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Resumo
Este artigo tem por objetivo apresentar algumas das con clu sões
de uma investigação realizada junto a professores da Rede Mu-
nicipal de Ensino de São Paulo que participam de grupos de
formação em servi ço, a fim de conferir visibilidade aos efeitos
que a prática for mativa concreta vem produzindo na pro fis si o-
nalidade docente. Destaca, em particular, as vicissitudes oca-
sionadas nesse grupo quando experienciam uma modalidade
formativa contemporânea, pa utada no modelo de formação
reflexiva.
As idéias de senvolvidas no artigo ins crevem-se no campo con-
ceitual da psicologia ins titucional. A partir desse enqua dra-
mento teórico, o texto trabalha com o pressuposto de que os
recentes pa radigmas de for mação docente em serviço, ao se rem
operados por práticas formativas concretas, promovem no vas
possibilidades de experiência de si para os professores, con fe-
rindo no vas figurações de sub jetividade para os professores no
tempo presente — professor-reflexivo, pro fessor-autônomo,
professor-investigativo. No in terior de re lações ins ti tu ci o na li-
zadas, a vivência destas figurações é metabolizada pe los do-
centes, que produzem uma forma pe culiar de re flexão, não
vislumbrada na pau ta dos programas de formação.
Instalados nas práticas concretas de formação em serviço, os
professores produzem um tipo de reflexão particular que es ca-
pa dos objetos definidos no design formativo e do contorno re-
flexivo ma pe a do a pri ori. A reflexão tangível nas falas do cen tes
narra o confronto desse protagonista com seu lugar ins tituído
na profissão, problematizando o “dever ser” de seu ofício nos
dias de hoje.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.27, n.2, p.211-227, jul./dez. 2001 211
The in-service teacher education: the reflective proposal in
debate
Julio Groppa Aquino
Mônica Cristina Mussi
Universidade de São Paulo
Abstract
This article presents some of the findings of a study con duc ted
with teachers from the public school system of São Paulo
(capital), which take part in in-service teacher education
groups. The purpose is to give visibility to the effects that the
concrete formative practice has been producing upon
teacher’s professionality. The article highlights in particular
the vicissitudes ex perienced by the group when exposed to a
contemporary modality of te acher education based on the
model of reflective edu cation.
The ideas developed here belong to the conceptual framework of
Institutional Psychology. From this theoretical framework, the
text deals with the assumption that the recent paradigms in
teacher education, when worked through concrete formative
practices, promote new possibilities of self-experience to the
teachers, endowing them at the present time with new images
of subjectivity — reflective teacher, autonomous teacher,
research teacher. Within institutionalized relations, the
experience of those images is metabolized by the teachers, who
produce a peculiar form of reflection not envisaged in the
agenda of teacher education programs.
Teachers, en tered in con crete practices of in-service
education, produce a particular kind of reflection that es ca pes
from the objects defined in the formative design and from the
reflective borders tra ced a priori. The tangible reflection in the
teacher’s speeches tells of the clash between this agent and
her attributed professional place, problematizing the “must
be” of his craft no wa days.
Keywords
Cor res pon den ce:
Ju lio Grop pa Aqui no
In-service education – Reflection – Teacher subjectivity.
Fa cul da de de Edu ca ção (EDF) - USP
Av. da Uni ver si da de, 308 - Bl. A
05508-900 - São Pa u lo, SP
e-mail: grop paq@usp.br
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Nada ainda constitui um programa, res integrantes da rede municipal de ensino.
