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UNIP – UNIVERSIDADE PAULISTA

INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E COMUNICAÇÃO (ICSC)


CURSO DE LETRAS – LICENCIATURA PORTUGUÊS/INGLÊS

BRUNA CHRISTINO MONTE


LANARSA GARCIA
MÍRIAM INÁCIO NEVES
RAPHAEL MAGALHÃES

HARRY POTTER E A PEDRA FILOSOFAL E LEITORES JUVENIS:


A BUSCA DO ADOLESCENTE
PELA LINGUAGEM LITERÁRIA QUE O ATRAIA

SANTOS - SP
2010
BRUNA CHRISTINO MONTE
LANARSA GARCIA
MÍRIAM INÁCIO NEVES
RAPHAEL H. MAGALHÃES

HARRY POTTER E A PEDRA FILOSOFAL E LEITORES JUVENIS:


A BUSCA DO ADOLESCENTE
PELA LINGUAGEM LITERÁRIA QUE O ATRAIA

Trabalho de conclusão de curso para a


obtenção do título de graduação em Letras
apresentado à Universidade Paulista –
UNIP.

Orientadora: Cynthia Croce Rocha Brandão


SANTOS
2010

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA
_______________________/__/___
Prof. Nome do Professor
Universidade Paulista – UNIP
_______________________/__/___
Prof. Nome do Professor
Universidade Paulista – UNIP
_______________________/__/___
Prof. Nome do Professor
Universidade Paulista UNIP
AGRADECIMENTOS

Às nossas famílias, alicerces para as nossas vidas, que refletem num proveitoso
desempenho acadêmico.

À nossa professora orientadora Cynthia Croce Rocha Brandão, pela atenção e pelas
construtivas críticas norteadoras.

À professora Drª. Denise Durante pela dedicação e pelo carinho que nos inspiraram
em nosso percurso.

A todas as professoras que nos apoiaram.


“A magia da linguagem é o mais perigoso dos encantos”
(Edward Bulwer-Lytton)

RESUMO

O fenômeno Harry Potter é sucesso no mundo inteiro entre públicos de todas as


idades. Devido ao êxito dessa obra, objetivamos analisar os motivos do sucesso de
“Harry Potter e a Pedra Filosofal”. Diversas são as causas que propiciam o sucesso
do livro, a linguagem é a mais determinante entre elas. Para confirmarmos essa
hipótese, baseamo-nos, principalmente, nas teorias de Isabelle Smadja e
Mangueneau. Consideramos, inicialmente, a mídia e a opinião dos amigos como os
principais veículos que introduzem um livro ao seu público alvo. Uma vez que a
leitura esteja ao alcance do leitor, ponderamos três fatores que tornam a linguagem
do livro “Harry Potter e a Pedra Filosofal” diferenciada e mais atrativa ao público
juvenil: o gênero fantástico, o estilo literário da autora e a heterogeneidade
enunciativa. Um estudo de “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, baseado na Análise do
Discurso, demonstra esses fatores. O primeiro deles é a utilização do gênero
fantástico e do maravilhoso na obra, fundamentados por Todorov. Ao amenizar a
vida cotidiana propondo uma “fuga da realidade”, o fantástico possui a capacidade
de devanear a imaginação do leitor. Também consideramos o estilo literário da
autora e os recursos que ela utiliza para conquistar os seus leitores. Observamos
que, apesar da constante magia presente na obra, a verossimilhança é um fator de
grande relevância na história. A heterogeneidade enunciativa ramifica-se em
discurso indireto, ironia e intertextualidade, contribuindo, assim, para uma leitura
mais agradável e seu conseqüente sucesso literário e comercial.

Palavras-chave: linguagem; fantástico; verossimilhança; intertextualidade.


ABSTRACT

The Harry Potter’s phenomenon is a worldwide success among audiences of all


ages. Due to the success of this work, we aimed to analyze the reasons for the
success of "Harry Potter and the Sorcerer's Stone." There can be several causes that
promote the success of the book, being the language the most crucial among them.
To confirm this hypothesis, mainly, we rely on the theories of Isabelle Smadja and
Mangueneau. We considered, initially, the media and the friends’ opinion as the main
vehicles that introduce a book to its readers. Once the reading is within range of the
reader, we pondered three factors that make the language of the book, "Harry Potter
and the Sorcerer’s Stone, differentiated and more attractive to the youngsters: the
fantastic genre, the literary style of the author and the enunciative heterogeneity. A
study of "Harry Potter and the Sorcerer's Stone", based on the discourse analysis,
shows these factors. The first one is the use of the fantastic and the wonderful in the
work, substantiated by Todorov. Everyday life is eased by a "flight from reality", the
fantastic has the ability to daydream the reader's imagination. We also considered
the literary style of the author and the resources she used to attract her readers. We
noted that, despite the constant magic in this work, the verisimilitude is a highly
relevant factor in the story. The enunciative heterogeneity branches into indirect
speech, irony, and intertextuality, thus contributing to a more pleasant reading and to
the consequent literary and commercial success.

Keywords: language; fantastic; verossimilitude; intertextuality.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 10

1. HARRY POTTER: COMO TUDO COMEÇOU...................................................... 13

2. AS INFLUÊNCIAS EXTERNAS QUE ESTIULAM OS ADOLESCENTES NA


ESCOLHA DO LIVRO “HARRY POTTER E A PEDRA FILOSOFAL”................... 14
2.1 Mídia: conceito, publicidade e persuasão........................................................... 14
2.1.2 Mídia: Harry Potter e suas táticas publicitárias................................................ 15
2. 2 Amigos: a necessidade da amizade na adolescência........................................ 17
2.2.1 Amigos: o poder de influência na leitura de Harry Potter................................ .18

3. LINGUAGEM........................................................................................................ 20
3.1 Linguística........................................................................................................... 20
3.2 Análise do discurso............................................................................................. 22

4. O GÊNERO FANTÁSTICO................................................................................... 24
4.1 O Maravilhoso em “Harry Potter e a Pedra Filosofal”.......................................... 27

5. O ESTILO LITERÁRIO DE J. K. ROWLING........................................................ 33


5.1 Um conto de fadas moderno............................................................................... 34
5.2 A verossimilhança num mundo mágico............................................................... 35
5.3 Harry, um menino de verdade............................................................................. 37
5.4 A língua falada na escrita.................................................................................... 40

6. A ESCOLHA LEXICAL DOS NOMES DAS PERSONAGENS EM “HARRY


POTTER E A PEDRA FILOSOFAL”........................................................................ 43

7. OS TEMAS EM HARRY POTTER........................................................................ 45


7.1 A morte................................................................................................................ 46
7.2 O amor................................................................................................................. 47
7.3 A discriminação................................................................................................... 48

8. A HETEROGENEIDADE ENUNCIATIVA DE ROWLING..................................... 51


8.1 Discurso indireto livre.......................................................................................... 51
8.2 A ironia................................................................................................................ 53
8.3 Intertextualidade em Harry Potter e a Pedra Filosofal: uma análise................... 54

CONCLUSÃO........................................................................................................... 60

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 62

ANEXOS................................................................................................................... 67
10

INTRODUÇÃO

No final do século XX surgia uma história de aventura e magia que, logo, se


tornaria uma das obras literárias de maior sucesso entre os jovens, a saga de Harry
Potter. Jovens do mundo inteiro devoravam os livros da série, sedentos para saber
qual era o próximo capítulo e como terminava certa passagem. Inspirados no
sucesso da série de Harry Potter entre os jovens, mais especificamente o de “Harry
Potter e a Pedra Filosofal”, resolvemos identificar os motivos por trás desse sucesso.
O método de pesquisa adotado neste trabalho foi o bibliográfico. Baseamo-
nos nas teorias de alguns autores especializados na obra de Harry Potter para
explicarmos o sucesso de “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, sendo os principais:
Isabelle Smadja e David Colbert. Em relação ao gênero fantástico, utilizamos as
teorias de Todorov. E quanto à linguagem, tomamos como base os conceitos de
Mangueneau e Vanoye.
O livro “Harry Potter e a Pedra Filosofal” apresenta vários motivos e
influências externas que estimulam a leitura de adolescentes. Presente no cotidiano
global, principalmente no juvenil, a mídia e a opinião dos amigos têm sido dois
estimuladores de grande impacto em relação à leitura da obra. A mídia é um
instrumento social que visa uma fonte de lucro através da informação pelas
principais tecnologias da comunicação, como afirma Charaudeau (1994). Ou seja,
são nos veículos de propagação de mensagens em massa que os recursos
informativos vêm buscando inovar por meio da publicidade persuasiva,
principalmente pelo sistema capitalista internacional. As grandes táticas publicitárias
utilizadas na divulgação do livro “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, por meio da
editora britânica Bloomsbury, da editora estadunidense Scholastic e da produtora de
filmes Warner Bros. , exploram tal capacidade difusível.
De acordo com a pesquisa de Marta C. Louro, da Fundação Educacional do
Município de Assis, a divulgação por parte dos amigos alavancou consideravelmente
as vendas. Papalia (2006) salienta a necessidade que o jovem tem de ter amigos na
adolescência e o porquê de tamanha influência nesta fase da vida. A opinião dos
amigos foi um grande estímulo para a leitura da obra.
A perspectiva de poder é algo que atrai qualquer ser humano. O gênero
fantástico fascina e enfeitiça a imaginação dos jovens. A obra “Harry Potter e a
11

Pedra Filosofal” enquadra-se nesse gênero. Para o estudioso Tzvetan Todorov


(1992), o gênero fantástico se define quando um ser experimenta a hesitação de um
acontecimento sobrenatural. O teórico elucida três características principais do
gênero em estudo. Primeiramente o leitor necessita considerar o mundo das
personagens vivas e hesitar entre os acontecimentos reais e sobrenaturais. Depois é
necessário que o leitor se identifique com a personagem e por último a interpretação
do leitor, que pode ser tanto “poética” como alegórica.
Todorov também apresenta o conceito sobre gêneros considerados “vizinhos”
ao gênero fantástico: o Estranho e o Maravilhoso, que se iniciam quando
escolhemos uma resposta possível perante a hesitação. Identificaremos, no capítulo
4, algumas características do gênero fantástico e do maravilhoso presentes em
“Harry Potter e a Pedra Filosofal”.
Diversos foram os recursos lingüísticos utilizados por Rowling na composição
da sua obra. Esses recursos demonstram as características do estilo da autora. O
mundo mágico de Harry Potter possui uma estrutura semelhante a dos contos de
fadas tradicionais, contudo, a autora adapta esse modelo à sua obra utilizando o seu
próprio estilo. Conforme Smadja (2004), os elementos mágicos presentes na obra
disfarçam a realidade que está por trás de toda a magia. Assim, a feitiçaria da escola
de bruxaria de Hogwarts nada mais é do que um aspecto que guia o leitor à
verossimilhança.
O herói, Harry Potter, é um protagonista forjado com o intuito de ganhar vida
na imaginação do leitor. Todos os elementos que envolvem Harry propiciam o leitor a
acreditar que ele realmente existe, ou existiu. Rowling não permite que nenhuma
característica da sua personagem principal seja deixada de lado pelo leitor, ela
explicita toda a aparência e a personalidade de Harry em diversos trechos no
decorrer da história.
Também podemos notar que a autora utilizou-se do fenômeno da oralidade na
composição da sua obra. Os elementos característicos da linguagem falada podem
ser freqüentemente encontrados não somente no discurso das personagens, mas,
também, na narrativa. Demarcando, desse modo, um importante recurso de estilo
que Rowling utilizou para dar mais vivacidade à sua história.
Quando um adolescente lê um livro, ele pode analisar a capa, as imagens, a
textura e a cor das páginas, tudo pode agradar seus olhos fazendo com que o livro
pareça maravilhoso, mas somente quando termina de ler algumas páginas ele
12

percebe se realmente gostou ou não daquela obra. Isso acontece por causa de um
dos fatores mais determinantes na escolha de um livro: a linguagem.
Segundo Koch (2004), a linguagem pode conter, sinteticamente, as funções
de representar o mundo, de ser um instrumento de comunicação ou uma forma de
interação. Porém, para um pesquisador, é importante analisar a linguagem levando-
se em consideração não somente esse aspecto de transmissão de informação, mas
também a manifestação ideológica de seu produtor e os aspectos lingüísticos do
discurso.
Na obra de Rowling é possível perceber algumas características ideológico-
pedagógicas, identificadas nos temas principais do livro. Esses temas demonstram a
posição da autora em relação a eles e podem funcionar como uma “moral da
historia” comum em contos e fábulas tradicionais.
Em relação aos aspectos lingüísticos, Rowling utiliza-se da heterogeneidade
enunciativa. Esse termo, utilizado por Mangueneau (1997), será abordado
detalhadamente e refere-se à utilização de discurso indireto livre, ironia e
intertextualidade, bastante evidentes na obra.
Este trabalho se destina ao público acadêmico e a todas as pessoas que se
interessam pela análise do discurso de uma obra contemporânea de sucesso como
“Harry Potter e a Pedra Filosofal”. Nossa proposta é relativamente nova,
contribuindo diretamente na área de Letras ao verificar as causas do sucesso de
“Harry Potter e a Pedra Filosofal”. Reitera-se a relevância de tal abordagem aqui
apresentada, por tratar-se de um “best-seller” mundial da literatura infanto-juvenil.
13

1. HARRY POTTER: COMO TUDO COMEÇOU1

Harry Potter surgiu em 1990, numa viagem de trem, que Rowling realizou. A
idéia apareceu em sua mente e durante as quatro horas de viagem ela foi
construindo a imagem do menino bruxo. Não havia uma caneta para escrever, então
ela teve que somente imaginar a história durante todo o percurso daquela viagem.
A autora começou a escrever “Harry Potter e a Pedra Filosofal” na noite
daquele mesmo dia. Naquele mesmo ano a história foi diretamente influenciada pela
morte de sua mãe. Os sentimentos de Harry Potter em relação à morte de seus pais
agora eram mais profundos, pois Rowling conseguia transmitir toda a intensidade de
seus próprios sentimentos em relação à morte da mãe.
Durante um período difícil de sua vida, Rowling dividia seu tempo para cuidar
da filha pequena, trabalhar e escrever seu livro. Todos os dias Joanne escrevia com
afinco a história do menino bruxo, até que enfim terminou. Porém, foi um trabalho
árduo até conseguir um agente que acreditasse em seu potencial e uma editora que
aceitasse publicar sua obra. Quando, finalmente em 1996, Rowling recebeu a notícia
de que sua história seria publicada por Bloomsbury. Foi então que o sucesso
começou.
“Desde a publicação do primeiro livro, “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, a
escritora já encantou centenas de milhões de leitores de todas as idades em
2
diversos países com as aventuras do pequeno órfão aprendiz de bruxo.”

