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ESPECIALIZAÇÃO EM ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E

LITERATURA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

SAMARA LUANE GOMES BARRA

LENDAS AMAZÔNICAS COMO PROPOSTA DE


ORIENTAÇÃO DIDÁTICO-REFLEXIVA PARA O ENSINO
DE LITERATURA

Orientador: Natalino Oliveira

Lavras/MG
2023
Lendas amazônicas como uma proposta de orientação didático-
reflexiva para o ensino de literatura

Samara Luane Gomes Barra1


Natalino Oliveira2

Resumo
A educação pública brasileira, historicamente, enfrenta inúmeras dificuldades, mazelas que
passam pela estrutura precária de nossas escolas, por questões sociais e políticas. Para além
de problemas estruturais, existe também a priorização que as escolas acabam dando aos
textos cânones, clássicos, textos que muitas vezes fogem à realidade dos alunos e tornam o
ensino de literatura menos atrativo, menos eficiente e distante da realidade dos estudantes.
Longe disso, acredita-se que o ensino de literatura deve estar atrelado a questões sociais e
culturais, de modo que os estudantes encontrem uma identificação com a sua realidade. É
nesse sentido que o objetivo geral da presente pesquisa busca compreender como o trabalho
com lendas amazônicas pode ser um recurso eficaz no processo ensino-aprendizagem de
Literatura, considerando que esta pode ser um meio de aproximação com os alunos nortistas,
com base em uma pesquisa de cunho bibliográfico, tendo como parâmetro os estudos de
Fonseca (2021), Souza (2021), Martins (2020), Louzeiro (2019), Santos (2016), Silva (2016),
Cardoso (2018), Farias (s/d) e Frazão e Pessoa (s/d), tais autores apresentaram propostas
interessantes para tornar o ensino de literatura mais eficaz; assim como souberam explorar as
lendas amazônicas com maestria. Além disso, a pesquisa recorreu aos estudos de Aguiar Jr.
(2019), Lajolo (s/d), Zilberman (2012) e Cosson (2009), acerca da leitura e do ensino de
literatura em sala de aula. A pesquisa em torno das lendas amazônicas se justifica por ser um
gênero pouco trabalhado em sala de aula, assim como a literatura amazônica, que é
marginalizada e ausente em livros didáticos e dentro das salas de aula.
Palavras-chave: Ensino de literatura, Literatura amazônica, Lendas amazônicas.

Abstract
Historically, Brazilian public education has faced numerous difficulties, ailments that include
the precarious structure of our schools, social and political issues. In addition to structural
problems, there is also the prioritization that schools end up giving to canon, classic texts,
texts that often escape the students' reality and make the teaching of literature less attractive,
less efficient and distant from the students' reality. Far from it, it is believed that the teaching
of literature should be linked to social and cultural issues, so that students find an
identification with their reality. It is in this sense that the general objective of this research
seeks to understand how working with Amazonian legends can be an effective resource in the
teaching-learning process of Literature, considering that this can be a means of
approximation with northern students, based on a research of bibliographic nature, having as
a parameter the studies of Fonseca (2021), Souza (2021), Martins (2020), Louzeiro (2019),
Santos (2016), Silva (2016), Cardoso (2018), Farias (undated ) and Frazão and Pessoa
(undated), these authors presented interesting proposals to make literature teaching more

1 Graduada em Letras - Língua Portuguesa pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). E-mail:
samaraluane.barra@gmail.com

2 Doutor em Literatura Comparada pela UFMG e em Literatura de Língua Portuguesa pela PUC-MG.
E-mail: natalino.oliveira@ifsudestemg.edu.br

1
effective; just as they knew how to explore the Amazonian legends with mastery. In addition,
the research resorted to the studies of Aguiar Jr. (2019), Lajolo (undated), Zilberman (2012)
and Cosson (2009), about reading and teaching literature in the classroom. The research
around Amazonian legends is justified because it is a genre that is little worked in the
classroom, as well as Amazonian literature, which is marginalized and absent in textbooks
and within classrooms.

Keywords: Literature teaching, Amazonian literature, Amazonian legends.

1. INTRODUÇÃO

Atrelada geralmente ao cânone, o ensino de literatura é visto como um fardo para


muitos alunos. Lajolo (s/d) confirma o fato acima ao dizer que o texto literário é objeto de
um nem sempre discreto, mas sempre incômodo, desinteresse e enfado dos alunos, ou seja, o
ensino de literatura é visto pelos estudantes quase como um dever ou obrigação. Além disso,
têm-se também os problemas estruturais que muitas escolas possuem, como ausência de
livros, bibliotecas e salas de leitura. Para além de tais problemas, tem-se o ensino de
literatura totalmente descontextualizado e distante da realidade dos alunos. É nesse sentido
que busca-se aqui traçar um recorte teórico acerca do ensino de literatura amazônica em sala
de aula como forma de se aproximar da realidade dos alunos nortistas.

O objetivo geral da presente pesquisa busca compreender como o trabalho com


lendas amazônicas pode ser um recurso eficaz no processo ensino-aprendizagem de
Literatura, sendo exemplificada por meio de uma sequência didática proposta para alunos do
9º ano do ensino fundamental. Entre os objetivos específicos estão: demonstrar como o
ensino de literatura é apresentado em sala de aula; entender quais são as principais
dificuldades encontradas no ensino de literatura; compreender como a literatura amazônica
está presente no ensino de literatura; verificar de que modo o gênero lendas amazônicas
poderia ser um recurso eficaz no processo ensino-aprendizagem de literatura; apresentar uma
proposta de sequência didática a ser trabalhada em sala de aula com alunos do 9º ano do
ensino fundamental.

A pesquisa em torno das lendas amazônicas se justifica por ser um gênero pouco
trabalhado em sala de aula, como confirma Santos (2016) ao relatar que a literatura
amazônica “tem sido desvalorizada pelo poder público e ignorada por muitos profissionais de
Letras, livros didáticos e paradidáticos”, sendo assim, entende-se que ela é capaz de despertar
o interesse dos estudantes, e também faz parte da realidade dos alunos que residem na região

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amazônica. Além disso, o processo ensino aprendizagem de literatura deve basear-se em
propostas interativas a fim de promover o desenvolvimento do indivíduo, por isso apresenta-
se também uma proposta de sequência didática que tem como base a leitura interativa.

A educação pública brasileira, historicamente, enfrenta inúmeras dificuldades,


mazelas que passam pela estrutura precária de nossas escolas, por questões sociais e
políticas. Lajolo (s/d), por exemplo, destaca que o texto literário é objeto de um nem sempre
discreto, mas sempre incômodo, desinteresse e enfado dos alunos. Isso graças a priorização
que as escolas acabam dando aos textos cânones, clássicos, textos que muitas vezes fogem à
realidade dos alunos. Longe disso, o ensino de literatura deve estar atrelado a questões
sociais e culturais, de modo que os estudantes encontrem uma identificação com a sua
realidade.

