (Get real, 1998),
dirigido por Simon Shore; a comédia espanhola Minha mãe gosta de mulher (A mi
madre le gustan las mujeres, 2002), escrita e dirigida por Inés París e Daniela
Fejerman; e o drama brasileiro Do começo ao fim (2009), de Aluizio Abranches.
Durante a pesquisa, outra referencia usada foi o documentário O celulóide
secreto (The celluloid closet, 1995), dirigido por Rob Epstein e Jeffrey Friedman,
baseado em estudos de Vito Russo. Trata-se de um histórico geral do cinema
queer americano, do fim do século XIX até meados dos anos 1990, época em que
o documentário foi lançado. Um dos filmes nele mencionados é The Dickson
Experimental Sound Film (em inglês, O filme experimental sonoro de Dickson),
produzido no ano conhecido como o início do cinema, 1895.
Este curta experimental (figura 3.1) tinha como objetivo realizar a primeira
sincronia de vídeo e áudio usando um aparelho chamado cinefone, inventado por
Thomas Edison. Entretanto, a razão de o filme estar no documentário é a sua

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cena: o próprio William Dickson é visto tocando um violino enquanto um casal de
homens dança, sem sofrer preconceito. Por isso, é considerado o primeiro filme
queer da história do cinema.

Figura 3.1: Dois homens dançam em The Dickson Experimental Sound Film (1895), considerado o primeiro
filme queer da história (Imagem: Edison Manufactury Company).

Décadas depois, Ed Wood dirige e protagoniza o filme Glen ou Glenda?


(figura 3.2) interpretando os personagens-título, embora nos créditos o cineasta
tenha usado o pseudônimo Daniel Davis. Trata-se de um longa que gira em torno
do cross-dressing e da transexualidade, com diálogos claros sobre o tema no
ponto de vista de vários personagens, dentre os quais um cientista vivido pelo ator
Bela Lugosi.
O personagem principal é um homem chamado Glen, que frequentemente se
veste de mulher e adota o nome Glenda. Uma das cenas mostra que ele iniciou
este hábito ao pedir emprestado um vestido da sua irmã, para usar em uma festa
de dia das bruxas. Quando vestido de Glenda, Ed Wood se mantém sério a maior
parte do filme e age como uma pacata dona-de-casa, vista várias vezes em seu
próprio lar. Como Glen, aparece em algumas cenas diante de lojas de roupas
femininas e as compra demonstrando uma leve sensação de medo e culpa.
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Figura 3.2: Glen, o homem que se veste de Glenda em Glen ou Glenda? (1953) (Imagem: Columbia Classics).

Ao mesmo tempo, o protagonista namora uma mulher chamada Barbara


(Dolores Fuller), com quem pretende se casar. Entretanto, Glen não tem coragem
de lhe contar que é um cross-dresser, ainda que ela perceba que algo o
atormenta. Por fim, antes do casamento, ele revela a verdade, o que deixa
Barbara inicialmente decepcionada. Mas ela decide aceitá-lo, e como prova de
amor, presenteia o namorado com uma peça de roupa feminina.
Ainda no filme é contada a história de uma transexual chamada Ann (Tommy
Haynes). Ela foi um rapaz chamado Allan, que chegou a servir na II Guerra
Mundial, porém sua mãe sempre quis ter uma filha. O rapaz realizou a operação
de mudança de sexo após deixar de ser soldado, e termina o filme como uma
dama que leva uma tranquila vida social.
Durante a pesquisa, foram encontrados poucos títulos sobre aceitação entre
as décadas de 1960 e 1980. É possível se encontrar mais filmes sobre o tema no
final dos anos 1990, dentre os quais Saindo do armário (figura 3.3). Conta a
história do adolescente Steven Carter deseja muito se assumir gay para todos,

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porém sente vergonha devido ao preconceito dos seus colegas de classe.
Somente Linda (Charlotte Brittain), sua amiga e vizinha, sabe do seu segredo.
O filme mostra cenas em que Steven vai a um banheiro público de uma
praça para se encontrar com outros homens, visando relacionar-se com eles. Um
deles é o atraente John Dixon (Brad Gorton), seu colega de classe, que também é
homossexual não assumido. A razão dele não sair do armário é o temor de perder
sua boa reputação, pois é um atleta de destaque da escola. Ainda assim, Dixon e
Steven vivem um conturbado relacionamento, com cenas nas quais ambos são
vistos trocando beijos e carícias explicitamente, algo que antes não era mostrado
no cinema. Steven e sua amiga Linda falam abertamente sobre homossexualidade
e também paqueram garotos bonitos da escola. A menina também lhe alerta sobre
os perigos de procurar homens em um banheiro.