1
Informações do site Oficial de J. K. Rowling.
2
AGENCE FRANCE-PRESSE. Disponível em:
http://criancas.terra.com.br/harrypotter/interna/0,,OI593204-EI4249,00-
Vida+de+autora+de+Harry+Potter+e+conto+de+fadas.html. Acesso em: 05 de Outubro de 2010.
2
14

2. AS INFLUÊNCIAS EXTERNAS QUE ESTIMULAM OS ADOLESCENTES NA


ESCOLHA DO LIVRO “HARRY POTTER E A PEDRA FILOSOFAL”

Diversas podem ser as causas que influenciam os jovens a adquirirem um livro


como Harry Potter e a Pedra Filosofal. A seguir serão apresentados os principais
motivos.

2.1 Mídia: conceito, publicidade e persuasão

A mídia configura-se em instrumento de visibilidade social; um elemento de


um jogo de duplo espelho, já que reflete e se encontra refletida no espaço
social; numa fonte de lucro; num objeto do mundo científico e tecnológico,
principalmente das tecnologias da comunicação que levam a informação de
um lugar a outro; num objeto dentro das Ciências Sociais e do mundo da
Educação; ou seja, ela produz uma informação que pode ser entendida
como fenômeno de formação de sentido. (CHARAUDEAU, 1994, p. 8)

Do latim “médium” o termo inglês “media”, adaptado para o português como


mídia, integrou-se na linguagem publicitária para indicar os veículos recentes de
propagação de mensagens em massa. O jornal, a revista, o rádio, a televisão, a
Internet, o cinema e a publicidade ao ar livre (painel de estrada, painel circulante em
coletivos, backlights etc.) no jargão publicitário são os meios de comunicação social
(veículos).
Segundo Negt, na obra de Guareschi (1981, p. 21): “Fundamentalmente, os
meios de comunicação de massa têm como objetivo a universalização da produção
de bens de consumo”. O crescimento midiático, isto é, as organizações que, a partir
da Idade Média até os dias atuais, têm despertado interesse no aproveitamento
comercial das renovações técnicas, estimularam a produção e difusão comum das
formas simbólicas.
Na obra de Guareschi (1981), o teórico Schramm, logo percebeu que o fluxo
independente de informação possibilitaria e deveria contribuir para o encorajamento
de atitudes produtivas. No uso dos recursos da informação, essas inovações fazem
parte de uma transformação maior, pois as tecnologias de telecomunicações e de
15

informação, feitas em conjunto, pressupõem um grande futuro para os serviços de


mídia.
Somavia, em Guareschi, ressalta:

(...) Sem pressões políticas ou econômicas aparentes, os países de Terceiro


Mundo são levados a agir no interesse do sistema transnacional por sua
“própria e livre vontade”, através da penetração cultural que lhes oferece
estilos de vida que os transformarão em “povos desenvolvidos” libertos do
estigma do subdesenvolvimento... Para essa operação funcionar,
corretamente, é essencial que se controlem os instrumentos de
comunicação social, e isso foi conseguido. Dentro desse contexto, os meios
de comunicação de massa internacionais, e seus apêndices locais,
tornaram-se praticamente cavalos de Tróia para os padrões de consumo
transnacional. (SOMAVIA, 1976 apud GUARESCHI, 1981, p. 77)

A produção e distribuição de mensagens 3 por organizações estrangeiras


fazem parte do mecanismo contemporâneo. Segundo Guareschi (op. cit.), no
sistema mundial o imperialismo é assumido, sendo até muito procurado pelo poder
dominante que se esforça para conduzir populações para a economia capitalista.
Guareschi confirma isto mostrando que a invasão do estrangeiro e os efeitos da
influência cultural latino-americana são conseqüências do poder de decisão e
escolha da classe dominante em nome do desenvolvimento nacional, ou seja,
através do sistema capitalista internacional há a homogeneização.

2.1.2 Mídia: Harry Potter e suas táticas publicitárias

Os conceitos de vários teóricos sobre mídia estabelecem uma co-relação


com o assunto em questão: os métodos de divulgação dos livros de Harry Potter.
Devido ao seu sucesso, os livros de Harry Potter têm sido alvo de questionamentos,
pois muitos fazem ligação desse bom êxito ao planejamento de marketing precavido
e a um planejamento de mídia muitíssimo bem executado. Tanto no cinema como na

3
Distribuição indireta através das agências de notícias e da programação dos meios de comunicação
e distribuição indireta por meio de revistas, livros filmes, etc. (GUARESHI, 1981,p. 29- 4)
16

literatura, a Bloomsbury4, a Scholastic5 e a Warner 6Bros, sabedores da influência


midiática, elaboraram uma cautelosa estratégia separada em etapas,
acompanhando o mercado evolucionário. Em 1997 o sucesso posterior do livro era
inimaginável, pois a Bloomsbury havia lançado somente 500 cópias impressas de
“Harry Potter e a Pedra Filosofal”, cujos incentivos às vendas iniciaram-se através da
propagação boca-a-boca.
Segundo Barban, Cristol e Kopec (2004), no momento da divulgação as
características do produto e o traçar do plano de mídia são muito importantes:
certamente as estratégias de lançamento e comercialização das obras de J. K.
Rowling consideraram isto. O produto, para ser conhecido por parte dos leitores,
precisou que a Bloomsbury fosse unida a um grupo de jornalistas que conseguira a
cobertura do livro no programa Blue Peter7, valorizando, assim, o produto para as
distribuidoras, visto que o programa era de caráter crítico e formador de opinião.
Conforme Sissors e Bumba (2001 apud BARBAN; CRISTOL; KOPEC, 2004,
p.33), “Obviamente anunciar numa área geográfica em que não haja distribuição da
marca costuma ser desperdício de dinheiro. Ocasionalmente, porém, o objetivo pode
ser o de “forçar” a distribuição criando uma demanda”.
Em 1998, para aumentar ainda mais o interesse pelas obras de Rowling, a
Scholastic, antes do lançamento oficial do primeiro volume da série nos Estados
Unidos, distribuiu cópias dos livros para as crianças, bibliotecários, jornalistas e
críticos formadores de opinião conceituados.
Segundo Barban, Cristol e Kopec (op. cit., . p. 33), a embalagem atua como
uma boa ferramenta promocional, na medida em que expõe visualmente o nome da
marca, e quando o objetivo de marketing é aumentar o consumo, a embalagem pode
ser utilizada para atingir esses fins. Vendo isto, a Scholastic optou por lançar
primeiramente uma edição mais cara de Harry Potter, com capa dura e papel de alta

4
Bloomsbury Publishing Plc é uma editora britânica, sediada em Londres, conhecida principalmente
por publicar os livros da série Harry Potter, de J.K. Rowling.
5
A Scholastic Corporation, ou ainda Scholastic Press ou Scholastic Inc.) é uma editora de livros dos
Estados Unidos da América conhecida por publicar material infanto-juvenil.
6
Warner Bros. Entertainment., também conhecida como Warner Bros. (o termo geralmente usado, é
uma produtora americana de filmes e entretenimento televisivo. Um dos maiores estúdios de cinema
da atualidade, ela é uma subsidiária da Time Warner, com sedes em Burbank, Califórnia e Nova
Iorque. A Warner Bros. possui uma serie de subsidiarias, incluindo a Warner Bros. Studios, Warner
Bros. Pictures, Warner Bros. Interactive Entertainment, Warner Bros. Television, Warner Bros.
Animation, Warner Home Video, New Line Cinema, The WB Television, e DC Comics. A Warner
possui metade da The CW Television Network
7
Blue Peter é um programa de televisão para crianças, produzido pelo canal inglês BBC. É bastante
popular no Reino Unido e é considerada a mais longeva série infantil televisiva (foi criado em 1958).
17

qualidade, publicando, apenas dois meses mais tarde, a versão de bolso, mais
barata. Professores, pais e crianças ficaram encantados; sendo assim, a
Bloomsbury optou por fazer uma edição especial, com uma capa mais escura e
séria, que resultou em um grande retorno também do público adulto.
Em 1998 a Warner Bros, ao perceber o grande potencial da história,
comprou os diretos autorais mundiais da marca “Harry Potter”. Foi a partir daí que a
autora e os editores, com receio de superexposição e suas conseqüências,
relevaram a exigência de J. K. Rowling de que sua opinião fosse irrevogável em
relação ao marketing e mídia de Harry Potter.

2. 2 Amigos: a necessidade da amizade na adolescência

Os adolescentes de hoje são mais capazes de expressar seus


pensamentos e seus sentimentos privados. Também sabem considerar
mais prontamente o ponto de vista de outra pessoa e, assim, lhes é mais
fácil compreender os pensamentos e os sentimentos de um amigo.
(PAPALIA, 2006, p. 502)

O ser humano tem a necessidade de sentir-se conectado com os outros e


poder compartilhar atitudes, interesses e circunstâncias que se assemelham as suas
próprias. Segundo Papalia (2006, p. 501): “Os adolescentes, como as crianças mais
jovens, tendem a escolher amigos que sejam como eles, e os amigos podem
influenciar-se mutuamente para se tornarem ainda mais parecidos”.
Ou seja, é natural que os adolescentes prefiram estar com pessoas da sua
idade, seus pares, pois com eles os adolescentes podem adquirir sua autonomia,
podem romper com as imagens de seus pais e desenvolver suas próprias
identidades.
Papalia ressalta:

As amizades são fundamentalmente diferentes dos relacionamentos


familiares. Elas são mais igualitárias do que os relacionamentos com os
pais, que detêm o poder, ou com os irmãos, que geralmente são mais
velhos ou mais jovens. As amizades baseiam-se em escolha e
comprometimento. Pelo mesmo motivo, são mais instáveis do que é
18

necessário para mantê-las emerge na adolescência. Os adolescentes


brigam com menos intensidade e resolvem conflitos de forma mais
igualitária com os amigos do que com os membros da família, talvez porque
percebam que o excesso de conflito poderia fazê-los perder a amizade. (op.
cit., p. 501)

Papalia reforça:

A intensidade e a importância das amizades, bem como o tempo passado


com os amigos, são provavelmente maiores na adolescência do que em
qualquer outra época da vida. As amizades tornam-se mais recíprocas na
adolescência. Os jovens adolescentes começam a depender mais dos
amigos do que dos pais para intimidade e apoio. (op. cit., p. 502)

Deste modo, conclui-se que é neste período da vida que os filhos querem
trocar de grupo porque os pais e a família já não bastam como companhia para eles.
É o momento de eles começarem a conquistar sua vida própria, o momento que o
jovem inicia seu percurso rumo à independência no mundo adulto.

2.2.1 Amigos: o poder da influência na leitura de Harry Potter

Acho que há algo que, ainda assim, existe nos adolescentes alguma coisa
que não mudou: sua preferência pela amizade. A crença na amizade existe
e acho que é quando a perdem que eles não têm mais nada. Só a amizade
torna sua vida vivível. (DOLTO, 1990, p. 54)

É visível a importância e a capacidade de influência que os amigos têm na


adolescência, como Papalia (2006) diz: “A amizade oferece um lugar seguro para
arriscar opiniões, para admitir fraquezas e para obter ajuda na resolução de
problemas”, ou seja, os adolescentes aprendem sobre si mesmos através desses
relacionamentos e até a descoberta de diferentes visões de mundo e estilos de vida.
19

De acordo com o Nielsen Online 8·, divulgado no dia 15 de julho de 2010, 90%
dos consumidores no mundo confiam nos amigos ao fazerem compras 9·, ou seja, a
opinião dos amigos é a propaganda mais confiável.
Para o livro “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, a influência através das
opiniões dos amigos dos leitores foi bastante eficaz. A pesquisadora Marta C. Louro
da Fundação Educacional do Município de Assis (FEMA) aplicou um questionário em
crianças de 5º e 6º séries do Colégio Rui Barbosa, do Município de Assis, com 60
questões para melhor entender o funcionamento do acesso à leitura das crianças.
Algumas perguntas foram específicas sobre o livro Harry Potter, e, para saber o
meio de divulgação do livro de Rowling, colocou no questionário a questão: “Como
você ficou sabendo do livro Harry Potter?”. De acordo com os questionários:

A maioria dos entrevistados ficou sabendo dos livros por meio dos amigos
(27%), os filmes também chamaram atenção para os livros (22%), por ter
visto o livro em uma livraria ou na TV (11% cada), outros ficaram sabendo
pelos jornais ou pelo sucesso da história (7%) e, com 4% cada, temos
aqueles que viram o livro nas bancas ou na biblioteca. 10

Sendo assim, na divulgação de “Harry Potter e a Pedra Filosofal” a


propaganda interpessoal impactou nessas porcentagens, pois o poder de influência
dos amigos no estímulo à leitura do livro “Harry Potter e a Pedra Filosofal” alavancou
suas vendas.

