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SANTOS - SP
2010
BRUNA CHRISTINO MONTE
LANARSA GARCIA
MÍRIAM INÁCIO NEVES
RAPHAEL H. MAGALHÃES
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA
_______________________/__/___
Prof. Nome do Professor
Universidade Paulista – UNIP
_______________________/__/___
Prof. Nome do Professor
Universidade Paulista – UNIP
_______________________/__/___
Prof. Nome do Professor
Universidade Paulista UNIP
AGRADECIMENTOS
Às nossas famílias, alicerces para as nossas vidas, que refletem num proveitoso
desempenho acadêmico.
À nossa professora orientadora Cynthia Croce Rocha Brandão, pela atenção e pelas
construtivas críticas norteadoras.
À professora Drª. Denise Durante pela dedicação e pelo carinho que nos inspiraram
em nosso percurso.
RESUMO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 10
3. LINGUAGEM........................................................................................................ 20
3.1 Linguística........................................................................................................... 20
3.2 Análise do discurso............................................................................................. 22
4. O GÊNERO FANTÁSTICO................................................................................... 24
4.1 O Maravilhoso em “Harry Potter e a Pedra Filosofal”.......................................... 27
CONCLUSÃO........................................................................................................... 60
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 62
ANEXOS................................................................................................................... 67
10
INTRODUÇÃO
percebe se realmente gostou ou não daquela obra. Isso acontece por causa de um
dos fatores mais determinantes na escolha de um livro: a linguagem.
Segundo Koch (2004), a linguagem pode conter, sinteticamente, as funções
de representar o mundo, de ser um instrumento de comunicação ou uma forma de
interação. Porém, para um pesquisador, é importante analisar a linguagem levando-
se em consideração não somente esse aspecto de transmissão de informação, mas
também a manifestação ideológica de seu produtor e os aspectos lingüísticos do
discurso.
Na obra de Rowling é possível perceber algumas características ideológico-
pedagógicas, identificadas nos temas principais do livro. Esses temas demonstram a
posição da autora em relação a eles e podem funcionar como uma “moral da
historia” comum em contos e fábulas tradicionais.
Em relação aos aspectos lingüísticos, Rowling utiliza-se da heterogeneidade
enunciativa. Esse termo, utilizado por Mangueneau (1997), será abordado
detalhadamente e refere-se à utilização de discurso indireto livre, ironia e
intertextualidade, bastante evidentes na obra.
Este trabalho se destina ao público acadêmico e a todas as pessoas que se
interessam pela análise do discurso de uma obra contemporânea de sucesso como
“Harry Potter e a Pedra Filosofal”. Nossa proposta é relativamente nova,
contribuindo diretamente na área de Letras ao verificar as causas do sucesso de
“Harry Potter e a Pedra Filosofal”. Reitera-se a relevância de tal abordagem aqui
apresentada, por tratar-se de um “best-seller” mundial da literatura infanto-juvenil.
13
Harry Potter surgiu em 1990, numa viagem de trem, que Rowling realizou. A
idéia apareceu em sua mente e durante as quatro horas de viagem ela foi
construindo a imagem do menino bruxo. Não havia uma caneta para escrever, então
ela teve que somente imaginar a história durante todo o percurso daquela viagem.
A autora começou a escrever “Harry Potter e a Pedra Filosofal” na noite
daquele mesmo dia. Naquele mesmo ano a história foi diretamente influenciada pela
morte de sua mãe. Os sentimentos de Harry Potter em relação à morte de seus pais
agora eram mais profundos, pois Rowling conseguia transmitir toda a intensidade de
seus próprios sentimentos em relação à morte da mãe.