Figura 3.3: O casal Steven Carter (à esquerda) e John Dixon (à direita): gays não assumidos em um
conturbado relacionamento no filme Saindo do armário (1998) (Imagem: Paramount Classics).

Após sofrer humilhações e violência dos colegas, Steven revela sua


homossexualidade durante o discurso de um evento escolar. É bastante aplaudido
na ocasião, e, embora tenha chocado o pai, sua mãe o apóia, além de receber
elogios de alguns estudantes, especialmente meninas.

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Na comédia Minha mãe gosta de mulher, a trama gira em torno de uma
insegura moça chamada Elvira (Leonor Watling), inconformada com o fato de a
mãe, Sofía (Rosa Maria Sardá), então divorciada, relacionar-se com outra mulher
chamada Eliska (Eliska Sirova).
Durante o filme, Sofía e Eliska são vistas frequentemente trocando carícias e
dialogando profundamente sobre seu amor. Elvira, porém, tenta a todo custo
separar as duas, e uma de suas estratégias é seduzir a namorada de sua mãe. Os
momentos em que isto acontece são cenas de beijo entre as duas e insinuações
de sexo, dentre os quais uma noite em que Eliska dorme na mesma cama que
Elvira. Embora Sofía não saiba, ela nota a ausência de sua namorada, que não
conta a verdade. Ambas entram em conflito e se separam
O plano de separar o casal não era só de Elvira, mas também de suas irmãs
Jimena (María Pujalte) e Sol (Silvia Abascal). Entretanto, quando elas veem que a
mãe entra em depressão pela ausência de sua amada, as três filhas resolvem
trazer Eliska de volta e aceitar sua relação. Ao final do filme, as duas mulheres se
casam em uma cerimônia, momento que ainda é pouco visto nas telas.

Figura 3.4: O casal Sofía (à esquerda) e Eliska (à direita), destaque do filme Minha mãe gosta de mulher
(2002) (Imagem: Europa Filmes).

Já no longa Do começo ao fim (figura 3.5), a trama gira em torno de dois


irmãos que são filhos de Julieta (Julia Lemmertz), porém de pais diferentes. O

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mais velho, Francisco (Lucas Cotrim), filho de Pedro (Jean Pierre Noher), revela
uma grande afeição pelo caçula, Thomás (Gabriel Kaufmann), cujo pai se chama
Alexandre (Fábio Assunção), então atual marido de sua mãe. Várias cenas do
filme mostram momentos íntimos dos meninos, como, por exemplo, tomar banho
juntos na banheira.
Julieta demostra uma certa preocupação com a relação de seus filhos, mas,
ao dialogar sobre o assunto com o ex-marido ou o atual esposo, não é direta. Ela
insinua que existe algo a mais na afeição entre os dois meninos, porém seus pais
negam tal possibilidade e dizem que é natural na idade dos dois. Posteriormente,
a mãe pergunta aos filhos do que se trata essa relação, mas eles não sabem
responder. Em compensação, ela deixa claro que, se eles quiserem contar à ela,
podem ficar à vontade.
Anos depois, Julieta e Pedro falecem e Alexandre deixa a casa para que os
dois protagonistas, que já são adultos, morem sozinhos. Francisco e Thomás,
agora vividos respectivamente pelos atores João Gabriel Vasconcelos e Rafael
Cardoso, assumem um relacionamento amoroso, com cenas de nudez total,
carícias e sexo. Em vários momentos são vistos juntos na cama, e o romance,
ainda que seja incestuoso, é aceito pelo pai de Thomás, razão pela qual se mudou
para outro lar.