3. LINGUAGEM
8
Nielsen Online é uma associação entre o IBOPE e a Nielsen, líder mundial em medição de
audiência de Internet. Com o auxílio de um software proprietário, instalado em um painel de
internautas representativo da população domiciliar brasileira com acesso à Web, a empresa detalha o
comportamento dos usuários do meio digital.
9
O estudo foi realizado entre 19 de março e 2 de abril de 2009 com 25.420 consumidores de internet
em 50 países.
10
20

3.1 Linguística

Pretendemos, neste trabalho, analisar a linguagem do livro “Harry Potter e a


Pedra Filosofal”. Porém, para esta análise é preciso retomar o conceito de
linguagem e, em especial, a linguagem verbal. Segundo Margarida Petter:

A linguagem verbal é, então, a matéria do pensamento e o veículo da


comunicação social. Assim como não há sociedade sem linguagem, não há
sociedade sem comunicação. Tudo o que se produz como linguagem ocorre
em sociedade, para ser comunicado, e, como tal, constitui uma realidade
material que se relaciona com o que lhe é exterior, com o que existe
independentemente da linguagem. (PETTER In: FIORIN, 2004, p. 11)

A sociedade existe por causa da linguagem e desde quando nascemos já


entramos em contato com alguma língua. É necessário para o ser humano se
comunicar com os seus semelhantes de alguma forma e para que essa interação
seja eficaz, utilizamos os signos linguísticos. Segundo Fiorin, que retoma algumas
afirmações de Saussure, podemos definir “signo” como:

[...] a união de um conceito com uma imagem acústica, que não é o som
material, físico, mas a impressão psíquica dos sons, perceptível quando
pensamos numa palavra, mas não a falamos. O signo é uma entidade de
duas faces, uma reclama a outra, à maneira do verso e do anverso de uma
folha de papel. Percebem-se as duas faces, mas elas são inseparáveis.
(FIORIN, 2004, p. 58)

O homem precisa nomear os objetos ao seu redor para uma identificação e


compreensão do seu mundo, daí formam-se as palavras e com as palavras, nos
comunicamos.
Segundo Chomsky (1957 apud FIORIN, op. cit., p. 14), a linguagem é “[...] um
conjunto (finito ou infinito) de sentenças, cada uma finita em comprimento e
construída a partir de um conjunto finito de elementos”. A partir desse conceito,
21

percebemos que a linguagem só é dotada de sentidos quando todos os elementos


que compõem a língua (sons e letras) se organizam de maneira que construam
sentenças dotadas de significado numa determinada língua.
Conforme Koch (2004, p. 7), a linguagem pode ser sintetizada em três
principais funções: a de representar o mundo e o pensamento; a de ser um
instrumento de comunicação; e como uma forma de ação ou interação.
Essas três definições demonstram que o homem se utiliza da linguagem para
significar-se no mundo em que vive.
Para Jakobson:

A linguagem nunca é monolítica; seu código total inclui um conjunto de


subcódigos: questões como a das regras de transformação do código
central, plenamente satisfatório e explícito, em subcódigos elípticos, e a da
comparação quanto ao teor de informação veiculada. Exigem ser tratadas
ao mesmo tempo pelos lingüistas e pelos engenheiros. (2007, p. 79)

E ainda, segundo Vanoye:

A expressão “sistema de signos” é empregada para definir a linguagem [...]


é, por conseguinte, um dentre outros códigos (código marítimo, código
rodoviário). E a linguagem verbal é o único deles: que pode falar dos
próprios signos que o constituem ou de outros signos; que faz “jogos” com
seus signos e a significação deles (ficções, metáforas). É nisto que se
pensa quando se fala em “flexibilidade” da linguagem verbal. (1998, pp. 21-
22)

A Linguística considera, portanto, a linguagem verbal como um código, um


conjunto sistematizado de signos para se efetuar a comunicação.

3.2 Análise do discurso

A Análise do Discurso concebe a linguagem como mediação necessária


entre o homem e a realidade natural e social. Essa mediação, que é o
discurso, torna possível tanto a permanência e a continuidade quanto o
22

deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que ele vive.


O trabalho simbólico do discurso está na base da produção da existência
humana. (ORLANDI, 2005, p. 15)

Segundo Orlandi (op. cit.), a Análise do Discurso considera a linguagem não


como apenas uma prática que se constitui de atos, mas como um meio de
significação do sujeito de um discurso na história, na sociedade, pois no processo
discursivo “a ideologia torna possível a relação entre o pensamento, a linguagem e o
mundo. Ou, em outras palavras, reúne sujeito e sentido. Desse modo, o sujeito se
constitui e o mundo se significa. Pela ideologia”. (op. cit. p. 96)
A linguagem torna-se um processo que vai além de apenas uma transmissão
de pensamento, mas

[...] no funcionamento da linguagem, que põe em relação sujeitos e


sentidos afetados pela língua e pela história, temos um complexo processo
de constituição de sujeitos e produção de sentidos e não meramente
transmissão de informação. (op. cit. p. 21)

O propósito aqui não é confrontar as teorias da Linguística e da Análise do


Discurso, mas apenas demonstrar a concepção linguística de linguagem verbal,
visto que, nossa análise, neste trabalho, baseia-se na concepção de linguagem
como um processo que se produz num contexto e que significa para e por um
sujeito, inserido numa história e constituído de uma ideologia.
Segundo Mussalim (2006), citando Althusser, a linguagem pode ser
considerada a concretização da ideologia. Um sujeito, ao se expressar está
materializando sua visão de mundo de modo até mesmo inconsciente.

[...] a linguagem se apresenta como o lugar privilegiado em que a ideologia


se materializa. A linguagem se coloca para Althusser como uma via por meio
da qual se pode depreender o funcionamento da ideologia. (MUSSALIM, op.
cit., p. 104)

Fiorin afirma que:


23

[...] as relações de que o homem participa são, em geral, necessárias, não


há a possibilidade de existir um homem livre de todas as coerções sociais.
Isso não ocorre nem mesmo no interior do ser humano. Sabemos que as
normas sociais impõem até que desejos admissíveis e que desejos são
inadmissíveis.
O discurso, por sua vez, também é determinado por coerções ideológicas.
Ora, se a consciência é constituída a partir dos discursos assimilados por
cada membro de um grupo social e se o homem é limitado por relações
socias, não há uma individualidade de espírito nem uma individualidade
discursiva absoluta. (2003, p. 36)

Considerando essa citação, o discurso pode ser influenciado pela relação que
um sujeito mantém na sociedade. Aquilo que ele produz manifesta aquilo que ele
vivenciou. Ainda segundo Fiorin (op. cit. p 41), “na medida em que é determinado
pelas formações ideológicas, o discurso cita outros discursos”. Podemos perceber
na obra de Rowling vários desses ‘outros discursos’. O menino, que é desprezado
pelos tios e pelo primo, que mora num armário embaixo duma escada e usa roupas
velhas do primo gordo poderia ter certa semelhança com uma Cinderela, como
sugere Smadja (2004). Cinderela e Harry Potter assemelham-se tanto em sua
estrutura de conto de fadas como, também, essa relação entre eles constitui-se uma
intertextualidade interna.
Nos próximos capítulos demonstraremos algumas características do discurso
e da linguagem utilizada por Rowling em “Harry Potter e a Pedra Filosofal”.
24

4. O GÊNERO FANTÁSTICO

“A narrativa fantástica (...) gosta de nos apresentar, habitando o mundo real


em que nos achamos, homens como nós, colocados subitamente na presença do
inexplicável” (VAX, 1992 apud TODOROV, 1992, p.32).
Para iniciarmos o conceito sobre a literatura fantástica, cabe esclarecer
primeiramente que segundo o dicionário Novo Aurélio Século XXI a palavra
Fantástico define-se por: "Só existente na imaginação, incrível, extraordinário, falso,
simulado, fictício”.
A princípio elucidamos que segundo Tzvetan Todorov (1992), a literatura
fantástica é uma variedade da literatura, ou seja, enquadra-se em um gênero
literário.
Para o autor, o fantástico: “É a hesitação experimentada por um ser que só
conhece as leis naturais, face a um acontecimento aparentemente sobrenatural. O
conceito de fantástico se define, pois com relação aos de real e de imaginário
(Todorov, op. cit., p. 31)”.
O autor ressalta que a hesitação do leitor é a primeira condição necessária do
fantástico e, normalmente, é preciso que este (o leitor) se identifique com uma
personagem em particular. Ou seja, na narrativa fantástica, a hesitação estaria
presente no narrador e nas personagens, contagiando a quem lê.
Já a autora Selma Rodrigues (1988, p. 29) contesta Tzvetan e indaga:
“Depender da hesitação do leitor não seria pouco para definir um tipo de narrativa?”.
Para a autora, a característica exata da narrativa fantástica é explicada pela
citação de Tomachevski:

No verdadeiro fantástico, guarda-se sempre a possibilidade exterior formal


de uma explicação simples dos fenômenos, mas ao mesmo tempo essa
explicação é completamente privada de probabilidade interna. Todos os
detalhes particulares devem ter um caráter cotidiano, mas considerando em
seu conjunto eles devem indicar outro tipo de casualidade. (TOMACHEVSKI
apud RODRIGUES, 1988, p. 288)
25

Todorov (op. cit. p. 151) afirma que além do acontecimento estranho na


narrativa, o fantástico implica numa maneira de ler: “Não deve ser poético e nem
alegórico”. O autor assinala três características fundamentais para a classificação de
uma narrativa fantástica:

Primeiro, é preciso que o texto obrigue ao leitor a considerar o mundo das


personagens como um mundo de criaturas vivas e hesitar entre uma
explicação natural e uma explicação sobrenatural dos acontecimentos
evocados. A seguir, esta hesitação pode ser igualmente experimentada por
uma personagem; desta forma o papel do leitor é, por assim dizer, confiado
a uma personagem e ao mesmo tempo a hesitação encontra-se
representada, torna-se um dos temas da obra; no caso de uma leitura
ingênua, o leitor real se identifica com a personagem. Enfim, é importante
que o leitor adote uma certa atitude para com o texto: ele recusará tanto a
interpretação alegórica quanto a interpretação “poética”. Estas três
condições não têm valor igual. A primeira e a terceira constituem
verdadeiramente o gênero; a segunda pode não ser satisfeita. (TODOROV,
1992, p. 39)

A citação acima revela que a interpretação do leitor é fundamental para que


exista a hesitação, pois, o mundo no fantástico é representado por fatos que fogem
à regra, e totalmente insólitos, convidam o leitor a questionar-se se aquele
acontecimento é real ou não. Ou seja, o fantástico se dá pela evocação de alguns
sentimentos que a obra possa provocar no leitor.
Em seguida, o autor elucida que quando escolhemos uma resposta possível
diante da hesitação, deixa-se o Fantástico e entra-se em dois gêneros vizinhos: o
Estranho e o Maravilhoso. A característica principal do Maravilhoso é a existência de
fatos sobrenaturais sem implicar na reação das personagens sendo que tais
acontecimentos não são explicados pelas leis naturais. É um mundo totalmente
arbitrário e alucinado e o tempo do discurso é ágil. Diferentemente do fantástico, não
há tanta hesitação diante dos fatos insólitos. Esse gênero é relacionado ao conto de
fadas, pois nada provoca surpresa no leitor (como o lobo falante, as fadas...). Para
Rodrigues, o maravilhoso permite que os seres humanos comuns convivam num
cotidiano aparentemente verossímil. Sendo assim o leitor não questiona a existência
de seres insólitos, pois os aceita. Para a autora, “o básico para compreensão de
toda e qualquer ficção: verossimilhança” (1988, p. 12).
O gênero Estranho é caracterizado, por Todorov, pelas leis da realidade que
permanecem intactas permitindo explicar os fenômenos descritos na história. Esse
26

gênero remete a um mundo real, verdadeiro, apesar de ter um tempo de discurso


lento, a hesitação existe tanto pelo leitor como pelas personagens existentes na
história.
Podemos destacar também, nas obras fantásticas, a utilização da figura de
linguagem hipérbole (o exagero) para chamar a atenção do leitor. Todorov afirma
que o exagero conduz ao sobrenatural. Quando um fato é contado exageradamente,
se considerado o seu sentido literal, ele nos transporta para um ambiente onde as
regras naturais são inexistentes, causando a hesitação, já mencionada.
O estudioso ressalta ainda que o Fantástico possui como característica a
ambigüidade. Essa pode estar presente na narrativa com a incerteza do narrador na
história contada.
Segundo o autor Filipe Furtado (1980, p. 36): “A primeira condição para que o
fantástico seja construído é de o discurso evocar e fenomenologia meta empírica de
uma forma ambígua e manter até o fim uma total indecisão perante ela”
Ou seja, aparentemente, acredita-se num fato relatado, porém, nunca se sabe
o grau de veracidade do acontecimento, já que tudo pode ser uma ilusão, um sonho,
uma fraude ou uma alucinação da personagem/narrador.
Retornando a Todorov, o teórico nos aponta outros traços marcantes da
narrativa fantástica, como o uso da linguagem retórica. O autor expõe que no
Fantástico, comumente utiliza-se o imperfeito. A utilização deste traz ao leitor uma
incerteza do fato narrado, e com isso também obtemos a hesitação. Exemplificando,
o estudioso oferece a seguinte expressão: “Eu amava Aurélia”, segundo ele: “A
continuidade é possível, mas em regra geral pouco provável”. Deixa o leitor imaginar
que não há alternativa, porém a qualquer momento isso pode mudar. Sendo
caracterizada por Todorov como “uma propriedade ligada ao fantástico”, a
modalização também faz parte dos traços que compõe o gênero em estudo,
segundo ele é comum introduzir as formas “dir-se-ia”, “ ter-se-ia dito”, “como se”
para condicionar o leitor a preparar-se para um acontecimento Maravilhoso.
Em síntese, Todorov define o Fantástico como “uma percepção particular de
acontecimentos estranhos”, isso desencadearia alguns sentimentos possíveis no
leitor como medo, horror.
É certo que a literatura fantástica possui o papel de nos transportar para outra
dimensão, fazendo-nos esquecer desse mundo real que nos cerca. Finalizamos com
27

uma frase para reflexão de Jaqueline Held (1980): “Cada um de nós retira do real
seu próprio universo”.
4.1 O Maravilhoso em “Harry Potter e a Pedra Filosofal”

“A Narração fantástica reúne, materializa e traduz todo um mundo de


desejos: compartilhar da vida animal, libertar-se da gravidade, tornar-se
invisível, mudar o seu tamanho e resumidamente: transformar à sua
vontade o universo” (REZENDE, 1993 apud HELD, 1980, p. 55).