Durante um período difícil de sua vida, Rowling dividia seu tempo para cuidar
da filha pequena, trabalhar e escrever seu livro. Todos os dias Joanne escrevia com
afinco a história do menino bruxo, até que enfim terminou. Porém, foi um trabalho
árduo até conseguir um agente que acreditasse em seu potencial e uma editora que
aceitasse publicar sua obra. Quando, finalmente em 1996, Rowling recebeu a notícia
de que sua história seria publicada por Bloomsbury. Foi então que o sucesso
começou.
“Desde a publicação do primeiro livro, “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, a
escritora já encantou centenas de milhões de leitores de todas as idades em
2
diversos países com as aventuras do pequeno órfão aprendiz de bruxo.”
1
Informações do site Oficial de J. K. Rowling.
2
AGENCE FRANCE-PRESSE. Disponível em:
http://criancas.terra.com.br/harrypotter/interna/0,,OI593204-EI4249,00-
Vida+de+autora+de+Harry+Potter+e+conto+de+fadas.html. Acesso em: 05 de Outubro de 2010.
2
14
3
Distribuição indireta através das agências de notícias e da programação dos meios de comunicação
e distribuição indireta por meio de revistas, livros filmes, etc. (GUARESHI, 1981,p. 29- 4)
16
4
Bloomsbury Publishing Plc é uma editora britânica, sediada em Londres, conhecida principalmente
por publicar os livros da série Harry Potter, de J.K. Rowling.
5
A Scholastic Corporation, ou ainda Scholastic Press ou Scholastic Inc.) é uma editora de livros dos
Estados Unidos da América conhecida por publicar material infanto-juvenil.
6
Warner Bros. Entertainment., também conhecida como Warner Bros. (o termo geralmente usado, é
uma produtora americana de filmes e entretenimento televisivo. Um dos maiores estúdios de cinema
da atualidade, ela é uma subsidiária da Time Warner, com sedes em Burbank, Califórnia e Nova
Iorque. A Warner Bros. possui uma serie de subsidiarias, incluindo a Warner Bros. Studios, Warner
Bros. Pictures, Warner Bros. Interactive Entertainment, Warner Bros. Television, Warner Bros.
Animation, Warner Home Video, New Line Cinema, The WB Television, e DC Comics. A Warner
possui metade da The CW Television Network
7
Blue Peter é um programa de televisão para crianças, produzido pelo canal inglês BBC. É bastante
popular no Reino Unido e é considerada a mais longeva série infantil televisiva (foi criado em 1958).
17
qualidade, publicando, apenas dois meses mais tarde, a versão de bolso, mais
barata. Professores, pais e crianças ficaram encantados; sendo assim, a
Bloomsbury optou por fazer uma edição especial, com uma capa mais escura e
séria, que resultou em um grande retorno também do público adulto.
Em 1998 a Warner Bros, ao perceber o grande potencial da história,
comprou os diretos autorais mundiais da marca “Harry Potter”. Foi a partir daí que a
autora e os editores, com receio de superexposição e suas conseqüências,
relevaram a exigência de J. K. Rowling de que sua opinião fosse irrevogável em
relação ao marketing e mídia de Harry Potter.
Papalia reforça:
Deste modo, conclui-se que é neste período da vida que os filhos querem
trocar de grupo porque os pais e a família já não bastam como companhia para eles.
É o momento de eles começarem a conquistar sua vida própria, o momento que o
jovem inicia seu percurso rumo à independência no mundo adulto.
Acho que há algo que, ainda assim, existe nos adolescentes alguma coisa
que não mudou: sua preferência pela amizade. A crença na amizade existe
e acho que é quando a perdem que eles não têm mais nada. Só a amizade
torna sua vida vivível. (DOLTO, 1990, p. 54)
De acordo com o Nielsen Online 8·, divulgado no dia 15 de julho de 2010, 90%
dos consumidores no mundo confiam nos amigos ao fazerem compras 9·, ou seja, a
opinião dos amigos é a propaganda mais confiável.
