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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

DOUTORADO EM LETRAS VERNÁCULAS

A CONSTRUÇÃO DO ETHOS DA PRESIDENTE


DILMA ROUSSEFF EM CHARGES JORNALÍSTICAS

VERÔNICA PALMIRA SALME DE ARAGÃO

RIO DE JANEIRO
Inverno de 2013
A CONSTRUÇÃO DO ETHOS DA PRESIDENTE
DILMA ROUSSEFF EM CHARGES JORNALÍSTICAS

Por
VERÔNICA PALMIRA SALME DE ARAGÃO
Departamento de Letras Vernáculas

Tese de doutorado, em Língua Portuguesa, como


requisito parcial à obtenção do título de doutor em
letras, apresentada à Coordenação dos Cursos de
Pós-graduação em Letras Vernáculas, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Orientadora: Professora Doutora Maria Aparecida Lino Pauliukonis

Faculdade de Letras, UFRJ


Rio de janeiro
2013
TESE DE DOUTORADO

ARAGÃO, Verônica Palmira Salme de Aragão. A construção do ethos de Dilma


Rousseff em charges jornalísticas. Orientadora Professora Doutora Maria Aparecida
Lino Pauliukonis. Rio de Janeiro: UFRJ̸Faculdade de Letras, 2013.201fls. Tese.
[Doutorado em Vernáculas]

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________
PROFª. DRª. MARIA APARECIDA LINO PAULIUKONIS – UFRJ (ORIENTADORA)

_________________________________________________
PROF° DR° ANDRÉ CRIM VALENTE - UERJ

_________________________________________________
PROF° DR° FERNANDO VIEIRA PEIXOTO FILHO - UFRRJ

________________________________________________
PROFª. DRª. MICHELLE GOMES ALONSO DOMINGUEZ - UERJ

________________________________________________
PROFª DRª ROSANE SANTOS MAURO MONNERAT – UFF

_____________________________________________________
PROF° DR° HELÊNIO FONSECA DE OLIVEIRA – UFRJ (SUPLENTE)

_____________________________________________________
PROFª DRª LUCIA HELENA GOUVÊA – UFRJ (SUPLENTE)

Aprovado:
Em: ___̸___̸2013
Dedico

à Minha família, pela torcida e alegria da conquista. Em especial, meus

dois professores de português preferidos, Ruth e Celso Aragão, que são

exemplos para mim de profissionais e pessoa.

ao Marcelo Matheus de Medeiros, pelo que sou, pela companhia em todas

as lutas, por ser o meu maior incentivador e pelo presente mais precioso:

nossa Laura.

à Laura Aragão de Medeiros e Sofia Farage de Medeiros, por

compreenderem as ausências, compensadas nos momentos de presença.

ao Meus pais: minha mãe e minha irmã, presentes no momento crucial,

torcendo e apoiando-me; e meu pai (in memorium) mais presente nesta

pesquisa do que eu poderia imaginar (como fã que era de Dilma Rousseff).


Agradeço

à professora doutora Maria Aparecida Lino Pauliukonis, por acreditar em

mim, e ser o maior exemplo de paciência e confiança, o que a torna uma

pessoa muito especial.

à Banca, pelo carinho e prontidão com que aceitaram o convite e pela

afinidade nos estudos da Teoria Semiolinguística.

à UFRJ, a UERN e ao Cnpq por apoiarem e financiarem o presente estudo,

com o fim de cooperar para a produção do conhecimento desse país.

à professora doutora Nelly Carvalho, da UFPE, sempre solicita e uma

entusiasta da Teoria Semiolinguística.

Ao Walison Paulino de Araújo Costa, pelo abstract, e Jorge de La

Barre, pelo resumé, que carinhosamente contribuíram para a

construção desta tese.

Aos amigos que me apoiaram das mais diversas maneiras: Helaine

Alves, Gilda Moreira, Glaucia e Marcéli Aragão, Janaina Wu, Luisa

Rodrigues, Marcelo Aragão, Miriam Assis, Nubia Pimentel, Sol,

Flavia e Simone, e em especial, Maria Eliza Freitas do Nascimento e

Cleber Ataíde (e sua família), pessoas fundamentais para a

concretização deste estudo.


A imagem tem a opacidade do infinito; a ideia, a
clareza da quantidade finita e analisável. Ambas
são expressivas.
Jean-Paul Sartre. In: A imaginação.
RESUMO

A multiplicidade de informações veiculadas em diferentes meios exige, cada vez


mais, do leitor conhecimentos específicos dos variados gêneros. O jornal impresso
congrega muito desses gêneros e registra os principais discursos difundidos na
sociedade. Objetiva-se, nesta tese, a apreensão dos distintos discursos, focados na
presidente Dilma Rousseff, com base no gênero charge de três jornais importantes: “O
Globo” e “Extra”, do Rio de Janeiro, e “Folha de S. Paulo”. Esse gênero é rico, porque
congrega humor, crítica e reflexão, mostrando-se pertinente para o desenvolvimento de
competências interpretativas e críticas. Sua ligação com os fatos cotidianos requer o
conhecimento das informações transmitidas pela mídia de informação, reivindicando o
conceito de interdiscurso, proposto por Bakthin, nos estudos de texto. O autor contribui
para o exame do humor chargístico com a sua noção de cosmovisão do riso
carnavalesco e sua função regeneradora.
A tese fundamenta, ainda, a sua perspectiva teórica na Análise Semiolinguística
do Discurso, de Patrick Charaudeau, com base no conceito de contrato comunicativo,
que se pauta nos sujeitos de um ato comunicativo, e de ethos, como estratégia do
discurso político. A construção da imagem da primeira mulher na presidência do Brasil
revela abordagens que ameaçam, mas também valorizam o seu ethos, com discursos
baseados na razão e na emoção, algumas vezes, por meio da apropriação dos
estereótipos femininos disseminados.
A partir dos resultados obtidos, destaca-se a necessidade da abordagem do
gênero charge, em diálogo com textos com a mesma temática, em função de sua
natureza fundada em elementos implícitos. De uma maneira geral, verifica-se a
predominância da construção do ethos de credibilidade, nas charges do Jornal “Folha
de S. Paulo”, e de identificação nas charges de Caruso, em “O Globo”, apontando
para discursos distintos. Enquanto o primeiro se baseia na razão (contrato de
informação), o segundo se utiliza da emoção (contrato de captação).
Palavras-chave: Charges – Ethos – Análise Semiolinguística do Discurso –
Intertextualidade - humor
RESUMÉ

De plus en plus, la pléthore d’informations véhiculées dans divers médias exige du


lecteur une connaissance spécifique des divers genres. Le journal imprimé rassemble
nombre de ces genres et enregistre les principaux discourse répandus dans la société.
L’objectif de cette thèse est de saisir la variété des discours axés sur la Présidente
Dilma Rousseff, avec pour base le genre « charge », dans trois journaux importants :
« O Globo » et « Extra », de Rio de Janeiro, et « Folha de São Paulo ». Les charge est
riche, parce qu’elle apporte l’humour, la critique et la réflexion, et semble favoriser le
développement de compétences interprétatives et critiques. Sa relation avec les faits
quotidiens nécessite la connaissance de l’information transmise par les médias,
revendiquant le concept d’inter-discourse, proposé par Bakthine dans l’étude textuelle.
L’auteur contribue à l’examen de l’humour dans les charge, avec sa notion de
cosmovision du rire carnavalesque et sa fonction régénératrice.
De plus, cette thèse est fondée, dans sa perspective théorique, sur l’analyse
sémio-linguistique du discours, de Patrick Charaudeau, avec pour base le concept de
contrat de communication entre sujets d’un acte de communication, et de l’éthos comme
stratégie de discourse politique. La construction de l’image de la première femme
présidente du Brésil révèle des approches qui menacent, mais aussi valorisent son
éthos, avec des discourse basés sur la raison et l’émotion, parfois à travers
l’appropriation des stéréotypes féminins en cours.
D’après les résultats obtenus, il apparaît nécessaire d’aborder les charge en
dialogue avec d’autres genres sur le même thème, en fonction de leur nature fondée sur
des éléments implicites. D’une manière générale, on vérifie la prédominance de la
construction de l’éthos de crédibilité dans les caricatures du journal « Folha de São
Paulo », et de l’identification dans les caricatures de Caruso dans « O Globo », pointant
sur des discourse distincts. Alors que le premier se base sur la raison (contrat
d’information), le second a recours à l’émotion (contrat affectif).

Mot clé: Charge – Ethos – L’analyse sémio-linguistique du discourse – Inter-discourse –


humour.
ABSTRACT

The multiplicity of information transmitted in different means requires more and


more from the reader some specific knowledge concerning the large number of genres.
The printed newspaper congregates many of those genres and registers the main
discourses propagated in society. This thesis aims to understand the distinct discourses,
focused on the president Dilma Rousseff, based on the genre political cartoon from
three important newspapers: “O Globo” and “Extra”, from Rio de Janeiro, and “Folha de
S. Paulo”. This genre is rich because it congregates humor, criticism and reflection, and
seems pertinent for the development of interpretative and critical competences. Its
connection with daily facts requires the knowledge of information transmitted by the
media, demanding the concept of interdiscourse, proposed by Bakhtin, within the text
studies. The author contributes to the analysis of humor with the notion of cosmovision
of carnivalesque laughter and its regenerating function.
The thesis grounds its theoretical perspective on the Semiolinguistic Analysis of
Discourse, by Patrick Charaudeau, based on the concepts of communicative contract,
through which one conceives the subjects of a communicative act, and on the concept
of ethos, as a strategy for the political discourse. The constructed image of the first
woman in the presidency of Brazil reveals approaches that threaten, but also value its
ethos, with discourses based on reason and on emotion, some times through the
appropriation of feminine disseminated stereotypes.
Considering the results obtained, one highlights the need to approach the genre
political cartoon, in dialogue with texts with the same themes, owing to its nature
grounded on implicit elements. Generally speaking, one verifies that the construction of
the ethos of credibility and of identification prevails, the first in the cartoons of “Folha
de S. Paulo”, and the second in Caruso’s cartoons, in “O Globo”, pointing at distinct
discourses. While the first is based on reason (contract of information), the second is
based on emotion (contract of captation).
Key-words: Cartoon – Ethos – Semiolinguistic of Discurse – Interdiscurse – humor
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Cabeças grotescas de Leonardo da Vinci. In: Hodgart, M. La Sátira. Madrid:


Edições Guadarrama S.A., 1969. p. 29 .........................................................................43
Figura 2: charge, Folha de São Paulo, 2 de outubro de 2012 .......................................72
Figura 3: charge Dilma mãe do PAC. In: http://veja.abril.com.br/blog/augusto-
nunes/direto-ao-ponto/a-mae-do-pac-que-trata-empreiteiros-como-filhos-ameaca-hillary-
no-ranking-da-forbes/. Acesso em 13̸05̸2012 .............................................................92
Figura 4: charge: Dilma costureira. In: http://www.tribunadaimprensa.com.br/?p=31502.
Acesso em 13̸02̸2012. ................................................................................................. 92
Figura 5: charge, Jornal O Globo, capa. 05 de junho de 2012 ....................................101
Figura 6: O Globo, capa, terça-feira, 05 de junho de 2012...........................................103
Figura 7: O Globo, Brasileiros são bem-vindos na Espanha, diz rei, 5 jun 2012 p.10..84
Figura 8: charge, da Folha de São Paulo, 5 jun. 2012, pA2.........................................106
Figura 9: Folha de São Paulo, Espanha facilitará acesso de brasileiros, diz rei,
cotidiano, 5 de jun. 2012, C6. .......................................................................................108
Figura 10: charge, Extra, 5 de jun. 2012. .....................................................................109
Figura 11: charge, O Globo, 12 jun. 2012. ...................................................................111
Figura 12: charge e manchete, O Globo, 12 jun. 2012. ...............................................112
Figura 13: charge, Extra, 12 jun. 2012. ........................................................................113
Figura 14: Extra, A lição que ainda não chegou. 12 jun. 2012. ....................................114
Figura 15: charge, Folha de São Paulo, 12 jun. 2012. .................................................115
Figura 16: charge, Folha de São Paulo, 22 jun. 2012. .................................................117
Figura 17: Folha de São Paulo, capa, 22 jun. 2012. ....................................................118
Figura 18: Folha de São Paulo, ONGs vão à ONU contra resultado da cúpula, 22 jun.
2012, p. C5. ..................................................................................................................119
Figura 19: Folha de São Paulo, Dilma mostra irritação ao ser criticada na Cúpula de
Mulheres. 22 jun. 2012, p. C6. .....................................................................................120
Figura 20: Folha de São Paulo, Pressionado, secretário da ONU recua e elogia texto,
22 jun 2012, p.C6. ........................................................................................................121
Figura 21: charge, O Globo, 22 jun 2012. ....................................................................122
Figura 22: Manchete, O Globo, 22 jun 2012. ...............................................................123
Figura 23: charge, Extra, 22 jun 2012. .........................................................................124
Figura 24: Extra, Capa, 22 jun. 2012. ...........................................................................124
Figura 25: charge, Folha de São Paulo, 29 jun. 2012...................................................126
Figura 26: Folha de São Paulo, Um depois de pacote, BC reduz projeção de aumento
do PIB a 2,5%, 29 jun 2012. p. A16. ............................................................................128
Figura 27: charge, O Globo, 29 jun. 2012. ...................................................................129
Figura 28: charge, Extra, 29 jun 2012. .........................................................................129
Figura 29: charge, Folha de São Paulo, 05 jun 2012. ..................................................134
Figura 30: Folha de São Paulo, Governo já fala em PIB de 2% e adia recuperação para
2013. 5 jul 2012. ...........................................................................................................135
Figura 31: charge, O Globo, 5 jun 2012. ......................................................................136
Figura 32: charge, Extra, 5 jun 2012. ...........................................................................137
Figura 33: charge, Folha de São Paulo, 9 jul 2012. .....................................................139
Figura 34: charge, O Globo, 9 jul 2012. .......................................................................140
Figura 35: charge, Extra, 9 jul 2012. ............................................................................141
Figura 36: charge, Folha de São Paulo, 14 jul 2012. ...................................................142
Figura 37: Folha de São Paulo, Brasil não usará modelo europeu, diz Dilma, 14 jul.
2012. ............................................................................................................................143
Figura 38: charge, Extra, 14 jul 2012. ..........................................................................144
Figura 39: charge, Folha de São Paulo, 17 ago 2012. ................................................148
Figura 40: charge, O Globo, 17 ago 2012. ..................................................................149
Figura 41: charge, Extra, 17 ago 2012. .......................................................................150
Figura 42: charge, O Globo, 25 ago 2012. ..................................................................152
Figura 43: charge, Folha de São Paulo, 25 ago 2012. ................................................153
Figura 44: José Simão, Folha de São Paulo, 25 ago 2012. ........................................154
Figura 45: charge, Extra, 25 ago 2012. .......................................................................155
Figura 46: charge, O Globo, 7 set 2012. .....................................................................158
Figura 47: O Globo, Em bilhete, Dilma questiona ministras sobre acordo no congresso,
7 set 2012. ...................................................................................................................160
Figura 48: charge, Folha de São Paulo, 7 set 2012. ...................................................161
Figura 49: charge, O Globo, 8 set 2012. ......................................................................163
Figura 50: O Globo, Dilma x FH: para tucanos, PT não sabe lidar com contraditório, 06
jun 2012. .......................................................................................................................164
Figura 51: charge, Folha de São Paulo, 8 set 2012. ....................................................165
Figura 52: charge, Extra, 8 set 2012. ...........................................................................165
Figura 53: charge, O Globo, 13 set 2012. ....................................................................167
Figura 54: O Globo, Marta: ‘Lula é um deus; Dilma é bem avaliada, e eu tenho apelo’.
13 set 2012. ..................................................................................................................168
Figura 55: charge, Folha de São Paulo, 13 set 2012. ..................................................169
Figura 56: charge, Extra, 13 set 2012. .........................................................................170
Figura 57: charge, O Globo, 19 set 2012. ....................................................................172
Figura 58: O Globo, Das federais, só UFF e Rural não definiram ainda o calendário, 19
set 2012. .......................................................................................................................173
Figura 59: charge, Folha de São Paulo, 19 set 2012. ..................................................174
Figura 60: Folha de São Paulo, 19 set 2012. ...............................................................174
Figura 61: Folha de São Paulo, 19 set 2012. ...............................................................175
Figura 62: charge, Extra, 19 set 2012. ………………………………………………........175
Figura 63: charge, O Globo, 26 set 2012. ....................................................................177
Figura 64: O Globo, Dilma cobra pacto anticrise, 26 set 2012. ....................................178
Figura 65: O Globo, Para analistas, Dilma foi defensiva e repetitiva. 26 set 2012. .....179
Figura 66: charge, Folha de São Paulo, 26 set 2012. ..................................................180
Figura 67: Folha de São Paulo, capa, 26 set 2012. .....................................................181
Figura 68: Folha de São Paulo, Dilma critica os EUA e nega acusação de
protecionismo, 26 set 2012, p.A14. ..............................................................................182
Figura 69: Folha de São Paulo, Contra ricos, presidente junta islã e economia, 26 set
2012. ............................................................................................................................183
Figura 70: charge, Extra, 27 set. 2012. ........................................................................184
Figura 71: charge, O Globo, 27 set 2012. ....................................................................186
Figura 72: charge, Folha de São Paulo, 27 set 2012. ..................................................187
Figura 73: charge, Jornal Extra, 27 set 2012. ..............................................................187
LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Esquema da situação de comunicação.........................................................74


Quadro 2: categorias de análise dos ethé......................................................................93
Quadro 3: Quadro de análise 1 do mês 6.....................................................................103
Quadro 4: Quadro análise 2 do mês 6..........................................................................107
Quadro 5: Quadro análise 3 do mês 6..........................................................................110
Quadro 6: Quadro de análise 4 do mês 6.....................................................................112
Quadro 7: Quadro de análise 5 do mês 6.....................................................................116
Quadro 8: Quadro de análise 6 do mês 6.....................................................................118
Quadro 9: Quadro de analise 7 do mês 6.....................................................................125
Quadro 10: Quadro análise 8 do mês 6........................................................................127
Quadro 11: Quadro análise 9 do mês 6........................................................................130
Quadro 12: Quadro análise 1 do mês 7........................................................................135
Quadro 13: Quadro análise 2 do mês 7........................................................................138
Quadro 14: Quadro análise 3 do mês 7........................................................................139
Quadro 15: Quadro analise 4 do mês 7........................................................................141
Quadro 16: Quadro análise 5 do mês 7........................................................................143
Quadro 17: Quadro análise 6 do mês 7........................................................................145
Quadro 20: Quadro análise 1 do mês 8........................................................................149
Quadro 21: Quadro análise 2 do mês 8........................................................................150
Quadro 22: Quadro análise 3 do mês 8........................................................................153
Quadro 23: Quadro análise 4 do mês 8........................................................................155
Quadro 24: Quadro análise 1 do mês 9........................................................................159
Quadro 25: Quadro análise 2 do mês 9........................................................................162
Quadro 26: Quadro análise 3 do mês 9........................................................................163
Quadro 27: Quadro análise 4 do mês 9........................................................................166
Quadro 28: Quadro análise 5 do mês 9........................................................................168
Quadro 29: Quadro análise 6 do mês 9........................................................................171
Quadro 30: Quadro análise 7 do mês 9........................................................................172
Quadro 31: Quadro análise 8 do mês 9........................................................................176
Quadro 32: Quadro análise 9 do mês 9........................................................................177
Quadro 33: Quadro análise 10 do mês 9......................................................................184
Quadro 34: Quadro analise 11 do mês 9......................................................................186
Quadro 35: Quadro análise 12 do mês 9......................................................................188
LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Tabela comparativa AD Francesa x AD Anglo-saxã. .....................................64


Tabela 2: Classificação do discurso segundo Aristóteles...............................................77
Tabela 3: Análise comparativa das charges de Junho..................................................131
Tabela 4: Análise comparativa dos textos de Junho.....................................................132
Tabela 5: Análise comparativa das charges de Julho...................................................146
Tabela 6: Análise comparativa dos textos de Julho......................................................146
Tabela 7: Análise comparativa das charges de Agosto................................................156
Tabela 8: Análise comparativa dos textos de Agosto....................................................157
Tabela 9: Análise comparativa das charges de Setembro............................................189
Tabela 10: Análise comparativa dos textos de Setembro.............................................189
SINOPSE

Apreensão do ethos da presidente Dilma


Rousseff, em charges jornalísticas,
confrontando-se os pontos de vista do
gênero com textos opinativos em diálogo
com a temática proposta pelo chargista.
Categorização dos ethé da presidente,
apoiada na Teoria Semiolinguística do
Discurso, de Patrick Charaudeau.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 19

CAPÍTULO I - O riso: das origens aos dias atuais 24


1.1 Breves considerações sobre o riso e o Humor 35
1.2. Diferentes concepções de Ironia 38
1.3. A noção de Sátira 41
1.4. Surgimento e ascensão da Caricatura 43
1.5. Reflexões sobre o gênero Charge 47

CAPÍTULO II - Dos estudos do discurso: a Teoria Semiolinguística 53


2.1. Primeiros estudos do discurso 54
2.2. A Análise do discurso e diferentes correntes teóricas 63
2.3. A Teoria Semiolinguística do discurso 65
2.3.1. Os sujeitos, o “contrato” e estratégias do discurso 66
2.3.2. Tipos, gêneros e modos de organização do discurso 72

CAPÍTULO III: O debate sobre ethos na Análise do Discurso 76


3.1. A definição de ethos e suas origens na Retórica Clássica 77
3.2. O conceito de ethos segundo Maingueneau 78
3.3. O ethos na perspectiva de Amossy 83
3.4. A noção de ethos e a proposta de Charaudeau 84

CAPÍTULO IV: A construção do ethos nas charges 94


4.1.Caracterização e constituição do corpus 96
4.2 Procedimentos de análise do corpus 99
4.3. Análise dos Corpora 99
4.3.1 Junho de 2012 100
4.3.1.1 Dia 05 de Junho 100
4.3.1.2 Dia 12 de Junho 110
4.3.1.3 Dia 22 de Junho 116
4.3.1.4 Dia 29 de Junho 126
4.3.2 Considerações Parciais 130
4.3.3 Julho de 2012 133
4.3.3.1 Dia 05 de Julho 133
4.3.3.2 Dia 09 de Julho 138
4.3.3.3 Dia 14 de Julho 141
4.3.4 Considerações Parciais 145
4.3.5 Agosto de 2012 147
4.3.5.1 Dia 17 de Agosto 148
4.3.5.2 Dia 25 de Agosto 151
4.3.6 Considerações Parciais 156
4.3.7 Setembro de 2012 157
4.3.7.1 Dia 07 de Setembro 158
4.3.7.2 Dia 08 de Setembro 162
4.3.7.3 Dia 13 de Setembro 166
4.3.7.4 Dia 19 de Setembro 171
4.3.7.5 Dia 26 de Setembro 176
4.3.7.6 Dia 27 de Setembro 185
4.3.8 Considerações Parciais 188

CONCLUSÃO 191

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 194

ANEXOS
19

INTRODUÇÃO

A eleição da primeira mulher presidente do Brasil impõe, para um país com uma
tradição machista que muito tardiamente permitiu a participação feminina na vida
política brasileira, desafios, e cria expectativas quanto ao tratamento dado pela mídia à
imagem da mulher pública que ocupa o cargo mais elevado do Brasil: Dilma Rousseff. A
vitória obtida nas urnas contou com o apoio de seu antecessor na presidência Luís
Ignácio da Silva, conhecido como Lula, e com as conquistas desse governo, já que
ocupou o cargo de ministra da Casa Civil. Sua ascensão, nesse período, estava
atrelada à figura masculina de seu antecessor.
Inúmeras charges expuseram essa relação com o fim de criticar a então
candidata, como se pode observar na charge (Figura 2, p.72). Em um primeiro
momento, a legitimidade de Rousseff foi alcançada pela parceria com o político Lula,
que ainda gozava, naquele momento, da imagem de confiança e admiração, presente
no imaginário coletivo da maior parte da população. Após eleita, Dilma Rousseff intitula-
se “presidenta”, sendo o título prontamente rechaçado por alguns setores da mídia, com
base em “supostas” restrições da gramática normativa. A discussão mostrou que a
predileção por determinadas formas linguísticas deve-se mais a intenções políticas do
que a exigências da língua, e que é preciso rever tanto determinadas posturas de
cunho político como intransigências normativas.
Aos poucos, Rousseff alcança sua legitimidade plena, governando de uma
maneira própria, e desvinculando sua imagem da do ex-presidente Lula. A opção por
ministras mulheres ao seu lado evidencia uma preocupação com a valorização da
mulher no mundo político. Quando questionada sobre a importância de seu papel
enquanto primeira presidente no Brasil, ela responde que vê a diferença quando “as
mulheres simples desse Brasil (...) enxergam um símbolo de emergência e de
ascensão”. (Rousseff, 2012, p. 82).
A partir desses questionamentos, esta tese visa ao exame de um polêmico
gênero textual, a charge, com o objetivo de apreender a construção do ethos da
presidente nos principais veículos de informação impressa do Rio de Janeiro e de São
20