Além do atrativo da linguagem, a saga Harry Potter possui outros elementos


para ser considerado um fenômeno. Segundo Vera Teixeira de Aguiar, da Pontifica
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, a fantasia é uma delas. As
justificativas são diversas. Riquezas de subterfúgios mágicos, à possibilidade de
embarcarmos na fantasia em face dos conflitos da vida, e o escapismo da realidade
são alguns motivos que fazem o gênero fantástico ser o atrativo que mais chama
atenção a do leitor.
A autora J.K. Rowling inicia a história, em “Harry Potter e a Pedra Filosofal”,
com o mundo real, no qual o menino órfão, Harry, mora com os tios e o primo. A
família Dursley não gosta do garotinho, eles o maltratam e o humilham a ponto que a
sua cama fica dentro de um armário embaixo da escada. Com uma vida difícil e
infeliz, alguns acontecimentos estranhos começam a ocorrer na Rua do Alfeneiros,
onde se localiza a casa dos Dursley. Pessoas com capas pretas, corujas entregando
cartas e um gato preto estranho vigiando a casa. A família Dursley se apavora
quando começam a aparecer milhões de cartas para Harry Potter. O menino é
impedido de ler, pois, seus tios as queimam logo que as capturam. Mesmo seus tios
tentando evitar ao máximo a leitura das cartas por Harry, no dia de seu aniversário
de onze anos ele é visitado por Rúbeo Hagrid, guardião das chaves e da escola de
magia de Hogwarts. Este lhe conta a verdade sobre a sua história: ele é um bruxo
como seus pais, que morreram pelas mãos de Voldemort, um bruxo das trevas, e
não em um acidente de carro, como foi contado por seus tios. Descobre que a sua
cicatriz em forma de raio na testa se deve a uma tentativa mal sucedida de
assassinato por Voldemort. Por essa razão a sua cicatriz o tornou famoso no mundo
dos bruxos, e assim, Rúbio o entrega a carta de convite para a escola de bruxaria de
Hogwarts.
28

Hogwarts é a escola onde residem os estudantes feiticeiros. Lá Harry


conhece Hermione e Rony, dois bruxinhos que logo se tornam seus grandes
amigos. Apenas nesse início da história já podemos observar características do
gênero fantástico. O leitor se depara com a hesitação, pois, se nem o próprio
protagonista sabe com o que vai deparar na escola dos bruxos, como ele saberá?
Isto desencadeia numa motivação a mais para continuar a leitura.
Harry chega à estação de trem e se dirige para o meio das plataformas nove
e dez, em busca da plataforma nove e meia que dá acesso ao trem que vai para
Hogwarts. A partir daí a história toma proporções inusitadas e o menino herói
adentra em um mundo de magia, feitiços e encantamentos, algo que jamais
imaginou.
Ainda nos fundamentando em Todorov, em seu estudo “Introdução à literatura
fantástica”, a obra “Harry Potter e a Pedra Filosofal” se enquadra no gênero
fantástico, e no gênero Maravilhoso, pois como relatado, este é caracterizado pela
presença natural de fatos sobrenaturais e insólitos na narrativa, não ocasionando
espanto no narrador nem nas personagens.
Primeiramente, o protagonista desconhece o mundo insólito de Hogwarts o
que lhe causa certo estranhamento, porém, em seguida já transforma esse ambiente
em cotidiano e a narrativa transcorre com naturalidade.
Para Todorov, sobre o Maravilhoso:

Os elementos naturais não provocam qualquer reação particular, nem nas


personagens, nem no leitor implícito. Não é uma atitude para com os
acontecimentos narrados que caracteriza o maravilhoso, mas a própria
natureza desses acontecimentos. (1992, p. 60)

No início da história deparamo-nos com um acontecimento estranho. O


senhor Dursley percebe um gato lendo um mapa: “Foi na esquina da rua que ele
notou o primeiro indício de que algo estranho ocorria – um gato lia um mapa”.
(ROWLING, 2000, p. 8). Momentaneamente o ocorrido causou certo espanto na
personagem, porém, logo, o fato é seguido de normalidade.
A obra de Rowling é composta por diversos fatores conhecidos à tradição
literária. Temos na personagem principal um herói injustiçado, carente de atenção e
afeto, órfão. Segundo Vera Teixeira de Aguiar (2005, p. 18): “Para a infância, o
29

menino bruxo, portanto, fornece antes de tudo uma lição de otimismo: apesar de
menor, ele tem qualidades internas capazes de levá-lo a se impor no mundo adulto”.
Essas características nos remetem aos contos maravilhosos e aos contos de
fadas. Harry é um garoto que já tem o seu destino traçado, desde o começo da
narrativa. O antagonista da história conseguiu assassinar seus pais, porém, não
conseguiu matá-lo, e nem o conseguirá. E é a partir daí que se inicia a luta entre o
bem e o mal, que, segundo Bruno Bettelheim, é uma característica dos contos de
fadas.

Em praticamente todo conto de fadas o bem e o mal recebem corpo na


forma de algumas figuras e de suas ações, já que bem e mal são
onipresentes na vida e as propensões para vida estão presentes em todo
homem. É esta dualidade que coloca o problema moral e requisita a luta
para sobrevivê-lo. (1980, p. 10)

Além da eterna luta entre o bem e do mal, outra característica que podemos
destacar nos contos de fadas, conforme Bettelheim (op. cit.), é a morte dos pais,
pois tal situação na vida de uma criança é angustiante, e o faz refletir sobre a
situação na sua própria vida.
O menino Potter necessita enfrentar grandes obstáculos para chegar ao seu
objetivo principal, que é resgatar a Pedra Filosofal. Um dos primeiros desafios é
enfrentar Fofo, um cachorro de três cabeças: “Os três focinhos do cachorro
farejavam furiosamente em sua direção, ainda que o bicho não pudesse vê-los”
(ROWLING, 2000, p. 235).
Depois de passar por Fofo, Harry ainda necessita enfrentar plantas que se
movem, um jogo de xadrez de bruxo cujas peças são enfeitiçadas e chaves
voadoras:

(...) A planta começou a se enroscar como as gavinhas de uma trepadeira


em volta de seus tornozelos (...) – Eles não são pássaros! – Exclamou Harry
de repente. São chaves! Chaves aladas (...)Estavam parados na borda de
um enorme tabuleiro de xadrez atrás das peças pretas, que eram todas
mais altas do que eles e talhadas num material que parecia pedra.
(ROWLING, 2000, pp. 238-240)
30

Segundo o estudioso Bettelheim (1980), “é característico do conto de fadas


colocar um dilema existencial de forma breve e categórica”. Em Harry Potter vemos
diversos dilemas enfrentados pelo herói, o que chama atenção é a forma ágil em
que as situações vão ocorrendo. As passagens curtas e o ritmo acelerado da história
fazem lembrar o tempo veloz dos vídeo-games, ritmo que as crianças, os jovens e
adultos de hoje estão habituados, por fazerem parte de um mundo “globalizado”.
A história é repleta de magia, e muitos problemas são solucionados pela
mágica, tal elemento ocorre quando as personagens estão em perigo e em
momentos de muita ação. “Ao chegar perto de Snape, ela se agachou, puxou a
varinha e disse algumas palavras bem escolhidas. Chamas vivas e azuladas saíram
de sua varinha” (ROWLING, 2000, p. 166).
Percebemos então que, apesar de contemporâneo, “Harry Potter e a Pedra
Filosofal” possui características comuns aos contos de fadas tradicionais. É
constituído pelo vilão das trevas, a mocinha, a imaginação e um herói que dá a
garantia de um final feliz.
Retornando aos conceitos de Todorov, o estudioso ressalta a relação do
gênero maravilhoso com o conto de fadas:

Relaciona-se geralmente o gênero maravilhoso ao do conto de fadas; de


fato, o conto de fadas não é senão uma das variedades do maravilhoso e os
acontecimentos sobrenaturais aí não provocam qualquer surpresa: nem o
sono de cem anos, nem o lobo que fala, nem os dons mágicos das fadas
[...]. O que distingue o conto de fadas é uma certa escritura, não o estatuto
de sobrenatural. (2004, p. 60)

O cuidado de Rowling ao retratar dois mundos distintos (o real e o irreal) é


realmente impressionante. Isso se deve ao fato da autora colocar elementos
cotidianos no mundo mágico de Hogwarts. A ocorrência de o menino ir à escola, ter
amigos, inimigos, professores e tarefas a fazer, transporta o adolescente leitor ao
mundo da personagem, sem surpresas.
Na narrativa de Harry Potter existe muitos animais humanizados, o que é uma
característica marcante no maravilhoso. Segundo Cris Gutkosk, na obra “Além da
plataforma nove e meia: Pensando o fenômeno Harry Potter”: “A presença constante
dos animais espelham as pulsões profundas do homem, seus instintos
31

domesticados ou selvagens; são mensageiros desse e de outros mundos. Crianças


aceitam o animismo ou a existência de uma alma nos animais mais facilmente que
os adultos” (2005, p. 86).
Além de Fofo, o cachorro de três cabeças, a narrativa contém a presença de
corujas, ratos e sapos. Sem contar a presença do animago, algo totalmente fora do
comum. Animago é o bruxo que consegue se transformar em animal sem utilizar a
varinha mágica. Docente de Hogwarts, a professora de transfiguração Minerva
McGonagall é uma animaga. Foi ela quem se transformou em gato para vigiar os
Dusley, antes de Harry chegar à escola de bruxaria, no início da história:

- Imaginava encontrar a senhora aqui, professora Minerva McGonagall. E


virou-se para sorrir para o gato. Ao invés dele viu-se sorrindo para uma
mulher de aspecto severo que usava óculos de lentes quadradas
exatamente dos formatos das marcas que o gato tinha em volta dos olhos.
(ROWLING, 2000, p. 14)

Outro elemento ligado ao Maravilhoso é o Xadrez de Bruxo que é quase igual


ao xadrez normal, isso se não fosse o fato de as peças andarem ao comando da voz
do jogador, como se possuíssem vida própria.
Dois elementos importantes que podem ser ligados ao fantástico são: o
chapéu seletor e a capa de invisibilidade. O primeiro é utilizado no início do ano, e é
responsável por escolher qual das quatro casas os estudantes residirão, interferindo
no desenrolar da história. Primeiramente o chapéu é colocado na cabeça do aluno,
depois o chapéu analisa a sua personalidade e assim decide em qual casa deve
morar. “Harry ouviu o chapéu anunciar para todo o salão: Grifinória” (op. cit., p. 107).
O segundo elemento, a capa da invisibilidade é um objeto que o pai de Harry
deixou a ele. É uma capa mágica, capaz de tornar quem a veste totalmente invisível,
o que é uma característica ligada ao Maravilhoso.
“Harry apanhou o pano brilhoso e prateado do chão. Tinha uma textura
estranha, parecia tecida com fios de água. – É uma capa da invisibilidade, disse
Rony...” (op. cit., p. 174).
Há ainda centenas de elementos maravilhosos em “Harry Potter e a Pedra
Filosofal” como as aulas de poções mágicas, o quadribol, as aulas de transfiguração,
as figurinhas que se mexem, o espelho Ojesed, os quadros falantes, os fantasmas
32

etc. Mas o maior de todos os elementos é a própria escola de Hogwarts, um mundo


maravilhoso repleto de magia e encantamento, o local onde os bruxos se qualificam
e passam por todas as infindáveis aventuras.
Enfim, podê-se observar que o Maravilhoso está por toda obra de Harry Potter
e a Pedra Filosofal e ainda observaram-se os traços de um conto de fadas
contemporâneo, repleto de clichês tradicionais como vilões, obstáculos, heróis e um
final feliz.
33

5. O ESTILO LITERÁRIO DE J. K. ROWLING

Em sua obra “A linguagem literária”, Domício P. Filho conceitua estilo:

[...] podemos entender o estilo, [...] como o aspecto particular que


caracteriza a utilização individual da língua e que se revela no conjunto de
traços situados na escolha do vocabulário, na ênfase nos termos concretos
ou abstratos, na preferência por formas verbais ou nominais, na propensão
para determinadas figuras de linguagem, tudo isso estreitamente vinculado
à organização do que se diz ou escreve e a um intento de expressividade.
(2004, p. 27)

A autora de Harry Potter utilizou diversos recursos para enriquecer sua obra,
tornando-a um fenômeno entre as pessoas das mais variadas idades, de diversas
partes do mundo. Conforme David Colbert (2001, p. 8).: “Um dos prazeres de ler J.
K. Rowling é descobrir as divertidas referências à história, às lendas e à literatura
que ela esconde em seus livros”
Colbert (op. cit.) faz referências a diversos magos e alquimistas da realidade,
entre os quais: Paracelso e Hengisto de Woodcroft, e ainda os ficcionais: Merlim,
Morgana, Cliodna e Circe. Independentemente da origem de cada um, esses
personagens ganharam espaço nas páginas de Harry Potter por causa da sua
popularidade. A lenda de Avalon, que conta com as presenças de Merlim, Morgana e
o Rei Arthur, é muito famosa na Inglaterra e em todo o mundo. Deste modo, Rowling
utilizou a intertextualidade do mito a seu favor. Este é somente um exemplo sobre
um dos diversos recursos utilizados pela autora.
Isabelle Smadja ressalta:

Além do prazer imediato da leitura, a riqueza da imaginação de que dá


provas J. K. Rowling deve afagar a sensibilidade infantil, ansiosa por
encontrar um livro que não considere as crianças um público fácil. Os livros
de Joanne K. Rowling estão cheios dessas invenções fascinantes que aliam
sutilmente o moderno e o antigo, a técnica e a magia. (2004, p. 34)
34

Seguiremos com vários exemplos relativos a alguns aspectos do estilo


adotado por Rowling na elaboração de Harry Potter.