Desde o enfado que os alunos têm pela disciplina, até a falha na formação dos
professores e pressão das escolas, que ainda priorizam a literatura canônica, os problemas são
muitos. Pensando nisso, a presente pesquisa se justifica na tentativa de buscar metodologias
inovadoras e que façam sentido de alguma forma para os estudantes, de modo que possam
atrair os alunos, assim como contribuir na formação destes enquanto leitores de literatura.
Visando atrair os alunos e a valorização de uma área tão marginalizada, busca-se aqui
destacar a importância da literatura amazônica, tendo como foco as lendas amazônicas.

Por ser pouco trabalhada em sala de aula e desconhecida por muitos alunos, a
literatura amazônica e toda a sua diversidade de obras fica à margem do ensino de literatura.
Tal ausência é marcante inclusive nos livros didáticos, Souza (2021) levanta o seguinte
questionamento: por que os autores de obras didáticas não obedecem à legislação pertinente
ao livro didático no que diz respeito à valorização das regionalidades?

Entre as razões que poderiam ser apontadas para tal problema, Souza (2021) enfatiza
que emergem a centralidade dos autores no Sul e Sudeste do país, impedindo uma maior
diversidade de olhares; outro fator seria o apagamento das “regionalidades” nas provas do
ENEM sob a alegação de se buscar assuntos de interesse nacional; além disso, tem-se o
excessivo apego dos autores de obras didáticas às periodizações, nos quais só há lugar para
autores considerados canônicos, em especial os que se situam nos grandes centros, negando
visibilidade aos que se encontram nas demais regiões.

Desse modo, em relação especificamente às lendas amazônicas, a pesquisa em torno

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de tal gênero se fundamenta por ser pouco discutido em sala de aula, além de ser um gênero
lúdico, capaz de despertar emoções e o interesse dos estudantes, “utilizar a lenda como
recurso em contextos multiculturais permite revitalizar aspectos culturais ora negligenciados
pelos livros didáticos e pelas decisões curriculares, mas que estão latentes nas comunidades
em geral e na Amazônia em particular” (Cardoso, 2018, p.8). Mais um motivo para a
realização da pesquisa se dá pela desvalorização da literatura amazônica, ainda pouco
explorada no ensino de literatura em sala de aula. Outro fator diz respeito ao fato de que a
literatura amazônica seria uma forma para que os alunos pudessem ver suas realidades
culturais e sociais presentes nas obras, possibilitando uma identificação com elas.

Farias (s/d) destaca tal relevância ao perceber que, em sua proposta de ensino, após
trabalhar textos amazônicos com alunos paraenses, os leitores buscaram suas experiências
vividas em seu contexto social ou familiar para interagir com a obra. “Dessa forma é
perceptível, certa intimidade entre leitor e obra, de maneira que em sua maioria os alunos
leitores, passaram ou já ouviram falar sobre o que a autora rememora em sua crônica”
(FARIAS, p. 10, s/d). Por fim, destaca-se que o processo de ensino/aprendizagem de
literatura deve basear-se em propostas interativas a fim de promover o interesse do aluno
pela disciplina. Pensando nisso, esta pesquisa visa propor uma sequência didática acerca do
ensino de lendas amazônicas como um incentivador à prática de leitura de livros
regionalistas. A leitura, a priori, de lendas pode ser uma porta aberta para o conhecimento da
vasta obra de autores da região amazônica.

Para o embasamento teórico, este trabalho recorreu aos estudos de Fonseca (2021),
Souza (2021), Martins (2020), Louzeiro (2019), Santos (2016), Silva (2016), Cardoso
(2018), Farias (s/d) e Frazão e Pessoa (s/d), tais autores apresentaram propostas interessantes
que contribuíram para tornar o ensino de literatura mais atrativo e eficaz; e, também, eles
souberam explorar as lendas amazônicas com maestria. Além disso, a pesquisa recorreu aos
estudos de Aguiar Jr. (2019), Lajolo (s/d), Zilberman (2012) e Cosson (2009), acerca da
leitura e do ensino de literatura em sala de aula.

A pesquisa está dividida em duas partes: a primeira, com foco na revisão


bibliográfica, onde ocorre a discussão acerca da leitura literária e o ensino de literatura, a
literatura amazônica em sala de aula e lendas amazônicas como proposta de incentivo à
leitura; já a segunda parte visa propor uma sequência didática orientada pelo seguinte
princípio geral: utilizar lendas da Amazônia no ensino de literatura como propostas de

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incentivo à leitura e produção textual aos alunos do 9º ano do ensino fundamental.

Dada a necessidade de suavizar mazelas presentes no ensino de literatura e incentivar


os alunos ao ato da leitura, assim como demonstrar a importância e o valor da produção
literária da região norte do país, espera-se aqui contribuir para um processo ensino-
aprendizagem de literatura mais atrativo e significativo, capaz de criar alunos leitores mais
críticos e questionadores.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. A leitura literária e o ensino de literatura

Para muitos alunos, a disciplina Literatura é vista como complicada, cansativa entre
outros adjetivos indesejáveis. Isto ocorre devido a falta do hábito da leitura, a qual é distante
aos olhos dos alunos. Tal fato se agrava quando identificamos o que eles conhecem acerca da
Literatura no Ensino Fundamental. Lajolo (s/d), confirma o fato acima ao dizer que o texto
literário é objeto de um nem sempre discreto, mas sempre incômodo, desinteresse e enfado
dos alunos, ou seja, o ensino de literatura é visto pelos estudantes como um fardo, um dever
ou obrigação. Este é o contexto de tal ensino na escola, a qual quer que o aluno aprenda e
leia, no entanto, não oferece subsídios suficientes para esta ocorrência.

É perceptível que o ensino da literatura neste nível é falho e até mesmo inexistente,
pois muitos estudantes só trabalham a questão no Ensino Médio, mesmo assim eles se
deparam com um ensino nada atrativo, voltado, em alguns casos, apenas para o vestibular e
suas “leituras obrigatórias”. “O vestibular, de cujo programa invariavelmente a literatura faz
parte, converte-se no limite e na razão de ser do ensino daquela” (ZILBERMAN, p. 203,
2012). Sobre a problemática envolvendo o ensino de literatura no ensino médio, Zilberman
(2012) destaca também que o professor se vê perante dois caminhos não facilmente
reconciliáveis:

a. Entregar-se inteiramente à preparação dos alunos ao vestibular,


transformando sua atividade em aula de cursinho. Essa opção parece
comprometer as finalidades pedagógicas do ensino médio, pois, dessas,
como se disse, o exame de ingresso à universidade parece estar ausente;
contudo, é ela que responde mais imediatamente a um dos interesses
principais do aluno ao frequentar a escola nessa fase.

b. Resgatar o modo como foi idealizado o ensino da literatura, restaurando,

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com isso, a concepção humanista presente na origem da escola secundária.
Ao fazer essa escolha, o professor assume uma tarefa complementar: a de
convencer os alunos de que a aprendizagem no secundário não se resume às
provas de seleção (ZILBERMAN, 2012, p. 205).