mesmo o niilismo é um dogma. Até então, de acordo com levantamento reali-
E. M. Cioran zado por Fusari (1997), as iniciativas de forma-
ção docente em serviço organizadas pela
A profissão docente vem, nas últimas dé- Secretaria Municipal de Educação de São Pau-
cadas, sendo confrontada com uma ordem tal de lo (SMESP) restringiram-se à participação de
problematizações sobre os limites e possibilida- educadores em situações formativas pontuais
des de sua ação que está a provocar um de sas- (cursos, palestras, etc.), caracterizando-se, no
sossego ímpar em seus protagonistas concretos. geral, por um conjunto de ações descontínuas,
Os códigos que tradicionalmente coman- parceladas, sem conexão entre si, e, ainda, com
daram as práticas profissionais docentes e, em grande rotatividade de pessoas, condição esta
particular, aqueles que definiram formas peculia- que privilegiava o caráter imediatista de seus
res de como se pensar professor – um certo “sa- objetivos.
ber de si” – hoje parecem já não encontrar As modalidades formativas que se des ta-
ressonância nas experiências cotidianas dos pro- caram no período que antecedeu a “gestão po-
fessores, impulsionando-os à árdua tarefa de se pular” — como foi denominado o período em
(re)posicionarem em relação aos modelos que até questão — compreendiam, portanto, situações
então prescreveram suas condutas profissionais. de aperfeiçoamento, atualização e mesmo
Ainda que essas problematizações pos- treinamento como eventos marcados pela
sam ser trazi das à baila por múltiplos fe nô me- concisão. Mesmo quando o tempo de du ra ção
nos (segundo análises, por sua vez, também dessas ações formativas era ampliado ou seus
diversas), acentuaremos algumas circunstân- espaços descentralizados, ocorrendo no es pa-
cias no que se refere às novas exigências do ofí- ço de trabalho ori ginal do professor, per du ra-
cio, com o intuito de analisar o desconforto ram razões de cu nho pragmático entre seus
atual que os professores experienciam e pelo objetivos centrais.
fato particular de terem suscitado o for ta le ci- De uma forma que consideramos singu-
mento de uma prática es pecífica de inter ven ção lar, a ênfase dada à formação de professores na
na docência: a formação de professores em ser- Rede Municipal de Ensino na referida adminis-
viço, prática esta objeto de uma pesquisa em pí- tração esteve associada a uma perspectiva mais
rica por nós levada a cabo e da qual extraímos ampla do processo educativo escolar. O projeto
as principais reflexões que serão apresentadas central que conduziu aos investimentos na
no presente artigo. formação em serviço esteve, desde sua origem,
O trabalho de investigação foi realizado comprometido com a concretização de uma
junto a oito professores da Rede Municipal de “escola pública popular e democrática de boa
Ensino de São Paulo, integrantes de “grupos de qualidade” (Saul, 1993), pela via do necessário
formação”, nomenclatura ori ginal de mo da li- desenvolvimento profissional nos que nela tra-
dade for mativa criada a partir de 1989 na balham, articulando de forma decisiva a reo-
gestão Luíza Erundina (1989-1992). Essa mo- rientação da democratização escolar com a
dalidade ainda permanece em vigor nas escolas formação contínua de professores.
municipais, reconhecida atualmente pe los pro- Dentre os projetos de formação que
fessores como “horários coletivos”. foram concretizados nesse período, o “grupo
Entre os objetivos centrais que nortearam de formação” des tacou-se por privilegiar o
a nova política educacional implantada na ges- trabalho em pequenos grupos e, mais adi an te,
tão Erundina, encontrava-se uma preocupação por se firmar no espaço cotidiano da escola. A
inédita com a formação contínua dos professo- SMESP à época concebeu a or ganização des se
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espaço formativo sustentada em premissas que pelos discursos teóricos que concebem o pro-
sublinhavam a imagem do professor como um fessor como um profissional re flexivo, em
sujeito reflexivo. contraposição às con cepções que cir cuns cre-
Alguns trechos do documento oficial da veram a prática docente ao exer cício “téc ni-
SMESP são explícitos quanto a esse en fo que: co” de saberes, en tendendo esta última
posição segundo um enquadramento dis cur-
um dos prin cí pi os bá si cos do gru po de for ma ção sivo que cinde a ação prática da ação re fle ti da
é o de que o su je i to cons trói o co nhe ci men to na desse protagonista.