Paulo. O conceito de ethos corresponde à imagem que o sujeito enunciador constrói de


si, com base na interação com seu público. Charaudeau (2008, p. 115) explica que “o
ethos relaciona-se a um cruzamento de olhares: olhar do outro sobre aquele que fala,
olhar daquele que fala sobre a maneira como ele pensa que o outro vê”.
A reflexão e o humor, próprios da charge, não amenizam o seu caráter crítico,
pelo contrário, muitas vezes, tornam-se mordazes. A conjunção entre linguagem verbal
e imagem contribui para a constituição de universos ficcionais, capazes de rebaixar
personalidades do mundo da política1. Tendo em vista essas propriedades típicas das
charges, pretende-se verificar, por meio do confronto charges de diferentes jornais,
possíveis subjetividades na escolha e na abordagem das temáticas, com base na
categorização dos ethé apreendidos.
Dentre tantos textos jornalísticos que se compõem de elementos verbais, a
charge é um dos poucos gêneros que se fundamenta essencialmente na imagem. A
vivacidade das cores e dos personagens caricaturados chama a atenção dos leitores.
Entretanto, a compreensão das charges não é tão simples, pois exige conhecimento de
mundo sobre fatos políticos e sociais da atualidade. Assim, o leitor de jornal, que não é
assíduo, sente dificuldade para compreender as mensagens implícitas do texto.
Ressalte-se que o objeto do presente estudo são charges jornalísticas de
diferentes jornais: “O Globo” e “Extra” (Rio de Janeiro) e a “Folha de S. Paulo” (São
Paulo), portanto se originam das principais capitais do Brasil. A diferença sócio-
econômica distanciam “O Globo” e a “Folha” do “Extra”, enquanto o critério político
distingue “O Globo” da “Folha”, já que “O Globo” e “Extra” pertencem às organizações
“Globo”.
Quanto à identificação do chargista, será melhor descrita no capítulo quatro, na
caracterização do corpus. Em “O Globo”, as charges são feitas por Caruso e, no “Extra”,
por Leonardo. Já na “Folha de S. Paulo”, há um rodízio de chargistas entre Angeli,
Adão, Benett, Mag e Jean Galvão.
Para contextualizar as charges, serão utilizados textos opinativos que dialoguem
com a temática proposta pela charge que aborda a imagem da presidente. De acordo

1
As charges que expõem Maomé exemplificam a polêmica em torno do gênero, que causou
manifestações e até mortes, além da indignação de mulçumanos.
21

com Charaudeau (2009), o contexto textual “é constituído de textos produzidos por uma
mesma fonte”. Objetiva-se, com a comparação desses textos, depreender a
concordância entre os enunciadores das charges e de outros gêneros a respeito de um
mesmo tema. Para isso, serão categorizadas as referências diretas à presidente nesses
textos, sempre que houver.
A produção do discurso político oficial se dá no ambiente midiático. Perceber a
atuação dos diferentes gêneros que transmitem as informações cotidianas é importante
porque implica a colocação em evidência de valores compartilhados. Aguiar e Puzzo
(2012, p. 139) elucidam que “a charge busca revelar para o público leitor, através do
humor, o que está inserido nos bastidores do mundo político, refletindo a ideologia
constitutiva do órgão da imprensa, que, somada à presumida postura do leitor, permite
a ele a responsividade esperada”.
Assim como o público é heterogêneo, a mídia impressa também apresenta
pontos de vista díspares, e se apoia em estratégias para obter a adesão. De acordo
com Marchon (2011, p. 57), “quanto a essa instância receptora dos textos midiáticos,
vale lembrar que é projetada, pela instância de produção, a partir de hipóteses feitas
sobre um conjunto impreciso de valores étnico-sociais e afetivo-sociais”.
O suporte teórico que fundamenta este trabalho baseia-se em princípios da
Análise Semiolinguística do Discurso, proposta por Patrick Charaudeau. A teoria pauta-
se na análise do discurso com base nos elementos explícitos e implícitos presentes no
texto, preconizando, portanto uma linguística da língua e uma linguística do discurso.
No primeiro caso, são identificados os recursos linguísticos que contribuem para a
produção da crítica e do humor, como a escolha lexical, por exemplo. O segundo caso,
da linguística do discurso, concerne aos atos de linguagem que, de acordo com
Charaudeau (2008a, p. 37), “circulam no mundo social e que testemunham, eles
próprios, aquilo que são os universos do pensamento e de valores que se impõem em
um tempo histórico dado”. O exame focado no discurso das charges conta,
primeiramente, com o reconhecimento dos sujeitos do discurso e, consequentemente,
com a configuração do dialogismo e da polifonia, como o primeiro passo para a
construção dos sentidos dos atos de linguagem.
22

A noção basilar de ato de linguagem da Semiolinguística assenta-se também no


conceito de contrato comunicativo. Trata-se do ritual de comunicação, advindo sempre
de um sujeito enunciador, que se dirige a um sujeito destinatário, em uma situação
específica. O teórico detém-se ainda, sobre a noção de ethos, e propõe a categorização
dos ethé de credibilidade e dos ethé de identificação. Charaudeau (2006, p. 93)
afirma que:
Na tensão entre os polos de credibilidade e de captação, quanto mais as mídias
tendem para o primeiro, cujas exigências são as de austeridade racionalizante,
menos tocam o grande público; quanto mais tendem para a captação, cujas
exigências são as da imaginação dramatizante, menos credíveis serão.

Essa fundamentação teórica auxilia na apreensão, descrição e categorização do


ethos da presidente. Propicia também a investigação dos tipos de discurso e de
contrato midiático, correlacionados aos resultados obtidos na análise. Com isso,
pretende-se abalizar os sentidos veiculados pelas charges de diferentes jornais e
confrontar com outros gêneros, com o fim de compreender a imagem construída da
presidente nesses mesmos veículos midiáticos.
Mediante tal perspectiva, esta pesquisa estrutura-se em quatro capítulos. O
primeiro intitula-se “O riso: das origens aos dias atuais”, no qual se faz um breve
percurso sobre os fatos que mais marcaram a história do riso. Nele, destaca-se a
contribuição do carnaval e dos elementos da cultura popular para o riso na sociedade,
perspectiva que é analisada por Bakhtin, sob a ótica da teoria da Carnavalização. Além
disso, no capítulo, são apreciadas noções relacionadas ao humor: ironia, sátira,
caricatura e charge.
O segundo capítulo nomeia-se “Dos estudos do discurso: a Teoria
Semiolinguística”. Inicialmente, é feito um histórico sobre os estudos do discurso e da
enunciação. Posteriormente, são descritos os conceitos básicos postulados para a
presente investigação, concernentes à Semiolinguística.
O terceiro capítulo levanta a discussão sobre as diferentes definições de ethos,
com o título de “O debate sobre ethos na Análise do Discurso”. Nele, são
apresentadas propostas dos principais estudiosos do conceito, e exposto o ponto de
vista de Charaudeau, com sua categorização dos ethé, que serve de base à presente
pesquisa.
23

O quarto e último capítulo, “A construção do ethos nas charges: uma proposta


de análise”, explica a metodologia adotada na análise de itens diferenciados, visando à
descrição do objeto de estudo e dos procedimentos de análise. O terceiro item desse
capítulo corresponde ao exame propriamente dito, e divide-se em subitens, referentes
aos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro. Cada mês apresenta corpus distinto,
com os dias em que Rousseff é mencionada nas charges, em confronto com outros
gêneros midiáticos que tratam da mesma temática. Para finalizar, sucedem-se a
Conclusão, as Referências bibliográficas, Periódicos consultados e Anexos.
Espera-se que o presente estudo contribua para os estudos textuais, com vistas
à prática da análise do discurso. Sabe-se da importância do desenvolvimento do
trabalho interpretativo para o Ensino, principalmente, quando se propõe uma
perspectiva crítica que questione os valores imputados pela mídia. A reflexão a respeito
da importância da imagem nos textos deve ocorrer nos espaços de ensino-
aprendizagem, visando à formação de leitores críticos, que se posicionem na sociedade
de maneira consciente.
24

CAPÍTULO I:
O riso:
das origens aos dias atuais
25

O riso na Idade Média venceu o medo de tudo


que é mais temível que a terra. Todas as coisas
terríveis, não-terrestres, converteram-se ‘em
terra’, isto é, em Mãe nutriz que devora para de
novo procriar outra coisa, que será maior e
melhor.
Mikhail Bakhtin. A cultura popular na Idade
Média e no Renascimento

Este capítulo visa a apresentar o objeto de estudo charge e situá-lo a partir de


um breve histórico da evolução do riso na sociedade. A mudança constante que se
observa nos sistemas filosóficos do pensamento sempre interferiu diretamente na
ideologia do riso, ora valorizando-o, como foi na sociedade grega, ora tornando-o um
tabu, como na Idade Média. A partir dessa perspectiva, considera-se a importância do
conceito de cosmovisão carnavalesca do riso, proposto por Bakhtin (1929,1981 e
2010), e a partir dele, busca-se compreender a importância das manifestações do riso
na história da humanidade. São pontuados os conceitos de humor e de sátira, a
evolução da caricatura e o surgimento do gênero charge, que é o ponto central desta
investigação.
O exame de textos de charges suscita uma variedade de temas inerentes ao
gênero, como os tipos de humor, as formas de persuasão, a sátira política e tantos
outros assuntos prazerosos e instigantes a um estudo. A polêmica integra a charge ao
cotidiano dos leitores de jornais e pode ser considerada uma estratégia utilizada para
chamar a atenção, já que ela atua como uma âncora, remetendo o leitor para o assunto
importante do dia. O jornal mais tradicional do Rio de Janeiro, “O Globo”, publica-a
sempre na primeira página, enquanto o “Extra” e a “Folha de S. Paulo” a divulgam em
seu interior, logo na segunda página, o que comprova a importância dada ao gênero
textual.
Em meio a textos densos, dominantes da maioria dos cadernos de um jornal, a
charge suaviza essa seriedade sem deixar de abordar temas polêmicos e em voga na
política nacional. Por outro lado, o tratamento humorístico dos assuntos, juntamente
26

com o uso de imagens, possibilita uma transgressão que normalmente não é possível
em outros gêneros de textos verbais. A caricatura e a situação vexatória a que são
expostos os personagens políticos em evidência muitas vezes os sujeitam a críticas
sem a menor ponderação, o que merece um exame mais acurado, objetivo desta
pesquisa.
Vale observar a história do humor nas diferentes sociedades e perceber como o
riso refletiu o momento político e ideológico de seu tempo, muitas vezes, exercendo o
papel de contraposição a práticas, pensamentos e atitudes oficiais. Não se pretende
fazer aqui um estudo completo da origem e desenvolvimento do riso carnavalizado ou
da “cultura popular cômica” medieval e de suas raízes na vida da humanidade, como
propõe Bakhtin (1929). Apenas demonstrar a influência da visão carnavalesca cômico-
sério-satírica que tanto marcou a vida do homem medieval e cujos resquícios se notam
até hoje nas diversas manifestações do riso.
Já na antiga sociedade grega, em cujas bases se funda a cultura ocidental, de
acordo com Minois (2003, p. 22), o riso integra-se a mitos, festas, escritos homéricos,
dentre outros textos da época. As festas reforçam a coesão social e o riso ritualístico,
evocador do caos original, porta uma incrível força destrutiva e regeneradora. Assim
como o riso da loucura é considerado necessário ao equilíbrio social, o riso ritualizado
cumpre o dever de restabelecer a ordem. Na sociedade antiga ele se integrava à vida
das pessoas e era necessário a essa vitalidade, assim como as festas religiosas, as
“dionisíacas” do campo e as grandes dionisíacas, as bacanais, as leneanas, as
tesmofóricas ou as panatenéias, que eram festas religiosas e tinham, necessariamente,
uma significação mitológica ligada aos deuses, (cf. MINOIS, ibidem, p.30).
Minois destaca quatro elementos inerentes às festas: 1) uma reatualização dos
mitos, que são representados e imitados, dando-lhes eficácia; 2) uma mascarada, que
dá lugar, sob diversos disfarces, a rituais mais ou menos codificados; 3) uma prática da
inversão, na qual é necessário brincar de mundo ao contrário, invertendo as hierarquias
e as convenções sociais; 4) e uma fase exorbitada, em que o excesso, o
transbordamento, a transgressão das normas são a regra, terminando em caçoada e
orgia, presididas por um efêmero soberano entronizado que é castigado no fim da festa.
27

Muitas dessas propriedades do riso e elementos característicos das festas são


verificados nas charges, como a imitação e representações de símbolos consagrados, a
inversão e o exagero. Esses elementos típicos são responsáveis pelo humor das
charges, tornando-as um gênero similar à comédia e, nesse sentido, o chargista
aproxima-se do comediante. Produzir humor não é a sua única finalidade, já que
deseja, antes de tudo, promover a crítica e trazer reflexões sobre algum acontecimento
em voga na sociedade diariamente na maior parte dos jornais, sendo reconhecidos pelo
público leitor.
A origem do termo comédia advém de “kômos, associado à saída extravagante
de bandos de celebrantes embriagados que cantam, riem, interpelam os passantes. É
da kômodia que vem a comédia e os kômodoi eram os comediantes”, (cf. ibidem, p. 37).
Nessa época, algumas manifestações do riso acompanham a ideia de tragédia, da
morte, do sofrimento, daí a denominação de riso sardônico a esse tipo encontrado em A
Odisséa, de Homero, por exemplo. Trata-se de um riso com uma expressão agressiva,
em que se ri com o canto da boca e se mostram os dentes em um momento de dor ou
de ódio. Verifica-se uma semelhança entre os conceitos do termo comédia e do riso
sardônico com o das charges, pela agressividade com o seu alvo, capaz de transgredir
qualquer censura para atingir o seu objetivo crítico.
A liberdade de expressão exigida pelos gêneros cômicos abrange os âmbitos
pessoal e coletivo em sua abordagem, por isso, apenas sociedades em que há
liberdade de expressão aceitam tais gêneros, enquanto outras mais fechadas são mais
sensíveis à sua ameaça. A polêmica sobre as charges publicadas sobre o profeta
Maomé exemplifica isso. O chargista sofreu ameaças de morte, mas não houve censura
da liberdade de expressão na Dinamarca.
Ainda na Grécia antiga, a partir das obras dos filósofos, no século IV a.C.,
pensou-se em domesticar o riso. Platão, que desconfiava do riso, defendia o seu
controle, sugerindo que fosse banido da religião e da política. Aristóteles, no entanto,
deixou obra teórica sobre a Comédia, que, infelizmente, perdeu-se. O riso aos poucos
vai se transformando na corrosiva ironia socrática, cética, cínica e os autores passam a
utilizar o riso com finalidade moral, de corrigir os costumes, conforme cita Minois
(ibidem, p. 64):
28

seu extremismo lhe confere um aspecto profundamente pessimista. O cínico vê


o mundo às avessas. Será que ele pode, com efeito, esperar uma reviravolta
completa dos valores? É por isso que, se o riso cético é um riso liberado,
diríamos que o riso cínico é um riso desesperado.

Por essa época, o riso serve como um atrativo da vida social, opondo o cotidiano ao
sagrado e essa situação perdura também na sociedade romana, que recebe as
influências do pensamento grego. A sátira e a zombaria cumprem, na época, um papel
importante, atacando valores morais, sociais e políticos, contudo sua essência é
conservadora em relação a esses valores estabelecidos oficialmente. O lema “castigat,
ridendo mores” – “rindo, corrigem-se os costumes” - era a tônica.
O riso na Idade Média foi tema de pesquisa do filósofo Bakhtin, em obra do início
do século XX (1929/2010), que se dedica a estudar suas manifestações em toda a
Idade Média e no Renascimento pelo viés da cultura popular. Ele as denomina de
“cultura cômica popular” e postula que se manifestam em três grandes categorias:
1- As formas dos ritos e espetáculos (festejos carnavalescos, obras cômicas
representadas nas praças públicas, etc.);
2- Obras cômicas verbais (inclusive as paródicas) de diversa natureza: orais e
escritas, em latim e em língua vulgar;
3- Diversas formas e gêneros do vocabulário familiar e grosseiro (insultos,
juramentos, blasões populares, etc.), cf. (BAKHTIN, 2010, p. 4)

Tais categorias abrangem o que Bakhtin classifica de literatura cômico-séria da


Idade Média. Nessa época, já se havia desenvolvido a estrutura de um regime social de
Estado com uma complexa rede de hierarquia feudal que não podia conferir direitos
iguais aos dois estilos de vida: o cômico e o sério. Por isso, a sátira se revestiu do
caráter fantástico (mágico) para ser aceita. A Literatura satírico-carnavalizada apresenta
um meio de fugir ao modo de viver ordinário, através da visão regeneradora de seus
personagens excêntricos, cuja atuação se situa entre as fronteiras da vida e da morte,
representando um jogo que, visto festivamente, não apresenta um risco à ordem
reinante (idem, p. 15).
Bakhtin (1981, p. 106) propõe as seguintes categorias de análise para retratar a
linguagem de formas concreto-sensoriais simbólicas, que muito contribuem para o
exame do corpus desta Tese, por retratar o humor baseado nos elementos da
cosmovisão carnavalesca: a) contato familiar (diz respeito ao livre contato, livre
gesticulação e franco discurso); b) excentricidade (revela e expressa os aspectos
29

ocultos da natureza humana); c) ”mésalliances” (aproximam, reúnem e celebram os


esponsais, aproximando o sagrado e o profano, os opostos) e d) a profanação
(constitui-se de sacrilégios e indecências).
O riso se expande de maneiras diferentes durante um longo período da Idade
Média, mesmo durante as festas religiosas, marcadas principalmente pelos ritos de
carnavalização. Segundo Bakhtin (2010, p. 6), “o princípio cômico que preside aos ritos
do carnaval2, liberta-os totalmente de qualquer dogmatismo religioso ou eclesiástico, do
misticismo, da piedade, e eles são além disso completamente desprovidos de caráter
mágico ou encantatório”. Sua carga transgressora está na capacidade de negar e
afirmar através da morte e nascimento e a ambiguidade é sua marca característica.
Verificam-se semelhanças entre esse riso, retratado por Bakhtin, e o gênero
charge, pelo emprego dos elementos da carnavalização, como a crítica feroz e a
degradação. De acordo com o Autor (ibidem, p. 30), “degradar significa entrar em
comunhão com a vida e com a parte inferior do corpo, a do ventre e dos órgãos
genitais, e portanto com atos humanos como o coito, a concepção, a gravidez, o parto,
a absorção de alimentos e a satisfação das necessidades naturais”. Tais concepções
durante a Idade Média não apresentam ainda o sentido pejorativo que passam a
receber posteriormente com a associação à moral oficial e às Instituições.
Por sua vez, se não levar em conta essa ambiguidade que marca a vida do
homem medieval — a ideologia oficial e a carnavalesca — não se pode compreender
certos fenômenos literários, como aquelas obras que exaltam um ideal e as que
paralelamente o destroem. Citam-se, entre tantas, os autos de Gil Vicente sobre a
dramaturgia cavalheiresca, segundo regras do Código do Amor Cortês, e as várias
farsas em que o Autor reduz ao ridículo essas mesmas convenções. Na obra Apologia e
Sátira do amor cavaleiresco, Pauliukonis (1989) analisa autos e farsas do teatro
vicentino, sob a lógica do mundo às avessas carnavalizado. Segundo a autora:
“(...) seus personagens: bufões, parvos, tolos e amantes ridículos, típicos
representantes da cultura popular cômica carnavalizada, subvertem certas
verdades, estabelecidas pela ideologia oficial, por meio do riso, numa tentativa
de torná-los mais acessíveis à compreensão do público. Nas injúrias, nas

2
Na perspectiva de Bakthin (1981, p. 105) “carnaval (no sentido de todas as variadas festividades, dos
ritos e formas de tipo carnavalesco), da sua essência, das suas raízes profundas na sociedade primitiva e
no pensamento primitivo do homem, do seu desenvolvimento na sociedade de classes, de sua
excepcional força vital e seu perene fascínio”.
30

grosserias e nos golpes contra os personagens satirizados, endossa-se o


princípio da desentronização, da destruição própria do Carnaval, definido por
Bakhtin como a época da ressurreição e da regeneração “ (p. 64)

Uma outra obra das mais antigas e célebres dessa literatura medieval
carnavalizada é A ceia de Ciprião (Coena Cypriani), paródia grotesca (escrita entre os
séculos V e VII), que utilizou toda a história sagrada para descrever um banquete bufo
e excêntrico, em que travestiu num espírito carnavalesco toda a Sagrada escritura
(Bíblia e Evangelhos). Essa paródia estava autorizada pela tradição do “riso pascal”
(risus paschalis) livre, (cf. BAKHTIN, 2010, p. 12). Além do surgimento e permanência
de outros diferentes gêneros da retórica cômica: “debates” carnavalescos, disputas,
diálogos, “elogios” cômicos (ou “ilustrações”), etc, o riso do carnaval ressoa também
nos fabliaux e nas peças líricas compostas pelos “vagantes” (estudantes ambulantes)
medievais.
No campo da temática e da linguagem típica do carnaval, transpõe-se do
ambiente familiar toda a intimidade e se abole provisoriamente as diferenças e barreiras
hierárquicas entre as pessoas. Também há a eliminação de certas regras e tabus
vigentes na vida cotidiana, criando-se um tipo especial de comunicação ao mesmo
tempo ideal e real entre as pessoas. Bakhtin denomina o sistema de imagens da cultura
cômica popular de realismo grotesco e afirma que “o princípio material e corporal
aparece sob a forma universal, festiva e utópica. O cósmico, o social e o corporal estão
ligados indissoluvelmente numa totalidade viva e indivisível” (idem, p. 17).
Na reprodução das falas dos personagens das charges, também são comuns
liberdade temática, as contradições e o uso da linguagem coloquial por meio de gírias
e palavras de baixo calão. As imagens – o uso de caricaturas é usual - também
remetem ao material da carne, por isso é comum a relação estabelecida entre os
personagens políticos e imagens de perversão ou de qualquer outra temática
relacionada ao baixo material3.
Os elementos essenciais do realismo cômico renascentista formam-se durante
as três fases do grotesco antigo: arcaico, clássico e pós-antigo, e seu auge ocorre na
literatura do Renascimento. O termo “grotesco” advém do substantivo italiano grotta em

3
O baixo material pode ser interpretado como pornográfico, erótico, sexual, enfim aos temas que
normalmente são censurados pelo discurso do “contrato da seriedade”.
31

função de que, no século XV, escavações feitas em Roma encontraram um tipo de


pintura ornamental insólito e fantástico. Para Bakhtin (ibidem, p. 28), “sente-se, nesse
jogo ornamental, uma liberdade e uma leveza excepcional na fantasia artística; essa
liberdade, aliás, é concebida como uma alegre ousadia, quase risonha”. Trata-se,
portanto, de um conjunto de representações simbólicas que existiu na Antiguidade e
influenciou, de certa forma, a Idade Média e o Renascimento, integrando tudo o que
Bakhtin denominou de cultura cômica popular carnavalizada, cujos ecos se encontram
no gênero charge, objeto em estudo.
Bakhtin (ibidem) situa o Carnaval como uma arte transgressora de caráter
universal em que cada indivíduo pode participar, efetivando um ideal de vida e
conseguindo o alívio de uma tensão, em que se obriga a reprimir seus instintos
agressivos, em razão de leis severas que garantem uniformidade de comportamentos
sociais. Acredita-se que as charges hoje exercem esse mesmo papel no jornal, pois se
trata de um texto que apresenta uma crítica feroz, porém institucionalizada, feita em
meio a tantos textos verbais, com o emprego da palavra e da imagem, servindo-se de
aspectos multimodais como o uso de cores, arte gráfica, caricatura e várias de técnicas
de humor, cuja natureza primordial é a degradação dos principais personagens
políticos, com a presença da postura satírica necessária ao equilíbrio dos sistemas
democráticos.
Ao longo da história do riso, verifica-se que o homem encontrou na Sátira — ou
em outros processos de agressão pelo humor — uma forma de manifestar sua
agressividade, inconformismo e, ao mesmo tempo, se isentar de culpa. Ao adotar uma
postura agressiva, a sátira mostra-se uma forma de declarar guerra ao próximo,
humilhar a vítima mediante à exposição ao ridículo, e satisfazer seus instintos lúdicos e
da sociedade em geral. Conforme bem define sua função, Bakhtin (ibidem, p. 10)
explica que:
O riso carnavalesco é, em primeiro lugar, patrimônio do povo, pois todos riem, o
riso é “geral”; em segundo lugar, é universal, atinge a todas as coisas e
pessoas, o mundo inteiro parece cômico e é percebido e considerado no seu
aspecto jocoso, no seu alegre relativismo; por último, esse riso é ambivalente:
alegre e cheio de alvoroço, mas ao mesmo tempo burlador e sarcástico, nega e
afirma, a mortalha e ressuscita simultaneamente”
32

De acordo, ainda, com Bakhtin (ibidem, p. 19), “a paródia da era moderna


também degrada, mas com um caráter exclusivamente negativo, carente de
ambivalência regeneradora”. O grotesco também perdeu força ao se afastar da cultura
popular da praça pública, tornando-se mera tradição literária cujas imagens grotescas
do carnaval são meramente formalizadas. O próprio termo é substituído por outros,
como arabesco, aplicado aos ornamentos e burlesco, à literatura de escape.
Foi no século XVI que se marcou o apogeu da história do riso, quando grandes
obras literárias satíricas surgem. De acordo com a análise de Bakhtin (2010, p. 62),
sobre a evolução do riso:
na sua forma mais radical, universal e alegre, pela primeira vez por uns
cinquenta ou sessenta anos (em diferentes datas em cada país), separou-se
das profundezas populares e com o uso da língua “vulgar” penetrou
decisivamente no seio da grande literatura e da ideologia “superior”,
contribuindo assim para a criação de obras de arte mundiais, como o
Decameron de Boccaccio, o livro de Rabelais, o romance de Cervantes, os
dramas e comédias de Shakespeare, etc.