Para o livro “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, a influência através das
opiniões dos amigos dos leitores foi bastante eficaz. A pesquisadora Marta C. Louro
da Fundação Educacional do Município de Assis (FEMA) aplicou um questionário em
crianças de 5º e 6º séries do Colégio Rui Barbosa, do Município de Assis, com 60
questões para melhor entender o funcionamento do acesso à leitura das crianças.
Algumas perguntas foram específicas sobre o livro Harry Potter, e, para saber o
meio de divulgação do livro de Rowling, colocou no questionário a questão: “Como
você ficou sabendo do livro Harry Potter?”. De acordo com os questionários:
A maioria dos entrevistados ficou sabendo dos livros por meio dos amigos
(27%), os filmes também chamaram atenção para os livros (22%), por ter
visto o livro em uma livraria ou na TV (11% cada), outros ficaram sabendo
pelos jornais ou pelo sucesso da história (7%) e, com 4% cada, temos
aqueles que viram o livro nas bancas ou na biblioteca. 10
3. LINGUAGEM
8
Nielsen Online é uma associação entre o IBOPE e a Nielsen, líder mundial em medição de
audiência de Internet. Com o auxílio de um software proprietário, instalado em um painel de
internautas representativo da população domiciliar brasileira com acesso à Web, a empresa detalha o
comportamento dos usuários do meio digital.
9
O estudo foi realizado entre 19 de março e 2 de abril de 2009 com 25.420 consumidores de internet
em 50 países.
10
20
3.1 Linguística
[...] a união de um conceito com uma imagem acústica, que não é o som
material, físico, mas a impressão psíquica dos sons, perceptível quando
pensamos numa palavra, mas não a falamos. O signo é uma entidade de
duas faces, uma reclama a outra, à maneira do verso e do anverso de uma
folha de papel. Percebem-se as duas faces, mas elas são inseparáveis.
(FIORIN, 2004, p. 58)
Considerando essa citação, o discurso pode ser influenciado pela relação que
um sujeito mantém na sociedade. Aquilo que ele produz manifesta aquilo que ele
vivenciou. Ainda segundo Fiorin (op. cit. p 41), “na medida em que é determinado
pelas formações ideológicas, o discurso cita outros discursos”. Podemos perceber
na obra de Rowling vários desses ‘outros discursos’. O menino, que é desprezado
pelos tios e pelo primo, que mora num armário embaixo duma escada e usa roupas
velhas do primo gordo poderia ter certa semelhança com uma Cinderela, como
sugere Smadja (2004). Cinderela e Harry Potter assemelham-se tanto em sua
estrutura de conto de fadas como, também, essa relação entre eles constitui-se uma
intertextualidade interna.
Nos próximos capítulos demonstraremos algumas características do discurso
e da linguagem utilizada por Rowling em “Harry Potter e a Pedra Filosofal”.
24
4. O GÊNERO FANTÁSTICO
uma frase para reflexão de Jaqueline Held (1980): “Cada um de nós retira do real
seu próprio universo”.
4.1 O Maravilhoso em “Harry Potter e a Pedra Filosofal”
menino bruxo, portanto, fornece antes de tudo uma lição de otimismo: apesar de
menor, ele tem qualidades internas capazes de levá-lo a se impor no mundo adulto”.
Essas características nos remetem aos contos maravilhosos e aos contos de
fadas. Harry é um garoto que já tem o seu destino traçado, desde o começo da
narrativa. O antagonista da história conseguiu assassinar seus pais, porém, não
conseguiu matá-lo, e nem o conseguirá. E é a partir daí que se inicia a luta entre o
bem e o mal, que, segundo Bruno Bettelheim, é uma característica dos contos de
fadas.
Além da eterna luta entre o bem e do mal, outra característica que podemos
destacar nos contos de fadas, conforme Bettelheim (op. cit.), é a morte dos pais,
pois tal situação na vida de uma criança é angustiante, e o faz refletir sobre a
situação na sua própria vida.