in te ra ção com os ou tros atra vés do es tu do da Na referida pesquisa propusemo-nos a
prá ti ca de seu tra ba lho e da te o ria que a fun da- investigar as representações que os pro fes so-
men ta. Esse su je i to cog ni ti vo, afe ti vo e so ci al é res produziam ao se inserirem em práticas de
uma to ta li da de que, imer so em seu tra ba lho, formação em serviço ori ginárias dessa con-
exer ci ta o fazer, o pen sar e o te o ri zar, pois não cepção. Mais especificamente, nosso objetivo
exis te prá ti ca sem te o ria. Todo edu ca dor faz foi o de descrever e analisar os efe itos que
teoria e prá ti ca. (1990, p. 9) essa prática vem produzindo na profis si o na li-
dade docente atu almente.
E con tinua, mais adiante: Para proceder a esse objetivo, optamos
por uma metodologia de pes quisa que se ajus-
Nos gru pos de for ma ção o educa dor pode en - tasse às pa utas de análise que in dicamos –
con trar o es pa ço ne ces sá rio para re fle tir so bre perscrutar o movimento das prá ticas for ma ti-
sua prá ti ca e seus co nhe ci men tos. A te o ria pode vas e seus efeitos no discurso docente. Assim,
ser elu ci da da, res ga ta da, apro pri a da, na re la ção realizamos en trevistas gravadas e pos te ri or-
di a lé ti ca com a prá ti ca. É fun da men tal que o mente transcritas, ado tando como referente
gru po de for ma ção pos si bi li te ao edu ca dor re to- básico a formulação de um roteiro de ques-
mar a sua his tó ria, per ce ben do qua is as hi pó te- tões, articuladas em torno de quatro cate go ri-
ses que teve du ran te sua vida de edu ca dor, e no as temáticas: 1) a formação ini cial; 2) a opção
que ele acre di ta hoje; qua is são as con tra di ções pelos “grupos de formação”: fi nalidades e
en tre o seu pen sar e dos ou tros. O gru po de for - funcionamento; 3) os efeitos dos “grupos de
ma ção não é o úni co meio para o des per tar da formação”: implicações para a sala de aula; e
cons ciên cia do edu ca dor, mas é um meio para 4) os “grupos de for mação” e a relação entre
isso se dar de for ma sis te ma ti za da. Par tin do do seus protagonistas.
tra ba lho diá rio sig ni fi ca ti vo dos edu ca do res, fa - Como enfatizaremos adiante, a prá tica
vo re ce a per cep ção do co ti di a no des sa prá ti ca. de formação de professores em serviço, em
No gru po, a di ver si da de de le i tu ras do co ti di a no seu (re)arranjo epistemológico recente, pro-
apu ra o olhar para ver além das apa rên ci as. Nes - duzirá em seu curso efeitos de sestabilizadores
se pro ces so po lí ti co de apro pri a ção da cons ciên- das formas tradicionalmente reconhecidas de
cia peda gó gi ca fun da men ta-se o pro ces so de existência docente, operando a promessa de
mu dan ça. O edu ca dor per ce be que faz prá ti ca e uma nova proposição de si, para os pro fes so-
te o ria. Com essa des co ber ta pode edu car o pró - res, nos nossos dias.
prio de se jo e ali cer çar sua op ção. Ele pode que - É a ocasião des ses efeitos, ras treados no
rer e fa zer mu dan ça. (SMESP, p. 9-10) discurso dos professores en trevistados, que
permeará o percurso das análises que ora
Desta fei ta, pri vilegiamos em nossa pes - apresentamos, o que evidencia e jus tifica a
quisa práticas de formação em serviço que, em necessidade de se colocar a formação docen te
sua proposta for mal, estivessem referenciadas em serviço, na proposta re flexiva, em debate.