Essas obras vieram demonstrar a grande função da sátira em todos os tempos: uma
recusa perante os fatos degradados que oprimem a humanidade, denunciando-os por
meio de uma crítica construtiva e regeneradora do riso.
Na época pré-romântica e no princípio do Romantismo, surgem outras
inovações: o grotesco “transpõe-se de alguma forma à linguagem do pensamento
filosófico idealista e subjetivo” (ibidem, p. 33). O riso aí subsiste, mas se atenua e toma
a forma de humor, ironia ou sarcasmo. Deixa de ser jocoso e alegre, e o aspecto
regenerador e positivo do riso reduz-se ao mínimo. As imagens da vida material e
corporal são vistas como “inferiores”, diferentemente da visão do grotesco integrado à
antiga cultura popular que faz o mundo aproximar-se do homem, corporifica-o,
reintegra-o por meio do corpo a uma vida corporal.
Quanto à figura do diabo, constante na cultura popular cômica medieval, podia
ser classificado como um alegre porta-voz ambivalente de opiniões não oficiais, da
santidade ao avesso, o representante do inferior material, “(...) no grotesco romântico, o
diabo passa a encarnar o espanto, a melancolia, a tragédia. O riso infernal torna-se
sombrio e maligno” (ibidem, p. 36). A ambivalência da antiguidade e do medievalismo
transforma-se em contraste “estático brutal ou em uma antítese petrificada”. Após o
Romantismo e mesmo durante o Realismo, também o tratamento de temas do grotesco
33

foi relegado às formas do cômico vulgar de baixa categoria, perdendo sua força
regeneradora que tinha na cultura popular cômica.
Com a ascensão do saber humanista e da ciência, com a adoção de termos das
línguas vulgares pela literatura, houve uma predisposição para que o oficial e o não
oficial se fundissem. Assim, o riso popular advindo da tradição da Idade Média
incorpora-se à literatura dita séria do Renascimento, tornando-se a expressão da
consciência nova, livre, crítica e histórica da época.
A força do riso, mesmo relegado pela Igreja e pelos poderosos, tem-se
perpetuado, ainda que extraoficialmente, em oposição à seriedade mantida pela
ideologia oficial. O estabelecimento de festas periódicas, como a dos loucos instituída
nos primeiros séculos do cristianismo, contribuiu para essa manutenção do riso nos
séculos posteriores e cumpre um papel libertador, em que a tolice (a bufonaria) pode,
ao menos uma vez por ano, manifestar-se livremente, cf. (ibidem, p. 65)4.
Na Idade Média, como já dito, as festas populares se associavam ao calendário
da Instituição Igreja e ao estabelecido oficialmente, como, por exemplo, a festa do asno
popular evoca a fuga de Maria levando o menino Jesus para o Egito. Ambas são
análogas ao carnaval e ao charivari, suas sucessoras. Havia ainda a missa do asno, em
que cada uma das partes zurrava um cômico “Hin Ham!”: tanto o padre na hora de dar a
benção, quanto os fiéis no lugar de “amém”. Também na época da Páscoa, o riso
pascal dizia respeito a sermões, anedotas alegres, piadas e brincadeiras, enquanto o
riso de Natal correspondia a canções alegres sobre os mais leigos assuntos, cantadas
nas igrejas. Para Bakhtin (2010, p. 71), de uma forma geral, “o ritual e as imagens da
festa visavam encarnar o próprio tempo que simultaneamente trazia a morte e a vida,
que transformava o antigo em novo, e impedia toda possibilidade de perpetuação”.
Também toda a literatura paródica da Idade Média liga-se ao riso carnavalizado
e foi instituída e destinada a ser lida nessas ocasiões de lazeres e festas, época em
que era permitido parodiar o sagrado, com o risus paschalis já citado, permitia-se o
consumo de carne e a prática da vida sexual. As recreações de escolares da mesma
forma contribuem para a produção de paródias, no momento em que os jovens se

4
Na obra, o trecho grifado pelo autor refere-se à carta circular da Faculdade de teologia de Paris (1444) e
se encerra com as seguintes palavras: “permitimo-nos alguns dias de bufonaria (a tolice), para em
seguida regressar com duplicado zelo ao serviço do senhor”.
34

libertam dos entraves da seriedade e das categorias do “eterno”, “imutável”, “absoluto”.


O jargão dos clérigos, dos monges, dos escolares, dos magistrados, assim como a
língua popular falada estava cheia do “baixo” material e corporal, com o emprego de
palavras vulgarizadas, muitas vezes, expressas de forma ambígua com alusão ao Velho
ou Novo Testamento. Havia, ainda, obscenidades, grosserias, juramentos, textos e
sentenças sagradas travestidas e viradas do avesso. Conforme Bakhtin (2010, p. 76),
“como o drama satírico da Antiguidade, a cultura cômica da Idade Média era em grande
medida o drama da vida corporal (coito, nascimento, crescimento, alimentação, bebida,
necessidades naturais)”.
Nesse universalismo característico do riso na Idade Média, percebe-se a
liberdade como seu traço inerente. Opunha-se ao medo, à fraqueza, à docilidade, à
resignação, à mentira, à violência, à intimação, às ameaças, à hipocrisia e à violência,
disseminadas pelo valor dado ao sério. De acordo com Bakhtin (ibidem, p. 78), “ao
derrotar esse medo, o riso esclarecia a consciência do homem, revelava-lhe um novo
mundo”, estava ligado à verdade em oposição à mentira, à adulação e à hipocrisia.
A orientação burguesa do riso e do grotesco populares passa a levar festas e
personagens das praças públicas também para a corte. Os folguedos da corte são as
mascaradas, procissões, alegorias, com fogos de artifício etc., elementos que retomam
a mesma tradição do carnaval. Bakhtin (ibidem, p. 89) denomina essa transformação de
degenerescência estilística, em que: “primeiro aparecem aspectos puramente
decorativos e alegóricos abstratos que lhes são estranhos; e a obscenidade
ambivalente, derivada do ‘baixo’ material corporal, degenera em uma frivolidade erótica
e superficial”.
Nesse aspecto, o processo de concepção do riso ganha outras formas mais
complexas, como a ironia, o sarcasmo etc. Como exemplo, cita-se o famoso riso irônico
de Voltaire: o riso voltairiano. Este se propõe a negar e se opor à cultura oficializada,
entretanto falta-lhe o aspecto renovador e regenerador do riso carnavalesco. Para
Bakhtin (ibidem, p. 105), portanto:
o verdadeiro riso, ambivalente e universal, não recusa o sério, ele purifica-o e
completa-o. Purifica-o do dogmatismo, do caráter unilateral, da esclerose, do
fanatismo e do espírito categórico, dos elementos de medo ou intimidação, do
didatismo, da ingenuidade e das ilusões, de uma nefasta fixação sobre um
plano único, do esgotamento estúpido.
35

Percebe-se que nem sempre foi tranquila a trajetória do riso na história da


humanidade. Na guerra contra o riso, mesmo no século XVI, encontram-se de um lado
representantes da Igreja que sempre relacionam o riso ao diabo, ao mal de uma
maneira geral, e de outro o espírito da Contra-Reforma que contesta os valores
burgueses e questiona os ministros cardeais. Nessa época, o poder institucionalizado e
o próprio corpo social são alvo das críticas por serem considerados injustos com as
demais classes sociais; por isso mudanças eram esperadas por todos e isso já estava
latente nos primeiros panfletos e caricaturas que começam a surgir, em que os dois
polos em que se apoiava a vida medieval — a cavalaria e a hierarquia — começaram a
ser postos em xeque. Por meio do riso burlesco, novas críticas se desenvolvem,
transpondo tabus com sua visão cômica e transgressora.
A commedia dell’arte que se consolida nos séculos posteriores, no interior de
relações econômicas e burguesas, marcadas por relações capitalistas que inauguram
profissões, apresenta um humor mais adequado a uma nova racionalidade social e a
uma nova ordem cultural da época. De acordo com Teixeira (ibidem, p. 49), ela
antecipa, no campo da produção cultural, a prática de uma classe social que trabalha
para se tornar política e economicamente hegemônica, e inaugura um humor mais
antenado com uma nova racionalidade social e cultural, que perdura por muito tempo.
Esse breve resumo sobre a história do riso visa ao entendimento de sua
importância para a sociedade, uma vez que o riso procura refletir o pensamento de
cada época e se adéqua às mudanças que ocorrem nela. A seguir, serão apresentados
os principais conceitos relacionados à melhor compreensão do gênero charge: humor,
ironia, sátira e caricatura, tomando por base a contribuição dos principais teóricos sobre
o assunto.

1.1. Breves considerações sobre o riso e o Humor

Diferentemente do sentido atual, que alude ao campo semântico de gracioso,


cômico e engraçado, a origem do vocábulo humor advém da descrição biológica de
termos ligados à Medicina do tempo de Hipócrates, e se refere a “'líquido, fluido;
serosidade do corpo, linfa” (lat. humor, oris; s.XIII umor, s.XIV humor), conforme
36

Houaiss et alii (2001); portanto o ser humano teria quatro humores: sangue, fleuma
(muco, catarro), bílis amarela e bílis negra. Os gregos e os romanos acreditavam que a
combinação desses líquidos determinava o estado de espírito e o caráter das pessoas.
Assim, de acordo com Magalhães (2010, p. 15), “os indivíduos que possuem excesso
de sangue no corpo são chamados sanguíneos; os com muito muco/catarro,
fleumáticos; os com muita bílis amarela, coléricos e os, com excesso de bílis negra,
melancólicos”, o que permitia categorizar o caráter pelo “humor”.
Já um sentido mais atual de humor foi utilizado a primeira vez por Jonson, autor
dramático inglês, no final do século XVI, ainda segundo Magalhães (idem, p. 18), para
definir a personalidade extravagante e engraçada. O termo distingue-se de outras
formas de provocar o riso, como a sátira, o cômico e a ironia, que se mostram de
caráter mais particular em relação à crítica.
Almeida (1999, p. 43) concebe o humor como um processo mental bem mais
complexo e dinâmico que o simples cômico, e apresenta considerações sobre essa
temática:
a visão humorística é, portanto, mais complexa, dinâmica e libertadora do que a
visão cômica, que ela inclui e ultrapassa ao redimensionar o isolamento cômico,
reconhecendo nesse isolamento uma característica de todo homem. Ela
aparece como um terceiro movimento que revigora o processo de identificação
entre os homens, depois de tê-lo inicialmente reconhecido (piedade) e, em
seguida, anulado (distanciamento).

Segundo o autor, o humor permite o afastamento, a imparcialidade, o que possibilita


uma análise mais crítica e isenta da situação.
O objeto do riso continua sendo qualquer elemento da vida física ou intelectual,
mas, nesse caso, temas ligados a sofrimento, a dor e a injustiça figuram também em
textos de humor, cujo uso é comum em textos chargísticos em função de sua natureza
crítica e analítica da vida social e política e da necessidade do distanciamento.
No campo da psicanálise, o riso foi objeto de estudo por Freud que percebeu a
importância do não-sério e seu valor transgressor de uma realidade imposta por
verdades inquestionáveis. Preocupou-se em descrever o fenômeno da comicidade,
37

pormenorizando os diferentes fenômenos. Para isso, propõe uma abordagem do humor


com base na categorização dos chistes5.
Com base em Coromias e Pascual (1984, p. 379), pode-se afirmar que chiste é
um “dicho agudo y gracioso’, com significado especial de ‘chiste obsceno’, que parece
ter sido o sentido original, pois se trata de um derivado de chistar ‘hablar en voz baja,’
‘hacer ademán de hablar’, ‘sisear, llamar siseando”.
Em sua obra, Freud (s.d.) faz um estudo sistemático, no qual defende o princípio
do prazer advindo da economia do consumo da matéria psíquica resultante das
técnicas e dos propósitos dos chistes, como a condensação, o deslocamento e a
representação indireta. Segundo o autor (s.d., p. 11), “o efeito cômico dos chistes deriva
de desconcerto e esclarecimento”. O trocadilho seria um chiste menos elaborado, e o
jogo de palavras se estabelece na semelhança da imagem fônica entre duas palavras
distintas.
A condensação seria a técnica mais abrangente, abarcando diversos tipos de
duplo e múltiplos sentidos, sendo classificada entre os chistes verbais, enquanto a
alusão, o silogismo e o raciocínio falho caracterizam os chistes conceituais. O autor
ainda classifica os chistes em hostil, por servir ao propósito de agressividade, como na
sátira e na caricatura, e obsceno, com o propósito de desnudamento. O conteúdo do
nonsense no chiste serve para revelar e demonstrar um outro nonsense.
Charaudeau (2006), em uma perspectiva mais atual e de base comunicacional
do discurso, analisa o humor com os fundamentos de sua teoria, a Análise
Semiolinguística do Discurso, exposta no segundo capítulo desta tese. Nomeia o ato de
fala humorístico e o define a partir de uma problemática intencional do efeito de sentido
pela busca do prazer (idem, p. 11) “il s’agit ici d’une problématique de l’intentionnalité
das laquelle le sujet humoriste est à l’origine d’un effet visé et le destinataire à l’origine
d’un effet de plaisir qu’il construit, san que l’on ait la garantie que les deux cöincident6”.
O autor propõe, então, uma classificação dos efeitos possíveis correspondentes
a diferentes tipos de conveniência:

5
O aprofundamento do assunto e análise com base na classificação dos chistes foi feita em trabalho
anterior, podendo ser consultado em Aragão (2007, p. 66)
6
Essa é uma questão da problemática da intencionalidade cujo sujeito humorista está prestes a causar
um efeito desejado, sendo o destinatário a origem de um efeito de prazer, sem que se tenha garantia de
que os dois coincidem.
38

a) A conveniência lúdica (corresponde à categoria do cético, proposta por Freud7): é


uma brincadeira para si mesmo em que se fundem emocionalmente autor e
destinatário;
b) A conveniência crítica (de acordo com a categoria da hostilidade, também de Freud):
oferecida ao destinatário uma acusação de falso sentido de verdade e valores
negativos;
c) A conveniência cínica (equivalente à categoria de espírito cynico de Freud): se
propõe a desvalorizar os valores que a norma social considera positivo e universal.
d) A conveniência da derrisão (sarcasmo): visa desqualificar duplamente denunciando
uma usurpação do poder e revelando a insignificância dessa posição de poder
pretendida.
Com base nessa proposta de classificação, verifica-se uma aproximação
significativa entre as categorias de humor e a crítica social, típicas das charges,
mostrando-se ser este um aparato teórico pertinente para a compreensão da crítica
social nas charges. A seguir, destaca-se um outro recurso do humor bastante utilizado
com o objetivo de criticar: a ironia.

1. 2. Diferentes concepções de ironia

A noção tradicional de ironia, baseada no primeiro modelo de comportamento


irônico, como proposto por Sócrates, diz respeito às técnicas desenvolvidas por esse
filósofo, que consistiam basicamente em transformar uma frase assertiva em
interrogativa com a finalidade de dar a entender ao interlocutor seu desconhecimento
ou a ausência de uma convicção em relação a um determinado tema, segundo Brait
(2008, p. 24). As definições dessa época restringem-se ao caráter da pessoa que
emprega a ironia, considerando-a como uma atitude positiva. A ironia corresponde a
uma dissimulação, cujo maior risco é o de o interlocutor não perceber o fingimento,
interpretando-a em seu sentido literal e, consequentemente, compreendendo o

7
Freud S., 1905, Le mot d’esprit et sa relation à l’inconscient, trad. de l’allemand par D. Messier, Paris,
Gallimard, 1988.
39

contrário do que se pretende dizer. Caracteriza-se, portanto, pelo duplo sentido inerente
ao fenômeno da ironia.
Bergson (1978), em O riso, analisa a comicidade nas palavras, o que denomina
jogos de humor, e propõe uma conceituação discursiva para a ironia que se baseia na
ideia de transposição de sentido entre dois referentes opostos, típica do humor. Na
ironia, “se enunciará o que deveria ser, fingindo-se acreditar ser precisamente o que é”,
conforme Bergson (1978, p. 68). Para o autor, a transposição mais comum ocorre entre
o real e o ideal, ou seja, a do que é com o que deveria ser, processo bastante comum
no processo do humor.
A perspectiva psicanalítica de Freud também oferece subsídios para a definição
de ironia, pois considera importantes o locutor (emissor), o processo instaurador e o
ouvinte. De fato, o locutor diz o contrário do que pensa e o ouvinte compreende a
intenção da mensagem por meio de algum dispositivo (tom de voz, gesto, indicações
estilísticas), o que lhe proporciona prazer.
Os estudos pragmáticos também contribuem para o conceito de ironia, que,
conforme Brait (ibidem, p. 62), corresponderia a uma “construção em que existe a
presença de um significante recobrindo dois significados, como acontece na mentira,
mas integrada, obrigatoriamente, por um índice, cuja função é sinalizar a ironia”. Esse
índice inscrito na enunciação liga-se diretamente à situação e possibilita a interpretação
pretendida.
Sperber e Wilson, por sua vez, definem a ironia como um processo citacional,
mais conhecido como “menção-eco”. O termo advém do conceito de Aristóteles em que
“menção” designa a expressão, e “emprego” indica o que a expressão designa. Para
confrontar a visão clássica de ironia como oposição de sentido, Sperber e Wilson (1978,
p. 7) mostram as nuanças de frases irônicas nos discursos diretos e relatados. Além
disso, as menções manifestam ecos que revelam ao destinatário a atitude do locutor
com respeito ao enunciado. Toda interpretação decorre desse duplo reconhecimento,
daí a denominação de menção-eco para caracterizar o discurso irônico.
Os autores apresentam um exemplo baseado na fala de Horácio: “A fuga é
gloriosa nessa ocasião” (idem). Nesse caso, o indício para a compreensão da ironia ou
da menção-eco está na contradição dos termos “fuga” e “gloriosa”, que traz um novo
40

sentido para a proposição, o irônico. Esse sentido revela a atitude do locutor em relação
à proposição que ele menciona. A comparação entre ironia e paródia mostra que,
enquanto a primeira corresponde a menções de proposições, a segunda diz respeito a
menções de expressões, que variam, ainda, de acordo com os diferentes tons como o
dubitativo, o aprovador etc. Sperber e Wilson (idem, p. 16) classificam de autoironia
quando o locutor faz eco de si mesmo e quando o locutor faz eco no destinatário
denominam de sarcasmo. Tais conceitos mostram-se pertinentes na análise dos textos
das charges, como se verá no exame do corpus.
Brait (ibidem, p. 78) destaca da perspectiva de Kerbrat-Orecchioni o trio
actancial: locutor que dirige um certo discurso irônico para um receptor para caçoar de
um terceiro que é alvo da ironia, o que caracteriza a argumentação indireta, presente na
ironia verbal. Um outro tipo de ironia, a referencial ou situacional, apresenta a
contradição entre dois fatos contíguos, simultâneos, visivelmente detectados por um
observador. O discurso irônico apresenta uma enunciação (E1), referente ao momento
de produção e uma enunciação (E0), anterior ou explícita, que se tenta desconsiderar,
portanto trata-se de uma dupla enunciação.
O sistemático estudo que a autora faz da ironia permite chegar a algumas
conclusões importantes, como, por exemplo, o fato de se poder considerar, no nível do
discurso, a perspectiva da enunciação. Para Brait (2008, p. 126), “o discurso irônico
joga essencialmente com a ambiguidade, convidando o receptor a, no mínimo, uma
dupla leitura, isto é, linguística e discursiva”. Portanto, a autora destaca os diversos
vieses de análise da ironia, relacionando-os com a pragmática, a filosofia, a psicologia,
a ideologia etc., caracterizando a transdisciplinariedade.
Também é oportuno lembrar que temas relativos a estratégias, como a citação, a
coesão e a coerência, o sentido literal e o figurado, a intertextualidade, a ambiguidade
são exemplos de elementos linguísticos que compõem a ironia. Já a menção-eco, a
interdiscursividade, a argumentação e a ação dos sujeitos participantes do discurso
irônico — ironizador, alvo e outros participantes — aproximam a ironia do âmbito
discursivo. Trata-se de uma divisão didática, já que discurso e língua coincidem e se
completam. Tais recursos irônicos são frequentemente empregados nas charges, eis
por que interessam à análise.
41

A seguir, na próxima seção, destacam-se algumas observações sobre outro


processo humorístico — a sátira — com a descrição de suas características e sua
função na composição dos textos que provocam o riso.

1.3. A noção de sátira

Pode-se situar e definir sátira sob duas perspectivas: a primeira diz respeito a um
conjunto de obras literárias que criticam o ambiente social por meio do humor; e o
segundo corresponde ao “empleo al hablar o al escribir del sarcasmo, la ironia, el
ridículo, etc., para denunciar, exponer o ridiculizar, el vicio, la tontería, las injusticias o
lós males de toda especie”, cf. Shorter Oxford English Dictionary apud Hodgart (1969, p.
13).
Uma das características básicas da Sátira consiste em explorar uma situação
excepcional para colocar à prova uma verdade tida como absoluta. Seria o que Bakhtin
definiu como resultado da observação dos fatos de um outro ponto de vista, em que a
escala de valores é sempre modificada. A crítica e a hostilidade denunciam os vícios e
as condições humanas, o que explica sua natureza realista e fantasiosa, propriedades
da sátira que denunciam toda espécie de infração às normas estabelecidas.
A finalidade da sátira, de acordo com Hodgart (ibidem, p. 28), pode ser
observada no “desinflar a los falsos héroes, los impostores y los charlatanes, que
pretenden um respeto que no les es debido, y el vehículo que escoge para ello es casi
siempre la epopeya burlesca”.
Este autor destaca, por exemplo, alguns elementos necessários à sátira política:
“la sátira política necesita cierta dosis de libertad, el ambiente de las grandes ciudades
y cierta sofisticación”, então detalha essa sofisticação: “sofisticación política (tanto el
satírico como su público deben entender algo del processo político) y sofisticación
estética (el satírico debe ser capaz de contemplar la escena política com humor e
imparcialidade, así como com pasíon; de lo contrario, solo producirá siemple polémica)”,
(cf. HODGART, ibidem, p. 34).
O objetivo fundamental da sátira, segundo ele, é nivelar todos os homens e
humilhar os poderosos, esse tipo de humor, em que a crítica é feita de forma bastante
42

degradante, utiliza-se dos mesmos elementos que pretende denunciar, como o cinismo,
o deboche, o sarcasmo dentre outros, o que a torna uma forma incisiva e severa crítica
social. Em muitos aspectos, ela se aproxima dos rituais primitivos da fecundidade e da
morte, dos festivais carnavalescos das Saturnais antigas e das festas populares da
Idade Media, quando imperava uma inversão de valores, uma ruptura com o oficial e
sério. Enquanto os objetivos das leis eram consagrar o estabelecido, a festa
carnavalesca abolia provisoriamente os privilégios, as distâncias hierárquicas, as regras
e tabus e instaurava o riso.
Hodgart (ibidem, p. 77) destaca ainda, em seu trabalho, a necessidade de
liberdade de uso da palavra para que a sátira se expanda, como ocorreu no fim do
século XVIII na França e nos séculos XIX e XX na moderna Grécia e na Inglaterra.
Nesse sentido, vale destacar que, de acordo Hodgart (ibidem, p. 131), a sátira é um tipo
de ironia militante, cujo “satírico utiliza la ironia para hacer que el lector se sienta
incómodo, para sacarle de su complacência y convertirle em um aliado em la lucha
contra la estupidez humana”. O autor compara a sátira com os recursos básicos do
chiste agressivo (proposto por Freud), da sátira literária e da caricatura, e identifica nela
as seguintes propriedades: “el desenmascaramiento y el envilecimiento de las personas
u objetos exaltados (erhaben), mediante la degradación (Herabsetzung)”, segundo
Hodgart ibidem, p. 110).
Tendo em vista que se consideram charges políticas como textos satíricos
dirigidos a poderosos políticos, a análise desses textos, presentes em vários jornais,
visa a depreender os recursos com que o gênero é construído com o objetivo de
satirizar a presidente Dilma Rousseff. Da mesma forma, busca-se apreender os valores
que são exaltados ou degradados no gênero. Além disso, o uso da caricatura contribui
também para essa degradação por meio do relevo dado a certos traços; conceitos que
serão discutidos, a seguir. No presente corpus, as charges de Leonardo, normalmente
não apresentam caricaturas, e sim personagens comuns, o que é justificado pela
abordagem de temas do cotidiano, ligados aos problemas do cidadão. Trata-se, no
entanto, de uma exceção entre os autores chargísticos.
Um dos objetivos deste estudo é demonstrar a visão crítica que impera em geral
nas charges políticas, pelo viés da sátira, que tem por fim recusar o estático, as
43

instituições retrógadas, em face do dinamismo humano e do poder de criação e


renovação do riso. Como a caricatura, presente em todos os textos chargísticos, é um
dos elementos que fazem parte do texto com visão crítica, tornando-se também
responsável pelo sentido humorístico, serão tecidas algumas considerações a seu
respeito.