Nota-se que o ensino de literatura é dedicado, em muitas situações, exclusivamente ao


cânone/clássico. Segundo Fontão (2010), a presença da literatura clássica faz-se necessária
para dotar o aluno de leituras que substanciam e descortinam as várias possibilidades de
apreensão da cultura socialmente acumulada pela humanidade desde o advento da escrita,
bem como, faz-se necessário que o desenvolvimento de um bom leitor ocorra. Ou seja, isto
leva a crer que para que tenhamos bons alunos leitores, eles devem obrigatoriamente ler os
grandes clássicos canônicos. Tal pressão, em muitos casos, parte da escola, do próprio
professor e também da família dos estudantes. No entanto, professor, escola e família devem
acreditar que o ensino de literatura deve ser tratado com muita seriedade, é importante que os
alunos conheçam os grandes clássicos literários, mas o ensino não deve ser resumido tão
somente a eles.

Em relação à formação dos professores, para Lajolo (s/d), não se sabe qual é a
formação necessária ao professor de língua materna, porém a autora sugere algumas práticas,
valores e conteúdos essenciais à formação de tal profissional. O professor deve dispor de
uma noção ampla da linguagem, ele deve ser usuário competente da modalidade culta da
Língua Portuguesa. E, ainda, de acordo com Lajolo (s/d), o professor de português deve estar
familiarizado com uma leitura bastante extensa da literatura brasileira, portuguesa e africana,
por exemplo, pode não gostar de certos autores, mas deve conhecê-los, entendê-los e ser
capaz de explicá-los.

Zilberman (2012) destaca que os estudos sobre a formação do leitor cresceram


substancialmente nas últimas décadas, isto ocorreu em decorrência de uma suposta crise de
leitura ao final dos anos de 1970. Tal crise foi caracterizada “pelo fato de que os jovens,
sobretudo os estudantes não frequentavam com a desejada assiduidade os livros postos à sua
disposição” (ZILBERMAN, p. 16, 2012). Ainda segundo Zilberman (2012), o empenho em
implantar uma política cultural fundada no estímulo à leitura não é peculiar ao Brasil, porém,
é na condição de país em processo de desenvolvimento que o Brasil patrocina programas de
acesso ao livro, pretendendo dotar os leitores de obras que falem de seu mundo e na sua
linguagem, agindo no sentido de suplantar uma situação de anacronismo cultural. É neste
âmbito que o ensino de literatura deve ser pautado, no sentido de se aproximar da realidade
social e cultural dos alunos.

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Zilberman (2012) destaca também que no plano da dinâmica em sala de aula, as
expectativas do ensino de literatura são simultaneamente reprodutoras e seletivas.

Leem-se boas obras, já sacramentadas pela tradição e seus mecanismos de


difusão, para que se forme o juízo elevado, aquele que, educado, dará
preferência a criações de teor similar às que constituem a antologia,
reforçando sua autoridade; e porque consistem em modelos de uso correto
das virtualidades da linguagem verbal, cabendo imitá-las, reproduzi-las
portanto (ZILBERMAN, 2012, p. 239).

Dolz e Schneuwly (2013) apud Cardoso (2018) destacam que “a escola é tomada
como autêntico lugar de comunicação e as situações escolares como ocasiões de
produção/recepção de textos” (2013, p. 65), isto é, os gêneros trabalhados na escola devem
ser considerados como aparecem nas práticas de linguagem de referência. Essas práticas
discursivas devem ser reproduzidas por meio de situações recriadas, que sejam estimulantes
para o aluno, de modo a possibilitarem a aprendizagem.

É nesse sentido que o ensino de literatura deve estar atrelado à realidade dos alunos,
estes devem vê-la como algo que faça sentido, que tenha relação com suas vivências. Cosson
(2009) enfatiza que na leitura e na escrita do texto literário encontramos o senso de nós
mesmos e da comunidade a que pertencemos. “A literatura nos diz o que somos e nos
incentiva a desejar e a expressar o mundo por nós mesmos. E isso se dá porque a literatura é
uma experiência a ser realizada, é mais que um conhecimento a ser reelaborado” (COSSON,
2009, p. 8).

Cosson (2009) salienta que a relação entre literatura e educação está longe de ser
pacífica. Segundo o autor, o lugar da literatura na escola parece enfrentar um de seus
momentos mais difíceis. Cosson (2009) destaca que no ensino fundamental, a literatura tem
um sentido tão extenso que engloba qualquer texto escrito que apresente parentesco com
ficção ou poesia. Já no ensino médio, ainda de acordo com Cosson (2009), o ensino da
literatura limita-se à literatura brasileira, ou melhor, à história da literatura brasileira,
usualmente na sua forma mais indigente, quase como apenas uma cronologia literária, em
uma sucessão dicotômica entre estilos de época, cânone e dados biográficos dos autores,
acompanhada de rasgos teóricos sobre gêneros, formas fixas e alguma coisa de retórica em
uma perspectiva para lá de tradicional.

Caso o professor resolva fugir a esse programa restrito e ensinar leitura


literária, ele tende a recusar os textos canônicos por considerá-los pouco
atraentes, seja pelo hermetismo do vocabulário e da sintaxe, seja pela

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temática antiga que pouco interessaria aos alunos de hoje (COSSON, 2009,
p. 22).

Cosson (2009) também faz uma crítica ao trabalho da literatura escolarizada que
descaracteriza a prática da literatura. O trabalho com a literatura está focado no uso contínuo
do livro didático, escolhido ou não pelo professor, fazendo uso de textos fragmentados. Essa
metodologia não promove discussões tampouco reflexões capazes de contribuir de forma
significativa para a construção da identidade do leitor, de acordo com o autor.

Cosson (2009) compreende que a escola não promove o letramento literário, e sim a
escolarização da literatura, ficando atrelado e limitado ao texto fragmentado dos livros
didáticos, impossibilitando, assim, a formação do leitor. Assim, tal fragmentação disponível
nos livros não desperta o interesse e, muito menos, a curiosidade pelo texto literário. Para que
haja a prática do letramento literário de fato não basta apenas ler; o professor deve criar
condições para o encontro do leitor com a literatura e, nesse encontro, a leitura deve fazer
sentido. E visando ir além dessa simples leitura que Cosson (2009) privilegia o uso das
práticas do letramento literário na escola para além da simples leitura de fragmentos de obras
do livro didático com o aluno.

2.2. A literatura amazônica em sala de aula

Historicamente, a literatura amazônica teve uma construção marcada por atropelos e


discriminações. Farias (s/d) destaca que como educadores, é imprescindível discutirmos a
melhor maneira de fazer com que essas obras (amazônicas) se difundam em todos os quatros
cantos do país. Entretanto, “o desconhecimento dos próprios moradores locais em relação às
obras é gritante, que primordialmente, temos que percorrer caminhos que facilitem o acesso
dessas obras aos sujeitos locais, pais, professores, alunos entre outros possíveis leitores”
(FARIAS, p. 9, s/d).