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clientela que se desprende dos con tornos an te- da prática escolar figuram como os moti-
riormente de finidos para seu lugar insti tu ci o- vadores fundamentais da expansão e valoriza-
nal, defrontando-se agora com um aluno que ção da formação profissionalizante no interior
passa a se apresentar de acordo com uma mul- da prática educativa, provocando uma nova
tiplicidade de rostos e formas, um aluno que já interpretação dos modelos disponíveis se gun-
não comportaria uma sen si bi li da de a priori em do os quais a formação profissional do profes-
relação às promessas de emancipação futura, sor fora até então demarcada, temporal e
propaladas pela es cola da modernidade (For- espacialmente.
quin, 1993; Silva, 1996). Proceder com de di ca- Assistimos, nesse contexto, a um re mo-
ção aos rituais de aula (registros, leituras, delamento das práticas de formação docente
atenção, etc.) em prol da promessa de uma pro- em vigor no cenário da profissão. De um mo-
fissão virtuosa, ou exercer a responsabilidade delo for mativo instalado num intervalo de
estudantil como forma primeira de se habilitar tempo anterior ao in gresso no exer cício efe ti-
a uma cidadania autônoma na condição adul ta, vo da profissão e que se organizava em âm bi-
não mais se mostram como ações cor po ri fi ca- tos distintos da quele que seria seu locus de
das pelo aluno atual; estas agora necessitam trabalho, ins tauraram-se práticas formativas
ser ne gociadas, contratualizadas e (re)in ven ta- docentes que passam a ocorrer justapostas à
das (Aquino, 2000). experiência do ofício e, mais recentemente,
Esse dado pode ainda ser conjugado com no próprio lo cal de trabalho.
a notó ria perda de status social da profissão e Essas práticas, de uma maneira geral,
com a descaracterização pa ralela de sua au to ri- passam a ser reconhecidas e nomeadas na re a-
dade intelectual/pedagógica/moral, seja na es - lidade brasileira como “formação docente em
fera intra-escolar, em meio ao descrédito serviço”.
emanado da própria clientela, seja por outros Os cursos de treinamento, nomen cla tu-
âmbitos institucionais, como a família e o po- ra largamente adotada para os espaços de for-
der público, os quais, décadas antes, comun ga- mação em serviço, são os primeiros a ocupar
ram mais diretamente com o enaltecimento da lugar de finido em nossa realidade, e, em sua
profissão. imensa maioria, organizam-se com o objetivo
Em meio a essas razões, o professor foi de divulgar métodos e técnicas de trabalho
lançado num terreno pro fissional incerto, are- concebidos como meios eficazes para o al can-
noso, repleto de efeitos desconhecidos na fe i- ce de resultados satisfatórios nos processos
tura dia a dia de seu ofício. de ensino.
Uma das propostas firmadas como medida Prática enunciada. A par tir daí, in ten si-
do poder público com vistas à requalificação da fica-se a organização de novos programas
ação escolar foi a formação docente em serviço. formativos para pro fes so res. Aper fe i ço a men-
Que novas elaborações a formação do- to, capacitação, formação permanente são
cente em serviço trouxe para o pro fessor em expressões das várias mo dalidades segundo as
sua história presente? quais a prá tica de formação em serviço foi se
Aproximemo-nos des se ins tigante con- apresentando no cotidiano escolar (Barbieri,
texto. Carvalho & Uhle, 1995).