1.4. Surgimento e ascensão da caricatura

O Renascimento é o período propício para o surgimento da caricatura, já que o


homem se percebe no mundo e se reconhece como o centro de todas as coisas, numa
visão antropomórfica do Universo. Sua origem advém do italiano caricare8 que significa
carregar, exagerar nas formas. “La magistral serie de cabezas grotescas de Leonardo
de Vinci. Há sido la fuente de inspiración de toda la caricatura subsiguiente em Europa.
Se trata de tipos, no de retratos de indivíduos, que sugieren abismos infinitos de vicio y
de loucura”, cf. Hodgart (1969, p. 29):

Figura 1: Cabeças grotescas de Leonardo da Vinci. In: Hodgart,


M. La Sátira. Madrid: Edições Guadarrama S.A., 1969, p29.
8
Segundo Brilli et alii (1985, p. 209), Baldinucci define caricatura como carregar, advindo da gíria da
Toscana, em Arte e design, de 1681.
44

O desenho foi utilizado a primeira vez por Mosini (1646) na preparação da edição
dos desenhos do italiano Carrache. Jacques Callot (1592-1635) aperfeiçoa a técnica,
inspirado em retratos grotescos e na commedia dell’arte. Segundo Minois (2003, p
.432), “o primeiro caricaturista profissional aparece no século XVII: é o romano Pier-
Leone Ghezzi (1674-1755), que executa uma galeria divertida de aristocratas,
mecenas, padres e artistas”.
Na Inglaterra, no século XVIII, a caricatura serve para atacar a esfera política
juntamente com o panfleto. O refinamento e a polidez dessa sociedade guarda ainda a
verve escatológica e obscena, por isso além do exagero dos traços do rosto, o seio e o
traseiro são partes focalizadas nas caricaturas. O uso de elementos populares, temas
carnavalescos, e mascaradas, por imagens, serve para alcançar um grande público,
como artesãos, operários iletrados e camponeses ricos, o que favorece a venda dos
jornais e panfletos.
Por outro lado, vale lembrar que a habilidade do criador de caricaturas em
localizar em suas vítimas uma característica própria, gestos inconscientes, mecânicos
para reproduzi-los distorcidamente, faz parte da técnica satírica que permite a criação
de uma réplica do satirizado, de forma que o público logo o reconheça. Por isso traços
fisionômicos, gestos ou tiques aparecem marcados de forma exagerada. Essas
“deformações” físicas e morais da caricatura visam, pelo menos, a lembrar que o
satirizado é uma réplica e não um ser humano único ou inimitável, todo poderoso. De
uma certa forma, tais procedimentos visam à destruição da individualidade e do
orgulho do ser humano.
A função essencial desse processo de criação presente na caricatura
revolucionária, segundo Minois (2003, p. 469), é a dessacralização, o rebaixamento dos
valores antigos, mestres e ídolos: “monarquia, nobreza, clero são precipitados numa
onda de escatologia e obscenidade”. Por isso, talvez, se possa afirmar que, somente
com a revogação das leis de censura à imprensa a partir de 1780, o gênero da
caricatura obteve maior sucesso. De acordo com Lopes (1999), “as ilustrações passam
a ser gravadas segundo diversas técnicas9 novas: litografia (desenvolvida por Aloys

9
Para um estudo detalhado das técnicas de gravura, consultar Aragão (2007, p. 83)
45

Senefelder), madeira de topo, gravura sobre aço e galvanotipia. Essas invenções


barateiam as edições, inaugurando uma nova era — a da reprodutibilidade técnica — e
impulsionando a arte da caricatura”.
Brilli et alii (1985, p. 200) ressalta a influência do maneirismo na caricatura:
Mentre infatti la caricatura esaurisce il proprio valore nella soluzione comica di
un rebus figurativo, il grande ritratto stimola un continuo processo di rilettura e
quindi di ricreazione. (...) l'inesausta esplorazione artistica dei manieristi lascia
tracce ed inizi indelebili nel cammino della caricatura. Èl il caso, ad esempio, dei
volti disegnati in astratto da Leonardo di quel suo ‘toglier’ figure da chiazze
informi per forza d'immaginazione, isolando un vasto campionario di
deformazione fisionomiche.

Por sua vez, o pintor Goya (1746-1828), influenciado pelo Romantismo, cria caricaturas
“repletas do fantástico e da angústia, que ultrapassam o contexto concreto de sua
época e visam ao universal”, cf. Minois (ibidem, p. 471), mas sua arte ficou restrita à
pintura. Somente em 1830, surge, em Paris, a revista La Caricature, fundada por
Charles Philipon, o qual foi preso e pagou pesadas multas por sua postura subversiva,
para os cânones vigentes da época. Em 21 de julho de 1792, um decreto ordena
perseguições contra os autores desses tipos de desenhos, considerados difamadores.
Durante o reinado de Napoleão também a censura imperava, pois regimes autoritários
não toleram críticas e censuras, como se observa até hoje em governos ditatoriais que
não suportam a força corrosiva do riso crítico e mordaz.
Sizeranne apud Almeida e Oliveira (2006, p. 79) propõe a divisão da história da
caricatura em três fases: 1) simbolista: “quando os egípcios recorriam aos animais para
simbolizarem o caráter de suas vítimas, tais como os leões e as gazelas que
representavam reis e concubinas”; 2) deformante “até a Renascença, quando a palavra
italiana caricare dava medida exata de sua finalidade de então”; e 3) característica “nos
tempos mais atuais... quando verdadeiros artistas se dedicaram à caricatura”. Essa
classificação engloba gravuras grotescas, sátiras críticas, e o que se vê até hoje:
caricaturas feitas com muitos objetivos diversos, não apenas estético ou humorístico.
De acordo com Teixeira (2005, p. 92), a caricatura “opera num universo fechado
de expressão de forma e ausência de conteúdo, esgotando e transbordando o
própriosujeito-nomesmosujeito, sem qualquer interação exterior, senão com os traços
físicos originais que o compõem”. Os processos de condensação e de analogia também
são evidenciados na caricatura, conforme destaca Brilli et alii (1985, p. 196):
46

sottratta alla dimensione temporale, né più né meno che la fotografia, la


caricatura recupera ttutavia la propria capacità di riassumere e sintetizzare i tatti
salienti di un personaggio attraverso un processo di condensazione, captando
l'identità e la forza caracterizzante di quei tratti attraverso l'analogia con forme e
simboli del mondo figurale che più ci è familiare.

Há divergências quanto à verdadeira finalidade da caricatura: fazer rir, ou causar


prazer em ridicularizar o opositor. Para Teixeira (2005, p. 93), “sua função é legitimá-los
através de mútuo reconhecimento e plena aceitação, ressaltando sua identidade
recíproca. Na caricatura, a identidade do sujeito é produto de dessemelhanças que
semeiam semelhanças através de traços excessivos em relação ao modelo original”.
Esse processo envolve a referência em que o sujeito reconhece sua identidade objetiva
e a legitimação cuja função é a de promover o deslocamento geral para o singular,
assim produz uma identidade na generalidade.
Sua gramática alternativa é a estética do bruto e muitas vezes até o obsceno que
vai de encontro à passividade e ao conformismo impostos pela sociedade burguesa.
Trata-se de uma estética alternativa que rompe com os modelos normativos e é
transgressora, função que a aproxima do riso regenerador carnavalizado e, por essa
razão, é bastante utilizada no gênero charge.
No Brasil, a primeira caricatura data de 14 de dezembro de 1837, de Manuel
Araújo de Porto Alegre, publicada no Jornal do Commercio. “A ilustração era uma
litografia (gravura com matriz em pedra) do gaúcho Araújo Porto Alegre e ridicularizava
Justiniano José da Rocha, um político cuja importância se evaporou”, depois desse
episódio (SOARES, 1999). A técnica, que era consagrada na Europa e EUA, chega
pela primeira vez ao Brasil, trazendo surpresa e sendo consagrada como nova
invenção artística, que se incorporou aos meios de comunicação da época.
Já Lima (1963), autor da História da caricatura no Brasil, considera o primeiro
caricaturista o Frei Vicente do Salvador, e o no jornalismo, o padre Lopes Gama que
editou em Pernambuco o Jornal Carapuceiro. As controvérsias resultam do surgimento
de caricaturistas competentes que não deixaram os governantes em paz no Brasil,
sempre fazendo críticas e sátiras diversas. Atualmente, novos gêneros surgiram a partir
da caricatura, pois, além da presença dessa, a charge e o cartum apresentam uma
breve narrativa que critica um fato cotidiano. No primeiro caso, o tema liga-se a um fato
47

relativo ao mundo político, enquanto, no segundo, a temática volta-se para assuntos


mais gerais, acontecimentos externos ao Brasil.
A opção pela charge como objeto de estudo fundamenta-se na complexidade do
gênero que congrega o verbal e o não verbal, para veicular crítica, no principal meio
impresso de informação. Seja de projeção regional ou nacional, o jornal registra os
fatos cotidianos, servindo de fonte histórica e de confronto de ideais de toda a
sociedade. Apresentam-se, nesse momento, as principais propriedades do gênero
textual, definidas por estudiosos que se debruçam sobre esse estudo, tendo em vista
compreender a especificidade e a complexidade da charge.

1. 5. Reflexões sobre o gênero Charge

Charges são textos com a informatividade contida basicamente na imagem,


complementada pelo elemento verbal que se apresenta no enlaçamento de uma
polifonia de vozes de diferentes enunciadores: narrador, personagens, dentre outros.
Portanto, as vozes ligam-se às falas dos personagens, mas podem aparecer nas
legendas e no título. Segundo Eguti apud Ramos (2009, p. 49), a legenda seria “a
narração de alguém externo à ação, em que o ‘narrador’ é onisciente e os verbos
apresentam-se em terceira pessoa”. Há, ainda, a legenda-zero que ocorre quando há a
falta do signo de contorno. As falas advêm dos personagens caricaturados, enquanto a
legenda provém do narrador, e o título e outras formas de apresentação do elemento
verbal são originadas da enunciação.
Por tratar de assuntos do mundo da política, a charge pauta-se na caricatura de
personalidades que estejam em relevo, principalmente para criticar, objetivo primordial,
juntamente com o humor. Entretanto, o presente corpus apresenta alguns casos em
que a charge e outros textos opinativos se voltam para a valorização do governo ou da
pessoa da presidente Dilma Rousseff. Uma das explicações talvez se deva ao momento
da coleta do corpus em que o governo estava bem avaliado10 nas pesquisas de opinião
pública e a grande mídia mostrava-se favorável às medidas adotadas, ficando, muitas

10
Consultar texto Anexo K que mostra a pesquisa feita pelo Ibope sobre a avaliação do Governo
48

vezes, sem apresentar o tom pejorativo, caricato e depreciativo nas atitudes agressivas
próprias do gênero.
A charge normalmente provém de um evento deflagrador, tratado por outros
gêneros (notícia, reportagem artigo opinativo), do interesse do leitor e que é revisto
figurativa e criticamente, por isso é fundamental que os leitores tomem consciência do
fato em questão, sob pena de não entender a mensagem calcada em implícitos de
várias ordens. Sua principal característica é ser circunstancial e icônica, pois trata do
assunto muitas vezes que fora divulgado junto com a matéria deflagradora.
Dependendo do chargista, uma charge pode transmitir a mensagem apenas por
meio de imagem ou ser composta ainda pelo elemento verbal. Dentre os critérios
metodológicos de seleção do corpus, optou-se por charges que congreguem os dois
elementos: o verbal e o não verbal. O elemento verbal contribui para a identificação do
ethos em função dos recursos linguísticos e discursivos que o fundamentam, enquanto
a imagem apoia-se muito mais no implícito contextual para a construção dos sentidos.
Ramos (ibidem, p. 56) salienta a hibridação de signos verbais e visuais em três
ordens: 1) icônica (representação de seres ou objetos reconhecíveis), 2) plástica (caso
de uso de textura e cor) e 3) de contorno (aparecimento da borda ou linha que envolve
as imagens). A presença da cor nas charges bem como o traço marcam o estilo do
chargista. Consoante Ramos (ibidem, p. 84), “há um rol enorme de tonalidades
possíveis, o que traz duas consequências imediatas: uma mudança estética do produto
e um novo volume de informações visuais a ser trabalhado pelos artistas e interpretado
pelos leitores”.
Vale destacar alguns questionamentos feitos por Cirne (1970, p.22) no que diz
respeito ao papel ideológico dos comics11 e como se deve pensá-lo no âmbito da
charge: “além da importância ideológica e social, os quadrinhos registram uma
problematicidade expressional de profundo significado estético, tornando-se a literatura
por excelência do século XX”. O autor refere-se à carga informacional transmitida por
esses grandes difusores de cultura, que são veiculados em meios acessíveis (Bancas
de jornais), podendo atingir a um público amplo, se comparado à literatura de uma

11
Gubern (1979, p. 10) explica o termo por se tratar de narrações que durante 25 anos foram
essencialmente cômicas. “Foi apenas em 1929 que surgiu o primeiro comic realista, Tarzan, de Harold
Foster, inspirado na obra de Burroughs”.
49

maneira geral, que exige maior poder aquisitivo para a compra de livros. O valor
expressional desse gênero deve-se principalmente ao emprego da imagem, mas
também ao uso de uma linguagem interativa de valor conversacional, o que os
aproxima do público. Por tudo isso, grande é o poder de influência dos comics, em
vários setores da sociedade, o que os faz hoje serem olhados de um outro ponto de
vista também pelas pesquisas da Academia.
A capacidade de reprodução12 dos comics advém das relações tecnológicas e
sociais que alimentavam o complexo editorial capitalista no século XIX. A rivalidade
entre dois grupos jornalísticos (Hearts vs. Pulitzer) contribuiu para o aumento da
vendagem dos jornais, aproveitando os novos meios de reprodução e criando uma
lógica própria de consumo, cf. Cirne (idem, p. 12). Essa literatura consolidou-se e
transformou-se, adaptando-se a diferentes épocas e culturas. Fazendo um paralelo com
o cinema, Cirne (ibidem, p. 13) destaca que “as técnicas de reprodução aplicadas à
13
obra de arte modificam a atitude da massa diante da arte. Muito reacionária diante,
por exemplo, de um Picasso, esta massa torna-se progressista diante, por exemplo, de
um Chaplin”. Destaca-se, ainda, a anterioridade dos comics e fotonovelas em relação
ao cinema, por exemplo.
Por outro lado, é preciso reconhecer o aspecto positivo do surgimento de uma
literatura marginal, ou seja, de uma literatura popular ou alternativa ao cânone em
função dessa acessibilidade. Facilitada, ainda, pelo componente iconográfico que
possibilita a leitura mesmo daqueles com baixo grau de instrução. A problemática é
muito bem colocada por Marx apud Cirne (ibidem, p. 16), quando detecta no problema
do consumo da arte não apenas um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para
o objeto. No Brasil, há vários exemplos dessa literatura que apresenta um viés social e
político-identitário, como é o caso da Turma da Mônica, de Maurício de Souza, e o Saci-
Pererê, de Ziraldo. Há, ainda, o exemplo do quadrinho argentino que atravessa

12
De acordo com Gubern (idem, p. 17), “das literaturas da imagem, principalmente em duas formas de
vasta aceitação popular: os comics e as fotonovelas, aqueles em sequências de desenhos e estas em
fotografias fixas”. O autor destaca, ainda, que o gênero épico nos comics se desenvolveu a partir de
1929, ano em que se iniciou a grande crise econômica mundial, daí a função consoladora no plano da
imaginação. Soma-se a isso o menor esforço intelectual requerido pela leitura, graças ao componente
iconográfico”, cf. (GUBERN, ibidem, p. 22).
13
Cirne (1972, p. 13) define massa como “uma matriz de onde brota, atualmente, todo um conjunto de
novas atitudes em face da obra de arte. A quantidade tornou-se qualidade”.
50

décadas e mantém o humor de qualidade com um alto teor crítico: a Mafalda, de Quino,
que tem gerações de fãs.
Quanto ao advento da imagem nos textos, pode-se associar sua expansão à
descoberta da fotografia, por volta de 1830, quando se desenvolveu na literatura,
conforme destaque de Cirne. Esse fenômeno ganhou tamanha amplitude que hoje
dificilmente um texto não se faz acompanhar pela imagem e sua importância faz com
que a Academia se volte para o seu estudo, mesmo ainda de uma maneira incipiente,
com exceção talvez dos estudos da teoria Semiótica, que oferece muitos trabalhos na
área14. Tal interesse se deve, muitas vezes, ao vigor com que a imagem ocupa as
mídias e há o interesse crescente da sociedade de um modo geral. Um excesso que
assusta educadores por considerarem o caráter manipulador da imagem, quando
descontextualizada.
De acordo com Teixeira (2005, p. 67), “linguagem alguma se insere nessa pós-
modernidade tão confortavelmente quanto o discurso da imagem, nenhuma outra dá
conta de múltiplas possibilidades de significação e expressão”. A quantidade de
suportes que viabilizam o texto não-verbal, como jornais, revistas, out doors, o mundo
da web, a televisão e o cinema, permite a afirmação de que houve perda da palavra em
prol da imagem, embora, na maioria deles, o verbal e o não verbal se congreguem.
Santaella (2007, p. 141) explica esse fenômeno pelo fato de a cultura brasileira ser
“mais oral e visual, dada a passagem brusca com que nesta se deu a transição da
cultura das letras, nunca muito bem sedimentada no Brasil, para a cultura de massas, o
que pode ser imediatamente constatado no agigantamento da penetração das mídias
rádio e televisão no Brasil”.
Os jornais exemplificam essa preferência do público pelo elemento não-verbal
com o uso excessivo de fotos e imagens, principalmente na propaganda, disputando
espaços com os textos verbais. Santaella (idem, p. 147) apresenta uma pesquisa em
que compara um jornal alemão, FAZ15, com um brasileiro, a Folha (FSP), e conclui que
essa “é muito mais dominada pela ‘ideologia da legibilidade’, ou seja, ela privilegia a

14
Vale destacar o pensamento de Jameson (2004, p. 136) que questiona: “se toda a realidade tornou-se
profundamente visual e tende para a imagem, então, na mesma medida, torna-se cada vez mais difícil
conceituar essa esperiência específica da imagem que se distinguiria de outras formas de experiência”.
15
FAZ (Frankfurter Allgemeine Zeitung)
51

rapidez da leitura e não o aprofundamento das análises, a profusão de temas e dados”,


o que só é possível por meio do texto verbal, defendem alguns.
Assim, a presença de charges e textos de opinião de um jornal completam-se em
termos de conteúdo, não havendo confronto de ideias no próprio veículo de informação.
Essa sincronia requer uma análise comparativa entre mais de um jornal para se
depreender as diferentes perspectivas na compreensão de um fato. Teixeira (2005, p.
65) destaca que a:
manipulabilidade eventual do conteúdo da imagem é o argumento que
frequentemente a desqualifica e desautoriza como documento capaz de
reproduzir fatos como fontes históricas. Entretanto, não há documento que não
implique um ponto de vista, que não resulte de manipulação, uma vez que o
que ele diz, e não diz, faz parte do que a história conta, e não conta.

Esse problema da manipulação é intensificado pela fugacidade com que a imagem


atinge o leitor. Embora não pareça, esse tipo de texto exige cuidado com a leitura, pois,
como em qualquer outro texto verbal, para a compreensão e interpretação, há
diferentes níveis de apreensão da mensagem, baseada em implícitos discursivos, que
dificultam o entendimento do sentido.
Distintamente da relação estabelecida entre o signo verbal e seu referente, a
imagem mantém uma explicitação do seu objeto referente, contudo ela funciona como
um dêtico com uma lógica própria de sua produção e reprodução, já que “remete à
realidade em sua ausência”, cf. Schøllhammer (2007, p. 8). Com isso, cria-se uma nova
realidade que, muitas vezes, nada tem a ver com o fato, embora a aparência do signo
pareça refratar a realidade.
Reside, nessa problemática, a importância de se estudar os sentidos
transmitidos por textos não-verbais com o objetivo de se apreender essas relações
sígnicas estabelecidas com a realidade. Como afirma Schøllhammer (2007, p. 8):
a presença imediata da imagem pode disfarçar sua natureza sígnica e
representá-la sob uma ilusão que lhe confere uma realidade intrínseca. Eis o
poder considerado atualmente uma ameaça à consciência pública e aos moldes
tradicionais da formação letrada: um poder que elimina os limites entre ficção e
realidade, impondo a necessidade de fortalecer os discursos explicativos.

Nesse sentido, este trabalho tem por objetivo analisar “as realidades” construídas em
torno da imagem da presidente Dilma Rousseff, analisando textos verbais que se
complementam com o visual. Com base em seus traços físicos caricaturados,
expressões físicas e verbais e no cenário em que se enquadra, pretende-se observar
52

as depreensões que se podem fazer de diferentes jornais no que diz respeito à


personalidade de Dilma Roussef em determinado momento de seu governo.
Considerando-se a opacidade da linguagem, enquanto objeto de estudo da
Análise do Discurso, verifica-se a necessidade de estudos que, conscientes das
diversas manipulações da linguagem, atentem para os mecanismos de construção das
diversidades semânticas em uma perspectiva crítica. De acordo com Schøllhammer
(2007, p. 9), é importante destacar “o conflito entre o poder imaginativo da palavra -
poder de evocar imagens mentais de importância singular para o sujeito - e a
proliferação de imagens exteriores pré-fabricadas e banalizadas, que distraem o
processo de conscientização na recepção”.
Portanto, um dos objetivos da presente pesquisa é identificar as diferentes
construções discursivas em torno da presidente Dilma de maneira crítica, visando à
apreensão de sua imagem difundida em pelo menos três jornais importantes, dois do
Rio de Janeiro e um de São Paulo. Acredita-se ser necessário que, cada vez mais, a
academia se volte para o exame de textos multimodais, sabendo-se que esse tipo de
linguagem ocupa todos os meios de comunicação, antes dominados apenas pelo
elemento verbal.
53

CAPÍTULO II:
Dos estudos do discurso:
a Teoria Semiolinguística
54

O ego tem sempre uma posição de transcendência


quanto a tu; apesar disso, nenhum dos dois termos se
concebe sem o outro; são complementares, mas
segundo uma oposição ‘interior/exterior’, e ao mesmo
tempo são reversíveis. Procure-se um paralelo para
isso; não se encontrará nenhum. Única é a condição
do homem na linguagem.
Émile Benveniste (1988).

Este capítulo visa à síntese de algumas das principais contribuições aos estudos
de operações discursivo-enunciativas e ao papel dos sujeitos na enunciação.
Destacam-se, em um primeiro momento, os estudos enunciativos de Benveniste (1988
e 1989), Austin (1990), Ducrot (1997) e o pioneirismo de Bakhtin (1929/1981), que
contribuíram com os principais conceitos que norteiam os exames de texto até os dias
atuais. Um segundo momento pode ser considerado com os pressupostos da Análise
do Discurso, de linha francesa, iniciada por Pêucheux, o autor mais representativo
dessa corrente, que se prendia à análise de textos de cunho político, com o enfoque
sobre o discurso, a ideologia da esquerda e o assujeitamento dos sujeitos. O terceiro
momento teórico deste capítulo trata da Análise Semiolinguística do Discurso, proposta
por Patrick Charaudeau, concepção que fundamenta teórica e metologicamente a
presente pesquisa, e baseia-se, sobretudo, no papel do homem na linguagem e nas
operações que dão testemunho e visibilidade a essa presença. Os diversos conceitos
sobre ethos e sua evolução desde o tratamento pela Retórica até visões mais atuais
também farão parte dos fundamentos teóricos que embasam a análise do corpus.