O menino Potter necessita enfrentar grandes obstáculos para chegar ao seu
objetivo principal, que é resgatar a Pedra Filosofal. Um dos primeiros desafios é
enfrentar Fofo, um cachorro de três cabeças: “Os três focinhos do cachorro
farejavam furiosamente em sua direção, ainda que o bicho não pudesse vê-los”
(ROWLING, 2000, p. 235).
Depois de passar por Fofo, Harry ainda necessita enfrentar plantas que se
movem, um jogo de xadrez de bruxo cujas peças são enfeitiçadas e chaves
voadoras:
A autora de Harry Potter utilizou diversos recursos para enriquecer sua obra,
tornando-a um fenômeno entre as pessoas das mais variadas idades, de diversas
partes do mundo. Conforme David Colbert (2001, p. 8).: “Um dos prazeres de ler J.
K. Rowling é descobrir as divertidas referências à história, às lendas e à literatura
que ela esconde em seus livros”
Colbert (op. cit.) faz referências a diversos magos e alquimistas da realidade,
entre os quais: Paracelso e Hengisto de Woodcroft, e ainda os ficcionais: Merlim,
Morgana, Cliodna e Circe. Independentemente da origem de cada um, esses
personagens ganharam espaço nas páginas de Harry Potter por causa da sua
popularidade. A lenda de Avalon, que conta com as presenças de Merlim, Morgana e
o Rei Arthur, é muito famosa na Inglaterra e em todo o mundo. Deste modo, Rowling
utilizou a intertextualidade do mito a seu favor. Este é somente um exemplo sobre
um dos diversos recursos utilizados pela autora.
Isabelle Smadja ressalta:
No trecho acima nos foi possível perceber como as histórias de Harry Potter
se encaixam perfeitamente na estrutura do conto de fadas: Harry é um menino que
foi criado desde pequeno pelos tios, que não perdem a oportunidade de maltratá-lo.
Ele vive em um armário sob a escada, um lugar inabitável que apresenta condições
sub-humanas. Contudo, sua vida muda completamente quando ele descobre que é
um bruxo e que tudo o que sabe sobre o próprio passado não passam de mentiras.
Sua mãe morreu para protegê-lo de Voldemort, o bruxo das trevas mais poderoso, e
seu inimigo natural. Harry vai para a escola de magia e bruxaria de Hogwarts, onde
se torna o protegido do ilustríssimo diretor da escola: Dumbledore. Este é o único
bruxo além de Harry que Voldemort teme.
Colbert nos ajuda a enquadrar Harry nos padrões de dois contos de fadas
muito conhecidos: “Para torná-lo ainda mais familiar a todos nós, ele é, pelo menos
de acordo com os estranhos padrões dos Dursley, um patinho feio. Assim, eles o
maltratam, como Cinderela foi maltratada” (2001, p. 12).
Rowling adaptou a sua história em uma estrutura já conhecida pelas crianças:
o conto de fadas. A autora seguiu os padrões de um conto de fadas e construiu a
sua série com elementos que seus leitores já estavam acostumados. Entretanto, o
35
estilo da autora agradou aos jovens leitores de modo que os contos de fadas
tradicionais já não conseguiam fazê-lo com tanta presteza. Segundo Smadja:
Os contos de fadas tradicionais já não podem fazer com que o imaginário
permaneça próximo do real e encontre sua fonte no próprio cotidiano. O
lobo de Os três porquinhos não produz mais um medo real; refere-se a um
imaginário muito distante. Seria preciso – e é neste sentido que os livros de
Joanne K. Rowling suprem uma carência – um conto de fadas que pudesse
falar. (2004, p. 31)
Segue-se ainda:
Talvez fosse porque vivia num armário escuro, mas Harry sempre fora
pequeno e muito magro para a idade. Parecia ainda menor e mais magro do
que realmente era porque só lhe davam para vestir as roupas velhas de
Duda e Duda era quatro vezes maior do que ele. Harry tinha um rosto
magro, joelhos ossudos, cabelos negros e olhos muito verdes. Usava óculos
redondos, remendados com fita adesiva, por causa das muitas vezes
que Duda socara no nariz. A única coisa que Harry gostava em
sua aparência era uma cicatriz fininha na testa que tinha a forma de um raio.