A formação concomitante ao exercício
A formação docente em serviço do ofí cio ina ugura, assim, uma nova raci o na-
lização da profissionalidade, e, por extensão,
A multiplicidade de entraves na ação do- da constituição dos saberes docentes. De um
cente e os resultados socialmente questionáveis ponto de vista teórico, tratava-se de um
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na capacidade crítica da ra zão hu mana e na fun da men tal men te, sua pró pria ma ne i ra de ser
ação emancipatória dos sujeitos históricos, em re la ção ao seu tra ba lho. Por isso, a ques tão
portanto, em ações passíveis de transformar a prá ti ca está du pli ca da por uma ques tão qua se
realidade por meio de embates constantes con- exis ten ci al e a trans for ma ção da prá ti ca está
tra os poderes dominantes no âmbito so cial du pli ca da pela trans for ma ção pes so al do pro -
(Giroux, 1986). fes sor. (1994, p. 49-50)
A inserção de teorias educacionais críticas A reflexão, nes sa perspectiva, é re a fir-
na realidade escolar brasileira nas últimas déca- mada por vári os autores como a categoria es -
das ofereceu, entre outros aspectos, contribui- sencial da formação docente: condição tida
ções para se pensar e mesmo refutar as concep- como capaz não só de transformar a prá tica
ções difundidas até então sobre o trabalho e a pedagógica do professor e prepará-lo para
formação de professores, propiciando novas atender às exigências que se colocam para sua
perspectivas para a pesquisa na área, bem como profissão na atualidade, mas, sobretudo,
outros referenciais teórico-metodológicos para como capaz de modificar a pessoa do pro fes-
os projetos de formação docente em serviço. sor, constituindo-o como suje i to autônomo
Entre as novas proposições de formação no mundo. Segundo Alar cão (1996, p. 174),
em serviço que foram formuladas nesse con tex- “reflectir para agir autonomamente parece ser
to, tomamos como foco, aqui, aquelas que pas- uma das expressões-chave no con texto edu -
sam a conceber os professores como cativo internacional deste final do século XX”.
profissionais reflexivos, pelo motivo de essa Nóvoa ex plicita os propósitos dessa mo-
concepção ter orientado a escolha das práticas dalidade quando afirma que
de formação que pesquisamos, assim como pelo
fato de a mesma firmar, como proposta, um a for ma ção deve es ti mu lar uma pers pec ti va
novo repertório de experiência de si no que con- crí ti co-reflexiva, que for ne ça aos pro fes so res
cerne à subjetividade docente na atualidade. os me i os de um pen sa men to autó no mo e que
Grande parte dos projetos de formação fa ci li te as di nâ mi cas de au to for ma ção par ti ci-
docente em serviço em vigor nos dias atuais, no pa da. Estar em for ma ção im pli ca um in ves ti-
Brasil e em outros países, aponta para a impor- men to pes so al, um tra ba lho livre e cri a ti vo
tância de se fomentar a experiência reflexiva no so bre os per cur sos e os pro jec tos pró pri os,
professor (Alarcão, 1996; Nóvoa, 1995; Schön, com vis tas à cons tru ção de uma iden ti da de,
1995; Zeichner, 1998, 1995, 1993), seja pelo que é tam bém uma iden ti da de pro fis si o nal.
re-exame das crenças pedagógicas que com- (1995, p.25)
põem suas decisões cotidianas, seja pela narrati-
va de suas histórias de vida; seja pela análise dos Um dos primeiros estu dos publicados
campos de conhecimento com os quais o profes- na perspectiva de compreender o professor
sor interage; seja pela problematização das fina- como um profissional reflexivo foi produzido
lidades e valor educativo das situações que por Schön (1995), autor cuja principal con tri-
promove; seja, em última instância, pela investi- buição foi a de ter atribuído um novo es ta tu to
gação das condições sociais e históricas que vêm à dimensão prática do trabalho docente, em
atravessando a constituição de sua profissão. contraposição ao modelo de aplicação téc ni ca
Larrosa, ao ana lisar o enfoque reflexivo que reduzia as prá ticas pedagógicas a um es-
na formação do professorado, afir ma que paço de acomodação dos conhecimentos ori-
undos da ciência aplicada.