De acordo com Santos (2016), o desencontro entre leitor e texto não acontece apenas
diante dos clássicos da literatura universal, mas também diante da literatura amazônica. Há
tempos se discute sobre a necessidade de trabalhar-se a literatura oral e a leitura de autores
amazônicos na educação básica; fato que revela a busca por referências ao nosso local
cultural amazônico, aquilo que expressa a nossa forma de perceber o mundo, a natureza, os
povos e as florestas. De acordo com a autora, há tempos se postula em congressos, simpósios
e seminários acadêmicos locais a necessidade de trabalhar-se a literatura amazônica na
educação básica, pois ela tem sido desvalorizada pelo poder público e ignorada por muitos

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profissionais de Letras, livros didáticos e paradidáticos.

Farias (2017) ressalta que um dos entraves acerca da literatura amazônica diz respeito
ao desconhecimento e ao desprestígio da literatura de expressão amazônica, tanto em nível
regional quanto em nível nacional, e a certeza da qualidade estética dessa produção feita de
grandes autores e grandes obras e da necessidade de valorização. Tal realidade é marcante
dentro das escolas quando os autores regionais são pouco debatidos ou até totalmente
inexistentes nas salas de aula, seja por desconhecimento por parte dos professores e/ou pela
falta de incentivo da escola, destaca Farias (2017).

A região Norte do Brasil possui um acervo riquíssimo quando se trata de estórias


imaginárias (ou não). Nossos ancestrais nos presentearam com muitas lendas que despertam
nossa imaginação e fantasia. Quem nunca ouviu falar da rainha das águas? Ou do Curupira,
protetor da floresta? Ou ainda do boto que vira homem nas noites de festa para namorar as
moças mais bonitas? (FRAZÃO E PESSOA, p. 3, s/d). Frazão e Pessoa (s/d) destacam que a
partir da compreensão de que as lendas são narrativas transmitidas oralmente pelas pessoas,
com o objetivo de explicar acontecimentos misteriosos ou sobrenaturais, e que são contadas e
recontadas de geração para geração com modificações conforme a época e o contexto cabe a
nós professores, a sistematização dos conteúdos a serem abordados e muito bem organizados.
“Essa prática se faz importante porque permite que o aluno aprenda utilizando ferramentas
mais complexas do que a simples leitura ou a cópia de textos desvinculados da realidade de
cada indivíduo (FRAZÃO E PESSOA, p. 5, s/d).

Conforme as autoras Frazão e Pessoa (s/d), é comum nas escolas trabalharem contos
e histórias que advêm do continente Europeu, que se destacam por trazerem o peso da
autoridade e impunidade, e utilizam elas como forma de regras éticas de conduta pessoal na
sociedade. Para Ferreira (2007) apud Frazão e Pessoa (s/d): "saber o certo e o errado, o bem e
o mal" são valores de juízo pessoal aos quais a escola tem o papel de intermediar para o
convívio em sociedade, mas:

A cultura amazônica é muito rica também, principalmente no que diz


respeito aos mitos e lendas; estão interligados à cultura do povo, aos saberes
são importantes quando vistos de acordo com a realidade, não saindo da
realidade, visto como de fato são, sem enfeites ou máscaras, ver a realidade
é olhar o jeito que ela é. As histórias são voltadas para realidades de vida e
suas experiências, o que precisa conhecer ao decorrer do tempo, pois
garantirá o conhecimento para os perigos que enfrentam no cotidiano, suas
narrativas, as produções escritas são meios de entender a realidade social
que cerca o aluno (FRAZÃO E PESSOA, p. 6, s/d).

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Frazão e Pessoa (s/d) destacam também que trabalhar com os mitos e lenda nas
escolas é uma maneira de preservar as histórias dos alunos e seus antepassados, refletindo na
sua realidade social, é o incentivo em busca da resposta acerca do mundo imaginário das
florestas, incentivar quem sabe a serem futuros pesquisadores das místicas dos seres das
matas amazônicas, despertar a curiosidade é o grande desafio dos educandos, pois ser
conhecedor da realidade do aluno significa usar os saberes, para transformar e trilhar os
caminhos da educação, a leitura não deve ser vista como formação e sim como algo que nos
forma ou nos deforma, ou ainda, nos transforma (FRAZÃO E PESSOA, p. 8, s/d).

É importante ressaltar que a busca pela inserção mais marcante da literatura


amazônica não procura substituir grandes poetas, romancistas e cronistas brasileiros e
estrangeiros que se fazem presentes nos livros didáticos e paradidáticos distribuídos de norte
a sul do país, mas apresentar aos alunos a riqueza das obras locais. É necessário que os
estudantes reconheçam suas vivências culturais e sociais, isto tornará o processo de
aprendizagem mais significativo.

2.3. Lendas amazônicas como proposta de incentivo à leitura

A palavra “lenda”, segundo Cardoso (2018), provém do latim legenda, que significa
“o que deve ser lido”. Nessas narrativas há sempre um ambiente heróico, quase sempre o
sobrenatural é indispensável, quem narra e ouve (geralmente) acredita, mas os estudiosos não
as consideram verdadeiras (CARDOSO, p. 53, 2019). Para o autor, tentar definir é quase
impossível, porque há zonas de transição em que as mesmas lendas não são vistas como
lendas, ao contrário, são narradas como contos, anedotas, estórias pessoais ou rumores . A
lenda é um elemento de fixação, cuja “constante” é o traço religioso. Pertence a um passado
longínquo, transmitido de geração em geração (CARDOSO, p. 53, 2019).

Segundo Martins (2020), compreende-se que as lendas são histórias que narram
acontecimentos sobrenaturais, a maioria relata de forma criativa a origem e existência de
determinados fatos ou objetos. Esses contos narrativos são passados de geração em geração,
contados principalmente pelos mais velhos às crianças que almejam saber a causa ou a
finalidade de algo. As lendas mais comuns contadas no território amazônico são histórias de
origem indígenas, que envolvem o sobrenatural e o incompreensível. Essas lendas são
relatadas de acordo com as crenças indígenas, seus costumes e cultura; tais crendices - até a
chegada dos colonizadores nas Américas - eram suas únicas fontes de explicação e razão para
o enigmático.

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Percebe-se em grande parte das lendas amazônicas, relatos da cultura
indígena que se misturam com relatos da cultura cabocla ribeirinha;
formando assim histórias ricas da cultural regional amazônida. Mediante tais
fatos, destaca-se a grande contribuição cultural que o uso das lendas nas
salas de aulas traria aos alunos da educação infantil, estimulando não
somente sua imaginação e criatividade, como também o sentimento de
pertencimento a cultura e ao ambiente no qual habita MARTINS (2020, p.
5).