2.1. Primeiros estudos do discurso

A partir do surgimento da Linguística sob o olhar de Saussure, os estudos


evoluíram, com perspectivas críticas em relação à concepção de língua como Sistema
independente da ação do homem. Com o aparecimento dos estudos da língua em
ação, aos poucos, desenvolveram-se teorias voltadas para o texto e para o discurso.
Nesse novo patamar, destaca-se o pensamento de Benveniste que questiona as
diferentes concepções de discurso, e discorre sobre as duas instâncias que o
constituem: a do enunciado e a da enunciação. Por meio desses dois conceitos, é
possível identificar os sujeitos inerentes ao discurso e suas intencionalidades, o que se
55

pretende depreender com base no conhecimento dos mecanismos de construção das


charges, reconhecendo-se as diferentes instâncias e referências implícitas.
Maingueneau (2006, p. 168) faz uma retrospectiva das diferentes noções de
discurso que se estabelecem a partir de Saussure: 1) discurso vs frase: perspectiva
em que Harris designa o discurso como uma unidade linguística constituída de uma
sucessão de frases; 2) discurso vs língua: essa outra se aproxima da dicotomia
saussureana língua e fala, sendo a língua definida por Gardiner como sistema de
valores virtuais que se opõe ao discurso, “ao uso da língua em um momento particular,
que filtra esses valores e pode suscitar-lhes novos”. Benveniste retoma esses conceitos
e os aproxima da enunciação, considerando: “o discurso como sendo a língua
assumida pelo homem que fala, e na condição de intersubjetividade que só a
comunicação linguística torna possível”; 3) discurso vs texto: “o discurso é concebido
como a inclusão de um texto em seu contexto”, portanto considera as condições de
produção e recepção de um texto; 4) discurso vs enunciado: nessa perspectiva o
discurso é considerado como uma “unidade linguística e como traço de um ato de
comunicação sócio-historicamente determinado”. O principal representante desse
pensamento foi Pêucheux, quando propõe a Análise do Discurso francesa.
Para a presente pesquisa, destaca-se a contribuição de Benveniste, que
sistematiza, em seu estudo, as ideias de subjetividade e intersubjetividade, mostrando
que são constitutivas da linguagem. Ao pesquisar as formas linguísticas, o autor
percebe que nem todas remetem a um referente16, como no caso dos dêiticos, que são
atualizados na situação discursiva pelo sujeito que enuncia. Benveniste (1988, p. 283)
separa, então, “de um lado, a língua como repertório de signos e sistema das suas
combinações e, de outro, a língua como atividade manifestada nas instâncias de
discurso caracterizadas como tais por índices próprios”.
O autor, portanto, desenvolve a teoria da enunciação com o objetivo de nomear
o discurso em seu momento único, e demonstra a presença incondicional do sujeito que
fala na linguagem para um tu, sendo o discurso “a língua enquanto assumida pelo
homem que fala, e sob a condição de intersubjetividade, única que torna possível a

16
Segundo Cavalcante (2011, p. 15), “referentes são entidades que construímos mentalmente quando
enunciamos um texto. São realidades abstratas, portanto, imateriais. Referentes não são significados,
embora não seja possível falar de referência sem recorrer aos traços de significação”.
56

comunicação linguística”, ibidem (p. 293). Essa percepção do princípio de alteridade


constitutiva da língua inova os estudos da linguagem, principalmente o conceito de
enunciação, que se refere à “colocação em cena da língua através de um ato individual
de utilização”, cf. Benveniste (1989, 82), ou, em outros termos, à presença dos sujeitos
interagindo e que, por meio da língua, projetam-se para o mundo.
Diferente da noção de subjetividade constitutiva, há referências a instâncias
representativas de seres ou objetos no âmbito estritamente morfossintático,
distanciando-se do ser/ referente. Esse fenômeno estritamente linguístico é importante
para a economia da língua, pois propicia uma quantidade de referência maior. A
separação entre os âmbitos linguístico e discursivo, segundo Benveniste (1989, p. 230),
distingue os estudos semióticos dos semânticos, sendo o primeiro caracterizado “como
uma propriedade da língua; a semântica resulta de uma atividade do locutor que coloca
a língua em ação”. Essa distinção entre língua e discurso ainda hoje consubstancia
outras teorias que tratam do discurso e dos seus integrantes, como a Teoria
Semiolinguística do Discurso, de Patrick Charaudeau, porém esta reelabora esses
conceitos dentro de um quadro teórico próprio, como será visto posteriormente, ainda
neste capítulo.
A pragmática também contribui para os estudos do enunciado e da enunciação,
por meio da Teoria dos Atos de Fala e da Atividade Verbal, postulada pelo filósofo
Austin, segundo o qual a intencionalidade de quem enuncia se manifesta em um ato de
linguagem. O autor julga uma “falácia descritiva” desconsiderar “as circunstâncias em
que a declaração foi feita, as restrições às quais está sujeita” (1990, p. 23), e utiliza o
termo “constativo” no lugar de “declarativo”, já que nem todas as declarações são
verdadeiras ou falsas, mas podem executar ações por meio do dizer.
De acordo com Austin apud Cunha (1991, p. 6), “dizer alguma coisa é fazer
alguma coisa. Este fazer é um ato de linguagem ou um ato de fala”. O autor propõe
alguns desdobramentos em função de seu valor e de sua ação: 1) ato locutório: é o ato
de produção de uma frase dotado de sentido e de uma referência; 2) ato ilocutório (do
latin in em e locutio discurso): o que se faz dizendo, ou seja, atribui-se uma
determinada força; e 3) ato perlocutório: além do que faz por ser também um ato
ilocutório, produz determinados efeitos na pessoa a quem se dirige, podendo se realizar
57

ou não. Todo ato de fala se caracteriza pelas três propriedades, pois “sempre que se
interage através da língua, profere-se um enunciado linguístico dotado de certa força
que irá produzir no interlocutor determinado (s) efeito (s), ainda que não aquele (s) que
o locutor tinha em mira”, conforme analisa Koch (1992, p. 20).
A base desse estudo é a noção de performativo, segundo o qual um enunciado é
visto não só em função do que é dito, mas também do que realiza. Em, por exemplo, eu
abro a porta, “a realização da ação é totalmente independente da enunciação da frase,
a qual não desempenha função alguma nessa realização - o enunciado é constativo”,
cf. Kerbrat-Orecchioni (2005, p. 20). Já em outro caso o performativo executa (ou
performa) uma ação, como pode ser exemplificado em eu declaro aberta a sessão. O
valor ilocucional (força ilocucionária) dos enunciados exige a análise do contexto, mas
também dos papeis sociais, implicando uma perspectiva ampla da linguagem. Nem
sempre é simples avaliar esse valor nos enunciados, que, ainda, podem ser explícitos
(eu ordeno que feche a porta) ou implícitos (feche a porta).
Interessa também ao desenvolvimento deste trabalho a noção de atos diretos e
indiretos, definidos por Austin. Quando diretos, é fácil compreender a sua força
ilocucionária de promessa, ameaça, advertência, pois o valor ilocutório está explícito na
superfície textual. Entretanto, os atos indiretos podem ser polissêmicos e a sua
compreensão depende da convenção estabelecida no contexto em que é utilizado. A
indagação você tem horas exemplifica o segundo caso, já que, por detrás da pergunta,
há a intenção de um pedido para que se informe a hora. Portanto, a Pragmática propõe-
se a apreender na língua (ou nas estratégias da linguagem) valores simbólicos
construídos socialmente e partilhados pelos interagentes.
Essas considerações são úteis à presente pesquisa, pois os textos chargísticos
utilizam-se frequentemente de formas implícitas ou de atos de fala indiretos, que
podem ser explicados pelo contexto. Um autor que tratou dos implícitos foi Ducrot, a
quem se dedica atenção nos parágrafos seguintes, apresentando resumidamente os
seus conceitos de pressupostos e subentendidos. Inicialmente influenciado pela
filosofia da linguagem de Austin e Searle, Ducrot (1987, p. 8) fundamenta seu estudo no
ato de linguagem, referindo-se à enunciação e ao ato ilocutório produzido. Entretanto, o
58

próprio autor aponta no prefácio da obra O dizer e o dito a necessidade de, em seus
estudos posteriores, ir muito além desses conceitos.
A descrição semântica proposta por Ducrot intenta ir além do exame de
elementos linguísticos, abarcando o que denomina “um certo número de leis de ordem
psicológica, lógica ou sociológica, em suma, informações referentes às diferentes
utilizações da linguagem nessa mesma comunidade” (cf. DUCROT, idem, p. 15).
O autor concebe um primeiro componente (conjunto de conhecimentos) para a
descrição semântica linguística de L (locutor), denominado componente linguístico, em
que atribui “a cada enunciado, independentemente de qualquer contexto uma certa
significação, cf. Ducrot (ibidem, p. 15). O segundo componente, o retórico, considera a
significação resultante do primeiro componente, mais as circunstâncias X nas quais é
produzido, e prevê a situação efetiva na situação X. Com base nessa distinção, analisa
as ocorrências em seu contexto e situação de uso ordinário da linguagem que
ultrapassa o âmbito da frase para o nível do enunciado. Para isso, depreende as
definições de pressuposto e subentendido, que se diferenciam de acordo com os dois
componentes e podem ser examinados em função de critérios de modificação sintática,
como a negação ou a interrogação.
Os pressupostos de um enunciado continuam a ser afirmados mesmo que
ocorra a negação deste enunciado ou a sua transformação em pergunta. O autor
exemplifica: “Jacques continua fumando”, que passando para a forma interrogativa
ficaria “Será que Jacques continua fumando ?” e na negativa “É falso que Jacques
continua fumando”. Mesmo com todas essas modificações, o pressuposto de que
“Jacques fumava antigamente” mantém-se. Ducrot (ibidem, p. 18) introduz o conceito
de posto, e exemplifica com o acréscimo de uma oração subordinada: “Pedro17
continua fumando, ainda que o médico lhe tenha proibido o cigarro”, cujo elo de
subordinação se refere ao posto (oração principal). Em função da descrição semântica
em consonância com as construções sintáticas gerais, o fenômeno é tratado na
perspectiva do componente linguístico, diferentemente do que ocorre com os
subentendidos, como se verá a seguir.

17
Nesse enunciado, Ducrot (1987, p, 18) troca o nome Jacques por Pedro
59

Segundo Ducrot (ibidem, p. 19), “o subentendido permite acrescentar alguma


coisa ‘sem dizê-la, ao mesmo tempo em que ela é dita”. Trata-se de possibilidades do
discurso, e difere-se do pressuposto por não corresponder ao sentido literal, e ausentar-
se do enunciado. O autor o enquadra no componente retórico por sustentar-se nas
circunstâncias da enunciação, correspondendo à maneira pela qual o sentido deve ser
decifrado pelo destinatário.
Já os linguistas Charaudeau e Maingueneau (2006, p. 271) explicam os
subentendidos no verbete implícito, considerando sinônimos os dois termos. Para os
autores, “o trabalho interpretativo consiste, pois, em combinar as informações extraídas
do enunciado com certos dados contextuais, graças à intervenção das regras da lógica
natural e das máximas conversacionais, para construir uma representação semântico-
pragmática coerente e verossímel do enunciado”. Pode-se afirmar que os
subentendidos constituem a linguagem, principalmente em função da polissemia e da
intencionalidade inerentes à linguagem. A polidez e os objetivos estratégicos também
colaboram para o uso de subentendidos, protegendo a face daquele que fala por meio
de cuidados estruturais e seleção lexical na construção do discurso.
Além dessas contribuições das teorias da enunciação, é importante para o
estudo das charges o conceito proposto por Ducrot sobre a argumentação por
autoridade que se liga ao termo polifonia dos estudos literários de Bakhtin. Para esse
autor, a polifonia corresponde às várias vozes que falam simultaneamente em uma
obra, conceito que adota na análise de enunciados. Esse autor distingue locutor de
enunciador, o que elucida a compreensão dos conceitos de enunciado e enunciação,
uma vez que “locutor de um enunciado” corresponde ao autor que ele atribui à
enunciação, enquanto enunciadores são as personagens apresentadas pelo enunciado
como autores destes atos, cf. (ibidem, p. 142). Assim, o locutor cria o enunciado,
podendo mostrar-se enquanto enunciador ou não. A ironia é um ótimo exemplo para
diferenciar as duas noções. Junto com Anscombre, Ducrot (ibidem, 215) defende que,
nesse caso, dois enunciadores são colocados em cena, E1 e E2, argumentando em
sentidos opostos.
O estudo da polifonia foi anteriormente proposto por Bakhtin (op.cit), que usou o
termo para nomear o processo de construção poética de Dostoiévski, considerando-o o
60

criador do romance polifônico, diferenciado do diálogo dramático no drama e o diálogo


dramatizado nas formas narrativas, que estiveram sempre guarnecidas pela moldura
sólida e inquebrantável do monólogo, cf.(idem, p. 12). Trata-se, segundo o autor, de um
fazer poético próprio das demandas da sociedade moderna, cujos sujeitos são
investidos de plenos direitos e não de um mundo de objeto.
A transposição dessa cosmovisão dostoievskiana para o âmbito formal ou
discursivo do texto caracteriza-se pela “multiplicidade de consciências equipolentes e
seus mundos que aqui se combinam numa unidade de acontecimento, mantendo a sua
imiscibilidade” (Bakhtin, 1981, p. 2). A autonomia existente entre essas consciências
garantem a igualdade entre suas vozes, reconhecendo o Outro enquanto ser, não como
objeto. Com isso, chega-se a um conceito importante proposto pelo autor, o de
dialogismo, que remete à relação de igualdade na interação entre essas ideias e
pensamentos. Nas palavras do autor (idem, p. 22):
Essa tendência sumamente obstinada a ver tudo como coexistente, perceber e
mostrar tudo em contiguidade e simultaneidade, como que situado no espaço e
não no tempo leva Dostoiévski a dramatizar no espaço, até as contradições e
etapas interiores do desenvolvimento de um indivíduo, obrigando as
personagens a dialogarem com seus duplos, com o diabo, com seu alter-ego e
com sua caricatura”. (p. 22)

A noção de dialogismo é ampla, porque expande o sentido do termo diálogo para


outras dimensões que não formais. Trata-se das ideias implicadas no texto por meio de
outros elementos formais ou implícitos. Segundo Bakhtin (ibidem, p.34):
Há relações dialógicas entre todos os elementos da estrutura romanesca, ou
seja, eles estão contrapontisticamente em oposição. As relações dialógicas –
fenômeno bem mais amplo do que as relações entre as réplicas do diálogo
expresso composicionalmente – são um fenômeno quase universal, que penetra
toda a linguagem humana e todas as relações e manifestações da vida humana,
em suma, tudo o que tem sentido e importância.

Esse fenômeno é comum à consciência humana e mesmo ao discurso, mas até então
não era reconhecido teoricamente em nenhum âmbito, tornando-se, com os estudos
literários e discursivos mais recentes, um conceito fundamental para as análises
enunciativas. Vale ressaltar que o pensamento de Bakhtin baseia-se em uma
61

concepção dialógica de linguagem, rompendo com a positividade das ciências de seu


tempo, em que o sujeito era desconsiderado18.
Assim, passa-se a dizer que a língua não é um sistema abstrato de regras, e
todos os fundamentos da linguagem se fixam no dialogismo, que, segundo Bakthin
(1997), não consiste no diálogo face a face, mas no princípio geral das práticas sociais,
da conexão entre os discursos, na interação entre os sujeitos. Compreender as
relações dialógicas é fundamental em qualquer análise do discurso, que não subsiste
sem o sujeito autor (enunciador) e o interpretante (destinatário), que tem em vista uma
interpretação a partir de um contexto. Toda interação é sociocultural e ideologicamente
definida, porque se fundamenta em práticas enunciativas, e mesmo o gênero do texto
só adquire sentido nas relações sociais e nas relações com outros textos
(intertextualidade).
Dessa forma, as charges materializam representações verbais e visuais em
diálogo com outros textos e com os acontecimentos contemporâneos recriados por ela,
com a finalidade de crítica e reflexão. A representação da realidade pelos sujeitos não é
transparente, porque o discurso está ideologicamente marcado e determinado pelo
contexto e por sua finalidade, o que permite concordar com Knoll e Pires (2012), que
analisam tiras e quadrinhos à luz do dialogismo de Bakthin. No caso das charges, além
do forte traço dialógico, presente em seu discurso, da polifonia e da intertextualidade, a
crítica social se mostra, muitas vezes, regeneradora e transgressora, o que a aproxima
da visão carnavalesca de mundo de que trata Bakhtin (2010).
Embora os conceitos de polifonia e de dialogismo assemelhem-se, deve-se
atentar para o fato de que nem todo texto dialógico é polifônico, mas todo texto
polifônico é dialógico. O dialogismo é constitutivo da linguagem, e responsável pelo
sentido, já a polifonia corresponde às vozes explícitas no texto, diferentemente dos
textos monofônicos, cujas vozes são ocultadas por uma única voz.
Barros (2003, p. 2) examina o dialogismo discursivo como decorrência teórica
para a análise do discurso, destacando dois aspectos: 1) o da interação verbal entre o
enunciador e o enunciatário do texto e 2) o da intertextualidade no interior do discurso.

18
De acordo com Freitas (2005, p. 302), “Bakhtin, ao tratar os fenômenos linguísticos a partir de uma
perspectiva histórica, cultural e ideológica, interliga filosofia, estética, psicologia e semiótica. O fio básico
de toda essa trama é a linguagem”.
62

O dialogismo, enquanto forma de interação verbal, retoma a importância do


subjetivismo na linguagem, proposto por Benveniste. Bakhtin acresce a ideia de julgar o
sujeito como ser histórico e ideológico.
Fiorin (2003), ao se referir ao fenômeno, diferencia intertextualidade e
interdiscursividade com base nas definições de texto e de discurso. O primeiro caso
concerne ao processo de construção, reprodução e transformação do sentido, enquanto
o segundo corresponde ao “processo em que se incorporam percursos temáticos e/ou
percursos figurativos, temas e/ou figuras de um discurso em outro”. O autor destaca
três processos de intertextualidade: a citação19 (serve para reafirmar ou alterar o sentido
original), a alusão (há reprodução sintática e relações hiperonímicas ou figurativizações
do mesmo tema) e a estilização (reproduz-se um efeito de individualização por meio de
recorrências formais). Quanto à interdiscursividade, Fiorin (idem, p. 32) destaca dois
processos: a citação ( quando um discurso repete ideias) e a alusão (quando um
discurso contextualiza outro).
As propostas de categorização da intertextualidade apoiam-se em uma gama de
recursos que justificam o processo. Nesse sentido, vale destacar a sugestão de Koch
(2002, p. 62) que diferencia intertextualidade em sentido amplo e intertextualidade em
sentido restrito. A primeira denomina-se, ainda, de interdiscursividade ou
heterogeneidade constitutiva20, e consiste nas relações com qualquer outro texto
(discurso). A segunda intertextualidade, a restrita, corresponde às relações intertextuais
que podem ser verificadas em termos de forma (estrutura). São elas: a) de conteúdo x
de forma/conteúdo (ocorre entre textos científicos, entre matérias de jornais, entre
textos literários ou de um mesmo gênero por meio da imitação ou paródia com o
repetição de estilos, registros ou variedades da língua); b) explícita x implícita (são
exemplos do primeiro caso o discurso relatado, as citações, as referências, os resumos,
as resenhas e as traduções, e do segundo caso, as alusões, a paródia, certos tipos de
paráfrase e ironia); c) das semelhanças x das diferenças (“o texto incorpora o intertexto
para seguir-lhe a orientação argumentativa”).

19
Sant’Anna (2000, p. 36) considera a estilização uma técnica responsável por dois efeitos: um pró-estilo
ou paráfrase (que retoma a ideia) e um contra-estilo ou paródia (que transforma a ideia).
20
Conceito proposto por Authier-Revuz (1982), que corresponde à presença de outros discursos,
atribuíveis a outras fontes enunciativas
63

A heterogeneidade constitutiva, proposta por Authier-Revuz (1998), refere-se à


natureza do indivíduo enquanto ser dividido em seu inconsciente pelos discursos dos
outros, além de ideologias que escapam à intencionalidade do indivíduo. Já a
heterogeneidade mostrada permite a identificação do discurso de outro em seu próprio.
Apresenta-se de forma marcada, ou seja, explícita (discurso direto ou indireto, aspas,
itálico etc.), enquanto a forma não-marcada é implícita (alusões, discurso indireto livre,
metáforas, neologismo, eufemismo, hipérbole, ironia, pastiche e imitação21). Jenny
(1979, p. 38) também destaca alguns tipos de intertextualidade, das quais se destaca a
paronomásia, bastante comum em charges e histórias em quadrinhos, e corresponde à
“alteração do texto original, que consiste em conservar as sonoridades, modificando
embora a grafia, o que carrega um texto dum sentido novo”.
Todas essas ideias apresentadas de Bakhtin, Benveniste, Austin, Ducrot,
Charaudeau, Maingueneau, Authier-Revuz, dentre outros, visam a fundamentar as
análises de textos de base enunciativa tratadas no presente estudo. A seguir, será
apresentada a primeira fase dos estudos da Análise do Discurso e, posteriormente, os
pressupostos da teoria Semiolinguística, que oferecem suporte ao exame dos textos
chargísticos, no que se refere à “mise-en-scène” dos sujeitos enunciadores e às
estratégias linguístico-discursivas utilizadas por eles.

2.2 A análise do discurso e diferentes correntes teóricas

O difícil ano de 1960, atos institucionais e violência propiciaram o surgimento de


movimentos políticos revoltados com os governos ditatoriais que impunham uma
política de medo e opressão. No âmbito da linguagem, ainda sob a égide do
Estruturalismo, estudiosos das áreas da linguística, sociologia, história e psicologia
voltam-se para a reflexão de como se constrói a ideologia nos textos. Pêucheux é o
precursor de uma abordagem discursiva dos textos, e “ancora sua inspiração no
marxismo althusseriano, na psicanálise lacaniana e na linguística estrutural”, segundo
Maingueneau (2006, p. 12).

21
Os exemplos são dados por Charaudeau e Maingueneau (2004, p. 261)
64

Pêcheux mostra que o sentido depende da formação discursiva a que o discurso


pertence, definindo-a como “a que veicula a forma-sujeito é a formação discursiva
dominante, e que as formações discursivas que constituem o que chamamos de seu
interdiscurso determinam a dominação da formação discursiva dominante”, cf. Pêcheux
(2009, p. 151). O sujeito não percebe o seu assujeitamento, pois sua formação
discursiva é determinada por outros interdiscursos dominantes, com isso a Análise
automática do discurso difunde-se enquanto teoria que se volta para a compreensão
dos textos.
A preocupação com o exame do discurso levou ao aperfeiçoamento da
enunciação e das regularidades associadas às condições de produção, ocasionando o
que Maingueneau (idem) denominou a AD de segunda geração. Nesse período,
surgem diversos estudos voltados para o discurso, e destaca-se, dentre eles, a análise
da conversação, segundo a qual os sujeitos, dentro de um quadro de interação,
realizam uma ação. Maingueneau (ibidem, p. 16) sistematiza essas linhas teóricas da
seguinte maneira:

Tabela 1: Tabela comparativa AD Francesa x AD Anglo-saxã

AD francesa AD anglo-saxã

Escrito Oral
Quadro institucional Conversação cotidiana
Tipo de discurso doutrinário comum

Propósitos textuais Propósitos comunicacionais


Objetivos determinados Explicação — forma Descrição — uso
Construção do objeto Imanência do objeto

Método “estruturalismo” Interacionismo


Linguística e história Psicologia e sociologia

Origem Linguística Antropologia


65

Ao longo do tempo, os estudos do discurso foram se aprimorando, e novas


perspectivas surgem. Não há um gesto fundador que marque o início da Análise do
discurso, como ocorreu com a Linguística a partir da obra de Saussure. A convergência
de estudos do texto, principalmente nos anos 80 e 90, de correntes europeias e anglo-
saxãs, propiciou o reconhecimento de uma área de estudo voltada para o texto e para o
discurso. A Linguística textual destaca-se nesse contexto por contribuir com conceitos
básicos para o estudo do texto, como o de coesão e de coerência.
De acordo com Oliveira (2003, p. 26), “são realmente significativas as correntes
teóricas da análise do discurso, no que se refere ao objeto de estudo, ao método e à
teoria”. Nesta tese, opta-se pela abordagem da Análise Semiolinguística do Discurso,
proposta por Patrick Charaudeau, que se preocupa com a construção do discurso a
partir da materialidade da língua. Para isso, oferece um aparato teórico-metodológico
baseado em um modelo comunicacional que se desdobra em duas dimensões
fundamentais: a linguística e a discursiva, conforme se apresenta no item a seguir.

2.3. A Teoria Semiolinguística do Discurso

O termo Semiolinguístico compõe-se dos vocábulos semiótica e linguística. A


semiótica se refere aos valores semânticos apreendidos não apenas nas formas
linguísticas, mas principalmente em seu entorno extralinguístico, como os processos de
enunciação e elementos psicossociais. A perspectiva extralinguística propicia um
estudo interpretativo amplo de textos, a partir de um olhar crítico na atuação dos
sujeitos enunciativos e no contexto sócio interacional, enquanto a perspectiva
linguística ampara-se nas formas da língua.
Diferentemente da abordagem tradicional que desconsiderava o discurso, essa
teoria se fundamenta na problemática da comunicação construída por uma mise-en-
scène cujos parceiros participem conjuntamente, exercendo papéis em prol de um
projeto de comunicação. O emprego do termo mise-en-scène justifica-se por se
conceber a linguagem como uma encenação que parte de um sujeito que organiza o
mundo e constrói sentidos de acordo com um objetivo para persuadir um outro sujeito
que, por outro lado, precisa descodificar o texto, interpretar e aceitar participar do jogo.
66

Esse projeto comunicativo, iniciado por um sujeito, vale-se do contrato


comunicativo, estabelecendo a comunicação com um sujeito destinatário. Patrick
Charaudeau (2008, p. 56) define essa noção como “os indivíduos pertencentes a um
mesmo corpo de práticas sociais estejam suscetíveis de chegar a um acordo sobre as
representações linguageiras dessas práticas sociais”. Trata-se do processo interativo
próprio a um ato de linguagem em que um sujeito falante se dirige a um sujeito
destinatário com um objetivo determinado.