o que se pre ten de for mar e trans for mar não é Schön concebe a dimensão prática do
ape nas o que o pro fes sor faz ou o que sabe, mas, trabalho profissional como um espaço
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Assim, continua ele, O aporte teórico-metodológico
de nossa pesquisa: a psicologia
é impor tan te que os pro fes so res si tu em suas institucional
pró pri as cren ças, va lo res e prá ti cas den tro de
um con tex to, de for ma que seus sig ni fi ca dos Ao analisarmos, em nos sa pes quisa, os
latentes pos sam ser me lhor en ten di dos. Esse efeitos das práticas formativas vinculadas às
situar di a lé ti co, por as sim di zer, ajuda rá a es cla- abordagens reflexivas, identificamos um mo-
re cer a na tu re za so ci al e po lí ti ca das res tri ções vimento de deslocamento dos objetivos que
es tru tu ra is e ide o ló gi cas com que os pro fes so res configuraram os modelos de formação docen-
se de pa ram di a ri a men te. (p. 253) te em serviço que as precederam; efeitos es tes
que sinalizaram uma dispersão, e mesmo con-
De maneira ge ral, podemos dizer que os tradição, das estratégias pri meiras que ope ra-
autores que propõem a abordagem reflexiva na ram a organização dessas práticas. Nessa
formação docente apontam um esgarçamento perspectiva, estaríamos teoricamente diante
político e cultural do objeto de re flexão en fa ti- de um rearranjo dos propósitos estratégicos
zado por Schön, condicionando a necessidade que suportaram inicialmente o dispositivo
de alargamento do mesmo à capacidade de formativo, na versão “em servi ço”.
transformação das práticas docentes para além Propõe-se, assim, um novo enunciado,
do compromisso ex clusivo com as situações uma nova orientação para a existência de tal
pontuais de sala de aula. prática. Orientação esta que se distingue dos
Os programas recentes de for mação do- motivos ori ginários responsáveis pela for mu-
cente em serviço, em especial aqueles que qua- lação discursiva que inaugurou as práticas de
lificam o professor como um profissional formação em serviço.
reflexivo, apresentam-se como ocasião de con- Para formularmos esse tipo de pro ble-
vencer o professor de sua importância profis- matização, optamos por analisar a formação
sional e pleiteiam va lorizar seus modos de em serviço de professores (pautada no mo de lo
pensar e agir, convocando-o a saber-se suje i to reflexivo) não pelos registros acadêmicos, le-
do conhecimento, gestor pri mordial da prática gais ou estatais que a informam e a con ver tem
educativa que desenvolve, investigador de si em propos ta formativa na atual re alidade
mesmo, ex perimentador autônomo de seu ofí- educacional brasileira. Buscamos, ao con trá-
cio, cen tro decisório das transformações que rio, analisá-la como ato, na concretude mes-
deverá operar em sua prática cotidiana. ma de seu fazer particular, pela via de um de
Não mais sendo ordenada por um con ti- seus protagonistas centrais: o professor.
nente de conhecimentos externo aos seus Tratou-se de investigar os meandros
protagonistas, a formação em serviço cir cuns- cotidianos desse fazer e propor uma certa vi-
tanciada no modelo teórico-reflexivo for mu- sibilidade sobre o modelo forma ti vo-reflexivo
la-se como uma prática segundo a qual o e seus efeitos na profissionalidade docente
professor or questraria sua conduta pro fis si o nal pelo crivo de um olhar institucionalista. Ou
via um procedimento sis temático de in ves ti ga- melhor, pe los matizes es pecíficos de um certo
ção de si. conceito de instituição e subjetividade.
Como essa nova inserção for mativa vem Cumpre esclarecer que um universo
atuando nas práticas concretas de for mação? teórico específico orientou a proposição, re a-
Que novos efeitos são inscritos na experiência lização e con clusões de nos sa pes quisa: a psi-
docente? Quais modos de se saber professor cologia ins titucional (Guirado, 1994, 1986;
elas promovem? Aquino, 1996, 2000).