As lendas e mitos na Amazônia apresentam imagem própria e descrevem animais do


fundo dos rios, caraúnas, cobras grandes, botos, mãe do rio, dos igarapés, flechadas de
bichos, mau olhado, mundiação, desencantamento e muitos outros. E todas essas histórias
confirmam os fatos vividos pela população, especialmente para os ribeirinhos em seu
cotidiano de relações com os rios e as florestas (LOUZEIRO, p. 28, 2019).

Na região amazônica, as Lendas, como gênero textual narrativo, se caracterizam por


sua natureza fantástica, surpreendente e impressionante, visto que, na tentativa de explicação
dos fatos em geral, em seu universo temático, com referência à verossimilhança, tudo é
possível, destaca Fonseca (2021). A escolha pelo gênero lenda como recurso em contextos
multiculturais permite revitalizar aspectos culturais ora negligenciados pelos livros didáticos
e pelas decisões curriculares, mas que estão latentes nas comunidades em geral e na
Amazônia em particular. Deste modo, Cardoso (2019) enfatiza que cabe aos que se ocupam
em investigar e ensinar a língua portuguesa na escola ou na universidade propor estratégias e
ações afirmativas que incentivem a consciência cultural. Assim, acredita-se que as lendas
podem contribuir para uma revitalização da cultura e servir de instrumento de ligação entre
as línguas e os povos.

Cardoso (2018) salienta também que a Amazônia não é grande somente em extensão
territorial, há uma vasta literatura “às margens” e pouco estudada, sobretudo, no caso das
lendas. Essas narrativas tocam na parte mais sensível da existência humana, principalmente a
vida das aldeias e comunidades ribeirinhas do interior, seja qual for o status de quem conta e
de quem ouve. E, tendo em conta o modo como essas narrativas se manifestam, não podem
ser simplesmente isoladas como histórias coerentes (CARDOSO, p. 45, 2019).

Para caracterizar o que chama-se de “lendas amazônicas”, Cardoso (2019) recorreu


aos estudos linguísticos de Coelho (2003), que aliados à discussão das características mais
conciliatórias das lendas permitem interpretar as narrativas que povoam o imaginário dos
brasileiros, sobretudo dos ribeirinhos e povos indígenas. Para Coelho (2003) apud Cardoso
(2019), é possível identificar alguns pontos pertinentes para a sua caracterização:

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São narrativas; são textos que ora descrevem entes sobrenaturais, ora
apresentam uma história; referem-se a acontecimentos do “passado
distante”, enfocando feitos de personagens, explicando particularidades
anatômicas de certos animais; podem ser contadas por qualquer pessoa a
qualquer momento; podem transmitir os ensinamentos e os valores da
sociedade à qual estão vinculadas; apresentam regras de conduta e explicam
fenômenos da natureza (COELHO, 2003, p. 18 apud CARDOSO, 2019, p.
47).

Após a compreensão sobre o conceito de lendas amazônicas, destaca-se que o uso de


histórias lendárias já ocorre em diversas instituições de ensino, entretanto, pouco se é
trabalhado nas salas de aulas as lendas pertencentes à cultura local. É notória a falta de
informações e conhecimentos referentes às lendas regionais nos materiais didáticos
trabalhados nas classes escolares tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio –
neste último, percebe-se a falta maior deste tipo de conteúdo (MARTINS, 2020, p. 3).

Fonseca (2021) destaca que é fato que o processo de ensino-aprendizagem da


educação atual não é motivador para os adolescentes e não fornece uma visão de mundo real
aos estudantes, e isto se acentua, ao considerarmos que, muitos conteúdos ministrados no
âmbito escolar estão distantes da realidade e interesse dos mesmos. Neste sentido, são
oferecidas vivências descontextualizadas e que não fazem parte do cotidiano dos discentes.
Dessa forma, o ambiente escolar é visto de forma negativa: como uma escola que “quer
ignorar as manifestações de cultura que impregnam a comunidade de onde seus alunos
provêm: a cultura popular” (SOUZA, 2011, p. 34 apud FONSECA, 2021, p. 4).

Em relação ao ensino infantil, Martins (2020) acredita que as lendas sejam detentoras
de um grande potencial e estímulo no ensino infantil. Por meio de sua utilização, seria
possível a valorização dos costumes regionais e ribeirinhos existentes na região amazônica.
Por meio do uso das narrativas repletas de imaginação e criatividade, seria possível despertar
o interesse da criança, sua curiosidade e sentimento de pertencimento a este lugar mágico e
exuberante no qual nasceu e reside. Além disso, a adoção do gênero lenda como objeto de
ensino/aprendizagem no processo de alfabetização e letramento constitui uma possibilidade e
uma ferramenta importante para o sucesso das práticas de linguagem na escola (FRAZÃO E
PESSOA, p. 6, s/d).

3. METODOLOGIA

Como técnica de pesquisa, este trabalho recorreu à técnica de análise documental.


Segundo Tomitch e Tumolo (2009), esta refere-se ao levantamento da literatura especializada

12
pertinente ao objeto de estudo. Destacando que esta é uma pesquisa bibliográfica - em que se
utiliza relatos de pesquisas anteriores sobre o assunto de interesse, ou seja, baseia-se naquilo
que os autores que escolhemos escreveram sobre esse determinado assunto (TOMITCH E
TUMOLO, p. 61, 2009). A pesquisa bibliográfica foi composta por uma discussão acerca de
conceitos básicos relacionados à discussão proposta, tais como: leitura literária, ensino de
literatura, literatura amazônica e lendas amazônicas. De acordo com Lima e Mioto (2007)
apud Aguiar Jr (2019),

[...] trabalhar com a pesquisa bibliográfica significa realizar um movimento


incansável de apreensão dos objetivos, de observância das etapas, de leitura,
de questionamentos e de interlocução crítica com o material bibliográfico, e
que isso exige vigilância epistemológica. (LIMA E MIOTO, 2007, p. 37
apud AGUIAR JR, 2019, p. 70).

De acordo com Marconi e Lakatos (2017), a pesquisa bibliográfica abrange toda a


bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo. Sua finalidade é colocar o
pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado
assunto. Manzo (1971, p. 32) apud Marconi e Lakatos (2017) destaca que a bibliografia
pertinente "oferece meios para definir, resolver, não somente problemas já conhecidos, como
também explorar novas áreas em que os problemas não se cristalizaram suficientemente".
Adotou-se, também, para a composição deste trabalho, a análise qualitativa com o intuito de
observar e compreender o objeto de estudo em sua plenitude.

Para tanto, buscou-se realizar uma revisão bibliográfica dos trabalhos de Souza
(2021), Martins (2020), Louzeiro (2019), Cardoso (2018), Santos (2016), Silva (2016) e
Farias (s/d). Como embasamento teórico, para reflexões acerca da leitura literária e o ensino
de literatura, considera-se o entendimento de Aguiar Jr. (2019), Lajolo (s/d), Zilberman
(2012) e Cosson (2009).