Existia desde que se entendia por gente e a primeira pergunta que se
lembrava de ter feito à tia Petúnia era como a arranjara. (ROWLING, 2000,
p. 22)
Em meio a um cenário com uma estrutura digna dos contos de fadas, Harry é
uma personagem que, como observa Smadja (op. cit., p. 18), “despe seu figurino de
conto de fadas para insinuar-se na pele de uma pessoa”. Rowling criou mais do que
um herói para sua obra, ela criou um menino que vive e cresce na imaginação dos
seus leitores.
Segundo Beth Brait,
A citação acima refere-se à outra personagem que fez muito sucesso na sua
época, e continua sendo tema de muitas discussões nos dias atuais, Sherlock
Holmes (de Conan Doyle). Brait (op. cit.) afirma que muitos dos fãs de Sherlock
sentem-se decepcionados ao visitarem Baker Street 221 B, onde ficavam os
aposentos de Sherlock, e não encontrarem sequer o número do apartamento. O
mesmo acontece com Harry Potter, os leitores chegam a se convencer que o herói
realmente existe e vive no armário sob a escada na Rua dos Alfeneiros, em algum
lugar da Inglaterra. Isso se deve à essa habilidade dos autores de dar vida às suas
personagens.
Brait transcreve em um trecho de Ducrot e Todorov:
Seria natural que uma criança, ao ler um livro de ficção, pudesse acreditar
que certa personagem existe. Mas, quando é o adulto que chega a duvidar da
existência da personagem podemos considerar que o autor da obra possui talento
com as palavras e a linguagem dessa mesma obra está, de certo modo, relacionada
com esse fenômeno.
Brait nos dá uma explicação pertinente:
Como um bruxo que vai dosando poções que se misturam num mágico
caldeirão, o escritor recorre aos artifícios oferecidos por um código a fim de
engendrar suas criaturas. Quer elas sejam tiradas da sua vivência real ou
imaginária, dos sonhos, dos pesadelos ou das mesquinharias do cotidiano,
a materialidade desses seres só pode ser atingida através de um jogo de
linguagem que torne tangível a sua presença e sensíveis os seus
movimentos. Se o texto é o produto final dessa espécie de bruxaria, ele é o
único dado concreto capaz de fornecer os elementos utilizados pelo escritor
para dar consciência à sua criação e estimular as reações do leitor. (BRAIT,
1985, p. 53)
Deste modo, a linguagem utilizada por Rowling em sua obra é capaz de dar
vida às personagens e, principalmente, ao seu herói. A rica caracterização de Harry
o torna uma personagem com traços únicos. Faremos, posteriormente, uma análise
da obra “Harry Potter e a Pedra Filosofal” que poderá ser mais esclarecedora quanto
à problemática da linguagem utilizada pela autora.
ser adaptada, com um conjunto de técnicas e criatividade, à língua escrita. Ela pode
dar ao texto escrito um caráter subjetivo e informal, que são características da fala.
Em seu livro intitulado “Usos da Linguagem”, Francis Vanoye (2003) refere-se
a esse mecanismo de linguagem, o falado no escrito, que mostrou-se
frequentemente utilizado na obra de Rowling.
Como menciona Vanoye (op. cit., p. 41) em um sub-capítulo reservado a esse
assunto: “Para revigorar a língua escrita, seria preciso injetar-lhes os elementos
vivos da língua falada: o vocabulário da linguagem popular, uma sintaxe mais
expressiva em lugar de uma sintaxe determinada rigidamente”. Assim, os padrões
da gramática normativa seriam substituídos por uma linguagem que evidenciasse o
que é pronunciado na língua falada, com uma ortografia mais simplificada.