5.1 Um conto de fadas moderno

Trata-se sempre de provar, pelo exemplo de um herói sofredor, que inspira


pena pela sua própria juventude – em geral é uma criança ou um
adolescente, mais raramente um homem maduro –, que se pode ter um
defeito físico, [...] ser malnascido, mal-amado, torturado com requinte por
um ambiente inumano e, no entanto, ter acesso ao poder supremo pela
virtude mágica do amor e de uma aliança com uma pessoa de alta posição.
Para explicar o destino desse herói deserdado, que se desforra da vida com
grande brilho, o conto realça um acidente de nascimento, que se relaciona
ou a um fenômeno natural, ou ao malefício de uma potência qualquer
invisível. Muitas vezes, esse trauma é identificado com a morte da mãe.
(SMADJA, 2004, apud ROBERT, 1972, p. 83-84)

No trecho acima nos foi possível perceber como as histórias de Harry Potter
se encaixam perfeitamente na estrutura do conto de fadas: Harry é um menino que
foi criado desde pequeno pelos tios, que não perdem a oportunidade de maltratá-lo.
Ele vive em um armário sob a escada, um lugar inabitável que apresenta condições
sub-humanas. Contudo, sua vida muda completamente quando ele descobre que é
um bruxo e que tudo o que sabe sobre o próprio passado não passam de mentiras.
Sua mãe morreu para protegê-lo de Voldemort, o bruxo das trevas mais poderoso, e
seu inimigo natural. Harry vai para a escola de magia e bruxaria de Hogwarts, onde
se torna o protegido do ilustríssimo diretor da escola: Dumbledore. Este é o único
bruxo além de Harry que Voldemort teme.
Colbert nos ajuda a enquadrar Harry nos padrões de dois contos de fadas
muito conhecidos: “Para torná-lo ainda mais familiar a todos nós, ele é, pelo menos
de acordo com os estranhos padrões dos Dursley, um patinho feio. Assim, eles o
maltratam, como Cinderela foi maltratada” (2001, p. 12).
Rowling adaptou a sua história em uma estrutura já conhecida pelas crianças:
o conto de fadas. A autora seguiu os padrões de um conto de fadas e construiu a
sua série com elementos que seus leitores já estavam acostumados. Entretanto, o
35

estilo da autora agradou aos jovens leitores de modo que os contos de fadas
tradicionais já não conseguiam fazê-lo com tanta presteza. Segundo Smadja:
Os contos de fadas tradicionais já não podem fazer com que o imaginário
permaneça próximo do real e encontre sua fonte no próprio cotidiano. O
lobo de Os três porquinhos não produz mais um medo real; refere-se a um
imaginário muito distante. Seria preciso – e é neste sentido que os livros de
Joanne K. Rowling suprem uma carência – um conto de fadas que pudesse
falar. (2004, p. 31)

Nesse sentido, os livros de Harry Potter adquirem, conforme Smadja, o papel


de um conto de fadas moderno, onde Rowling consegue harmonizar a modernidade
e o imaginário. Entretanto, mesmo que a autora se utilize de recursos já,
supostamente, conhecidos pelos seus leitores, “a narrativa exigia de sua autora que
ela escapasse a trilhas já percorridas, para tomar um caminho ‘transversal’ que não
se prende a qualquer tradição em particular”, como reforça Smadja (op. cit., p.40).
Citemos um trecho de Aristóteles (2003, p.30), em sua Arte Poética: “Se
acontece alguém não ter visto ainda o original, não é a imitação que produz o prazer,
mas a perfeita execução, ou a cor ou outra causa do mesmo gênero”. Ou seja, não é
a identificação do gênero textual que faz com que resulte a interação do leitor de
Harry Potter com a obra.

5.2 A verossimilhança num mundo mágico

Na Literatura Infantil verossimilhança deve ser entendida como seleção e


combinação de qualidades atribuídas ao sujeito e/ou personagem
associando-se, paulatinamente, por contigüidade, na relação verbal ou
verbal-visual, para possibilitar a construção do herói, ou anti-herói, pelo
reaproveitamento de coisas já existentes. Os ambientes onde ocorrem as
ações não interferem no desenrolar dos acontecimentos. Sua função é
apenas o de assegurar a verossimilhança ao conflito que ali ocorre. Ou seja,
um ambiente visto como coisa real imprime caráter de realidade nele e ao
que acontece ali. (FERNANDES, 2003, p.98)

Pudemos observar na citação acima, de Dirce L. Fernandes, a conceituação


de verossimilhança na literatura infantil (que é a literatura cujos livros de Harry Potter
se enquadram). A verossimilhança ocorre em ambientes que o leitor adota como
reais, com personagens e/ou situações ficcionais que interagem com esse ambiente.
36

Isso não, necessariamente, torna as personagens e/ou situações reais, mas as


fornece um caráter verossímil, ou seja, a possível projeção (intuitiva) dos fatos para
a realidade.

Embora o universo ficcional criado por J. K. Rowling seja único, ele é


construído sobre uma sólida base de mitos e folclore preservada através do
tempo e da distância. A popularidade de seus livros comprova a riqueza da
cultura de onde ela extrai muitos de seus personagens, imagens e temas.
(COLBERT, 2001, p. 10)

Como considera Smadja (2004, p17), o mundo maravilhoso de Harry Potter


está muito mais próximo da nossa realidade do que se pode imaginar. “[...] uma vez
em Hogwarts, os retratos dos diferentes personagens aproximam-se bem mais de
figuras reais”. Muitos dos estudantes de Hogwarts são estereótipos de alunos que
podemos encontrar em qualquer escola do mundo real; Rony Weasley é o amigo
atrapalhado e engraçado para todos os momentos, Hermione Granger é a aluna
dedicada que sempre tenta “endireitar” os colegas e, muitas vezes, os auxilia com as
suas tarefas, e Draco Malfoy é o rival orgulhoso e covarde que não perde a chance
de zombar dos outros. “As personagens dos contos [...] são claramente desenhadas,
enquanto os detalhes são deixados de lado. Todas correspondem a um tipo; nada
têm de único” (SMADJA, 2004 apud BETTELHEIM, 1996, p.25).
Smadja reforça:

Hogwarts, o colégio para jovens bruxos dirigido pelo professor Dumbledore, é


muito parecido, na sua forma, com qualquer instituição escolar dos dias de hoje.
Lá se pode ver os alunos e seus professores evoluírem em um contexto
totalmente tradicional. [...] Rowling delineia alguns retratos de alunos que de
‘bruxos’ só têm o nome, de tal modo correspondem à realidade cotidiana de uma
sala de aula. (op. cit., pp. 20-21)

Segue-se ainda:

[...] a feitiçaria que os bruxos de Hogwarts praticam é amplamente humanizada. A


magia de Hogwarts diz respeito a uma sociedade ou a uma nação inteira, que,
segundo o modelo das sociedades ocidentais, confia a educação de suas
37

crianças a professores, no interior de um colégio submetido a um regime interno.


(SMADJA, 2004, p. 27)

Como pudemos notar, Rowling utiliza a própria estrutura da sociedade como


modelo na sua obra. Sendo capaz de transferir, assim, para a sua obra, a aceitação
dos leitores que já estão habituados com aquele esquema social na sua vida
cotidiana. Referindo-se ainda a Hogwarts, Smadja (op. cit., p. 22) complementa: “[...]
a semelhança dos jovens bruxos e bruxas com os garotos e garotas da nossa época
é tão evidente que não nos podemos enganar: Hogwarts é um colégio como
qualquer outro”. A escola de bruxaria assemelha-se, deste modo, a uma escola do
mundo real à medida que encontramos em ambas diversos professores (com os
quais alguns temos mais afinidade e com outros não), disciplinas escolares, notas,
exames, reprovações etc.
Mas a verossimilhança em Harry Potter não se limita à escola de magia.
Conforme Smadja (op. cit.), Rowling aborda sobre diversos temas da atualidade e da
história da humanidade, como o racismo e a escravidão que os Malfoy pregam com
maestria. Lúcio, o patriarca dos Malfoy, aparenta ser a personagem mais racista da
obra, com seu orgulho esnobe de ser um bruxo “sangue-puro”, ele mesmo ainda
escraviza um elfo doméstico para exaltar sua posição na sociedade e manter as
tradições familiares. Lúcio é uma personagem que, sozinha, já é capaz de nos
mostrar as críticas à sociedade discretamente propostas pela autora.
Harry Potter apresenta aspectos da realidade disfarçados pela magia e
fantasia. Quando os leitores “mergulham” nas aventuras do menino bruxo, eles
podem encontrar um pouco da própria realidade nesse mundo encantado, onde
quase tudo pode ser resolvido com o balançar de uma varinha, num passe de
mágica.

5.3 Harry, um menino de verdade

Continuemos com um trecho de Smadja (op. cit., p. 35): “o recurso de Joanne


K. Rowling à magia poderia justificar-se apenas pelo desejo de dar um tom
maravilhoso às aventuras de seu herói”. Ou seja, a magia – que à primeira vista
38

mostra-se como o principal elemento em Harry Potter – seria apenas mais um


recurso utilizado pela autora para encantar a sua obra. O elemento principal da
história permanece sendo o herói.

Talvez fosse porque vivia num armário escuro, mas Harry sempre fora
pequeno e muito magro para a idade. Parecia ainda menor e mais magro do
que realmente era porque só lhe davam para vestir as roupas velhas de
Duda e Duda era quatro vezes maior do que ele. Harry tinha um rosto
magro, joelhos ossudos, cabelos negros e olhos muito verdes. Usava óculos
redondos, remendados com fita adesiva, por causa das muitas vezes
que Duda socara no nariz. A única coisa que Harry gostava em
sua aparência era uma cicatriz fininha na testa que tinha a forma de um raio.
Existia desde que se entendia por gente e a primeira pergunta que se
lembrava de ter feito à tia Petúnia era como a arranjara. (ROWLING, 2000,
p. 22)

Pudemos conferir acima uma passagem de “Harry Potter e a Pedra Filosofal”,


na qual a personagem principal, Harry Potter, é caracterizada. Somente neste trecho
já nos foi possível perceber que a autora se preocupou em detalhar a aparência do
herói. Em outras passagens (as quais não nos convém citar), a aparência e o caráter
de Harry são descritos diversas vezes, como se Rowling não nos permitisse
esquecer nenhum detalhe sobre o seu herói. Smadja (2004) nos acrescenta que a
aparência do herói “facilita o ‘efeito de vida’ da personagem de Harry e o credencia
como pessoa real”.
Conforme Smadja:

Sabemos que Joanne K. Rowling atribuiu-se a tarefa de fazer seu herói


crescer no papel no mesmo ritmo que uma criança de verdade: em tempo
real. Sempre será necessário que se passe um ano para que seja publicado
o livro seguinte sobre a vida de Harry Potter, mostrando Harry um ano mais
velho. (op. cit., p. 18)

Os jovens leitores, fãs de Harry Potter, podem ter a oportunidade de


compartilhar o seu crescimento com o herói. Como se Harry fosse um menino de
verdade que, a cada ano que se passa, fica um ano mais velho.
39

Essa presença orgânica do livro é a prova incontestável de que um dos


maiores cuidados da autora é fazer tudo de modo tal que Harry se distancie
o máximo possível da personagem de ficção, para que melhor seja
percebido como um ser vivo. (SMADJA, 2004, p. 19)

Em meio a um cenário com uma estrutura digna dos contos de fadas, Harry é
uma personagem que, como observa Smadja (op. cit., p. 18), “despe seu figurino de
conto de fadas para insinuar-se na pele de uma pessoa”. Rowling criou mais do que
um herói para sua obra, ela criou um menino que vive e cresce na imaginação dos
seus leitores.
Segundo Beth Brait,

[...]esses mesmos leitores que acreditam separar com clareza a vida da


ficção, mesmo que muitas vezes apreciem mais a ficção que a vida, teriam
algumas dificuldades para negar que já se surpreenderam chorando diante
da morte de uma personagem. [...] E não se trata de uma emoção
superficial, provocada apenas pelo dado da surpresa: a releitura do
romance não impede que a emoção seja revivida. (1985, pp. 9-10)

A citação acima refere-se à outra personagem que fez muito sucesso na sua
época, e continua sendo tema de muitas discussões nos dias atuais, Sherlock
Holmes (de Conan Doyle). Brait (op. cit.) afirma que muitos dos fãs de Sherlock
sentem-se decepcionados ao visitarem Baker Street 221 B, onde ficavam os
aposentos de Sherlock, e não encontrarem sequer o número do apartamento. O
mesmo acontece com Harry Potter, os leitores chegam a se convencer que o herói
realmente existe e vive no armário sob a escada na Rua dos Alfeneiros, em algum
lugar da Inglaterra. Isso se deve à essa habilidade dos autores de dar vida às suas
personagens.
Brait transcreve em um trecho de Ducrot e Todorov:

Uma leitura ingênua dos livros de ficção confunde personagens e pessoas.


Chegaram mesmo a escrever ‘biografias’ de personagens, explorando
partes de sua vida ausente no livro (‘O que fazia Hamlet durante seus anos
de estudo?’). Esquece-se que o problema da personagem é antes de tudo
lingüístico, que não existe fora das palavras, que a personagem é ‘um ser
de papel’. Entretanto recusar toda relação entre personagem e pessoa seria
absurdo: as personagens representam pessoas, segundo modalidades
próprias da ficção. (DUCROT; TODOROV apud BRAIT 1972, p. 286)
40

Seria natural que uma criança, ao ler um livro de ficção, pudesse acreditar
que certa personagem existe. Mas, quando é o adulto que chega a duvidar da
existência da personagem podemos considerar que o autor da obra possui talento
com as palavras e a linguagem dessa mesma obra está, de certo modo, relacionada
com esse fenômeno.
Brait nos dá uma explicação pertinente:

Como um bruxo que vai dosando poções que se misturam num mágico
caldeirão, o escritor recorre aos artifícios oferecidos por um código a fim de
engendrar suas criaturas. Quer elas sejam tiradas da sua vivência real ou
imaginária, dos sonhos, dos pesadelos ou das mesquinharias do cotidiano,
a materialidade desses seres só pode ser atingida através de um jogo de
linguagem que torne tangível a sua presença e sensíveis os seus
movimentos. Se o texto é o produto final dessa espécie de bruxaria, ele é o
único dado concreto capaz de fornecer os elementos utilizados pelo escritor
para dar consciência à sua criação e estimular as reações do leitor. (BRAIT,
1985, p. 53)

Deste modo, a linguagem utilizada por Rowling em sua obra é capaz de dar
vida às personagens e, principalmente, ao seu herói. A rica caracterização de Harry
o torna uma personagem com traços únicos. Faremos, posteriormente, uma análise
da obra “Harry Potter e a Pedra Filosofal” que poderá ser mais esclarecedora quanto
à problemática da linguagem utilizada pela autora.