Como forma de coleta de dados, os artigos foram coletados em sites científicos e


acadêmicos, por meio da plataforma Google Acadêmico, sendo encontrados através de
palavras-chave, como: ensino de literatura, literatura amazônica, leitura literária, incentivo à
leitura e lendas amazônicas. Para melhor compreensão, as pesquisas foram agrupadas em três
temáticas: 1. A leitura literária e o ensino de literatura; 2. A literatura amazônica em sala de
aula; e 3. Lendas amazônicas como proposta de incentivo à leitura. Após a busca, foi
realizada também uma pesquisa manual por referências, entre os artigos encontrados, a fim
de complementar as referências. A seleção dos artigos aqui citados se deu de acordo com o
título e o resumo dos mesmos.

13
Por fim, com base na bibliografia levantada, foi elaborada uma sequência didática
que teve como foco o ensino de literatura amazônica, destacando as lendas amazônicas,
como proposta de incentivo à leitura para alunos do 9º ano do ensino fundamental. O
trabalho com as sequências didáticas é uma estratégia metodológica promotora de uma
práxis pedagógica reflexiva e crítica (AGUIAR JR, 2019, p. 18). Cardoso (2018) salienta que
no estágio pedagógico, a planificação das sequências (ou unidades) didáticas faz parte do
processo da formação inicial de professores. Pais (2010) apud Cardoso (2018) enfatiza que a
unidade didática “é uma concepção de planificação como uma entidade global e globalizada
na qual os diferentes elementos e fatores se entrecruzam para formar um todo
metodologicamente coerente designado por percurso de ensino aprendizagem”.

Para o desenvolvimento da proposta do letramento literário, foram seguidas as quatro


etapas da Sequência Básica, de acordo com a proposta de Cosson (2009), sendo elas:
motivação, introdução, leitura e interpretação. A primeira é o núcleo que prepara o aluno
para entrar no texto, é primordial para o encontro do aluno com a leitura. A prática de
motivação deve ter uma estreita relação com a leitura que se segue, para que sejam possíveis
as conexões estabelecidas pelos leitores; na etapa de introdução deve ocorrer a apresentação
do autor e da obra, o professor pode justificar sua escolha e falar da importância da obra para
o momento destinado à conversa com os alunos; na etapa de leitura, o acompanhamento da
leitura feito por parte do professor pode auxiliar o aluno nas suas dificuldades, pode ser feita
com base em uma conversa com a turma ou com atividades mais específicas; já a etapa de
interpretação é o momento de construção dos sentidos, por meio de inferências que envolvem
o autor, o leitor e a comunidade, as atividades de interpretação fazem com que as impressões
da leitura sejam exteriorizadas.

4. SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS

De acordo com Aguiar Jr. (2019), o trabalho pedagógico com a linguagem pressupõe
um planejamento que realmente inter-relacione indissociavelmente reflexão-ação, ou seja,
teoria e prática. Esse planejar possibilita assegurar o estreitamento, ou melhor, a imbricação
teoria e prática, entre escola e a vida cotidiana. Nesse sentido, segundo a autora, para abarcar
essa articulação, os documentos oficiais (PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais, BNCC –
Base Nacional Curricular Comum) sobrelevam a relevância do trabalho com os gêneros
textuais, que por sua vez demanda um planejamento que envolve conhecimentos teórico-
epistemológicos e práticos.

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Sobre o uso do texto literário nas práticas escolares, os Parâmetros Curriculares
Nacionais (1997, p. 29) afirmam que: é importante que o trabalho com o texto literário esteja
incorporado às práticas cotidianas da sala de aula, visto tratar-se de uma forma específica de
conhecimento. Essa variável de constituição da experiência humana possui propriedades
compositivas que devem ser mostradas, discutidas e consideradas quando se trata de ler as
diferentes manifestações colocadas sob a rubrica geral de texto literário.

Machado e Cristovão (2006, p. 552) apud Aguiar Jr. (2019, p.16) enfatizam que:

(...) em relação ao ensino de gêneros, seria necessário construirmos


materiais didáticos adequados, que propiciassem a transposição didática dos
conhecimentos científicos sobre os gêneros para o nível dos conhecimentos
a serem efetivamente ensinados, de acordo com o nível das capacidades dos
alunos, isto é, que efetivássemos uma transposição didática adequada (...)

Assim, no contexto do trabalho pedagógico com a linguagem, mais especificamente


com os gêneros textuais, tal transposição requer da ação pedagógica uma sistematização
modular e sequencial (GONÇALVES; FERRAZ, 2016 apud AGUIAR JR, 2019, p. 17). Essa
organização é denominada de sequências didáticas, pelo ISD – Interacionismo
Sociodiscursivo.

Dessa forma, a sequência didática deve possuir um conjunto de características


importantes que devem ser seguidas: ser real, prática e útil; possuir progressão,
sequencialidade didática e flexibilidade; ser adequada ao contexto; ser avaliável; integrar
uma diversidade de atividades metodológicas; ser interessante e motivadora (Pais, 2010 apud
Cardoso, 2018, p. 22). Tais características devem estar aliadas a um eixo estruturador que
determina a coerência e a coesão metodológica das unidades didáticas.

Outro fator importante é que ao utilizarmos uma abordagem pedagógico-didática


baseada em gêneros, no ensino de literatura, é necessário pensar nos objetivos de
aprendizagem, que são o ponto de partida para a organização dos percursos de ensino.
Cardoso (2018) considera que a transposição didática dos gêneros textuais exige uma
organização sequencial e modular do fazer pedagógico, a que o Interacionismo
Sociodiscursivo chama sequência didática (SD). “Na conceção defendida, as sequências
didáticas correspondem à planificação de um conjunto de atividades de ensino que
tencionam contribuir para a apropriação de uma determinada prática de linguagem”
(CARDOSO, 2018, p. 25).

15
Posto isso, vale ressaltar, portanto, que a sequência didática consiste num instrumento
de planejamento que pode orientar o trabalho do professor com o texto, desenvolvendo
sistematicamente as capacidades de linguagem fundamentais para o progresso escolar do
aluno (AGUIAR JR, 2019, p. 20). Considerando a relevância das sequências didáticas como
forma de orientar os professores no processo ensino aprendizagem, destaca-se aqui uma
proposta de trabalho possível de ser utilizada nas aulas de literatura. Pensando nisso, a
sequência didática aqui apresentada teve como base também a proposta de sequência básica
de Cosson (2009), que defende as quatro etapas da Sequência Básica: Motivação, Introdução,
Leitura e Interpretação.