Vejamos um trecho de Harry Potter e a Pedra Filosofal:
Por outro lado, ele se metera numa grande encrenca quando o encontraram
no telhado da cozinha da escola. A turma de Duda o estava perseguindo,
como sempre, e tanto para surpresa de Harry quanto dos outros, ele
apareceu sentado na chaminé. Os Dursley receberam uma carta muito
zangada da diretora de Harry. (ROWLING, 2000, p. 26)
De acordo com Green (1996, p. 11): “A escolha lexical está sempre sujeita ao
limite pragmático pelo qual temos que considerar como nossa pretendida audiência
estará apta a identificar corretamente nosso referente pretendido pelo uso da
expressão que escolhermos".
Compreende-se escolha lexical como a forma de expressar a configuração do
estilo e, conseqüentemente, como responsável pela constituição da imagem do
enunciador - o ethos. Tal escolha, vista como o proceder de um enunciador, não
realiza as suas escolhas diretamente em um sistema lingüístico abstrato e puro, mas
em um interdiscurso delimitado pela esfera e pelos gêneros discursivos em que o
elemento lexical exerce a função de conector.
A escolha do nome das personagens é um dos elementos mais importantes
em toda obra literária. J.K. Rowling escolheu alguns nomes para as personagens de
“Harry Potter e a Pedra Filosofal” baseando-se nas características e, também, no
papel que elas representam.
Smadja (2004) fornece-nos um exemplo, referente ao terceiro livro da série,
no qual é citada a personagem Sirius Black, que é um animago (pode transformar-se
em um animal, no seu caso um cão). Sirius é o nome da estrela alfa da constelação
de Cão Maior e black significa preto, na língua inglesa. Deste modo, quando Sirius
toma sua forma animal, ele transforma-se no seu próprio nome.
A tradutora da versão de “Harry Potter e a Pedra Filosofal” do Brasil, Lia
Wyler, representou um papel importante na escolha lexical dos termos na versão
brasileira do livro. Ela adaptou muitos dos nomes da obra original em inglês para
nomes mais próximos da realidade brasileira. Um exemplo disso é o termo: “muggle”
(original em inglês) que foi adaptado para “trouxa”. Como afirma Smadja:
44
[...] a leitura de Harry Potter parece querer reintegrar seu leitor, via contato
com o mágico e com a recordação do lendário, em um mundo distante das
“normalidades” da vida. Por isso o resgata, juntamente com o protagonista,
da Rua dos Alfeneiros, em um bairro com “grandes casas quadradas com
gramados perfeitamente cuidados” em cujas casas, nas cozinhas,
“cirurgicamente limpas”, há “uma geladeira de último tempo e uma tela
enorme de televisão”. [...] Para que o jovem não se conforme em ser um
trouxa, como é chamado quem não tem “um pingo de sangue mágico nas
veias”, Rowling o enfeitiça com as mitologias do mundo tentando oferecer
lendas, onde há consumo, tentando reinventar antigos mitos, onde há
apenas aparências, tentando ilustrar as conquistas de seu herói com o afeto
verdadeiro, onde vigoram as hipocrisias e os sentimentos mal resolvidos. De
alguma forma, Harry Potter nos ensina que os trouxas são os cegos que
não lêem e a literatura é a mágica que não carregam no sangue.