5.4 A língua falada na escrita

Há situações, geralmente formais ou de comunicação unilateral, sem


intercâmbio, em que a mensagem é comunicada não pela ‘voz para o
ouvido’, mas ‘pelas mãos para os olhos’. Recorre-se então aos sinais
gráficos, à língua escrita, que é uma modalidade lingüística de natureza
social e técnica. (URBANO, 2000, p.86)

Hudinilson Urbano considera que a língua falada é capaz de transmitir


mensagens “conteudísticas” e pragmáticas ao mesmo tempo. A língua falada pode
41

ser adaptada, com um conjunto de técnicas e criatividade, à língua escrita. Ela pode
dar ao texto escrito um caráter subjetivo e informal, que são características da fala.
Em seu livro intitulado “Usos da Linguagem”, Francis Vanoye (2003) refere-se
a esse mecanismo de linguagem, o falado no escrito, que mostrou-se
frequentemente utilizado na obra de Rowling.
Como menciona Vanoye (op. cit., p. 41) em um sub-capítulo reservado a esse
assunto: “Para revigorar a língua escrita, seria preciso injetar-lhes os elementos
vivos da língua falada: o vocabulário da linguagem popular, uma sintaxe mais
expressiva em lugar de uma sintaxe determinada rigidamente”. Assim, os padrões
da gramática normativa seriam substituídos por uma linguagem que evidenciasse o
que é pronunciado na língua falada, com uma ortografia mais simplificada.
Vejamos um trecho de Harry Potter e a Pedra Filosofal:

Por outro lado, ele se metera numa grande encrenca quando o encontraram
no telhado da cozinha da escola. A turma de Duda o estava perseguindo,
como sempre, e tanto para surpresa de Harry quanto dos outros, ele
apareceu sentado na chaminé. Os Dursley receberam uma carta muito
zangada da diretora de Harry. (ROWLING, 2000, p. 26)

Diversos aspectos que caracterizam a língua falada podem ser percebidos


neste trecho. Se a autora não estivesse utilizando esse recurso, ao invés de: “ele se
metera numa grande encrenca”, poderíamos ter “ele introduziu-se em uma grande
confusão”. Contudo, o objetivo de Rowling não era seguir os padrões da língua culta,
mas conseguir conquistar um leitor jovem com uma linguagem mais simplificada,
aproximada da língua falada e distanciada dos textos de literatura obrigatória
durante o período escolar.

Harry ergueu-se de um pulo, sentia-se feliz como se houvesse um grande


balão crescendo dentro dele. Foi direto à janela e abriu-a com um puxão. A
coruja entrou voando e deixou cair o jornal em cima de Hagrid, que nem
acordou. (op. cit., p. 57)

Transformemos o trecho acima para uma linguagem mais distante da língua


falada: “Harry ergueu-se rapidamente, sentia-se feliz como se um balão estivesse
42

crescendo no interior do seu corpo. Foi de imediato à janela e puxou-a, abrindo-a. A


coruja entrou voando, deixando o jornal cair sobre Hagrid, este sequer acordou”.
Pode-se perceber que, ao modificarmos essa ocorrência lingüística de falado no
escrito, perde-se o encanto que Rowling propõe em sua obra. O texto torna-se seco
e sem vida.
A linguagem falada presente na obra de Rowling, auxilia na aproximação do
livro com o leitor. Proporcionando, assim, o efeito de vivacidade ao texto e às suas
personagens.
43

6. A ESCOLHA LEXICAL DOS NOMES DAS PERSONAGENS EM “HARRY


POTTER E A PEDRA FILOSOFAL”

A escolha das palavras sempre teve importância vital para a eficiência


comunicativa. Muitos dos objetivos alcançados através da comunicação
decorrem das palavras escolhidas e empregadas pelo falante. Tal seleção
também se mostra fundamental na hora de escrever um texto. Drummond
(1992:182) comparou essa escolha a uma luta, demonstrando quão árdua é
a tarefa de selecionar os vocábulos a serem utilizados pelo autor: “Lutar
com as palavras é a luta mais vã”. (SIMÕES, 2008)

De acordo com Green (1996, p. 11): “A escolha lexical está sempre sujeita ao
limite pragmático pelo qual temos que considerar como nossa pretendida audiência
estará apta a identificar corretamente nosso referente pretendido pelo uso da
expressão que escolhermos".
Compreende-se escolha lexical como a forma de expressar a configuração do
estilo e, conseqüentemente, como responsável pela constituição da imagem do
enunciador - o ethos. Tal escolha, vista como o proceder de um enunciador, não
realiza as suas escolhas diretamente em um sistema lingüístico abstrato e puro, mas
em um interdiscurso delimitado pela esfera e pelos gêneros discursivos em que o
elemento lexical exerce a função de conector.
A escolha do nome das personagens é um dos elementos mais importantes
em toda obra literária. J.K. Rowling escolheu alguns nomes para as personagens de
“Harry Potter e a Pedra Filosofal” baseando-se nas características e, também, no
papel que elas representam.
Smadja (2004) fornece-nos um exemplo, referente ao terceiro livro da série,
no qual é citada a personagem Sirius Black, que é um animago (pode transformar-se
em um animal, no seu caso um cão). Sirius é o nome da estrela alfa da constelação
de Cão Maior e black significa preto, na língua inglesa. Deste modo, quando Sirius
toma sua forma animal, ele transforma-se no seu próprio nome.
A tradutora da versão de “Harry Potter e a Pedra Filosofal” do Brasil, Lia
Wyler, representou um papel importante na escolha lexical dos termos na versão
brasileira do livro. Ela adaptou muitos dos nomes da obra original em inglês para
nomes mais próximos da realidade brasileira. Um exemplo disso é o termo: “muggle”
(original em inglês) que foi adaptado para “trouxa”. Como afirma Smadja:
44

a expressão inglesa indica a ausência de dom daqueles que não foram


tocados pela magia, daqueles que não sabem o que de fato importa, ou que
se deixam enganar facilmente e vivem sem o tempero que dá a bruxaria à
vida cotidiana. O termo em inglês é provavelmente uma deformação de
mugger, que significa “agressor”, e tem desse modo conotações bem menos
brandas que a expressão escolhida pela tradução brasileira. (op. cit., p. 9)

Rettenmaier ainda reforça:

[...] a leitura de Harry Potter parece querer reintegrar seu leitor, via contato
com o mágico e com a recordação do lendário, em um mundo distante das
“normalidades” da vida. Por isso o resgata, juntamente com o protagonista,
da Rua dos Alfeneiros, em um bairro com “grandes casas quadradas com
gramados perfeitamente cuidados” em cujas casas, nas cozinhas,
“cirurgicamente limpas”, há “uma geladeira de último tempo e uma tela
enorme de televisão”. [...] Para que o jovem não se conforme em ser um
trouxa, como é chamado quem não tem “um pingo de sangue mágico nas
veias”, Rowling o enfeitiça com as mitologias do mundo tentando oferecer
lendas, onde há consumo, tentando reinventar antigos mitos, onde há
apenas aparências, tentando ilustrar as conquistas de seu herói com o afeto
verdadeiro, onde vigoram as hipocrisias e os sentimentos mal resolvidos. De
alguma forma, Harry Potter nos ensina que os trouxas são os cegos que
não lêem e a literatura é a mágica que não carregam no sangue.

O termo “trouxa”, que retoma o significado básico do original utilizado por


Rowling, foi cuidadosamente elaborado para dar um encanto especial à obra. Ao
invés dos leitores sentirem-se ofendidos com o termo, que também não deixa de
referir-se a eles, podem agraciar-se com a possibilidade que a autora cria de fazê-
los parte da história.

7. OS TEMAS EM HARRY POTTER


45

O mundo se modifica, a linguagem se modifica. Segundo Fairclough, houve


uma

[...] mudança significativa no funcionamento social da linguagem, alteração


refletida na centralização da linguagem nas principais mudanças sociais
ocorridas nas ultimas décadas. Muitas dessas mudanças sociais não
envolvem apenas a linguagem, mas são constituídas de modo significativo
por mudangas nas práticas de linguagem; e talvez seja uma indicação da
importância crescente da linguagem na mudança social e cultural que
tentativas de definir a direção da mudança cada vez mais incluam tentativas
de mudar as práticas de linguagem. (2001, pp. 24-25)

O século XX demonstrou ser um século de avanços significativos e isso se


reflete na sociedade. O modo de pensar vai se transformando, a linguagem vai se
modificando. Considerando que o mundo está em constante transformação, a
ideologia tende a se modificar conforme os tempos. Segundo Amorin e Wielewiki,
sobre a série Harry Potter:

Pressupõe-se assim, que um dos pontos que auxiliam no sucesso da série,


é o fato de que seus leitores se identificam com as personagens, ou melhor,
com o protagonista que se desfaz do estereótipo de herói virtuoso,
apregoado pela literatura infanto-juvenil em geral. (2009, p. 321)

Podemos perceber que J K Rowlling se utiliza da ideologia da sociedade


atual, onde as pessoas não acreditam mais num herói idealizado e perfeito, e
transforma o personagem principal num elemento próximo da realidade dos leitores.

[...] justamente por abordar o contraditório, a Literatura, em vez de trabalhar


com personagens idealizadas, previsíveis e abstratas – além de
“politicamente corretas” – típico dos livros pedagógicos, pode apresentar ao
leitor seres humanos fictícios, mas complexos e paradoxais, mergulhados
num constante processo de modificação e empenhados na construção de
um significado para suas vidas. É da maior importância, acredito que
leitores, sejam eles crianças, ou não, tenham acesso a personagens assim.
São elas que permitem a verdadeira identificação entre a pessoa que lê e o
texto. (SOUZA, 2004 apud AMORIN; WIELEWICKI, 2009, p. 313)
46

O espaço em que se passa a história de Harry Potter é um mundo mágico,


onde existem várias criaturas inventadas (ou recriadas) pela autora. Um mundo
como este não deveria se equiparar ao nosso mundo real, mas a autora traz para o
leitor aspectos que tornam a história tão próxima da realidade quanto os de um livro
onde não há seres fantásticos. Harry passa praticamente o tempo todo numa escola,
onde tem seus deveres como aluno, com os professores mais diversos e está
sempre acompanhado de seus melhores amigos, como no mundo não imaginário.
Segundo Fiorin, tudo o que é criado pelo ser humano é um reflexo do que
acontece na sociedade.

Deve-se contestar essa liberdade do ser humano, pois, como já mostramos,


sendo ele produto de relações sociais, age, reage, pensa e fala, na maior
parte das vezes, como os membros de seu grupo social. Além disso, as
idéias que tem à disposição são aquelas veiculadas na sociedade em que
vive. (2003, p. 44)

A representação da realidade humana pode ser percebida nos três temas


principais abordados pela autora: o amor, a morte e o preconceito.

7.1. A morte

Logo no início do livro “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, lemos sobre como o
menino bruxo foi deixado na porta de uma casa. Descobrimos que essa casa
pertence a seus tios e o motivo pelo qual ele é entregue a seus parentes é porque
seus pais foram assassinados. A princípio, seus tios contam a Harry que eles
morreram num acidente de carro, mas depois tudo vem à tona:

ACIDENTE DE CARRO! — rugiu Hagrid erguendo-se com tanta raiva que


os Dursley voltaram correndo para o canto da sala — Como é que um
acidente de carro poderia matar Lílian e Tiago Potter! Isto é um absurdo!
[...]Olha, havia um bruxo que virou... Mau. Tão mau quanto alguém pode
47

virar. Pior. Pior do que o pior. O nome dele era... [...]Voldemort. — Hagrid
estremeceu. — Não me faça repetir. Em todo o caso, esse... Esse bruxo faz
uns vinte anos agora, começou a procurar seguidores. [...]Suponho que o
mistério era por que Você-Sabe-Quem nunca tentou convencer os dois a se
aliar a ele antes... [...]Talvez quisesse tirar os dois do caminho. Só o que
sabemos é que ele apareceu na vila em que vocês estavam morando, num
dia das bruxas, faz dez anos. Na época você só tinha um ano de idade. Ele
foi à sua casa e... E... Você-Sabe-Quem matou os dois. E então, e esse é
o verdadeiro mistério da coisa, ele tentou matar você. Queria fazer o serviço
completo, acho, ou então tinha começado a gostar de matar. Mas não
conseguiu. Você nunca se perguntou como arranjou essa marca na testa?
Isso não foi um corte normal. Isso é o que se ganha quando um feitiço
poderoso e maligno atinge a gente, destruiu os seus pais e até a sua casa,
mas não fez efeito em você, e é por isso que você é famoso, Harry.
Ninguém nunca sobreviveu depois que ele decidia matá-lo, ninguém a não
ser você, e ele já havia matado alguns dos melhores bruxos da época, os
McKinnon, os Bone, os Priuet, e você era apenas um bebê, e sobreviveu.
(ROWLING, 2000, pp. 51-53)

A morte dos pais de Harry e o fato de o garoto ter sobrevivido ao ataque do


bruxo mais malvado da história é um mistério que ronda a primeira história da saga
do menino bruxo.

7.2. O amor

Com a morte, a autora introduz outro dos temas principais: o amor. No trecho
do livro em que o garoto conversa com o assassino de seus pais, este lhe declara:
“Matei seu pai primeiro e ele me enfrentou com coragem... Mas sua mãe não
precisava ter morrido... Estava tentando protegê-lo. Agora me dê a pedra, a não ser
que queira que a morte dela tenha sido em vão.” (op. cit., p. 251)
Neste trecho, o professor de Hogwarts, Quirrel, tenta roubar de Harry a pedra
filosofal que preparava o elixir da vida, este prolongava a vida de quem o bebesse.
Porém, Quirrel não consegue pegar a pedra do garoto. O professor sente dores ao
tocar o menino bruxo e morre. O fato de Harry ter sobrevivido ao ataque de
Voldemort é explicado por Dumbledore:

— Mas por que Quirrell não podia me tocar?