2.3.1. Os sujeitos, o “contrato” e estratégias do discurso

O contrato comunicativo se estabelece com base em dois circuitos: um interno e


um externo. No primeiro caso, tem-se o âmbito da linguagem em que o sujeito do
discurso, denominado sujeito enunciador (EUe) se dirige a um outro sujeito também
discursivo, o sujeito destinatário (TUd). Conforme Charaudeau (2008, p. 45), “o TUd é o
interlocutor fabricado pelo EU como destinatário ideal, adequado ao seu ato de
enunciação”, e existe apenas enquanto ser do discurso, assim como o TUd. No
segundo caso, os sujeitos são seres sociais, e pertencem ao circuito externo do ato de
linguagem. Charaudeau intitula esses seres reais e com identidade psicossocial de
sujeito comunicante (EUc) e sujeito interpretante (TUi) em que “o Eu-comunicante não
tem domínio sobre o Tu-interpretante e a imagem do Eu-enunciador que o primeiro
tenta passar ao segundo pode ser recusada por este”, de acordo com Oliveira (2003, p.
28).
A materialidade desse projeto de comunicação se efetiva no texto e para analisá-
lo, segundo Charaudeau (1992, p. 634), é preciso considerar: 1) o sistema da língua
onde se configura o conteúdo explícito; 2) o próprio texto que é o resultado material do
ato de comunicação com “as escolhas conscientes ou inconscientes que o sujeito
falante fez nas categorias da língua e os modos de organização do discurso em função
das restrições impostas pela situação”; 3) a situação comunicativa que diz respeito aos
67

elementos “externos22” ao texto; 3) e os modos de organização do discurso que são o


narrativo, descritivo, argumentativo e o enunciativo).
A produção de um texto se dá em um espaço de liberdade e restrições,
responsável pela escolha do léxico, das estruturas sintáticas, do tipo de registro dentre
outros, de acordo com o projeto comunicativo. Charaudeau (2008, p. 69) afirma que “as
categorias da língua não constituem um princípio de classificação de discursos nem de
textos, pois podem ser encontradas em todos os tipos de textos”. O texto é construído a
partir de outras categorias que transpõem o âmbito da língua, abarcando os processos
de coesão e coerência textual. Os sujeitos, a princípio, externos ao discurso integram-
no, e desdobram-se em diferentes instâncias enunciativas.
A situação comunicativa se refere “ao ambiente físico e social do ato de
comunicação”, diferente do contexto que corresponde ao texto. O ato de linguagem é
fundado nos princípios de alteridade (reconhecimento do outro), de influência
(condução do outro para si) e de regulação (praxiologia do agir sobre o outro). Esses
princípios externos à linguagem, juntamente com os elementos internos à língua e ao
discurso, norteiam a presente pesquisa, porque dizem respeito aos papéis atribuídos
aos sujeitos do discurso, no caso das charges, do sujeito comunicante desdobrado em
enunciador e este em narrador e personagens.
O sujeito comunicante que é o chargista se insere no jornal, portanto pertence a
um espaço de influência específico e regulador. Os outros componentes de persuasão
se inserem no quadro de propriedades do gênero charge que, conforme visto
anteriormente, trata-se de um texto crítico baseado em fatos e personagens políticos,
normalmente caricaturados depreciativamente.
Uma análise textual exige ainda a descrição dos modos de organização do
discurso, que será explicitada a seguir, junto aos conceitos de tipos e gêneros textuais.
Nesse momento, retomam-se os procedimentos linguísticos e discursivos para
pormenorizar a construção de sentido, teorizada por Charaudeau (2005, p. 14) como
um duplo processo. Essa semiotização do mundo se dá pela transação que conduz a
transformação, já que são os objetivos da interação pelos textos que comandam o uso

22
É importante frisar que o que se chama de elementos externos ao texto são, na verdade, intrínsecos ao
texto, porém de maneira subliminar
68

da língua. Por meio da transformação, o mundo a significar transforma-se em mundo


significado, utilizando-se as operações de identificação, qualificação, ação e causação.
A transação é regida pelos princípios da alteridade (a interação com o outro que
o legitima enquanto tal), de pertinência (o reconhecimento do universo de referências),
de influência (o tipo de relação que pretende instaurar com o outro) e de regulação (o
espaço de estratégias inscrito no dispositivo sócio-linguageiro). Charaudeau (idem, p.
42) compila esse processo em um esquema que representa o discurso informativo:

Mundo a Instância de Mundo Instância de Mundo


descrever e produção da descrito e recepção interpretado
a comentar informação comentado interpretação

Processo de transformação Processo de interpretação


Processo de transação

Charaudeau (2008), em sua obra Discurso político, afirma que “a política é um


espaço de ação que depende dos espaços de discussão e de persuasão que, para
serem válidos, devem ser divididos em domínios, pois toda sociedade tem necessidade
de reconhecer e de classificar trocas realizadas”. É nessa perspectiva que se torna
importante considerar não apenas o gênero charge, mas o jornal em que se insere, com
o objetivo de examinar as informações sobre a identidade da presidente Dilma Rousseff
em função de sua identidade e de seus engajamentos.
O pensamento político, segundo Charaudeau (idem, p. 40), é “um lugar de
elaboração dos sistemas de pensamento, um lugar cujo sentido está relacionado ao
próprio ato de comunicação, um lugar onde é produzido o comentário”. Nesse sentido,
espera-se apreender das charges, em diálogo com outros textos que tratam do mesmo
tema, o sistema de pensamento do discurso político de cada jornal. Diferentemente da
proposta de Charaudeau que debruça sua análise na figura do político, enquanto
produtor do discurso, esta tese fundamenta-se no discurso político construído pela
mídia a respeito da presidente.
69

O discurso político como sistema de pensamento é o resultado de “uma atividade


discursiva que procura fundar um ideal político em função de certos princípios que
devem servir de referência para a construção das opiniões e do pensamento” (ibidem).
A escolha de três jornais como corpus desta pesquisa baseia-se na apreensão de três
distintos sistemas de pensamento em torno da imagem da presidente, tendo em vista a
diferença espacial entre o Rio de Janeiro (“O Globo” e “Extra”) e São Paulo (“Folha de
S. Paulo”), e a de classe social, sendo voltados para a elite (“O Globo” e “Folha de São
Paulo”) e para o público popular (“Extra”).
A charge enquanto ato de comunicação é também a construção de um discurso
político, o qual, segundo Charaudeau (ibidem), “concerne mais diretamente aos atores
que participam da cena de comunicação política, cujo desafio consiste em influenciar
opiniões a fim de obter adesões, rejeições ou consensos”. Faz parte da natureza da
charge a crítica à política, assim o chargista não é o único sujeito comunicante, pois
integra o sistema de pensamento do jornal enquanto instituição, portanto há uma
convergência de posicionamento entre a charge e o jornal
O discurso político como comentário “tem por finalidade não engajar o sujeito
que o sustenta em uma ação. Ele pode ser revelador da opinião do sujeito que
comenta, mas sem que se saiba necessariamente qual é seu grau de engajamento em
relação àquela” (ibidem). Os discursos midiáticos, como são os casos da charge e dos
textos opinativos que informam e comentam os acontecimentos diários do mundo
políticos, não intervêm diretamente nos atos políticos. Segundo Rosanvallon apud
Charaudeau (ibidem, p. 45), o conceito de política concerne ao poder e à lei, ao Estado
e à Nação, à igualdade e à justiça, à cidadania e a civilidade, enfim, de tudo o que
constitui uma cidade além do campo imediato da competição partidária para o exercício
do poder, da ação governamental no dia a dia e da vida ordinária das instituições.
Definido o conceito de política, procede-se ao conhecimento do contrato de
comunicação política. Charaudeau (ibidem, p. 53) propõe o conceito de dispositivo que
“estrutura a situação na qual se desenvolvem as trocas linguageiras ao organizá-las de
acordo como os lugares ocupados pelos parceiros da troca, a natureza de sua
identidade, as relações que se instauram entre eles em função de certa finalidade”.
Nesta tese, optou-se pela análise de um macrodispositivo conceitual de situação de
70

crítica e de informação e de um microdispositivo correspondente à imprensa escrita.


Além disso, as charges e os textos opinativos também são microdispositivos.
A problemática em torno do duplo dispositivo da instância midiática gira em torno
da: exibição (busca por credibilidade) e do espetáculo (busca por cooptação).
Charaudeau (2008, p. 63) afirma que:
O discurso da instância midiática encontra-se entre um enfoque de cooptação,
que o leva a dramatizar a narrativa dos acontecimentos para ganhar a
fidelidade de seu público, e um enfoque de credibilidade, que o leva a capturar
o que está escondido sob as declarações dos políticos, a denunciar as
malversações, a interpelar e mesmo acusar os poderes públicos para justificar
seu lugar na construção da opinião pública.

Tanto o discurso midiático como o político visam à cooptação de seu interlocutor, que
representa a instância cidadã.
Charaudeau23 apresenta o seguinte esquema que resume uma situação de
comunicação:

Quadro 1: Esquema da situação de comunicação

Situação de comunicação
(finalidade)

Instruções discursivas

Sujeito

Estratégias

Legitimação Credibilidade̸ Identificação Captação


(contacto) (Imagem) (emoção)
(relação) Ethos Pathos

23
Palestra proferida por Charaudeau, na Faculdade de Letras, da UFRJ, em 2012.
71

O autor explica a dupla identidade do sujeito falante que se desdobra em ser


social (cuja legitimidade é atribuída) e discursivo (que resulta de uma construção
baseada na credibilidade e na captação). Portanto, a legitimidade é um direito,
atribuído, ao sujeito, enquanto a credibilidade é uma capacidade, construída,
discursivamente. De acordo com Charaudeau (idem, p. 84), a adesão a determinado
valor depende da estratégia utilizada pelo político na construção de sua imagem (ethos)
para fins de credibilidade e de sedução, da dramatização do ato de tomar a palavra
(pathos) para fins de persuasão, da escolha e da apresentação dos valores para fins de
fundamento do projeto político.
Pretende-se apreender as estratégias linguísticas e discursivas empregadas
pelos chargistas para construir uma reflexão sobre o que diz respeito à credibilidade
com base em valores transmitidos a partir dos principais acontecimentos políticos em
voga. Para a apreensão desses valores responsáveis pela construção do ethos ou dos
ethés de Rousseff, Charaudeau (2008) propõe uma nomenclatura na qual se fundam os
pressupostos teóricos da presente tese, assunto a ser tratado no próximo capítulo.

2.3.2. Tipos, gêneros e modos de organização do discurso

Desde a retórica antiga e clássica, há uma preocupação em se classificar os


textos, e na Linguística, é a partir de Bakhtin que esses estudos ganham importância e
comandam os estudos atuais de textos e discursos. Para isso, dividiu os em primários e
secundários. O primeiro caso diz respeito aos textos ordinários, utilizados no cotidiano,
principalmente no âmbito oral. Os textos secundários correspondem aos mais
elaborados, basicamente escritos como científicos, artísticos e jornalísticos, caso do
presente corpus. Para Bakhtin (2003, p. 268):
Os enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos, são correias de
transmissão entre a história da sociedade e a história da linguagem. Nenhum
fenômeno novo (fonético, léxico, gramatical) pode integrar o sistema da língua
sem ter percorrido um complexo e longo caminho de experimentação e
elaboração de gêneros e estilos.

Não há consenso entre os estudiosos quanto às possibilidades e tipos de


categorização dos textos. Opta-se, no presente estudo, pela nomenclatura de
Charaudeau que se baseia em Bakhtin para classificar os gêneros, e propõe mais duas
72

tipologias para análise de textos: a de tipos e modos de organização textual. De acordo


com Bakhtin (idem, p. 262), “qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro,
individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente
estáveis de enunciados”. Portanto, o gênero escolhido para retratar a imagem da
presidente Dilma Rousseff é a charge jornalística, com suas propriedades já destacadas
no primeiro capítulo desta tese.
Além da charge, serão examinados os gêneros manchete, notícia, editorial,
reportagem, enfim textos opinativos que dialoguem com a temática da charge. As
manchetes são típicas das capas de jornais e revistas, e resumem a informação em um
breve título. As notícias se distinguem pelo caráter de novidade, supostamente
desconhecido do público. O editorial caracteriza-se pelo “acontecimento comentado”, e
seu propósito se volta para o domínio político e social. O papel das reportagens é
explicar um fato, de maneira global, e propondo questionamento. Para Charaudeau
(2006, p. 221), a reportagem:
recorre a diversos tipos de roteirizações, utilizando os recursos designativos e
visualizantes da imagem, para, por um lado, satisfazer as condições de
credibilidade da finalidade de informação (com formatos de investigações, de
testemunhos, de reconstituição detalhada trazendo a prova da existência dos
fatos e da validade da explicação), por outro, satisfazer às condições de
sedução da finalidade de captação (dramatizações destinadas a trocar a
afetividade do espectador).

No projeto de comunicação instaurado pelo enunciador, além de escolher o


gênero, seleciona-se o ramo de atividade adequado ao seu contrato comunicativo,
normalmente um se vincula ao outro. No presente estudo, opta-se pelo tipo jornalístico,
uma vez que os gêneros são retirados da mídia impresa, caracterizada pela distância
entre aquele que escreve e aquele que lê. Charaudeau (idem, p. 204) propõe que para
classificar os textos é preciso considerar o grau de generalidade (conforme os gêneros),
o lugar de construção de sentido (de acordo com os tipos) e o modo de organização do
discurso, o qual se verá agora. Em qualquer texto, a instância produtora escolhe uma
maneira de produzir o seu discurso, e alcançar o seu propósito, seja descrevendo
(modo descritivo), contando (modo narrativo) ou explicando e persuadindo (modo
argumentativo).
Para a situação de comunicação midiática, Charaudeau (ibidem, p. 150) dispõe
de três categorias de base para classificar o acontecimento midiático em notícia: relatar
73

(o que acontece ou aconteceu no espaço público, construindo um espaço de mediação


denominado de acontecimento relatado), comentar (o porquê e o como do
acontecimento relatado por análises e pontos de vista, portanto é o acontecimento
comentado) e provocar (o confronto de ideias, com o auxílio de diferentes dispositivos,
sendo o acontecimento provocado). O autor dispõe de um esquema em que sistematiza
todas essas informações:

Quadro dos modos de discursivos

Modos discursivos dos acontecimentos midiáticos

Acontecimento midiático (AM)

Acontecimento relatado (AR) Acontecimento comentado (AC) Acontecimento provocado (AP)


Construção de um espaço temático Construção de Construção de um espaço de
rubricado um espaço problematizado debate público externo às mídias
(anunciado̸noticiado̸tratado)

Fato relatado Dito relatado Tribunas Entrevistas Debates


Análise de
Comentário opinião
Ponto de Ponto de Ponto de vista
vista vista (editoriais, investigações,
reportagens, crônicas)
Fato Reações Declaração Reações

Descrição Explicação Palavras Ações Apresentação Explicação Palavras Ações

Atores Ações Contexto A̸T Testemunhas Aproximações Focalização

Não cabe a este estudo detalhar o esquema, uma vez que o corpus é composto
de textos opinativos, que, de acordo com a proposta, são produzidos de forma a
comentar o acontecimento. Conforme Charaudeau (ibidem, p. 175), “comentar o mundo
constitui uma atividade discursiva, complementar ao relato, que consiste em exercer
suas faculdades de raciocínio para analisar o porquê e o como os seres que se acham
no mundo e dos fatos que aí se produzem”, diferentemente do relato que trata a notícia,
baseando-se em fatos e ditos.
Há gêneros que se propõem a explicitar o ponto de vista de seus sujeitos
produtores, o que acarreta a procura por esses textos. É o que ocorre com editoriais,
74

artigos assinados, reportagens e mesmo algumas manchetes e charges. Charaudeau


(ibidem) destaca as propriedades da mecânica argumentativa: 1) problematizar (emitir
um propósito – o tema que se fala; inseri-lo numa proposição – o questionamento; e
trazer argumentos – persuadir); 2) elucidar (reconstituir uma sequência de fatos, e
seguir relações de causa e efeito, raciocinar por analogia); e 3) avaliar
(conscientemente ou não, o sujeito expõe sua opinião ou formula uma apreciação
subjetiva).
O autor ainda destaca os modos de raciocínio simples e motivadores que
garantem o equilíbrio entre a credibilidade e a captação: 1) fazer simples (restrição, em
que se faz uma retificação ou correção; a alternativa, que consiste em contrapor duas
afirmações, e a comparação, que compara um fato a uma experiência humana); e 2)
ser motivador (os argumentos são escolhidos em função de seu valor de crença). Por
outro lado, há escolhas que ameaçam a vulgarização midiática: a deformação (uma
informação pode dizer mais ou menos do que se espera), o amálgama (designa e
classifica todo novo acontecimento em relação a anteriores) e a psicologização (são
correlações, como acusar um responsável, objetivando a captação, e
consequentemente a repercussão).
O tratamento que as charges dão ao acontecimento24 visa a recriá-lo. Para
isso, comenta-o por meio da narrativa (relato) de fatos. O sujeito enunciador chargista
tem sua licença para opinar da maneira mais explícita possível, contanto que empregue
a imaginação para recriar um ambiente de ficção. A credibilidade está na qualidade do
humor que, normalmente, baseia-se em trocadilhos, ambiguidade, transposição de
ambientes e rebaixamento de personalidades políticas. A crítica feroz também é um
ingrediente importante na captação do leitor, legitimada pela tradição do gênero em
atacar pessoas de projeção na sociedade, mas pode aparecer o cidadão comum
também.
Para concluir sobre os discursos da mídia, resta classificar os textos como
monológicos, tendo em vista a situação de troca cujo interlocutor não tem direito ao seu
turno de fala. As charges apresentam diálogos entre os personagens, contudo trata-se

24
Sugere-se ao gênero midiático charge a denominação de acontecimento recriado, uma vez que, antes
de qualquer maneira de organizar o discurso, é preciso recriá-lo pela imagem, pela cenografia, pelos
diálogos.
75

da situação intratextual ficcional. O enunciado é produzido apenas por um sujeito


produtor, o chargista. O exemplo abaixo mostra o tratamento dado pela charge ao
acontecimento: alta da candidata Dilma Rousseff nas pesquisas eleitorais à presidência
da República. Nesse caso, o humor está na comparação do, então, presidente Lula
com o “incrível Huck”, que simboliza a força, necessária para levantar a imagem de
Rousseff nas pesquisas.

Figura 2: Charge, “O incrível Lula”. Folha de São Paulo.


76

CAPÍTULO III:
O debate sobre o ethos
na Análise do Discurso
77

O homem é, portanto, ao mesmo tempo sujeito e objeto,


conhecedor do mundo e por este desconhecido, ‘soberano
súdito, espectador observado.
Patrick Charaudeau. In: Discurso político

O conceito de ethos advém da Antiguidade, com Aristóteles, e hoje ganha


espaço sendo discutido em várias áreas de conhecimento, mas principalmente nos
estudos de linguagem. Nesta pesquisa, serão considerados trabalhos de dois teóricos
da Análise do Discurso Francesa: Maingueneau (1993, 2005, 2005) que retoma o
conceito clássico e o adapta aos discursos atuais, e Charaudeau (1999, 2001 e 2006),
que analisa o termo pela Análise Semiolinguística do Discurso, sua teoria, que norteará
o presente estudo; a Sociologia também aborda essa discussão representada aqui na
teoria de Amossy (2005).

3.1. A definição de ethos e suas origens na Retórica Clássica

O conceito de ethos foi proposto por Aristóteles, que, em sua obra Arte Retórica
e arte poética(s.d) volta-se para a persuasão, na qual compara retórica e dialética
destacando semelhanças e diferenças entre elas. “Entre as provas fornecidas pelo
discurso, distinguem-se três espécies: umas residem no caráter moral do orador;
outras, nas disposições que se criaram no ouvinte; outras no próprio discurso, pelo que
ele demonstra ou parece demonstrar”. (p. 33) Trata-se da tríade denominada ethos,
logos e pathos, contudo Aristóteles acreditava que “o caráter moral deste [o orador]
constitui, por assim dizer, a prova determinante por excelência”. (p. 33)
Aristóteles (p.39) atribui três elementos ao discurso: 1) a pesssoa que fala (o
ethos); 2) o assunto de que se fala (o logos); 3) a pessoa a quem se fala (pathos).
Classifica o discurso em três categorias fundamentadas nos ouvintes:

Tabela 2: Classificação do discurso, segundo Aristóteles


Ouvintes Decide sobre o Gêneros Função
Membro da Passado Deliberativo Aconselha-se ou
Assembléia desaconselha-se
Espectador ou juiz Futuro Judiciário Acusação e defesa
Espectador Presente (faculdade Demonstrativo Elogio e a censura
oratória) (epidíctico)
78

Essa proposta revela a preocupação e aproximação com a discussão dos gêneros do


discurso, que se fundamentam na natureza e função dos textos.
De acordo com Vitale (2010, UFRJ), “Aristóteles se aparta de seus antecesores,
específicamente de Platón (Gorgias) e Isócrates (Antídosis)”, segundo os quais a
influencia do orador está condicionada a sua vida real. A Retórica latina se inspira em
Isócrates e considera o ethos “como algo preexistente que se apoya en la autoridad
individual e institucional del orador (la reputación de su familia, su estatus social, lo que
se sabe de su modo de vida, entre otros elementos)”, cf. idem. Quintiliano defende que
só um homem de bem pode ser um bom orador, e Cícero define um bom orador um
homem de caráter e com capacidade de manejo com palavras.
No Renascimento, a Retórica se torna centro de estudos poéticos, e contribui
para o desenvolvimento da teoria dos tropos. Na segunda metade do século XX,
Perelman y Olbrechts-Tyteca, retomam a perspectiva persuasiva, denominando de
Nova Retórica, que remete para as condições do orador, crenças e valores do auditório
para construir uma imagen confiável de si. Barthes também se debruça sobre o estudo
do ethos, definindo-o como “aquellos rasgos de carácter que el orador debe mostrar al
auditorio, independientemente de su sinceridad, para causar una impresión favorable”,
cf. Vitale (idem).

3.2. O conceito de ethos segundo Maingueneau

Esse autor pode ser considerado um analista do discurso, porque, além de seus
estudos sistematizarem inúmeros recursos linguísticos, caros à análise de textos, como
é o caso das marcas autonímicas25, nota-se sempre uma preocupação com os sentidos
implícitos a essas marcas, ou seja, um dito não explicitado. Essa preocupação é
atribuída, por M. Pêcheux apud Mainguenau (1993), à Análise do discurso que se
propõe a “apenas construir procedimentos que exponham o olhar leitor a níveis opacos à ação
estratégica de um sujeito.”

25 Maingueneau, Dominique. Modalização autonímica, aspas, itálico. In: Análise de textos de


comunicação. 4ª Ed. São Paulo: Cortez, 2005.
79

Nessa perspectiva, o autor retoma o conceito de ethos, proposto por Aristóteles,


e o traz para a análise do discurso, adequando-o ao momento atual dos estudos da
linguagem. Nas palavras de Maingueneau (1993, p. 45),
A AD, entretanto, só pode integrar a questão do ethos retórico, realizando um
duplo deslocamento. Em primeiro lugar, precisa afastar qualquer preocupação
“psicologizante” e “voluntarista”, de acordo com a qual o enunciador, à
semelhança do autor, desempenharia o papel de sua escolha em função dos
efeitos que pretende produzir sobre seu auditório. Na realidade, do ponto de
vista da AD, esses efeitos são impostos, não pelo sujeito, mas pela formação
discursiva. (...) o que é dito e o tom com que é dito são igualmente importantes
e inseparáveis.

A concepção antiga atribui à imagem do sujeito enunciador unicamente o seu propósito


comunicativo, diferentemente do que se verifica com as descobertas dos estudos
atuais, principalmente da pragmática que considera outros aspectos que influenciam a
interação. O próprio fato de haver uma interação e, nela, o enunciador se colocar,
interfere em seus posicionamentos, podendo se modificar de acordo com as respostas
que seu interlocutor (ouvinte) oferece e de seu grau de aceitabilidade. Além disso, o
momento, as condições de produção, os objetivos etc. também influenciam a imagem
do enunciador.
A diferença entre enunciado e enunciação contribui muito para os estudos de
ethos, pois, como será discutido, nesta pesquisa, enquanto alguns autores investigam
esse conceito na superfície textual, isto é, no enunciado, outros procuram suas marcas
nos elementos subentendidos que apontam os sujeitos do discurso, portanto, na
enunciação. Esse é um dos aspectos da abordagem do conceito que se tentará
esclarecer ao longo da pesquisa.
Na retórica, o que predominava era a palavra viva, por isso o discurso se
integrava efetivamente ao aspecto físico do orador, seus gestos bem como sua
entonação. Assim, conforme Maingueneau (1993, p. 45), entendia-se por
ethé as propriedades que os oradores se conferiam implicitamente, através de
sua maneira de dizer: não o que diziam a propósito deles mesmos, mas o que
revelavam pelo próprio modo de se expressarem. Aristóteles distinguia desta
forma phrônesis (ter o aspecto de pessoa ponderada) Arete (assumir a atitude
de um homem de fala franca, que diz a verdade crua), eunóia (oferecer uma
imagem agradável de si mesmo), etc.