7.1. A morte
Logo no início do livro “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, lemos sobre como o
menino bruxo foi deixado na porta de uma casa. Descobrimos que essa casa
pertence a seus tios e o motivo pelo qual ele é entregue a seus parentes é porque
seus pais foram assassinados. A princípio, seus tios contam a Harry que eles
morreram num acidente de carro, mas depois tudo vem à tona:
virar. Pior. Pior do que o pior. O nome dele era... [...]Voldemort. — Hagrid
estremeceu. — Não me faça repetir. Em todo o caso, esse... Esse bruxo faz
uns vinte anos agora, começou a procurar seguidores. [...]Suponho que o
mistério era por que Você-Sabe-Quem nunca tentou convencer os dois a se
aliar a ele antes... [...]Talvez quisesse tirar os dois do caminho. Só o que
sabemos é que ele apareceu na vila em que vocês estavam morando, num
dia das bruxas, faz dez anos. Na época você só tinha um ano de idade. Ele
foi à sua casa e... E... Você-Sabe-Quem matou os dois. E então, e esse é
o verdadeiro mistério da coisa, ele tentou matar você. Queria fazer o serviço
completo, acho, ou então tinha começado a gostar de matar. Mas não
conseguiu. Você nunca se perguntou como arranjou essa marca na testa?
Isso não foi um corte normal. Isso é o que se ganha quando um feitiço
poderoso e maligno atinge a gente, destruiu os seus pais e até a sua casa,
mas não fez efeito em você, e é por isso que você é famoso, Harry.
Ninguém nunca sobreviveu depois que ele decidia matá-lo, ninguém a não
ser você, e ele já havia matado alguns dos melhores bruxos da época, os
McKinnon, os Bone, os Priuet, e você era apenas um bebê, e sobreviveu.
(ROWLING, 2000, pp. 51-53)
7.2. O amor
Com a morte, a autora introduz outro dos temas principais: o amor. No trecho
do livro em que o garoto conversa com o assassino de seus pais, este lhe declara:
“Matei seu pai primeiro e ele me enfrentou com coragem... Mas sua mãe não
precisava ter morrido... Estava tentando protegê-lo. Agora me dê a pedra, a não ser
que queira que a morte dela tenha sido em vão.” (op. cit., p. 251)
Neste trecho, o professor de Hogwarts, Quirrel, tenta roubar de Harry a pedra
filosofal que preparava o elixir da vida, este prolongava a vida de quem o bebesse.
Porém, Quirrel não consegue pegar a pedra do garoto. O professor sente dores ao
tocar o menino bruxo e morre. O fato de Harry ter sobrevivido ao ataque de
Voldemort é explicado por Dumbledore:
— Sua mãe morreu para salvar você. Se existe uma coisa que Voldemort
não consegue compreender é o amor. Ele não entende que um amor forte
como o de sua mãe por você deixa uma marca própria. Não é uma cicatriz,
não é um sinal visível.. Ter sido amado tão profundamente, mesmo que a
pessoa que nos amou já tenha morrido, nos confere uma proteção eterna.
Está entranhada em nossa pele. Por isso Quirrell, cheio de ódio, avareza e
ambição, compartindo a alma com Voldemort, não podia tocá-lo. Era
uma agonia tocar uma pessoa marcada por algo tão bom. (op. cit., p. 255)
7.3. A discriminação
Neste trecho, Draco está se referindo à família de Rony Weasley, melhor amigo
de Harry Potter e que pertence a uma família pobre. É evidente o preconceito
referente à classe social a que pertence o jovem Weasley.
49
Smadja salienta que o fato de a família Weasley ser pobre, não a desmerece,
como geralmente se vê na sociedade em que vivemos, mas a bondade dos
membros desta família é que os eleva na estima dos leitores.
O outro tipo de discriminação abordado por Rowling, a racial, também é
evidente nesta fala de Draco Malfoy:
- Eu realmente acho que não deviam deixar outro tipo de gente entrar, e
você? Não são iguais a nós, nunca foram educados para conhecer o nosso
modo de viver. Alguns nunca sequer ouviram falar de Hogwarts até
receberem a carta, imagine. Acho que deviam manter a coisa entre as
famílias de bruxos. Por falar nisso, como é o seu sobrenome? (ROWLING,
2000, p. 135)
Para Rettenmaier:
50
O mundo mágico de Harry Potter serviu apenas como um pano de fundo para
introduzir temas muito discutidos na sociedade contemporânea. Para Smadja, por
trás de toda a magia de Harry Potter está a magia de “proporcionar, por meio da
literatura, um ensinamento moral e uma pedagogia.”
