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Tema: Ensaio sobre a Cegueira, um livro adaptado ao

grande ecrã.
Introdução
Nesta apresentação irei abordar um filme que particularmente despertou o meu interesse, não só pela qualidade
da realização, mas também pela mensagem que este pretende transmitir. “Ensaio sobre a Cegueira" é realizado
por Fernando Meirelles a partir de um dos mais aclamados romances de José Saramago, vencedor do Prémio Nobel
da Literatura.
Trata-se de uma reflexão sobre o que de pior e melhor o ser humano tem e uma análise profunda da sociedade, do
ser humano e sua complexidade emocional.

Breve Biografia do Autor


José Saramago foi um importante escritor português nascido no Ribatejo em 1922.
Publicou o seu primeiro livro, um romance, Terra do Pecado, em 1947, tendo estado depois largo tempo sem
publicar. Trabalhou durante doze anos numa editora, onde exerceu funções de direção literária e de produção.
Pertenceu à primeira Direção da Associação Portuguesa de Escritores e foi ainda presidente da Assembleia Geral da
Sociedade Portuguesa de Autores e mais tarde diretor do jornal Diário de Notícias. A partir de 1976 passou a viver
exclusivamente do seu trabalho literário, primeiro como tradutor, depois como autor. Em 1982 publicou a obra
“Memorial do Convento” e em 1995 publicou o romance “Ensaio sobre a Cegueira”. Escritor de excelência, foi
galardoado com diversos prémios destacando-se o Prémio Camões e o Prémio Nobel da Literatura.
José Saramago faleceu em 2010.

Considerações importantes
Ensaio sobre a Cegueira é baseado no romance com o mesmo título do ilustre português José Saramago. Saramago
vetou inúmeras tentativas de adaptação desta sua obra, alegando que "o cinema destrói a imaginação". O autor
português não deixa de ter razão: ao assistir a uma adaptação de qualquer obra para as telas é inevitável que as
imagens que criámos nas nossas mentes sob a condução do texto deixem de existir. Por outro lado, é tentador
observar o choque de visões, entre os dois tipos de criadores. Assim, gosto de acreditar que esse foi um dos
motivos pelos quais Saramago finalmente cedeu: a curiosidade de ver outro grande talento dando a sua visão
particular a uma obra pré-existente.
De facto, Meirelles não dececiona e em 2008 surge uma adaptação do livro que fora alvo de intensos elogios por
parte dos críticos, mas também por parte de Saramago que teria confessado ao realizador que finalmente conhecia
a cara das suas personagens. Este foi, sem dúvida, um dos aspetos que me atraiu á visualização deste filme,
adaptação tão fiel à obra original.

Análise do Filme (depois de apresentar o trailer)


Para um português é um prazer ver uma produção de Hollywood que tem como argumento um livro de José
Saramago.
Para além de não sabermos o nome das personagens, não existem também quaisquer referências ao país onde
decorre a história. Não se situa em nenhum tempo específico. É um tempo que pode ser ontem, hoje ou amanhã.
Logo no início do filme, vemos um personagem a ser “atacado”, de súbito, por uma estranha forma de cegueira. No
entanto, ao invés de simplesmente deixar de ver por completo, tem a sua visão mergulhada num mar branco. Esta
cegueira branca representa o brilho da luz que cega, o excesso de informações desordenadas que confunde, em
vez de esclarecer, e não deixa ver como o mundo, de facto, é. O resultado disso é o caos.
Nós vivemos numa sociedade completamente dependente da visão, onde tudo é imagem. Ao perdemos este nosso
sentido mais importante, voltamos ao estado primitivo onde vence o mais forte. Essa ideia é perfeitamente
retratada no filme. A epidemia simboliza a falta de visão e a negligência das “autoridades” capazes de abandonar o
cidadão, como se este se tratasse de um objeto descartável.
Nesta obra, José Saramago retoma o recurso alegórico para criticar a sociedade. Através do poder da palavra,
pretende abrir os olhos das pessoas, que se encontram alienadas e cegas pela falta de reflexão e por isso
desatentas face à realidade e ao Mundo que as rodeia. Sugere uma infinidade de motivos para essa cegueira, a
qual cada leitor ou espectador pode interpretar de uma forma particular.
No filme (e no livro, tanto quanto sei) ninguém tem um nome nem são revelados pormenores do seu aspeto físico.
Isto revela uma estratégia de Saramago que de certa forma “cega” igualmente o leitor do livro, forçando-o, como
às personagens da história, a tentar imaginar estas pessoas de acordo com a forma como se comportam. Por outro
lado, a nossa identidade está claramente associada à nossa aparência. Neste ponto de vista identifico uma crítica à
vaidade e ainda à forma como a sociedade julga as pessoas pela sua aparência. Afinal de contas, “quem vê caras,
não vê corações”.
Neste filme, pessoas completamente diferentes são amontoadas num mesmo edifício isolado onde é possível
observar que, ao tirar o “filtro” da visão, se verifica a união entre as pessoas que se associam de formas
inesperadas (como o racista que fica amigo do negro), evidenciando que se pusermos de parte tudo o que é
superficial (como as aparências) é possível que o mundo se torne um sitio mais pacifico.
Ao longo do filme são cometidos atos atrozes pela sobrevivência, vistos pela única testemunha do pesadelo, uma
mulher que, sem explicação, não foi afetada pela cegueira, mas que prefere manter segredo pois quem tem olho
em terra de cego – para Saramago – sofre mais. Esta personagem representa a civilização e só os seus olhos (a sua
lucidez) podem conduzir os contaminados ao caminho de regresso à condição humana. No entanto, esta
personagem acaba por não conseguir suportar o fardo da sua missão e ela mesma sucumbe ao instinto primitivo. A
própria civilização está condenada.