Como se pode observar, esse conceito tradicional tratava de um sujeito físico, real,
diferentemente dos estudos atuais que se voltam para o texto/discurso, principalmente
80

o escrito. Maingueneau (idem, p. 46) aproveita os conceitos de tom e de corporalidade,


advindos da antiguidade, definindo-os como: “o tom está necessariamente associado a
um caráter e a uma corporalidade. O “caráter” corresponde a este conjunto de traços
“psicológicos” que o leitor-ouvinte atribui espontaneamente à figura do enunciador, em
função de seu modo de dizer. (...) “corporalidade”, que remete a uma representação do
corpo do enunciador da formação discursiva”. Verifica-se, portanto, um ethos discursivo,
mas que leva para o texto suas características da vida social.
O conceito de tom remete ao conteúdo referente ao enunciador, como, por
exemplo, seu papel social, suas características de ‘caráter’, verificadas no enunciado ou
na enunciação, por meio de uma corporalidade, que corresponde às marcas do texto,
sejam elas explícitas ou implícitas. Entretanto, a leitura desses conceitos não esclarece
a compreensão do conceito de ethos, pois cria a dúvida se corresponderia a um sujeito
estritamente discursivo ou real.
Na tentativa de esclarecimento, Maingueneau (2005, p. 98) explica que “o tom dá
autoridade ao que é dito. Esse tom permite ao leitor construir uma representação do
corpo do enunciador (e não, evidentemente, do corpo do autor efetivo). A leitura faz,
então, emergir uma instância subjetiva que desempenha o papel de fiador do que é
dito”. Desse modo, verifica-se que, embora se considere as marcas externas desse
ethos, elas só poderão ser reconhecidas por meio do discurso.
Um outro conceito importante, apresentado pelo autor, que favorece a
construção do tom, é o ethos pré-discursivo, definido por Maingueneau (2005, p. 71)
como
os enunciadores, que ocupam constantemente a cena midiática, são
associados a um ethos que cada enunciação pode confirmar ou infirmar. De
fato, mesmo que um co-enunciador não saiba de nada previamente sobre o
caráter do enunciador, o simples fato de que um texto pertence a um gênero de
discurso ou a um certo posicionamento ideológico induz expectativas em
matéria de ethos.

Portanto, o ethos pré-discursivo não se limita ao enunciado, pelo contrário apoia-se no


contexto textual, como o gênero, e extratextual, como a situação comunicativa (que, por
exemplo, pode atribuir credibilidade e legitimidade).
O autor esclarece o caráter enunciativo e o separa do aspecto social da
linguagem. A definição de fiador exemplifica essa ambiguidade, pois, embora remeta
81

aos elementos do texto, atua junto à corporalidade que remete ao contexto externo ao
texto. Nas palavras de Maingueneau (ibidem, p. 72),
De fato, a noção tradicional de ethos — como a de seu equivalente latino
mores, “os caracteres oratórios” — recobre não somente a dimensão vocal, mas
também o conjunto das determinações físicas e psíquicas atribuídas pelas
representações coletivas à personagem do orador. O “fiador”, cuja figura o leitor
deve construir com base em indícios textuais de diversas ordens, vê-se, assim,
investido de um caráter e de uma corporalidade, cujo grau de precisão varia
conforme os textos. O “caráter” corresponde a um feixe de traços psicológicos.
Quanto à “corporalidade”, ela é associada a uma compleição corporal, mas
também a uma forma de vestir-se e de mover-se no espaço social. Caráter e
corporalidade do fiador apóiam-se, então, sobre um conjunto difuso de
representações sociais valorizadas ou desvalorizadas, de estereótipos sobre os
quais a enunciação se apóia e, por sua vez, contribui para reforçar ou
transformar. Esses estereótipos culturais circulam nos registros mais diversos
da produção semiótica de uma coletividade: livros de moral, teatro, pintura,
escultura, cinema, publicidade.

A definição de corporalidade remete às marcas formais do texto, mas também a seus


aspectos exteriores, portanto o conceito de ethos abarcaria também os aspectos
exteriores do sujeito enunciador. Talvez a explicação para isso esteja no próprio sentido
de discurso, que, para Maingueneau (ibidem, p. 73), “O discurso (...) é um
acontecimento inscrito em uma configuração sócio-histórica e não se pode dissociar a
organização de seus conteúdos e o modo de legitimação de sua cena discursiva”.
Maingueneau propõe tais conceitos com o objetivo de esclarecer melhor o termo
ethos em função dos diversos aspectos que contribuem para a construção da imagem.
Assim, são aproveitadas as definições de tom e corporalidade, da retórica; fiador e
ethos pré-discursivo, e ainda o de ethos dito e ethos mostrado. Estes parecem resolver
a problemática das marcas do enunciado e da enunciação, sendo o primeiro
responsável pelo ethos dito e o segundo, pelo ethos mostrado.
É necessária uma investigação de todos os elementos dispostos na cena
enunciativa para vislumbrar os efeitos de sentido e o modo com que se relacionam.
Nesse sentido, Maingueneau (ibidem, p. 70) afirma que
Em termos mais pragmáticos, dir-se-ia que o ethos se desdobra no registro do
“mostrado” e, eventualmente, no do “dito”. Sua eficácia decorre do fato de que
envolve de alguma forma a enunciação sem ser no enunciado. Ducrot
reformula-o assim em sua teoria “polifônica” da enunciação: (...) o ethos é ligado
a L, o locutor enquanto tal: é como fonte da enunciação que ele se vê dotado de
certos caracteres que, em correspondência, tornam essa enunciação aceitável
ou recusável.
82

Esse desdobramento inerente à linguagem entre o “dito” e o “mostrado” supõe a análise


da organização dos conteúdos e da legitimação da cena de fala que, na prática, são
indissociáveis, cf. (MAINGUENEAU, 2008, p. 99)
Segundo Maingueneau (ibidem, p. 82), “o ethos efetivo, aquele que, pelo
discurso, os co-enunciadores, em sua diversidade, construirão, resulta assim da
interação entre diversas instâncias, cujo peso varia segundo os discursos”. Na verdade,
o conceito de ethos é complexo, daí a necessidade de se considerar diferentes
perspectivas, tanto no âmbito enunciativo como no extratextual. Assim, “a distinção
entre ethos dito e ethos mostrado inscreve-se nos extremos de uma linha contínua, já
que é impossível definir uma fronteira clara entre o ‘dito’ sugerido e o ‘mostrado’ não
explícito” (ibidem)
Maingueneau (2005, p. 99) explica que “a qualidade do ethos remete, com efeito,
à imagem desse “fiador” que, por meio de sua fala, confere a si próprio uma identidade
compatível com o mundo que ele deverá construir em seu enunciado”. Ressalta-se o
que o fiador constitui-se de “caráter” e “corporalidade”, o que diferencia fiador de
enunciador é a sua natureza externa ao discurso.
Verifica-se, ainda, que o conceito de ethos modifica-se de acordo com a época e
com o pensamento. Na obra A Retórica, de Aristóteles, referia-se às virtudes morais e,
para isso, o orador construía a imagem de si no discurso, e não de sua pessoa real
(MAINGUENEAU e CHARAUDEAU, 2006, p. 220). Os latinos o interpretaram com um
dado preexistente fundado na autoridade individual e institucional. Hoje, após os
avanços dos estudos semânticos e pragmáticos, o conceito ampliou-se, ainda, em
função dos diferentes sujeitos, presentes nessa imagem, que é construída em qualquer
discurso.
Conclui-se, então, a partir das reflexões de Maingueneau que o estudo do ethos
exige uma metodologia que considere, primeiramente, o ethos pré-discursivo,
facilitando, com isso, o reconhecimento do caráter do sujeito fiador. Posteriormente,
analisar-se-ia a corporalidade desse fiador, tendo em vista as pistas advindas do
enunciado e da enunicação.
83

3.3. O ethos na perspectiva de Amossy

Amossy (2005a, p. 125) propõe um questionamento que vai ao encontro do que


é pertinente para a conceituação do termo: “o ethos deve ser considerado uma
construção puramente linguageira ou uma posição institucional ?” A autora apoia-se no
pensamento de Bordieu para mostrar a importância do contexto externo à língua na
construção do sentido. Vale destacar as palavras de Bordieu apud Amossy (2005a, p.
121)
a especificidade do discurso de autoridade (aula, sermão etc.) reside no fato de
que sua compreensão não é suficiente (ele pode até mesmo, em certos
casos, não ser compreendido e mesmo assim manter seu poder), e de que
a efetivação de seu efeito específico depende de ele ser reconhecido como tal.
Esse reconhecimento – acompanhado ou não da compreensão – só
acontece, uma vez que é evidente, sob certas condições, as que definem o uso
legítimo.

Em meio a supervalorização, por um lado, dos elementos externos à língua por parte
dos sociólogos e, por outro lado, do que é interno a essa pelos pragmáticos, Amossy
sugere o equilíbrio entre esses dois âmbitos. Em seus estudos, propõe a noção de
estereótipo, definido como “a operação que consiste em pensar o real por meio de uma
representação cultural preexistente, um esquema coletivo cristalizado”. Acrescenta que
“o locutor só pode representar seus locutores se os relacionar a uma categoria social,
étnica, política ou outra”. (AMOSSY, 2005, p. 126).
A autora contribui para a construção da noção de ethos ao propor o conceito de
estereotipagem, mas ressalta a importância da atualização dessa ideia no momento da
enunciação. Nesse sentido, o ethos seria a imagem formada por meio de um orador
que “adapta sua apresentação de si aos esquemas coletivos que ele crê interiorizados
e valorizados por seu público-alvo”. (ibidem, p. 126). Essa proposta diferencia-se da
anterior, de Maingueneau, por não se limitar ao contexto enunciativo, mas por
considerar os aspectos exteriores que influenciam a imagem do locutor no momento do
ato interativo.
84

3.4. A noção de ethos e a proposta de Charaudeau

A proposta de Charaudeau sistematiza o conceito de ethos, com base em sua


teoria, a Semiolinguística do Discurso. Acredita-se que considerar os desdobramentos
dos sujeitos e o contrato comunicativo estabelecido por esses seja um caminho
metodológico pertinente para a análise da imagem construída em meio a tantos fatores
externos e internos à língua. Assim, é preciso considerar que “o ser da palavra, quer se
queira quer não, é sempre duplo. Uma parte dele mesmo se refugia em sua
legitimidade de ser social, outra se quer construída pelo seu discurso”. Com base nesse
pensamento, objetiva-se traçar o ser social construído discursivamente nas charges
relativas à presidente do Brasil Dilma Rousseff.
Para isso, é preciso considerar que as charges se enquadram em um tipo de
jornal com um discurso voltado para um público. Vale destacar que, embora a autoria
seja de um sujeito comunicante, o chargista, como, por exemplo, Caruso ou Leonardo,
este, enquanto sujeito enunciador se encontra em uma instância enunciativa maior que
tem seu próprio projeto comunicativo: o jornal. Assim, pode-se afirmar que a autoria do
discurso fundamenta-se, ainda, na instituição, nesse caso, na empresa Info-Globo.
Esses elementos já eram considerados na teoria advinda da antiguidade
clássica, conforme visto no primeiro item desse capítulo. Charaudeau (2008, p. 113)
explica que:
se o pathos é voltado para o auditório, o ethos é voltado para o orador.
Enquanto tekhnê, ele é o que permite ao orador parecer ‘digno de fé’, mostrar-
se fidedigno, ao fazer prova de ponderação (a phronésis), de simplicidade
sincera (a aretê), de amabilidade (a eunóia). Essas categorias da retórica,
abandonadas por um tempo e ocultadas a partir do século xviii por uma crítica
literária que a substituiu pela estilística, reaparecem recentemente.

O autor parte da definição de Aristóteles para a depreensão do ethos,


considerando os aspectos sociais referentes ao orador, e propõe alguns
questionamentos:
Nós a retomaremos por nossa conta, inscrevendo-nos nessa filiação, mas
tentando esclarecer dois pontos de sua definição que são objeto de debates: (i)
enquanto construção da imagem de si, o ethos liga-se à pessoa real que fala (o
locutor) ou à pessoa como ser que fala (o enunciador) ? (ii) A questão da
imagem de si concerne apenas ao indivíduo ou pode dizer respeito a um grupo
de indivíduos ? Charaudeau (ibidem, p. 114)
85

A primeira questão liga-se à legitimidade do sujeito enunciador, que advém do campo


social do sujeito do discurso. No presente estudo, essa legitimidade varia de acordo
com os sujeitos: 1) o chargista tem sua legitimidade ligada às propriedades do gênero
charge, mas também à instância enunciativa à qual pertence, isto é, ao jornal; 2) a
presidente tem sua legitimidade também limitada pelo gênero charge, sendo objeto de
crítica desta.
A compreensão da noção de legitimidade relaciona-se a duas outras:
credibilidade e autoridade, as quais são descritas por Charaudeau (2008, p. 67) para a
análise do discurso político. Assim, a legitimidade:
É realmente o resultado de um reconhecimento, pelos outros, daquilo que dá
poder a alguém de fazer ou dizer em nome de um estatuto (ser reconhecido em
função de um cargo institucional), em nome de um saber (ser reconhecido como
um sábio), em nome de um saber-fazer (ser reconhecido como especialista).

Rousseff (2012, p 81) reconhece a importância dessa noção e explica que “as grandes
crises institucionais se originam da perda da legitimidade do governante”. No seu caso,
a legitimidade é dada pelo mandato, portanto acordada pela instância cidadã. A sua
formação em economia pressupõe uma sobreposição dessa legitimidade, reforçada
pelo sucesso do país no seu exercício enquanto Ministra da Casa Civil.
A legitimidade do chargista é um assunto polêmico que está sempre em voga
nos meios midiáticos, pois a crítica e o humor, inerentes ao gênero, são, muitas vezes,
considerados desrespeitosos. A publicação de caricaturas de Maomé na imprensa
dinamarquesa, em 2006, desencadeou manifestações sangrentas, e recentemente o
filme “A inocência dos muçulmanos” resultou na morte de Christopher Steves,
embaixador americano, em Benghazi, na Líbia. Em 2012, a revista francesa Charlie
Hebdo traz um novo debate sobre a liberdade de expressão ao publicar charges que
ridicularizam o profeta Maomé.
Charaudeau (idem, p. 67) diferencia legitimidade de credibilidade, afirmando que:
a primeira determina um ‘direito do sujeito de dizer ou de fazer’, a segunda,
‘uma capacidade do sujeito de dizer ou de fazer’. Questionar a legitimidade é
questionar o próprio direito e não a pessoa; questionar a credibilidade é
questionar a pessoa, uma vez que ela não apresenta provas de seu poder de
dizer ou fazer.
86

Portanto, o conceito de credibilidade está mais ligado ao de ethos, porque é com base
em sua construção discursiva que se pode avaliar o tipo de imagem que está sendo
transmitida pelo sujeito que enuncia. A legitimidade distingue-se da autoridade pela
submissão inerente a segunda noção. Segundo Charaudeau (ibidem, p. 68), “ela [a
autoridade] coloca o sujeito em uma posição que lhe permite obter dos outros um
comportamento (fazer fazer) ou concepções (fazer pensar e fazer dizer) que eles não
teriam em sua intervenção”.
Sendo coerente com sua teoria Semiolinguística, Charaudeau parte de uma
análise que considera as marcas inscritas na superfície textual, visando ao estudo da
construção do ethos. Com isso, oferece suporte teórico para o exame dos
procedimentos que envolvem essa construção da imagem dos atores da política. O seu
conceito de ethos é abrangente, aproximando-se de uma metodologia mais completa
na análise do discurso político:
o ethos, enquanto imagem que se liga àquele que fala, não é uma propriedade
exclusiva dele; ele é antes de tudo a imagem de que se transveste o interlocutor
a partir daquilo que diz. O ethos relaciona-se ao cruzamento de olhares: olhar
do outro sobre aquele que fala sobre a maneira como ele pensa que o outro o
vê. Ora, para construir a imagem do sujeito que fala, esse outro se apóia ao
mesmo tempo nos dados preexistentes ao discurso – o que ele sabe a priori do
locutor – e nos dados trazidos pelo próprio ato de linguagem, cf. Charaudeau
(ibidem, 115).

Na perspectiva do autor, o conhecimento de mundo sobre o orador, assim como


a análise do seu discurso, é fundamental para a depreensão de seu ethos. Por outro
lado, Charaudeau acresce um outro elemento que interfere nessa construção: a visão
de seus interlocutores (ouvintes). Trata-se, portanto, de um conceito complexo, que
envolve tanto o sujeito que comunica, como o seu interlocutor e as imagens
transmitidas por ambos.
A credibilidade depende do ponto de vista de seus interlocutores sobre o
discurso construído. No caso das charges, será avaliada a credibilidade da presidente
com base na construção discursiva do chargista. Essa diferença entre os sujeitos
enunciadores acarreta algumas diferenças para a abordagem do ethos da presidente.
Tendo em vista que, para Charaudeau (ibidem, p. 118), “o ethos (...) diz respeito à
imagem daquele que fala e que é igualmente suscetível de tocar o auditório pela
possível identificação deste à pessoa do orador”, é preciso considerar que, nesta tese,
87

foca-se o ethos da presidente que é o sujeito objeto (ou enunciado) do discurso


construído pelo sujeito enunciador chargista26.
O sujeito que fala apresenta uma dupla identidade. A primeira diz respeito à
identidade social de locutor (responsável pela legitimidade), enquanto a segunda
corresponde à identidade discursiva que o enunciador constrói para si. Portanto, o
conhecimento de mundo a respeito do orador poderá atribuir credibilidade ao seu
discurso ou não, conforme explicação de Charaudeau (ibidem, p. 119):
De maneira geral, um indivíduo pode ser julgado digno de crédito se houver
condições de verificar que aquilo que ele diz corresponde sempre ao que ele
pensa (condição de sinceridade ou de transparência), que ele tem os meios de
pôr em prática o que anuncia ou promete (condição de performance), e que o
27
que ele anuncia e aplica é seguido de efeito (condição de eficácia) .”

O exame da credibilidade do chargista é investigado com base no confronto de textos


opinativos que dialogam com as charges sobre Dilma Rousseff. Acredita-se que os
fatos e opiniões explicitados em textos opinativos, em que predominam a linguagem
verbal, ofereçam suporte para a avaliação do discurso produzido pelo sujeito
enunciador, tendo em vista essas condições de sinceridade, performance e de
eficácia28.
A sistematização das figuras identitárias do discurso político divide-se em duas
grandes categorias dos ethos. A primeira categoria remete ao discurso da razão e se
trata dos ethé de credibilidade, e a segunda corresponde ao discurso do afeto,
resultante dos ethé de identificação. Cada um desses ethé constitui um conjunto de
condições responsáveis pela imagem construída. Charaudeau (2008a, p. 93) explica
que “a persuasão usada pelo discurso político relaciona-se com a paixão, com a razão
e com a imagem. Com a paixão, pois o campo político é por excelência o lugar em que
as relações de poder e de submissão são governadas por princípios passionais”.

26
Vale ressaltar que o chargista pertence ao domínio das mídias de informação: regido por uma dupla
lógica (a de informação cidadã e a de concorrência comercial), cf. Charaudeau (2008, p. 66)
27
Charaudeau (2008,p. 120) explica que a“condição de sinceridade, que, como no discurso de
informação, obriga a dizer a verdade; condição de performance, que – como acontece com todo discurso
que anuncia decisões e é feito de promessas – obriga a aplicar o que se promete; condição de eficácia,
obriga a provar que o sujeito tem os meios de fazer o que promete e que os resultados serão positivos”.
28
Charaudeau (idem, p. 101) propõe o conceito de veracidade que se apoia no que “eu creio ser
verdadeiro e que você deve crer verdadeiro”, visando a mostrar a força da razão, ou seja, a persuadir.
Trata-se do que o autor denomina condições de argumentação.
88

Portanto, defendem-se ideias que passam por sentimentos, engendrados por


representações sociais, que figuram em pessoas, ou seja, na imagem delas.
A dificuldade em comprovar a veracidade dos discursos dificulta a avaliação da
credibilidade, exigindo a ampliação do conceito e um confronto entre esses discursos.
No caso das charges, a credibilidade da presidente está condicionada à ficcionalidade
característica do gênero que visa à transmissão do humor, por meio de um sujeito
enunciador. No entanto, acredita-se que o confronto das charges com outros gêneros
opinativos possibilite a apreensão da imagem de Rousseff construída pelos discursos
da mídia, e a avaliação da presidente enquanto digna de crédito. Ao mesmo tempo,
Rousseff (idem, p. 82) faz a seguinte revelação no que diz respeito à identificação: “o
povo se identifica com você, vê em você uma igual na presidência”. Com isso, percebe-
se o valor afetivo do sujeito político.
As categorias de análise, utilizadas por Charaudeau (ibidem, p. 120) na
identificação da imagem que o político constrói de si, fundamentam o exame do ethos
de Rousseff nas charges. São elas: a) o ethos de “sério” (abarca índices corporais e
verbais; diz respeito a uma personalidade “séria” do sujeito político); b) o ethos de
“virtude” (exige que o político demonstre sinceridade, fidelidade e honestidade); c) o
ethos de “competência” (é julgado pela visão de conjunto do percurso político).
O ethos de “sério” depende da representação presumida por cada grupo e de
alguns índices, além dos corporais e verbais, mímicos, comportamentais, que
demonstrem capacidade para o trabalho, além de não oferecer suspeitas de sua vida
política e particular. Em caso de excesso desse ethos, corre-se o risco de o político se
mostrar austero, o que também é prejudicial a sua imagem por distanciar-se de seu
eleitorado. O contrário corresponde à “justa medida, a consciência dos limites, a recusa
da demagogia”, cf. (ibidem, p. 122).
O ethos de “virtude” exige um comportamento apreciável ao longo do tempo. A
imagem de político com personalidade forte, ou seja, convicto, com honestidade
pessoal e dignidade em quaisquer situação. A credibilidade é questionada quando se
desconfia de que houve orientação para que o político agisse de tal maneira, portanto a
transparência é o que se almeja para um representante, que deve ser correto.
89

O ethos de “competência” também exige o conhecimento da trajetória do sujeito


político para a avaliação do seu saber e de sua habilidade para concretizar o que se
espera de seus atos. Além da competência, são necessárias as condições para exercê-
la, como os meios, o poder e a experiência que permitem a sua concretização. O
político pode, ainda, declarar qualidades, como herança, estudos, funções exercidas,
experiência adquirida para comprovar sua competência.
Na análise do presente corpus, considera-se a possibilidade de uma apreciação
positiva ou negativa dos ethé de credibilidade da presidente Dilma Rousseff. No
primeiro caso, tem-se a valorização desses ethé, enquanto, no segundo caso, verifica-
se uma ameça aos mesmos. Charaudeau (ibidem, p. 136) conclui que “o ethos de
credibilidade é, ao mesmo tempo, um construto e um atributo, ou mais precisamente,
uma construção sobre um atributo”.
A construção dos ethé de identificação se dá pela adesão, por meio do afeto, de
um maior número de indivíduos. Segundo Charaudeau (ibidem, p. 137), “o cidadão,
mediante um processo de identificação irracional, funda sua identidade na do político”.
As figuras do ethos são ao mesmo tempo voltadas para si, para o cidadão e para os
valores de referência, portanto, para alcançar o amplo público, o político joga com
elementos de oposição, como, por exemplo, com as qualidades tradicional e moderno,
manifestadas em situações distintas.
Dentre as imagens que contribuem para a construção do ethos de identificação,
algumas se voltam para si enquanto pessoa: a) o ethos de “potência” (resulta de
ações), b) o ethos de “caráter” (destaca a personalidade), c) o ethos de “inteligência”
(provoca a admiração), d) o ethos de “humanidade” (capaz de demonstrar sentimentos)
e e) o ethos de “chefe” direciona-se para o cidadão.
O ethos de “potência”, nas palavras de Charaudeau (ibidem, p. 138),
corresponde a “uma energia física que emerge das profundezas terrestres, anima e
impulsiona os corpos na ação (...) resulta de uma ação coordenada que tem por
finalidade a organização da vida coletiva”. O uso da virilidade exemplifica essa figura,
mas também outras determinações a agir, como os discursos de Fidel Castro e chefes
africanos que levam oito horas de duração.
90