48

— Sua mãe morreu para salvar você. Se existe uma coisa que Voldemort
não consegue compreender é o amor. Ele não entende que um amor forte
como o de sua mãe por você deixa uma marca própria. Não é uma cicatriz,
não é um sinal visível.. Ter sido amado tão profundamente, mesmo que a
pessoa que nos amou já tenha morrido, nos confere uma proteção eterna.
Está entranhada em nossa pele. Por isso Quirrell, cheio de ódio, avareza e
ambição, compartindo a alma com Voldemort, não podia tocá-lo. Era
uma agonia tocar uma pessoa marcada por algo tão bom. (op. cit., p. 255)

A autora demonstra que na luta entre o bem – representado pelo amor – e o


mal, o que vence é o amor.

7.3. A discriminação

O último tema dos citados acima, refere-se à discriminação abordada na


narrativa. Podemos destacar dois tipos de discriminação presentes na obra: a social
e a racial. Entre os personagens criados por Rowling, há o pequeno Draco Malfoy,
garoto rico e descendente de família nobre.

[...] - E meu nome é Draco Malfoy.


Rony tossiu de leve, o que poderia estar escondendo uma risadinha. Malfoy
olhou para ele.
- Acha o meu nome engraçado, é? Nem preciso perguntar quem você é.
Meu pai me contou que na família Weasley todos têm cabelos ruivos e
sardas e mais filhos do que podem sustentar. - Virou-se para Harry - Você
não vai demorar a descobrir que algumas famílias de bruxos são bem
melhores do que outras, Harry. Você não vai querer fazer amizade com as
ruins. E eu posso ajudá-lo nisso.
Ele estendeu a mão para apertar a de Harry, mas Harry não a apertou.
- Acho que sei dizer qual é o tipo ruim sozinho, obrigado. - disse com frieza.
(op. cit., pp. 96-97)

Neste trecho, Draco está se referindo à família de Rony Weasley, melhor amigo
de Harry Potter e que pertence a uma família pobre. É evidente o preconceito
referente à classe social a que pertence o jovem Weasley.
49

No mundo de Dumbledore, o mérito de um homem não se mede nem por


riqueza, nem por nascimento. A autora apóia essa idéia na oposição bem
marcada entre duas famílias, já bruxas há várias gerações: os Weasley,
pobres, mas bondosos, e os Malfoy, ricos, descendentes de uma antiga
linhagem aristocrática, mas maus e antipáticos.Para os Malfoy, o dinheiro é
o grande valor, e eles desdenham todos os que parecem não possuí-lo.
Draco Malfoy não perde qualquer ocasião de lembrar a Rony como a família
dele não tem dinheiro. (SMADJA, 2004, p. 142)

Para a psicanalista Isabelle Smadja (2004), a autora de Harry Potter aborda


este tema como um modo de criticar a sociedade contemporânea por seus métodos
de qualificar uma pessoa por seus bens materiais.

Segundo o perfil da família Weasley, delineia-se a concepção que a


autora tem da família ideal: uma família numerosa, viva e imprevisível, que
escapa, por suas divergências e pelo tamanho, à monotonia em que vivem
as pessoas comuns, mas que se harmoniza no essencial, partilhando dos
mesmos valores de justiça e do mesmo gosto pela aventura e pelas
viagens. É lícito supor que a pobreza material dos Weasley, enunciada em
inúmeras ocasiões, é uma prova a mais de sua generosidade e de sua
bondade de alma. (op. cit. p. 132)

Smadja salienta que o fato de a família Weasley ser pobre, não a desmerece,
como geralmente se vê na sociedade em que vivemos, mas a bondade dos
membros desta família é que os eleva na estima dos leitores.
O outro tipo de discriminação abordado por Rowling, a racial, também é
evidente nesta fala de Draco Malfoy:

- Eu realmente acho que não deviam deixar outro tipo de gente entrar, e
você? Não são iguais a nós, nunca foram educados para conhecer o nosso
modo de viver. Alguns nunca sequer ouviram falar de Hogwarts até
receberem a carta, imagine. Acho que deviam manter a coisa entre as
famílias de bruxos. Por falar nisso, como é o seu sobrenome? (ROWLING,
2000, p. 135)

Para Rettenmaier:
50

[...] o tema da discriminação, do racismo e da violência contra os diferentes


é constantemente atrelado às aventuras do herói. Seus grandes inimigos, os
Malfoy, são representantes exemplares de uma ideologia racista, embasada
na intolerância e no ódio contra os de “sangue-ruim”, frutos de casamentos
entre bruxos e não bruxos, e a vitória do protagonista sobre esses
adversários poderosos, acima de tudo, é a garantia do triunfo de uma
sociedade plural perante as doutrinas de pureza racial.

O mundo mágico de Harry Potter serviu apenas como um pano de fundo para
introduzir temas muito discutidos na sociedade contemporânea. Para Smadja, por
trás de toda a magia de Harry Potter está a magia de “proporcionar, por meio da
literatura, um ensinamento moral e uma pedagogia.”
51

8. A HETEROGENEIDADE ENUNCIATIVA DE ROWLING

Para Maingueneau (1997), a heterogeneidade do discurso acontece quando é


possível perceber “vozes” que se manifestam no enunciado, como sendo o discurso
de outro.
Ainda para ele, existe o conceito de heterogeneidade mostrada e
heterogeneidade constitutiva. Marcuschi discorre sobre estes dois temas:

Heterogeneidade mostrada: presença de um discurso em outro discurso de


modo localizável e identificável. Pode aparecer na forma não marcada
(discurso indireto, indireto livre, paráfrase, pastiche etc.) ou na forma
marcada (discurso direto, com aspas ou alusão identificada etc.).
Heterogeneidade constitutiva: quando o discurso é dominado pelo
interdiscurso. É o surgimento de um diálogo interno e que não
necessariamente vem do exterior [...]. (2008, p. 132)

Em seu trabalho “Novas tendências de análise do discurso“, Maingueneau


destaca, entre os fenômenos do discurso classificados como heterogeneidade
mostrada, o discurso indireto livre e a ironia; e entre a heterogeneidade constitutiva,
a intertextualidade. Veremos, a seguir, como a autora de Harry Potter utilizou estes
dois fenômenos do discurso em sua obra.

8.1 Discurso indireto livre

Em “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, Rowling utilizou, diversas vezes, o


recurso do discurso indireto livre:

Tamborilou os dedos no volante e seu olhar recaiu em um grupinho de


excêntricos parados bem perto dele. Cochichavam excitados. O Sr. Dursley
se irritou ao ver que alguns deles nem eram jovens, ora, aquele homem
devia ser mais velho do que ele, e usava uma capa verde-esmeralda! Que
petulância! Mas então ocorreu ao Sr. Dursley que se tratava prova de
52

alguma promoção boba - essas pessoas estavam obviamente arrecadando


alguma coisa... É, devia ser isto! (2000, pp. 8-9, grifo nosso)

E ainda:

Quanto tempo esteve parado ali, ele não sabia. As imagens


não esmaeceram e ele continuou mirando-as até que um ruído distante o
trouxe de volta ao presente. Não podia ficar ali, tinha de encontrar o
caminho de volta para a cama. (op. cit., p. 180, grifo nosso)

Sobre o discurso indireto livre, Maingueneau afirma:

Fora de contexto, nada permite conferir com segurança, a um enunciado o


estatuto de discurso indireto livre; isto está ligado à propriedade notável que
possui de relatar alocuções fazendo ouvir duas vozes diferentes
inextrincavelmente misturadas, para retomar os termos de Bakhtin ou, dois
“enunciadores”, segundo palavras de Ducrot. (1997, p. 97)

Nos trecho da obra citados acima, pode-se perceber uma fusão entre a voz
do narrador e a do personagem. Quando acontece esse tipo de discurso, é possível
classificá-lo segundo a tipologia narrativa proposta por Friedman, como um
enunciado de um narrador onisciente intruso:

[...] um eu que tudo segue, tudo sabe e tudo comenta, analisa e critica sem
nenhuma neutralidade – De que lugar?- provavelmente de cima, dominando
tudo e todos, até mesmo puxando com pleno domínio as nossas reações de
leitores e driblando-nos o tempo todo. [...]o narrador onisciente intruso saiu
de moda a partir da metade deste século, com o predomínio da
“neutralidade” naturalista ou com a invenção do indireto livre por Flaubert
que preferia narrar como se não houvesse um narrador conduzindo as
ações e as personagens, como se a história se narrasse a si mesma.
(LEITE, 2004, p. 29)

Para Gancho (1998, p. 39), o discurso indireto livre é “um registro da fala ou
de pensamento de personagem, que consiste num meio-termo entre o discurso
53

direto e o indireto, porque apresenta expressões típicas do personagem mas


também a mediação do narrador. “
Como propôs Gancho, o conceito citado acima se exemplifica no trecho
seguinte, cujo pensamento das personagens se mistura com o discurso do narrador:

[...] Estavam encurralados. Como podiam ter sido burros a ponto de se


esquecerem da capa? Não havia nenhuma razão no mundo para a
Professora Minerva aceitar que estivessem fora da cama, esgueirando-se
pela escola a altas horas da noite, e muito menos que estivessem na alta
torre de astronomia, que era proibida aos alunos a não ser durante as aulas.
(ROWLING, 2000, p. 209)

Neste trecho, podemos perceber uma intervenção do narrador no


pensamento das personagens, pois demonstra o que as personagens estão
sentindo e sua avaliação sobre este momento, mas este discurso se funde com o do
narrador.

8.2 A ironia

Como propôs Mangueneau (1997), na heterogeneidade discursiva, a ironia


também demonstra a voz de um outro, quando o enunciador se coloca numa
posição que ele não assume.

A ironia subverte a fronteira entre o que é assumido e o que não o é pelo


locutor [...] o “locutor” coloca em um “enunciador” que adota uma posição
absurda e cuja alocução não pode assumir: esse distanciamento é marcado
por diferentes índices: linguísticos, gestuais, situacionais.
[...] Os problemas ligados à identificação da ironia nada têm de acessório:
efetivamente, é da essência da ironia suscitar a ambiguidade e, com
frequência, a interpretação não consegue resolvê-la. (op. cit., pp. 98-99)

A ironia utilizada por Rowling é percebida no trecho que se segue:

Hermione conseguira se desvencilhar antes que a planta a agarrasse para


valer. Agora observava horrorizada os dois meninos lutarem para se livrar
54

da planta, mas quanto mais se esforçavam, mais depressa e mais firme a


planta se enrolava neles.
- Parem de se mexer! - mandou Hermione. – Sei o que é isso. É visgo do
diabo!
- Ah fico tão contente que você saiba como se chama, é uma grande ajuda -
resmungou Rony, tentando impedir que a planta se enroscasse em seu
pescoço. (2000, p. 237)

Ainda pra Mangueneau:

O interesse estratégico da ironia reside no fato de que ela permite ao locutor


escapar às normas de coerência que toda argumentação impõe: o autor de
uma enunciação irônica produz um enunciado que possui, a um só tempo,
dois valores contraditórios, sem, no entanto, ser submetido às sanções que
isto deveria acarretar. (1997, p. 100)

No trecho do livro, em que é retratada a manhã do dia de natal, Harry recebe


um presente inusitado de seus tios:

Um segundo embrulho, muito pequeno, continha um bilhete.


“Recebemos sua mensagem e estamos enviando o seu presente. Tio Válter
e Tia Petúnia”.
Presa com fita adesiva na nota havia uma moeda de cinqüenta pence.
- Que simpático! - exclamou Harry. (ROWLING, op. cit., p. 173, grifo da
autora)

Receber uma moeda comum como presente de natal não é nada agradável. A
ironia está na reação de Harry em: “Que simpático!”, pois ele sabe que a intenção de
seus tios era lhe dar o que fosse mais insignificante. Sua fala demonstra
ambigüidade por ter uma interpretação tanto sentimental – seus tios se lembraram
dele e lhe enviaram alguma coisa – ou uma revolta reprimida.
55

8.3 Intertextualidade em “Harry Potter e a Pedra Filosofal”: uma análise

Na heterogeneidade constitutiva, como já citado, destaca-se a


intertextualidade. Para Koch (1991, apud MARCUSCHI, 2008), a intertextualidade é
um discurso que “remete a outro e tudo se dá como se o que se tem a dizer
trouxesse pelo menos em parte um já dito”. A linguista brasileira ainda classifica a
intertextualidade em explícita e implícita; a primeira ocorre quando, no próprio
discurso, se faz referência direta a outros textos e a última ocorre quando se
introduz no discurso um outro, sem fazer qualquer menção a ele.
Veremos a seguir, alguns exemplos de intertextualidade implícita utilizada por
Rowling em sua obra.
Uma das personagens mais importantes na história, o diretor da escola de
magia e bruxaria de Hogwarts, Alvo Dumbledore, é um dos primeiros exemplos de
intertextualidade que podemos encontrar. Ele é caracterizado, logo no início da obra,
em “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, mesmo antes de Harry:

“Era alto, magro e muito velho a julgar pelo prateado dos seus cabelos e de
sua barba, suficientemente longos para prender no cinto. Usava vestes
longas, uma capa púrpura que arrastava pelo chão e botas com saltos altos
e fivelas. Seus olhos azuis eram claros, luminosos e cintilantes por trás dos
óculos em meia-lua e o nariz, muito comprido e torto, como se o tivesse
quebrado pelo menos duas vezes”. (ROWLING, 2000, p. 13)

Uma das personagens mais importantes do Ciclo Arturiano (que é o conjunto


de lendas que a respeito do Rei Arthur e seus cavaleiros) é a base de Dumbledore:
Merlim. Alvo Dumbledore não foi desenhado somente à semelhança, mas também
com o caráter de Merlim. Como ressalta Colbert:

“Merlim é considerado um dos mais sábios magos que já existiram, um


bruxo-mestre. (...) Merlim é mais conhecido como o mentor do rei Artur. Um
notável paralelo é que ele ocultou o garoto Artur, protegendo-o, do mesmo
modo como Dumbledore escondeu Harry de Voldemort. (...) Posteriormente,
Merlim tornou-se tanto tutor quanto o conselheiro de Artur, usando sua
aguçada inteligência e sua poderosa magia para ajudar o jovem rei a lutar
contra os inimigos da Bretanha”. (2001, pp. 60-63)
56