Contextualização com o conteúdo lecionado em sala de aula


À semelhança do “Sermão de Santo António aos Peixes” estudado ao longo das aulas também o “Ensaio sobre a
Cegueira” se trata de uma alegoria. No primeiro caso, Santo António dirige o seu sermão aos peixes que
representam metaforicamente os Homens que são o verdadeiro alvo da crítica e os seus pecados. No segundo
caso, o autor recorre à cegueira que é uma alusão ao facto de muitas vezes as pessoas não conseguirem ver para
além do que está à superfície e dos preconceitos, de acreditarem em tudo o que a sociedade quer que acreditem e
de não perceberem aquilo que verdadeiramente importa. As pessoas vivem desatentas, alheadas face à realidade.
Da mesma forma como acontece na obra de Saramago, também no Sermão de Santo António é feita referência à
cegueira dos Homens que não querem ver.
Ambos os autores, embora tendo vivido em épocas diferentes, pretendem alertar para uma sociedade corroída,
sem referências, propondo uma reflexão sobre os seus comportamentos. Com isto é possível confirmar a
intemporalidade desta crítica aos Homens. Os tempos mudam, mas, pelos vistos, a natureza do Homem não.

Apreciação critica e conclusão


Se tivesse de definir o enredo deste filme numa palavra, escolheria angustiante. É uma história violenta, aflitiva e
desesperante. Oprime o espectador e fá-lo viver todas as dificuldades das personagens que acompanha.
Vale ressaltar que não é apenas por se tratar de um texto premiado pelo Nobel que a adaptação de Meireles é
convincente. O filme funciona de modo independente. Isto é, trata-se de um filme eficiente, com o mesmo viés
alegórico presente na obra original.
Embora retrate a cegueira, a fotografia assume um papel fundamental ao longo de todo o filme. Com uma paleta
de cores em torno do branco e do cinza, imagens desfocadas, o figurino desgastado e as distorções e câmaras
repetidamente tremidas, remete-nos para um ambiente de caos, colocando-nos quase que na pele das
personagens.
O realizador decidiu simular com imagens brancas e flashes o que veriam os cegos. No entanto considero que esta
estratégia acaba por distrair o espectador da substância da história. Por outro lado, considero que o facto de a
maior parte da história se desenrolar no interior do quartel torna o filme demasiado monótono.
Contudo, recomendo a sua visualização sobretudo pela mensagem que transmite, repito, e que nos leva a refletir
acerca dos nossos próprios comportamentos.
Neste filme, as vítimas da epidemia são obrigadas a reaprender a viver em sociedade e a reencontrar os valores e
virtudes da humanidade. Com isto o autor pretende alertar os leitores/espectadores para a reflexão e mudança de
atitudes porque só assim é que será possível contrariar a corrupção do mundo. Esta cegueira é vista como uma
chance de mudança. Afinal, “O pior cego é aquele que não quer ver” e segundo o próprio Saramago “Não somos
bons e é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso”.

Jéssica Marques
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