A proposta tem como objeto de estudo duas lendas presentes no livro “Onze histórias
e um segredo: desvendando as lendas amazônicas”, organizado pela amazonense Taisa
Aparecida Carvalho Sales. O livro é composto por 11 conhecidas lendas amazônicas, sendo
elas: A Cobra Grande, Mapinguari, Lenda do Uirapuru, O Boto Cor-de-Rosa Surdo, Lenda da
Vitória-Régia, A Lenda da Mandioca, A Lenda do Guaraná, Lenda do Pirarucu, A Lenda da
Iara, Kauane, uma guerreira surda e O amor faz nascer um povo: A lenda da família Baré
surda. Tais lendas foram adaptadas em conjunto por alunos do 4º período do curso de
Letras/Libras da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) .

Imagem 1: Capa do livro “Onze histórias e um segredo: desvendando as lendas amazônicas”.

O livro “Onze histórias e um segredo: desvendando as lendas amazônicas” é um


conjunto de onze lendas vinculadas à cultura da Amazônia, que são reescritas levando em
consideração a cultura indígena e as questões que envolvem a comunidade surda. No livro, é

16
marcante a presença de temáticas que envolvem a falta de
aceitação do próprio surdo, a discriminação por parte da
comunidade e de familiares e a dificuldade do surdo em se
comunicar em sociedade. Tais questões são resolvidas no
desenrolar das histórias na medida que a comunidade descobre a
língua de sinais e o surdo passa a ser aceito e encontra o seu lugar
na comunidade.

Dessa forma, a sequência didática aqui apresentada objetiva


apresentar o texto literário de cunho amazônico como forma de
promover situações de leitura e escrita que favoreçam experiências significativas a partir do
texto literário. Isto vai decorrer a partir da relação de intertextualidade entre as lendas “O
Boto Cor-de-Rosa Surdo” e “A Lenda da Iara”, presentes no livro citado acima; objetiva-se
relacionar as lendas com episódios da série “Cidade Invisível”, da plataforma de streaming
Netflix.

4.1. PROPOSTA DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA

Tema: Lendas amazônicas e a intertextualidade

Título: O Boto Cor-de-Rosa Surdo e A Lenda da Iara: uma relação de intertextualidade com
a série “Cidade Invisível”

Público-alvo: 9º ano do Ensino Fundamental

Baixe aqui!⇖
SALES, Taisa Aparecida Carvalho (org.). Onze histórias e um
segredo: desvendando as lendas amazônicas. Manaus: Dalmir
Pacheco de Souza, 2016.

17
Habilidades da BNCC:
Ensino Fundamental:
EF69LP49: consiste em: Mostrar-se interessado e envolvido
pela leitura de livros de literatura e por outras produções
culturais do campo e receptivo a textos que rompam com seu
universo de expectativas, que representem um desafio em
relação às suas possibilidades atuais e suas experiências
anteriores de leitura, apoiando-se nas marcas linguísticas, em
seu conhecimento sobre os gêneros e a temática e nas
orientações dadas pelo professor.
EF89LP33: consiste em: Ler, de forma autônoma, e
compreender – selecionando procedimentos e estratégias de

Objetivos:

● Reconhecer as lendas amazônicas e a intertextualidade;

● Identificar a origem, as características, a estrutura das lendas e seus elementos


narrativos;

● Compreender as semelhanças e diferenças intertextuais entre os textos;

● Produzir um texto com base nas lendas apresentadas e a sua relação de


intertextualidade ;

● Instigar o interesse pela leitura e produção textual nos alunos.

Tempo: aproximadamente quatro aulas, de 2 horas cada

Material:

● Livro “Onze histórias e um segredo: desvendando as lendas amazônicas” ;

● Folhas de papel A4;

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● Caneta, lápis e borracha;

● Computador, projetor e caixa de som

Ações do professor:

AULA 1:

1º MOMENTO - Motivação

● Para iniciar a motivação, será feita uma roda de conversa na qual os alunos irão expor
todo o conhecimento e entendimento acerca de lendas amazônicas. Nesse momento, o
professor poderá resgatar as memórias de infância dos alunos, aquelas repassadas por
seus pais e avós.

Fica a dica! Antes de iniciar o conteúdo é importante questionar o gosto e o


conhecimento dos alunos acerca das lendas amazônicas e do conceito de
intertextualidade, em seguida, o professor deve propor um debate sobre a
importância que a leitura proporciona à formação do estudante.

● Traçar um porte histórico acerca da origem das lendas amazônicas. Aqui, o professor
pode falar sobre a origem das lendas, acerca de como eram transmitidos pela
oralidade e de como foram ganhando várias versões com o passar do tempo.

● Demonstrar as lendas que sofreram modificações com o passar do tempo e questionar


o conhecimento dos alunos sobre as versões.

2º MOMENTO - Introdução

O professor(a) apresentará o livro “Onze histórias e um segredo: desvendando as lendas


amazônicas” para o grupo de alunos.

● A turma poderá explorar todos os elementos do livro, como a capa, autora, editora,
ilustrações, cores etc.

● O professor irá fazer uma leitura geral acerca das características do livro, dando
destaque para os autores, destacando que são da região amazônica.

19
● Iniciar debate sobre a literatura amazônica e destacar autores e obras.

3º MOMENTO - Interpretação

Após a socialização do livro, os alunos irão relatar suas impressões e percepções sobre o que
foi exposto.

● O professor irá ressaltar que nas próximas duas aulas, os alunos irão trabalhar
especificamente com duas lendas: O Boto Cor-de-Rosa Surdo e A Lenda da Iara.

Atividade para casa: Pedir que os alunos pesquisem contos amazônicos que foram
adaptados e ganharam novas versões.

AULA 2:

1º MOMENTO - Motivação

O professor(a) deverá retomar a temática apresentada na aula anterior e destacar o que será
apresentado.

● Aqui, deve ocorrer a socialização em grupo da pesquisa realizada pelos alunos.

2º MOMENTO - Introdução

● Apresentar a estrutura da narrativa, como enredo, personagem, tempo, espaço e


narrador.

● Apresentar as lendas O Boto Cor-de-Rosa Surdo e A Lenda da Iara, ver imagens 2 e


3.

Imagens 2 e 3: Capas das lendas O Boto cor-de-rosa surdo e A lenda da Iara

20
Neste momento, tem-se o início das etapas de compreensão da leitura.

1ª ETAPA: Antecipação – Aqui tem início a primeira etapa para se compreender a leitura.
“São relevantes tanto os objetivos da leitura quanto os elementos que compõem a
materialidade do texto, como a capa, o título, o número de páginas, entre outros”
(COSSON, 2009).

2ª ETAPA: Decifração – A partir de letras e palavras, o leitor passa a decifrar o texto.


Cosson (2009) destaca que quanto maior a familiaridade do leitor com o contexto de
leitura, maior é a facilidade de decifração.

3ª ETAPA: Interpretação – Aqui tem-se o sentido, as relações estabelecidas pelo leitor no


ato da leitura.

● O professor(a) deverá dividir a turma em pequenos grupos para que eles possam
realizar as leituras em grupo.