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que ocu pa um lu gar de ter mi na do em re la ção a riência de si mais livre e autônoma, não tra ta-
ou trem (par ce i ro de uma re la ção ins ti tu ci o na li- mos de averi guar em nossa pes quisa os saldos
za da, por tan to). E que o faz sem pre de modo positivos de seu curso no âmbito insti tu ci o-
sin gu lar. Ou seja, está in se ri do em uma re la ção, nalizado ou, então, de identificar suas in cor-
ocu pa um lu gar de ter mi na do nes sa re la ção, e reções com o intuito ingênuo de novamente
dele se apo de ra se gun do uma ma ne i ra es pe cí fi- ajustá-las ao itinerário preestabelecido pela
ca, isto é, uma po si ção. (Aqui no, 2000, p.18). instância teórica que a formulou.
Não partimos, pois, do pressuposto de
Pensemos a prá tica formativa (em ser vi- que o que está em jogo nessa lógica se ria a
ço) de professores. É possível afirmarmos que promoção de um certo es paço pedagógico
ela ina ugura historicamente o lugar de “pro fes- que criasse oportunidades fa voráveis para que
sor em formação”, disparando os contornos a essência da quilo que por algum mo tivo te ria
discursivos que ativarão a concretude da re la- se corrompido retornasse ao seu curso nor-
ção e certos estados de subjetivação docente. mal. Por último, não tomamos as prá ticas
Produção histórica, funda-se aí também a ins- concretas apenas como luga res de “me di a-
titucionalização de novas experiências de si. ção” para que a subjetividade docente en con-
Daí a sub jetividade ser efeito, e não pre cursora. trasse fi nalmente os recursos, até então
No tem po presente, é pos sível afir mar- sonegados, para o pleno desenvolvimento de
mos que há um conjunto de sa beres e técnicas sua autoconsciência, autodeterminação e au-
na prática formativa que qualificam modos to-reflexão, transformando-se su postamente
peculiares para a apropriação do lugar de pro- naquilo que já eram desde o princípio.
fessor em formação, os quais apresentam pos- As práticas ins titucionais concretas são,
sibilidades mo delares para sua ocupação – sobretudo, ins tâncias de produções inédi tas
“professor reflexivo”, “professor in vestigativo”, condição esta não passível de ser evidenciada
“professor transformador”, “pro fessor pessoa” de antemão pe los discursos teóricos. Por isso,
são faces das configurações atua is inventadas foi preciso conduzirmo-nos com um olhar
desse lugar. menos ca tivo às ordenações teóricas prévias,
Os dis cursos teóri cos informantes des ses capaz de oferecer visibilidade aos seus mo vi-
lugares, pelo crivo analítico no qual estamos mentos e construções peculiares.
sustentados, apresentam-se a nós como pos si- Isso posto, nosso principal objetivo foi,
bilidades contingenciais de existência docente. de um lado, o de conferir uma certa visibilida-
Isto é, essas novas conformações pautadas no de à “experiência de si” por parte dos docentes,
modelo de formação reflexiva não foram to ma- quando conformada às modulações de profes-
das como a maneira idealizada de ocupar o sor reflexivo; produzida no próprio aconteci-
posto docente ou como a possibilidade de res- mento concreto das práticas relacionais que a
taurar uma re lação supostamente distorcida dispararam; de outro lado, de evidenciar os
que o professor em formação cons tituiu con si- efeitos que essa experiência vem produzindo
go mesmo até então particularmente se aten- na subjetividade docente e quais movimentos
tássemos para a inegável violência prescritiva são protagonizados no seu interior.
que o modelo corretivo de formação em ser vi-
ço, gerido pela razão científica, compu tou à ex - As vicissitudes da formação
periência docente. reflexiva
Mesmo que essa nova marca subjetiva –
“professor reflexivo” – pos sa ser compreendida Os projetos e propostas de formação de
como potencialmente me diadora de uma ex pe- professores em serviço na atualidade, vincu la-
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Essas indagações parecem ser o motivo Por último, e talvez o deslocamento que
pelo qual as falas docentes muito pou co ou parece ser mais penoso de ser in cor po ra do: as
quase nada dizem especificamente so bre as te - práticas de formação em serviço arremessam a
máticas ou situações en focadas nos grupos de profissão docente a uma condição de per ma-
formação, ou mesmo da su posta contribuição nente fluidez e revisitação de seu cotidiano, o
da formação em serviço para a qualificação de que pressuporia a (re)criação e revi são con tí-
seu trabalho. São essas indagações mais fortes nuas das ações que realizam, do que deriva
ou mais poderosas do que os ob jetos de re fle- uma reflexão ininterrupta. Esse caráter mu tá-
xão que objetivamente lhes são propostos vel imputado à atividade docente se con tra-
(mesmo que se jam elas produzidas pela exis- poria à imagem de um profissional cuja
tência dos mesmos). consolidação de uma sa piên cia a priori de fi-
Se se pode pressupor que a peculiaridade niria sua característica mai or.