51
E ainda:
Nos trecho da obra citados acima, pode-se perceber uma fusão entre a voz
do narrador e a do personagem. Quando acontece esse tipo de discurso, é possível
classificá-lo segundo a tipologia narrativa proposta por Friedman, como um
enunciado de um narrador onisciente intruso:
[...] um eu que tudo segue, tudo sabe e tudo comenta, analisa e critica sem
nenhuma neutralidade – De que lugar?- provavelmente de cima, dominando
tudo e todos, até mesmo puxando com pleno domínio as nossas reações de
leitores e driblando-nos o tempo todo. [...]o narrador onisciente intruso saiu
de moda a partir da metade deste século, com o predomínio da
“neutralidade” naturalista ou com a invenção do indireto livre por Flaubert
que preferia narrar como se não houvesse um narrador conduzindo as
ações e as personagens, como se a história se narrasse a si mesma.
(LEITE, 2004, p. 29)
Para Gancho (1998, p. 39), o discurso indireto livre é “um registro da fala ou
de pensamento de personagem, que consiste num meio-termo entre o discurso
53
8.2 A ironia
Receber uma moeda comum como presente de natal não é nada agradável. A
ironia está na reação de Harry em: “Que simpático!”, pois ele sabe que a intenção de
seus tios era lhe dar o que fosse mais insignificante. Sua fala demonstra
ambigüidade por ter uma interpretação tanto sentimental – seus tios se lembraram
dele e lhe enviaram alguma coisa – ou uma revolta reprimida.
55
“Era alto, magro e muito velho a julgar pelo prateado dos seus cabelos e de
sua barba, suficientemente longos para prender no cinto. Usava vestes
longas, uma capa púrpura que arrastava pelo chão e botas com saltos altos
e fivelas. Seus olhos azuis eram claros, luminosos e cintilantes por trás dos
óculos em meia-lua e o nariz, muito comprido e torto, como se o tivesse
quebrado pelo menos duas vezes”. (ROWLING, 2000, p. 13)
“De acordo com a história, Flamel morreu em 1410, poucos anos depois de
Pernelle. No entanto, alguns de seus seguidores acreditam que, além de
conseguir produzir ouro, Flamel produziu o Elixir da Vida, que proporcionava
a imortalidade. Muitos dizem que, graças a esse elixir, Flamel e sua esposa
continuam vivos até hoje”. (2001, pp. 111-112)
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de janeiro: Paz e Terra,
1980.
CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. 12º Ed. São Paulo: Editora Ática, 1998.
FIORIN, José Luiz. (Org.). Introdução à Linguística I. Objetos Teóricos. 3. Ed. São
Paulo: Contexto, 2004.
GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. 5 Ed. São Paulo: Ática, 1998.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. A Inter-ação pela linguagem. 9. Ed. São Paulo:
Contexto, 2004.
LEITE, Ligia Chiappini Moraes. O foco narrativo. 10 Ed. São Paulo: Ática, 2004.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso. 6. Ed. São Paulo: Pontes, 2005.
PROENÇA FILHO, Domício. A Linguagem Literária. 8 Ed. São Paulo: Ática, 2007.
65
RETTENMAIER, Miguel. Vários milhões de jovens leitores podem estar errados? In:
V SEMINÁRIO DE LITERATURA INFANTIL E JUVENIL. Disponível em:
http://www.alb.com.br/anais15/Sem09/miguelretetnmaier.htm. Acesso em: 28 de
agosto de 2010.
TAHARA, Misuho. Contato imediato com a mídia. 7º Ed. São Paulo: Global, 1998.
VANOYE, Francis. Usos da Linguagem. 11 Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.