3º MOMENTO - Interpretação

● Após a leitura em grupo, os alunos irão debater as lendas O Boto Cor-de-Rosa Surdo
e A Lenda da Iara, levando em consideração a releitura feita pelos autores ao abordar
a condição da pessoa surda.

● Os alunos devem ser instigados a debater sobre a importância social que as lendas
transmitem.

AULA 3

1º MOMENTO - Motivação

Fica a dica! Questionar o conhecimento dos alunos acerca da intertextualidade, assim


como a importância que tais assuntos representariam para a formação dos mesmos. Em
seguida, expor aos estudantes o conceito de intertextualidade, eles deverão compreender a

21
intertextualidade como um recurso amplamente utilizado na Arte, na Literatura, na Tv e no
Cinema.

2º MOMENTO - Introdução

● Aqui, o professor irá abordar o conceito de intertextualidade.

● Apresentar, no data show, exemplos de intertextos.

Fica a dica! Seria interessante demonstrar os mais variados tipos de gêneros, a exemplo de
paródias, músicas, imagens, propagandas etc.

● Apresentar a relação de intertextualidade presente entre as lendas O Boto Cor-de-


Rosa Surdo e A Lenda da Iara e a série Cidade Invisível, da plataforma de streaming
Netflix.

Imagem 4: Cartaz da série Cidade Invisível.

● Destacar os episódios 1 e 7, que retratam a condição dos personagens Boto e Iara.

● Identificar as características em comum com as lendas apresentadas, e de que forma


elas foram apresentadas.

3º MOMENTO - Interpretação

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● Após a exposição, os alunos serão levados a uma produção textual com base nas
lendas amazônicas apresentadas. A ideia é que eles tenham liberdade para criar,
deixando aflorar a criatividade. Eles terão autonomia para escolher o gênero textual
que irão trabalhar, seja poesia, campanha publicitária, artigo de opinião, crônica,
notícia etc.

AULA 4

● Socialização das produções textuais.

Resultados Esperados

Espera-se que os objetivos trabalhados sejam alcançados e que esta proposta possa
proporcionar uma experiência literária, de fato, prazerosa aos alunos.

Avaliação

· Interesse e empenho dos alunos;

· Atividade de pesquisa;

· Participação no debate;

· Produção textual.

5. CONCLUSÃO
Apesar de todas as dificuldades que circundam o ensino de literatura, é notório que há
saídas para tornar o processo ensino-aprendizagem mais eficiente e atrativo. A valorização da
literatura amazônica por meio de lendas amazônicas é uma proposta eficiente e capaz de
tornar o ensino mais satisfatório.

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Retomando os objetivos desta pesquisa, entre eles o objetivo geral, que foi o de
compreender como o trabalho com lendas amazônicas pode ser um recurso eficaz no
processo ensino-aprendizagem de Literatura, sendo exemplificada por meio de uma
sequência didática proposta para alunos do 9º ano do ensino fundamental. E, e os específicos:
demonstrar como o ensino de literatura é apresentado em sala de aula; entender quais são as
principais dificuldades encontradas no ensino de literatura; compreender como a literatura
amazônica está presente no ensino de literatura; verificar de que modo o gênero lendas
amazônicas poderia ser um recurso eficaz no processo ensino-aprendizagem de literatura;
apresentar uma proposta de sequência didática a ser trabalhada em sala de aula com alunos do
9º ano do ensino fundamental. Destaca-se que tais objetivos foram alcançados.

A bibliografia levantada comprovou o quanto a literatura amazônica é marginalizada


e pouco presente em livros didáticos e nas salas de aula. Outro fator comprovado foi a
importância de criar maneiras de fazer com que o ensino seja significativo para os alunos, de
modo que eles possam ver suas realidades, e o trabalho com as lendas amazônicas é uma
oportunidade de tornar o ensino de literatura mais significativo para os estudantes da região
norte. Por fim, a criação da sequência didática foi um exemplo de como tal temática pode ser
abordada, de modo interativo, em que os alunos tenham voz e possam expor o que acreditam
por meio de debates e da própria produção textual.

Dessa forma, salienta-se que a literatura de cunho amazônico é riquíssima, assim


como toda a extensão da região norte do país, logo, ela deve ser valorizada e conhecida em
todos os cantos do Brasil. Espera-se que essa pesquisa contribua para a valorização da
literatura amazônica e para o desenvolvimento do ensino de literatura.

6. REFERÊNCIAS

AGUIAR JR, Dejair Batista de. Sequências didáticas produzidas por professores
alfabetizadores: (re)significação do processo de formação docente. Dissertação (mestrado
profissional). Universidade Federal de Lavras, 2019.

24
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua
portuguesa/secretaria de educação Fundamental. Brasília, 1997.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Ática,
1997.

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2009.

CARDOSO, Samuel Figueira. As lendas da Amazônia como recurso no ensino


aprendizagem intercultural de Português Língua Estrangeira. Universidade do Porto,
2018.

FARIAS, Cristiane do Socorro Gonçalves. A literatura amazônica em sala de aula. XXI


Congresso Nacional de Linguística e Filologia. S/D.

FONSECA, Thaila Bastos. O gênero textual lendas amazônicas no âmbito escolar:


caminhos para a formação da identidade cultural e ressignificação da cultura. Contra
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FONTÃO, Luciene. A Literatura no Ensino Fundamental: leitura e recepção. Anuário da


Literatura, v.15, n.2, 2010.

FRAZÃO, Alcineia de Araújo; PESSOA, Jacimara Oliveira da Silva. Lendas amazônicas e


produção de texto: uso de lendas como ferramenta pedagógica na produção textual.
Aya Editora, s/d.

LAJOLO, Maria. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. Editora Ática, s/d.

LOUZEIRO, Izabel Margalho. O ensino da leitura literária por meio dos contos
amazônicos: Um estudo de caso. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Federal do
Pará, 2019.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia


Científica. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2017.

MARTINS, Carla Kiane da Silva. As lendas amazônicas como recurso auxiliar no


processo de ensino e aprendizagem na educação infantil. Congresso Nacional de
Educação - CONEDU, 2020.

SALES, Taisa Aparecida Carvalho (org.). Onze histórias e um segredo: desvendando as

25
lendas amazônicas. Manaus: Dalmir Pacheco de Souza, 2016.

SANTOS, Jayna Karolyne de Souza. Literatura amazônica: os encantos de uma


literatura pouco estudada em sala de aula. Revista Crátilo: Centro Universitário de Patos
de Minas, 2016.

SOUZA, Norma Sandra Teixeira de Melo. O livro didático e a literatura da Amazônia


brasileira: Discussões sobre uma ausência. Dissertação de Mestrado: Universidade Federal
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TOMITCH, Lêda Maria Braga; TUMOLO, Celso Henrique Soufen. Pesquisa em letras
estrangeiras. Florianópolis: LLE/CCE/UFSC, 2009.

ZILBERMAN, Regina. A leitura e o ensino da literatura. Curitiba: Ibpex, 2012

26

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