Assim, Rowling utilizou as características físicas e psicológicas de uma


personagem mitológica muito conhecida pelos seus leitores para criar outra
personagem. Merlim também é citado em diversas passagens, as quais não nos
convém citar, como se ele fosse um bruxo que realmente existiu no mundo de Harry
Potter.
Dumbledore não é a única personagem, de “Harry Potter e a Pedra Filosofal”,
que foi inspirada em personagens mitológicos.
O zelador de Hogwarts, Argos Filch, possui sua origem interligada a uma
criatura mitológica de mesmo nome: o gigante Argos. Conforme o Dicionário de
Mitologia Greco-Romana, publicado pela editora Abril em 1976: “Segundo uma
tradição, possuía cem olhos, dos quais apenas cinqüenta dormiam enquanto os
restantes vigiavam” (p. 13). Filch é um zelador atento, e, apesar de desastrado, ele
não deixa nenhum detalhe passar pela sua visão. Sua gata, Madame Nor-r-ra o
auxilia na sua vigília. Ela é descrita: “com olhos saltados como lâmpadas, iguais aos
de Filch”, o que cai muito bem aos dois, se formos compará-los ao gigante Argos.
O cão de três cabeças de Hagrid, Fofo, foi baseado em Cérbero, o cão de
estimação do deus do submundo, Hades. Além das semelhanças físicas, pois os
dois são idênticos, Rowling também inspira a tarefa de Cérbero em Fofo. Segundo a
citação do Dicionário de Mitologia Greco-Romana (1976, p. 33), Cérbero “era um
cão de múltiplas cabeças. [...] Guardião dos Infernos, ficava do outro lado do
Aqueronte; permitia a entrada das almas, porém impedia-as de sair. Quanto aos
mortais, despedaçava os que se aventuravam pelo reino dos mortos”.
Cérbero é o guardião do reino dos mortos enquanto Fofo é o guardião da
Pedra Filosofal. E, assim, como o original, Fofo tenta devorar qualquer um que
tentasse se aventurar pelas dependências onde fica Pedra. Ele somente obedece a
Hagrid assim como o Cérbero somente obedece ao deus Hades.
Outras personagens que aparecem são criaturas que são fielmente
adaptadas na obra, exatamente como estão mitologia. Citemos algumas. Os
centauros surgem para Harry enquanto ele está na floresta, são difíceis de lidar, pois
não gostam dos humanos. São descritos como: “Até a cintura, um homem, com
cabelos e barba vermelhos, mas da cintura para baixo era um luzidio cavalo
castanho com uma cauda longa e avermelhada” (ROWLING, 2000, p. 217). Os
centauros mitológicos são idênticos aos de Harry Potter, conforme o Dicionário de
57

Mitologia Greco-Romana (op. cit., p. 33): “tinham busto de homem e corpo de


cavalo. Viviam nas montanhas e nas florestas e nutriam-se de carne crua”.
Os duendes são criaturas presentes em diversas mitologias. Segundo Colbert
(2001, pp. 83-84): “Há vezes em que os duendes são retratados mais como criaturas
trabalhadoras do que malvadas – muitos afeitos à mineração e a trabalhos com
metais”. Os duendes em Harry Potter são os guardiões do Banco de Gringotes, ou
seja, controlam o ouro e o dinheiro como bem entendem, exatamente como os
duendes mitológicos.
Do mesmo modo ocorre com a fênix, o grifo, o lobisomem, o trasgo, o dragão,
os gárgulas, os unicórnios e os zumbis. Todas essas criaturas, transcritas em “Harry
Potter e a Pedra Filosofal”, foram adaptadas esquematicamente para a obra, mas
em nada diferem das originais mitológicas.
Além das personagens, existem dois objetos presentes na obra que também
são exemplos possíveis do uso da intertextualidade na obra, em relação à mitologia.
O primeiro deles é o Pomo de Ouro, objeto mais cobiçado no Quadribol, o esporte
dos bruxos. Na mitologia existiu um objeto que era também de ouro e era muito
cobiçado pelos maiores heróis da época: o Velo de Ouro. E o outro é a flauta que
Harry ganhara de Hagrid. Posteriormente Harry toca a flauta para fazer Fofo
adormecer e poder passar pelos seus domínios. O mesmo ocorre mitologicamente,
quando “Orfeu, na sua busca a Eurídice, adormeceu-o ao som da sua lira”
(Dicionário de Mitologia Greco-Romana, 1976, p.33), e entrou no domínio dos
mortos.

“Harry jamais imaginara um lugar tão diferente e esplêndido era iluminado


por milhares de velas que flutuavam no ar sobre quatro mesas compridas,
onde os demais estudantes já se encontravam sentados. As mesas estavam
postas com pratos e taças douradas. No outro extremo do salão havia mais
uma mesa comprida em que se sentavam os professores”. (ROWLING,
2000, p.103)

Acima pôde-se conferir a descrição do Grande Salão, o primeiro local do


castelo de Hogwarts que os alunos do primeiro ano são guiados. Lá eles recebem as
primeiras orientações do ano letivo, são selecionados para suas Casas Comunais e,
por fim, aproveitam um rico banquete. Todos os dias, as refeições seriam feitas no
58

Grande Salão. Na mitologia nórdica existe um sistema semelhante a este. Segundo


as lendas, quando os guerreiros morriam, eles eram levados para o palácio de
Valhala. Lá eles treinariam de dia e fariam um banquete à noite. Eles treinam na arte
do combate para o dia em que lutarão no Ragnarök (o apocalipse na mitologia
nórdica). Assim como em Hogwarts, onde os alunos serão posteriormente orientados
(nos últimos livros) para auxiliar no combate contra Voldemort.
Em outra passagem, logo que Harry conhece Rony, eles trocam figurinhas de
bruxos.

“Harry arregalou os olhos quando Dumbledore voltou para a figurinha e lhe


deu um sorrisinho. Rony estava mais interessado em comer os sapos do
que em olhar os bruxos e bruxas famosas, mas Harry não conseguia
despregar os olhos deles. Logo não tinha só Dumbledore e Morgana, como
também Hengisto de Woodcroft, Alberico Grunnion, Circe, Paraceko e
Merlim. Por fim ele despregou os olhos da druida Cliodna que estava
coçando o nariz, para abrir o saquinho de feijõezinhos de todos os sabores”.
(ROWLING, 2000, p. 92)

Algumas dessas personagens, das figurinhas, são baseadas na mitologia,


como: Morgana, Alberico Grunnion, Circe, Merlim e Cliodna. Paracelso é a única
personagem, dentre essas, que realmente existiu. Colbert reforça sobre ele:

“Phillipus Aureolus Paracelso, nascido na Suíça em 1493, é considerado o


fundador da química e da medicina modernas. Começou a vida como
médico e depois dedicou-se ao estudo da magia, especialmente a alquimia
e a arte das profecias”. (2001, p. 58)

A alquimia, assunto de grande relevância, em “Harry Potter e a Pedra


Filosofal”, não é uma criação de Rowling. Ela é uma ciência que deu origem à
química moderna. Colbert (op. cit. p. 27) comenta: “Acredita-se que a origem da
alquimia esteja no mundo árabe. O nome vem do termo árabe al-kimia, que também
gerou a palavra ‘química’”. Os alquimistas acreditavam que poderiam criar a Pedra
Filosofal, que transmutava qualquer metal em ouro, e o Elixir da Vida, que prolonga
interminavelmente a vida de quem o consumir frequentemente.
59

Em “Harry Potter e a Pedra Filosofal” a autora manteve a dádiva desses feitos


ao verdadeiro criador da Pedra Filosofal (segundo as crenças), Nicolau Flamel.
Conforme Colbert:

“De acordo com a história, Flamel morreu em 1410, poucos anos depois de
Pernelle. No entanto, alguns de seus seguidores acreditam que, além de
conseguir produzir ouro, Flamel produziu o Elixir da Vida, que proporcionava
a imortalidade. Muitos dizem que, graças a esse elixir, Flamel e sua esposa
continuam vivos até hoje”. (2001, pp. 111-112)

No mundo de Harry Potter, Flamel era amigo de Dumbledore e, por isso,


confiou a ele a posse da Pedra Filosofal. Mas quando a Pedra é destruída, Nicolau
Flamel e sua esposa acabam morrendo, pois, torna-se impossível fazer o elixir da
imortalidade.
Na obra, existe outra personagem que foi baseada em um personagem
histórico: Salazar Sonserina, o fundador da Casa Sonserina. Ele foi inspirado no
ditador português Antônio de Oliveira Salazar, que talvez tenha sido tão tirânico
quanto a personagem fictícia. Essa associação entre o fundador da Soserina e o
ditador português deve-se ao fato de que Rowling morou em Portugal por muitos
anos e pode ter-se inspirado na história portuguesa enquanto estava lá.
Outras duas personagens são inspiradas em dois santos, são estes: Santa
Edwiges e São Ronan. Edwiges é a coruja de Harry, que ele ganhou de Hagrid e
Ronan é o centauro. Como lembra Colbert (op. cit. p. 161) sobre a Santa Edwiges:
“Uma santa que viveu na Alemanha nos séculos XII e XIII. É a padroeira de uma
ordem de freiras que escolheram como missão cuidar da educação de crianças órfãs
– como Harry” e sobre São Ronan: “Um santo irlandês. (Como alguns leitores
lembram, Ronan, o centauro, tinha cabelos ruivos)”.
Podê-se, com esta análise, observar a preocupação da autora com as
referências de mitos e lendas em suas personagens e em algumas situações. Foi
utilizado o recurso da intertextualidade implícita, para chamar a atenção do leitor
com algo que já lhe é de conhecimento, como a mitologia e os personagens
históricos. Esse fenômeno pode auxiliar na compreensão do sucesso de Harry
Potter. Nenhum detalhe da obra foi feito ao acaso, todos os ambientes, personagens
e situações foram pesquisados e esquematizados pela autora, para que pudessem
atingir o leitor da forma mais satisfatória.
60

CONCLUSÃO

Verificamos que a autora do livro “Harry Potter e a Pedra Filosofal” utilizou,


em sua obra, recursos lingüísticos atraentes aos jovens que buscam um livro
adequado às suas necessidades literárias, contemporâneas. Consideramos a
linguagem utilizada na obra pela autora o fator mais importante para atrair tais
leitores e que resultaram neste fenômeno da literatura juvenil contemporânea.
A obra de Rowlling conta com a presença dos elementos do gênero
Fantástico e do Maravilhoso. Nesse estudo contemplamos a importância da seleção
de tais gêneros por parte da autora. A obra em questão é composta por diversos
elementos maravilhosos como: objetos animados, a magia e a humanização dos
animais. Podemos destacar também, a luta entre o Bem contra o Mal. Tais
características nos remetem aos tradicionais contos de fadas. Presente na narrativa
do início ao fim, a fantasia tem o papel de fazer o leitor esquecer o mundo real que o
cerca e fazê-lo partir para outra dimensão.
Rowling utilizou-se de um estilo próprio para conquistar os seus leitores.
Baseando-se na estrutura dos contos de fadas, a autora propiciou um conforto maior
para a leitura da sua obra. O público não se depara com uma situação
extremamente nova, repleta de informações que nunca ouviu falar e que pode
causar-lhe estranhamento. Nesse sentido, a verossimilhança foi um recurso que,
também, contribuiu para o sucesso da obra. Exceto pelo uso da magia, são
passíveis de existência o castelo de Hogwarts, seus alunos e seus professores. O
texto é marcado pelo fenômeno da oralidade na escrita, um recurso de linguagem
característico do estilo de Rowling. Todos os elementos da obra são repletos de
vivacidade, principalmente as personagens e, em especial, Harry Potter. Isso se dá
pelo estilo literário e pela linguagem que a autora elaborou seu texto.
Essa linguagem que Rowling utilizou em “Harry Potter e a Pedra Filosofal”
demonstra que a autora elaborou sua obra cuidadosamente. Os temas empregados,
o discurso indireto livre, a ironia e os elementos intertextuais foram utilizados com o
61

intuito de tornar a leitura mais agradável ao jovem leitor, demonstrando, desse


modo, a riqueza dos recursos estilísticos usados pela autora.
Além dos aspectos linguísticos, destacam-se as influências externas que
estimulam os adolescentes a lerem o livro “Harry Potter e a Pedra Filosofal”,
identificadas como sendo a mídia e a opinião dos amigos. Primeiramente, no
lançamento da obra, houve táticas publicitárias que souberam acompanhar o
mercado evolucionário e acabaram tornando a marca Harry Potter mundialmente
conhecida. Depois, o sucesso da divulgação de “Harry Potter e a Pedra Filosofal”
resultou da influência dos amigos sobre outros leitores potenciais. Isso porque o
jovem julga a propaganda mais confiável e segura após considerar as
recomendações de quem faz parte de seu convívio social.
Concluímos, assim, que todo o livro foi elaborado de forma que o leitor se
identificasse com a história. Os elementos incluídos na obra não foram introduzidos
ao acaso, mas audaciosamente com a finalidade de atrair seu público-alvo.
“Harry Potter e a Pedra Filosofal” é uma obra mundialmente reconhecida por
públicos de todas as idades. É um livro que pode ser utilizado para atrair o público
jovem para o meio literário, seja por intermédio dos amigos ou dos professores, na
escola. Apresenta diversos conteúdos lingüísticos que provêm aprendizado ao seu
leitor, tais como: o gênero, a intertextualidade, os níveis de linguagem e a
verossimilhança. “Harry Potter e a Pedra Filosofal” é um livro que pode ser o veículo
capaz de introduzir os jovens ao universo literário.
Este trabalho visou compreender e demonstrar alguns aspectos lingüísticos que
geraram o sucesso de “Harry Potter e a Pedra Filosofal”. Baseados em algum dos
aspectos lingüísticos aqui apresentados (a oralidade, a intertextualidade, o gênero),
trabalhos posteriores poderão aprofundar-se sobre as razões do sucesso do
fenômeno literário do personagem Harry Potter.
62

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ANEXO A – Capa do livro “Harry Potter e a Pedra Filosofal”


68

ANEXO B – Desenho, das personagens da série Harry Potter, por J.K.Rowling

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