Figura 3.5: Francisco (abaixo) e Thomás (acima), o casal de irmãos no filme Do começo ao fim (2009)
(Imagem: Lama Filmes).

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, conclui-se que a revelação pública da homossexualidade


não é um retrato único no cinema queer. O ponto de vista sobre o sair do armário
se transforma ao longo da história, acompanhando o contexto de cada época e
sociedade.
Durante a pesquisa, verificou-se que, nas primeiras décadas da sétima arte,
atos homossexuais públicos eram associados à comédia, com forte teor
pejorativo. Em outros casos, era uma atitude não explícita, limitando-se a
insinuações. Entretanto, em filmes cujo objetivo era um debate ou reflexão sobre o
tema, as visões mais frequentes eram de intolerância e repulsa, razões pelas
quais se obrigava uma tentativa de mudança ou a rejeição.
Enquanto no mainstream a homossexualidade era por vezes velada, o cinema
chamado underground a retratava de forma clara, com mais naturalidade e prazer
entre os personagens. Nas décadas de 1960 e 1970, alguns dos principais nomes
do underground eram Andy Warhol e James Bidgood. Aos poucos a visibilidade
queer se tornou presente também nos cinemas comerciais, chegando a ser bem
recebidos pela crítica e até premiados em festivais.
Nas últimas décadas, percebe-se uma abertura maior para o tema, se
comparado às épocas anteriores. São filmes com diálogos mais claros, beijos e
carícias entre personagens do mesmo sexo e também relações sexuais, o que era
proibido pela censura anteriormente. Dos anos 1990 até os dias atuais, foram
lançados mais títulos sobre aceitação da homossexualidade, nos quais o
protagonista que sai do armário é amparado pelos seus coadjuvantes, que o
ajudam a ter uma vida afetiva e social feliz.
Esta monografia foi um estudo geral com base em certos títulos emblemáticos
sobre a revelação da homossexualidade. O interesse pelo tema surgiu pelo fato de
não só ser frequente, como também pela variedade de pontos de vista
comentados anteriormente. Cada época, de acordo com o contexto e a censura,
possui uma linguagem cinematográfica diferente. O presente trabalho é um ponto

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de partida para pesquisas mais profundas e abrangentes sobre o cinema queer,
bem como reflexões envolvendo outras áreas do conhecimento, a serem
realizados em outros estudos acadêmicos.

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REFERÊNCIAS

ALGIE, the Miner. Direção: Alice Guy, Edward Warren e Harry Schenck. Produção:
Alice Guy. Intérpretes: Billy Quirk; Mary Foy e outros. Motion Picture Distributor
and Sales Company, 1912. 1 filme (10 min), mudo, p&b, 35 mm.

BERGAN, Ronald. Guia ilustrado Zahar cinema. Tradução: Carolina Alfaro.


Jorge Zahar Editor: Rio de Janeiro, 2007.

CELULÓIDE secreto, O. Direção e produção: Rob Epstein e Jeffrey Friedman.


Roteiro: Vito Russo, et al. Narração: Lily Tomlin. Intérpretes: Tony Curtis; Susie
Bright; Arthur Laurents e outros. TriStar Pictures, 1995. 1 filme (102 min), son.,
color./p&b, 35 mm.

CHÁ e simpatia. Direção: Vincente Minnelli. Produção: Pandro S. Berman. Roteiro:


Robert Anderson. Intérpretes: Deborah Kerr; John Kerr; Leif Erickson e outros.
Metro-Goldwin-Mayer, 1956. 1 filme (122), son., color., 35 mm.

C.R.A.Z.Y. – Loucos de amor. Direção: Jean-Marc Vallée. Produção: Pierre Even


e Jean-Marc Vallée. Roteiro: François Boulay e Jean-Marc Vallée. Intérpretes:
Marc-André Grondin; Michel Côté; Danielle Proulx e outros. TVA Films, 2005. 1
filme (127 min), son.; color.; 35 mm.