do exercício reflexivo que os professores re a li- A condição de aprendiz permanente de
zam é fortalecida pe las condições discursivas seu ofício, legitimada pe los ei xos acima in di-
objetivadas no ce nário das práticas formativas cados, convo ca o professor a criar um novo
em servi ço, pode-se supor também que o acon- tipo de relação consigo mesmo, no vos pro ce-
tecimento cotidiano desse exercício cer ta men te dimentos de conduta na fabricação de si. Pro-
coloca em suspensão muitas das in ten ci o na li- põe, primordialmente, uma nova regulação
dades dos procedimentos de trabalho que ética para sua atividade profissional.
orientam a or ganização des sas práticas, Disso decorre que, se os re ferenciais éti-
“comprometendo” os re sultados imediatos cos de seu ofício estavam antes sustentados
que, em particular, seus mentores teóricos num “dever ser” que se pautava na re posição
projetam. de conhecimentos avalizados pelo estatuto
Conforme os resultados de nossa pes qui- científico, bem como numa adequação, com
sa, os principais efeitos derivados da inscrição maestria, dos saberes e técnicas emprestados
em práticas for mativas, organizadas pelo mo- de um “ou tro” pen sante, o professor vinha
delo teórico do professor reflexivo, orbitariam cumprindo sua existência, de um modo ou de
em torno de três eixos cen trais. outro, se gundo a oferta paulatina de tais sa-
Os dois primeiros eixos localizam-se na beres no percurso das aulas.
dimensão relacional da ação docente, pre ci sa- O que se esperava do aluno era uma en-
mente no deslocamento promovido pela com- trega convicta à autoridade do professor, uma
posição dos parceiros com quem comumente os fidelidade inconteste à sua oferta. E ali, o pro-
professores exerciam suas atividades pro fis si o- fessor estava convicto de ser tudo o que de ve-
na is. Eles passam a dividir sis tematicamente ria ser. Trocando em miúdos, tratava-se de
seu trabalho não mais apenas com os alunos – uma ética que se modulava pelo ato virtuoso
parceiros históricos de seu ofício – mas com os de conduzir o outro a descobrir a or dem do
próprios pa res. O “outro” agora é o próprio co- mundo por intermédio de uma autoridade
lega professor. que se pautava exatamente na não re ci pro ci-
Outro des locamento remete ao esta do dade do vínculo en tre aluno e professor, as-
sob o qual, culturalmente, os professores vêm sim como no isolamento dos vínculos en tre os
desenvolvendo suas atividades. De uma prática próprios professores.
profissional alicerçada no isolamento, peculiar Em nossa perspectiva, há, na ex pe riên-
ao âmbito da sala de aula, eles passam a vi vi fi- cia singular da prática reflexiva da formação
car um modelo de profissão que é baseado na em serviço, um forma to de profissionalidade
gestão coletiva e pú blica do ofício. em transição, que arremessa a profissão a um
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Julio Groppa Aquino é docente do Departamento de Filosofia da Educação e Ciências da Educação da Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo, na área de Psicologia da Educação.
Mônica Cristina Mussi é coordenadora pedagógica junto à Rede Municipal de Ensino de São Paulo, e doutoranda do
Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.27, n.2, p.211-227, jul./dez. 2001 227