DICKSON Experimental Sound Film, The. Direção: William Dickson. Filmagem:


William Heise. Intérpretes: William Dickson e outros. Edison Manufacturing
Company, 1895. 1 filme (17 s), son. (cinefone), p&b, 35 mm.

DO COMEÇO ao fim. Direção, produção e roteiro: Aluizio Abranches. Intérpretes:


Júlia Lemmertz; Fábio Assunção; Rafael Cardoso, João Gabriel Vasconcelos e
outros. Lama Filmes, 2009. 1 filme (105 minutos), son., color., 35 mm.

30
FLORIDA enchantment, A. Direção e produção: Sidney Drew. Roteiro: Marguerite
Bersch e Eugene Mullin. Intérpretes: Sidney Drew; Edith Storey; Charles Kent;
Jane Morrow; Ada Gifford; Eyhel Lloyd e outros. Vitagraph Company of America,
1914. 1 filme (aprox. 4 min - versão curta-metragem), mudo, p&b, 35 mm.

GLEN ou Glenda?. Direção: Ed Wood. Produção: George Weiss. Roteiro: Ed


Wood. Narração: Timothy Farrel. Intépretes: Bela Lugosi; Ed Wood (como Daniel
Davis); Lyle Talbot; Tommy Haynes e outros. Columbia Classics, 1953. 1 filme (65
min), son., p&b, 35 mm.

INFÂMIA. Direção e produção: William Wyler. Roteiro: John Michael Hayes,


baseado na peça de Lillian Hellman. Intérpretes: Audrey Hepburn; Shirley
MacLaine; James Garner e outros. United Artists, 1961. 1 filme (107 minutos),
son., p&b, 35 mm.

KAPLAN, Harold I., SADOCK, Benjamin J. Compêndio de psiquiatria dinâmica.


Tradução: Helena Mascarenhas de Souza, et al. Artes Médicas: 3ª edição, Porto
Alegre, 1984.

MENNEL, Barbara. Queer cinema – Schoolgirls, vampires and gay cowboys.


Wallflower Press: Nova York, 2012.

MEU PASSADO me condena. Direção: Basil Dearden. Produção: Michael Relph.


Roteiro: Janet Green e John McCormick. Intérpretes: Dirk Bogarde; Dennis Price;
Sylvia Sims e outros. Rank Film Distributors, 1961. 1 filme (96 min), son., p&b, 35
mm.

MINHA MÃE gosta de mulher. Direção: Inés París e Daniela Fejerman. Produção:
Beatriz de la Gángara. Roteiro: Inés París e Daniela Fejerman. Intérpretes: Leonor

31
Watling; Rosa Maria Sardá; Eliska Sirova; María Pujalte; Silvia Abascal e outros.
Europa Filmes, 2002. 1 filme (96 min), son., color., 35 mm.

MINHA VIDA em cor-de-rosa. Direção: Alain Berliner. Produção: Carole Scotta.


Roteiro: Alain Berliner e Chris Vander Stappen. Intérpretes: Georges du Fresne;
Jean-Phillippe Écoffey; Michèlle Laroque e outros. Sony Pictures Classics, 1997. 1
filme (89 minutos), son., color., 35 mm.

MORENO, Antônio. A personagem homossexual no cinema brasileiro.


Funarte: 2ª edição, Rio de Janeiro, 2002.

PRIMEIRO que disse, O. Direção: Ferzan Özpetek. Produção: Domenico Procacci.


Roteiro: Ferzan Özpetek e Ivan Cotroneo. Intérpretes: Riccardo Scarmacio;
Alessandro Preziosi; Nicole Grimaudo; Ennio Fantastichini e outros. Imovision,
2010. 1 filme (110 min), son., color., 35 mm.

STAM, Robert. Introdução à teoria do cinema. Tradução: Fernando Mascarello.


Papirus: 1ª edição, Campinas, 2004.

SAINDO do armário. Direção: Simon Shore. Produção: Stephen Taylor, Patricia


Carr, Helena Spring e Anant Singh. Roteiro: Patrick Wilde. Intérpretes: Ben
Silverstone; Brad Gorton; Charlotte Brittain e outros. Paramount Classics, 1998. 1
filme (110 min), son., color., 35 mm.

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