Diferentemente do ethos anterior que remete à imagem externa do político, o


ethos de “caráter” corresponde ao seu interior, à força do espírito. Algumas figuras
compõem esse ethos: 1) a vituperação (provém de uma indignação pessoal que tem
necessidade de ser expresso com força); 2) a provocação (objetiva provocar reações
por meio de suas declarações); 3) a polêmica (típica de debates, visa à negação dos
argumentos do outro, e questiona a sua moralidade, o seu caráter e o seu
comportamento); 4) a advertência (consiste em anunciar de antemão a sua posição;
trata-se de uma admoestação que pode resultar em consequências negativas); 5) a
força tranquila (evoca o tempo e a virtude da perenidade, a tenacidade combativa e um
caráter equilibrado); 5) a coragem (corresponde ao enfrentamento das adversidades
pelo político sem enfraquecer e sem ceder à demagogia) e 6) a moderação (trata-se da
atitude de intermediar as partes de um conflito com sabedoria).
O ethos de “inteligência” é responsável por provocar a admiração e o respeito
dos indivíduos pelo sujeito político, considerando ainda a sua vida pessoal. O capital
cultural e principalmente sua atuação cultural ou artística contribuem para a construção
da figura com a tradição da seguinte noção “um homem culto não pode ser senão um
homem de bem”. Uma outra figura importante para a construção desse ethos diz
respeito à malícia ou astúcia de saber jogar entre o ser e o parecer, podendo ser
denominada “habilidade”. É considerada negativa quando a serviço da dissimulação ou
simulação moral, caracterizando a “duplicidade”.
O ethos de “humanidade” é importante, porque demonstra os sentimentos e a
compaixão dos políticos, mas também o fato de confessar fraquezas e gostos pessoais.
A figura do sentimento é difícil de manipular, e deve ser manifestada em ocasiões
dramáticas, como em catástrofes naturais e acidentes. A figura de confissão é rara, pois
pode ser considerada uma marca de fraqueza. A figura do gosto é revelada com o
auxílio das mídias que cria programas para que os políticos revelem aspectos de sua
vida privada. A figura da intimidade é complementar a anterior em que o político faz
reflexões na surdina que, de alguma forma, tornam-se públicas.
O ethos de “chefe” fundamenta-se no pressuposto de que o político deve sua
posição ao povo e a ele deve prestar contas. Há algumas figuras vinculadas a essa
imagem: o guia supremo comanda um grupo; o guia pastor é um agregador, é como um
91

guia; o guia profeta é um visionário, o porta-voz que se encontra na onipotência; o


chefe-soberano constrói o discurso de soberania, a ponto de confundir-se com os
valores transmitidos; o comandante mostra-se mais autoritário que os anteriores, e
mesmo agressivo.
O ethos de “solidariedade” partilha das necessidades dos outros, unindo-se a
eles. De acordo com Charaudeau (ibidem, p. 164), “para que se manifeste essa
solidariedade, é preciso, portanto, uma ideia a ser defendida, um grupo que se
identifique como portador dessa ideia, circunstâncias (sobretudo quando o grupo está
ameaçado) que desencadeiem esse movimento identitário”.
Acredita-se que esses parâmetros de análise, propostos por Charaudeau (2008),
contribuam para a identificação do perfil da presidente Dilma, traçado nos diferentes
jornais, e para a apreensão da subjetividade específica de cada charge. Entretanto,
falta uma categoria de análise que contemple os atributos “femininos29” de Rousseff,
explorados em charges e em artigos opinativos. Com base nisso, propõe-se, nesta tese,
o acréscimo do ethos de “gênero30”, tendo em vista a natureza feminina da presidente,
dentro dos ethé de identificação.
Essa classificação surge da necessidade de se considerar discursos,
comportamentos, reações e avaliações relativas à construção social que se faz do
universo da mulher. Nesse sentido, as figuras de passividade, de afetividade, de
fragilidade̸ força, de estética e de sedução que compõem o imaginário feminino da
sociedade brasileira se refletem no discurso midiático. Trata-se de propriedades que,
em função da cultura, são, historicamente, atribuídas à mulher, como “dar a mão a
beijar” ou ter sua representação como “mãe” ou “costureira”, conforme exemplos a
seguir, retirados de outras fontes:

29
É preciso considerar que, conforme Koller e Narvaz (2006), as concepções sobre gênero atuais
abandonam as teorias essencialistas do sujeito, que definem, entre outras, a categoria "mulheres". Não
mais havendo sexo natural nem uma única forma de ser mulher (ou de ser homem), no entanto o
trabalho com o meio midiático mostra que essas categorias ainda existem, e precisam ser identificadas, e
combatidas.
30
De acordo com Felipe, Nogueira e Teruya (2008, p. 4), “a diferença biológica é apenas o ponto de
partida para a construção social do que é ser homem ou ser mulher. O sexo é atribuído ao biológico
enquanto gênero e é uma construção social e histórica”.
92

Exemplo 1:

Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/direto-ao-ponto/a-mae-do-pac-que-trata-
empreiteiros-como-filhos-ameaca-hillary-no-ranking-da-forbes/. Acesso em 13̸05̸2012

Figura 3: “Dilma mãe do PAC”.

Exemplo 2:

Fonte: http://www.tribunadaimprensa.com.br/?p=31502. Acesso em 13̸02̸2012


Figura 4: Charge “Dilma costureira”.

O quadro, a seguir, apresenta as categorias básicas para o exame dos ethé, de


maneira simplificada, com o acréscimo do ethos de “gênero”, proposto no presente
estudo. Ressalta-se que nem todos os itens são encontrados no corpus.
93

Quadro 2: Categorias de análise dos ethé

Ethé de credibilidade Ethé de identificação

Ethos de “sério” Ethos de “potência”


Ethos de “virtude” Ethos de “caráter”
Ethos de “competência” Ethos de “inteligência”
Ethos de “humanidade”
Ethos de “chefe”
Ethos de “solidariedade”
Ethos de “gênero31”

Após a exposição dos suportes teóricos necessários ao exame do corpus nos


capítulos anteriores, procede-se ao capítulo voltado para a análise das charges que
fazem referência à presidente Dilma Rousseff, a qual é precedida pela metodologia e
por uma contextualização do corpus. Cada charge apresenta propriedades específicas
que se coadunam com o público alvo ao qual se dirige. Além disso, é importante
conhecer um pouco da história de vida da presidente para compreender os fatores que
colaboram para a construção de sua legitimidade.

31
Categoria de análise para a identificação do ethos de Roussef, proposta por Aragão, na presente tese.
94

CAPÍTULO IV:
A construção do ethos nas charges:
uma proposta de análise
95

O discurso é um percurso de significância que


se acha inscrito num texto, e que depende de
suas condições de produção e dos locutores
que o produzem e o interpretam. Um mesmo
texto é então portador de diversos discursos e
um mesmo discurso pode impregnar textos
diferentes. Há discurso atravessando textos
diferentes, e um mesmo texto pode ser portador
de discursos diferentes.
Patrick Charaudeau. In: Revue Corpus

Neste capítulo, serão descritos o corpus e os procedimentos de análise e,


posteriormente, proceder-se-á ao exame. Vale ressaltar as diferentes perspectivas em
torno do objeto de estudo charge, visto com o foco na imagem da presidente Dilma
Rousseff, e confrontado com outros gêneros do jornal impresso que tratam da mesma
temática.
Tendo em vista que, pela primeira vez, uma mulher se elege presidente no Brasil
e isso somente no século XXI, cabe observar a abordagem que jornais importantes,
como “O Globo” e a “Folha de S. Paulo”, fazem da imagem de Rousseff, em um
determinado momento político. Com base no ethos identificado, pretende-se elucidar o
imaginário que se constrói em torno de uma presidente, considerando-se, ainda, que se
trata de um gênero de humor de alto teor crítico, que aprecia questões da política em
destaque.
Para tanto, este capítulo se divide em três partes: a primeira trata da
“Caracterização do corpus”, na qual se descreve um pouco o objeto de estudo; a
segunda intitula-se “Procedimentos de análise”, sendo a própria metodologia, e a
terceira corresponde à “Análise do corpora”, que se constitui de textos publicados em
junho, julho, agosto e setembro de 2012.
As charges refletem traços próprios que as diferenciam entre si e as integram ao
ambiente de um jornal. Assim, as charges de Caruso, de “O Globo”, destacam-se pelo
uso de cores e por serem publicadas sempre na capa do jornal, na primeira página,
diferentemente dos outros dois veículos, onde nem sempre nota-se a presença de cor e
as charges estão na segunda página, juntamente a textos de opinião, como ocorre na
“Folha”; no Jornal Extra, a charge aparece na abertura dos textos, que têm por título
“Bom dia, Rio”.
96

Optou-se pela coleta de dados do segundo semestre de 2012, visando à


apreensão do ethos de Rousseff em consonância com o seu governo, que se
encontrava no segundo ano e estava bem avaliado nas pesquisas. Assim a escolha
levou em conta que, após dois anos das eleições, o governo Dilma teve tempo para se
consolidar e mostrar resultados que permitissem uma avaliação da personalidade, com
base no que se observava no seu governo.

4.1 Caracterização do corpora

O critério de seleção das charges nos jornais orienta-se pela presença da figura
de Dilma Rousseff e também pela do elemento verbal, por considerar importante a
descrição dos recursos linguísticos empregados no gênero. Além disso, são observados
os textos opinativos que dialogam com a temática das charges, como manchetes e
artigos opinativos, visando a sua contextualização, já que as informações implícitas nas
charges, muitas vezes, dificultam e até impossibilitam a sua interpretação.
Dos quatro meses analisados (junho, julho, agosto e setembro de 2012), foi
contabilizado um total de 43 charges, sendo que apenas 16 focam a imagem da
presidente. Já os textos que dialogam com as charges em relação à mesma temática
totalizam um número de 26 textos.
Chico Caruso esteve de férias no mês de julho, o que justifica um índice menor
de ocorrência de charge sobre Rousseff nos dados desse período. Cabe, nesse
momento, apresentar um pouco da vida dos chargistas, e sua atuação nos seus
respectivos jornais, e um breve histórico sobre a biografia de Rousseff:

a) Jornal “O Globo”:

Francisco Paulo Hespanha Caruso, mais conhecido como Chico Caruso, publica
suas charges nesse jornal desde 1992, porém, antes disso, já era consagrado como
chargista, tendo ganhado o prêmio do 3º Salão de Humor de Piracicaba em 1976. Suas
charges são publicadas diariamente na capa do jornal.
97

O jornal impresso atende a um universo de 1.470.00 leitores, das classes A e B,


sendo que 62% desse público é pertencente à classe B32. Quanto ao grau de
escolaridade, 58% apresentam o Ensino Superior, 29%, o Ensino Médio, e 13%, o
Ensino Fundamental. É interessante ressaltar o perfil de seu leitor descrito no site: “O
Globo é o jornal preferido entre os formadores de opinião. Um público sensivelmente
exigente e qualificado”.

b) Jornal “Folha de S. Paulo”:

Vários chargistas alternam-se diariamente nesse jornal. Angeli é o mais antigo


autor de charges, tendo se afastado e retornado em 1990. Alphosus Benetti, Jean
Galvão e Mag são os outros autores colaboradores frequentes.
O jornal, que se dirige também às classes A e B, abrange todo o território de São
Paulo e vários outros estados do Brasil; pertence à Empresa Folha da manhã S.A. e
sua tradição inicia-se em 1921, com a sua primeira publicação. Foi a primeira Redação
da América do Sul a ser totalmente informatizada.

c) Jornal “Extra”:

O chargista desse jornal chama-se Leonardo e publica suas charges nele desde
a sua primeira edição, em 1998, quando se transferiu do extinto jornal “A Notícia”.
Venceu o prêmio Vladimir Herzog, graças a uma de suas charges publicadas sobre a
violência policial no Rio de Janeiro, cf. Graúna (2013).
O público leitor desse jornal chega a 2.954.000 leitores, mesmo sem assinantes,
sendo “o jornal mais lido do Brasil”, de acordo com dados oferecidos pela Empresa
Infoglobo, e 55% do público pertence à classe C. Quanto à escolaridade, 41%
apresenta o Ensino Fundamental, 42%, o Ensino Médio e apenas 17%, o Ensino
Superior.

32
O site do Infoglobo classifica o seu público, de acordo com a classe social e aponta o índice de
consumo de exemplares por esse público consumidor: classe A (19%), classe B (62%), classe C (18%) e
classes D e E (1%)
98

d) A presidente Dilma Rousseff:

Mineira de Belo Horizonte, Dilma Rousseff nasce em 1947. Com 16 anos, integra
a Polop, depois a Colina e finalmente a VAR-Palmares, organizações clandestinas,
durante o regime militar. Em 1970, é presa e torturada nos porões da Oban e do Dops,
em São Paulo. A Justiça Militar a condena por subversão, com pena de dois anos e um
mês de prisão.
Em 1975, estudante de Economia, começa a trabalhar como estagiária na
Fundação de Economia e Estatística (FEE), órgão do governo gaúcho. Junto com o
marido, ajuda a fundar o PDT do Rio Grande do Sul. Entre 1980 e 85, trabalha na
assessoria da bancada estadual do PDT e exerce intensa militância política. Atua
decididamente no movimento pelas Diretas Já e na campanha de Carlos Araújo, seu
marido, a deputado estadual. Ele é eleito em 1982, iniciando o primeiro de seus três
mandatos consecutivos.
Em 1986, o pedetista Alceu Collares, novo prefeito de Porto Alegre, escolhe
Dilma para a Secretaria da Fazenda. No início dos anos 90, torna-se presidente da
Fundação de Economia e Estatística, onde havia iniciado a vida profissional. Em 1993,
com a eleição de Alceu Collares para o governo do Rio Grande do Sul, assume a
Secretaria Estadual de Minas, Energia e Comunicação.
No final de 2002, o recém-eleito presidente Lula chamou a secretária de Minas e
Energia do Rio Grande do Sul, Dilma Rousseff, para uma reunião. Ele a conhecia
apenas de nome. Sabia que, graças a ela, o Rio Grande do Sul conseguira escapar do
racionamento de energia imposto ao país pelo governo Fernando Henrique. E o novo
Brasil que Lula construiria nos próximos oito anos precisava de energia, de muita
energia para voltar a crescer e gerar empregos.
Ministra das Minas e Energia, depois ministra-chefe da Casa Civil, Dilma
coordenou alguns dos principais programas do governo Lula: Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC), Luz para Todos, Minha Casa, Minha Vida, Pré-Sal. No dia 31 de
outubro de 2010, o país elegeu a primeira mulher presidenta da República. Dilma
Rousseff venceu com 56,05% dos votos válidos.
99

4.2. Procedimentos de análise do “corpus”

Em um primeiro momento, procede-se à coleta de dados dos meses de junho,


julho, agosto e setembro de 2012 nos três jornais. O exame diário dos jornais parte da
busca de charges que utilizem a imagem da presidente para, em seguida, verificar
outros textos que dialoguem com a temática proposta pela charge. Cada mês
compreende uma análise qualitativo-interpretativa em que os resultados são
correlacionados de forma descritiva e analítica. Primeiramente, são investigados os
elementos linguístico-discursivos responsáveis pela construção do humor e da crítica
nas charges. Propõe-se a classificação do ethos resultante dessas construções, dentro
de um quadro metodológico em que se verifica como esse ethos é ameaçado ou
valorizado pelo sujeito que enuncia, através do exame de estratégias empregadas.
Em seguida, esses dados são confrontados com dados de outros gêneros
textuais, visando à identificação dessas mesmas categorias em textos opinativos e à
análise da intertextualidade entre as temáticas. Objetiva-se, com isso, verificar as
tendências possíveis em termos de escolha de temática, bem como de sua abordagem
discursiva.
O levantamento de ocorrências dos fenômenos linguístico-discursivos é
quantificado e confrontado, mês a mês, totalizando-se um quadro onde se observam os
tipos de ethos engendrados nas charges e nos outros tipos de textos. Tais dados
permitem identificar as marcas de subjetividade, advindas dos diferentes sujeitos
enunciadores. Para isso, são abalizadas as semelhanças e as divergências entre os
discursos: (i) das charges de diferentes jornais; (ii) das charges em comparação com
textos opinativos de um mesmo jornal; a análise tenta, enfim, verificar se essas
tendências encaminham-se para uma imagem valorizada ou ameaçada da presidente
nos diferentes gêneros e nos diferentes suportes midiáticos.

4.3 Análise do corpora

O exame das charges é feito mês a mês, organizados em blocos. Cada um


compreende a análise de charges e textos opinativos coletados diariamente de acordo
100

com abordagem da imagem de Rousseff. A seguir, são apresentadas as investigações


dos meses de junho, julho, agosto e setembro de 2012.

4.3.1 Junho de 2012

Nos dias 05, 12, 22 e 29 de junho de 2012, coleta-se um total de 12 charges,


sendo que apenas 5 mencionam a presidente Dilma. A contextualização dessas
charges é feita com o confronto de 11 textos, incluindo-se manchetes, reportagem e
matérias em geral.

4.3.1.1 Dia 05 de junho de 2012

O exame considera a temática da viagem de Juan Carlos I ao Brasil. Das três


charges destacadas, duas tratam desse mesmo tema em “O Globo” e “Folha de S.
Paulo”, além das notícias sobre o assunto. O jornal “Extra” trata do escândalo do
julgamento do mensalão.
Na ocasião, a presidente Dilma convidou o rei Juan Carlos I para um almoço no
palácio da Alvorada, e pediu melhor tratamento na recepção de brasileiros nos
aeroportos da Espanha, já que casos de maus tratos ostensivos e exigências
burocráticas resultam, muitas vezes, em deportação de pessoas antes mesmo de entrar
no país33.

Jornal “O Globo”

A charge retrata o encontro da presidente Dilma com o rei Juan Carlos I, e


sugere o pedido por um melhor tratamento a brasileiros na Espanha.
a) Charge (capa):

33 Esse tratamento dado aos brasileiros fez com que o governo brasileiro endurecesse e exigisse
condições para a entrada de espanhóis ao País. As novas medidas são as mesmas adotadas nos
aeroportos espanhóis (passagem de volta, comprovante de reserva em hotel e uma quantia diária para a
permanência)
101

Figura 5: Charge, O Globo, 5 jun 2012.

É importante destacar a natureza polifônica das charges, nesse caso, com a


presença de duas vozes: a primeira, um sujeito-enunciador se apresenta em uma breve
narrativa, ocupando o lugar de um narrador, embora o enunciado se mostre
centralizado como um título que resume a informação principal34. Essa voz “Entreouvido
entre Brasil e Espanha” reporta à viagem de Juan Carlos ao Brasil, situando os sujeitos
— Dilma e rei Juan Carlos I — no espaço — Brasil e Espanha.
A segunda voz, marcada por um travessão — “Bandeira branca, amor...” —
remete à fala de Dilma, que pode ser confirmada pela referência à bandeira branca que
está em sua mão. Esse discurso atribuído à Dilma é recheado de referências
intertextuais: 1) marchinha de carnaval; 2) bandeira branca (símbolo da paz, mas
também do carnaval); 3) prática de tourear (a atitude de Dilma como “toureira” que
enfrenta o touro, e o gesto do rei que imita o touro ao apontar um par de chifres).
Com isso, nota-se o dialogismo nos âmbitos verbal e não verbal, de maneira
complementar: os personagens correspondentes aos países Brasil e Espanha, e o
pedido de paz da presidente para o rei, que é metaforizado na figura do touro. O
diálogo com o carnaval, por meio da marchinha, suscita a cosmovisão carnavalesca,
proposta por Bakhtin (2010, p. 11), que assinala o caráter utópico e o valor de
34
Essa ambiguidade entre breve narração (apresentação) e título é comum nas charges, provavelmente
porque esses trechos servem para contextualizá-las, sintetizando o tema a ser abordado.
102

concepção do mundo desse riso festivo, dirigido contra a superioridade, que nesse caso
adviria do rei. Com isso, tem-se a categoria de contato familiar35 pelo livre contato com
o rei promovido pelo vocativo “amor”, além disso, trata-se de uma crítica, feita pela
presidente, com o discurso franco, construtivo e regenerador, como nos ritos de
carnavalização.
O rei está sem voz, e sujeito a ser vencido por Dilma. Tem-se a subversão típica
da charge com o enfrentamento da presidente que, de fato, impõe aos espanhóis no
Brasil o mesmo tratamento oferecido aos brasileiros no aeroporto de Madri36. Na
charge, verifica-se em Dilma a imagem de mulher forte capaz de exercer as
atribuições de seu cargo de presidente da república.
A construção do humor se dá pelo deslocamento37 de sujeitos políticos para a
prática de tourear, simbolizada pela figura do rei como touro e Dilma como domadora.
Além disso, a ficção busca retratar metaforicamente os questionamentos da presidente
feitos de maneira sutil, por meio da marchinha de carnaval, festa fortemente ligada à
cultura brasileira.
A letra da música “bandeira branca” cujo léxico reporta a uma atitude amigável
com o emprego do vocativo “amor” é uma marchinha de carnaval, portanto contribui
para imagem despojada da presidente.
Destaca-se o ato de fala indireto em que Dilma pede paz com o objetivo de
pleitear uma recepção menos austera aos brasileiros, um tratamento melhor em relação
aos brasileiros. Ao mesmo tempo, Dilma transmite uma imagem diplomática de quem
sabe pedir com propriedade e cordialidade.
O quadro resumitivo abaixo busca apresentar os sujeitos enunciadores do
discurso, os recursos linguísticos responsáveis pela construção do humor e os
elementos da cosmovisão carnavalesca de que se apropria a charge para produzir a
transgressão:

35
Segundo Bakthin (1981, p. 106).
36
Essa informação é afirmada no artigo publicado na Folha de S. Paulo, intitulado “Espanha facilitará
acesso de brasileiro, diz rei”, exposto a seguir.
37
Trata-se de uma das classificações para os chistes, proposta por Freud. A aplicação desse estudo à
análise das charges pode ser consultada em Aragão (2007, p. 66).
103

Quadro 3: quadro de análise 1 do mês 6


Sujeitos Discurso Cosmovisão carnavalesca
enunciadores
Narrador (chargista) Sintetiza a mensagem contato familiar
Dilma léxico̸marchinha de carnaval Referência ao carnaval pela
Rei Juan Carlos I Representa o touro marchinha, crítica construtiva e
(não verbal) regeneradora

O ethos de Dilma aponta para uma presidente com boa relação exterior e
defensora dos interesses dos brasileiros, conforme a charge mostra a situação de
igualdade entre a presidente e o rei. Charaudeau (2008) caracteriza esse ethé de
identificação, responsável por tocar o maior número de indivíduos por meio da
duplicidade de papéis. Nesse caso, a força da presidente é simultânea à cordialidade
de seu discurso, e o ethos “de caráter” apresenta duas imagens: de “força tranquila”,
presente na sutileza da presidente, e de coragem em função de seu enfrentamento.
Há, ainda, um outro ethos, descrito por Charaudeau (idem), que se identifica com
a imagem da presidente na charge em questão: o de “chefe”, pois a relevância da
postura de Dilma se coaduna com seu posto de presidente da república.

b) foto e manchete (capa)38:

Figura 6: O Globo, capa, 05 jun 2012.

38
Anexo A – manchete e foto.
104

A manchete de capa apresenta uma foto com legenda39 e um texto sobre o


código florestal. À presente análise, interessa a foto que corresponde ao rei Juan Carlos
I, beijando a mão da presidente, e principalmente a legenda que alude ao discurso de
Dilma, pedindo solução para os “problemas enfrentados por brasileiros na imigração
espanhola”. Dessa forma, o texto (foto e legenda) dialoga com a charge, contribuindo
para esclarecer os implícitos40, que ali estão presentes sempre com o objetivo
transgressor.
O rei e a presidente do Brasil se encontram em posição central e de igualdade na
foto. Com isso, tem-se uma imagem positiva da presidente, ideia similar à presente na
charge. Portanto, depreende-se a valorização do ethos de “caráter”, obtido na figura da
coragem de quem “enfrenta as adversidades sem enfraquecer”, cf. (Charaudeau, 2008,
p. 143). Esse ethos integra os ethé de identificação, caracterizando o discurso da
emoção, com base no contrato de captação do leitor.
A proximidade entre a foto da manchete e a charge do jornal, localizada logo
abaixo à direita da foto, estabelece uma intertextualidade temática entre os dois
gêneros, e revela a ênfase dada ao fato político do encontro do rei com a presidente.
Há ainda um paralelo (intertextualidade formal) com outra foto publicada abaixo,
intitulada “Beija-mão 2” em que o príncipe Charles beija a mão da rainha Elizabeth na
comemoração de seu aniversário (cf ANEXO A). Essa sobreposição de fotos sugere
uma comparação entre a rainha Elizabeth e a presidente Dilma, propiciando uma
imagem feminina e positiva da presidente, uma vez que o rei Juan Carlos dá a ela o
mesmo tratamento oferecido à rainha Elizabeth pelo príncipe Charles.
Uma análise comparativa entre a charge e as fotos aponta para a valorização do
ethos de “gênero”, observado pelo uso do léxico “amor” na charge, e pelo cumprimento
do rei, beijando as mãos da presidente na foto de capa. Na nomenclatura de
Charaudeau, essa postura reforça os ethé de identificação, que se baseia no discurso
da emoção e no contrato de captação do leitor.

39
BEIJA-MÃO 1: o rei Juan Carlos I, da Espanha, cumprimenta Dilma Roussef, que em discurso
mencionou problemas enfrentados por brasileiros na imigração espanhola. Ele disse que as dificuldades
serão resolvidas.
40
O caráter documental da foto contribui para a compreensão da charge por explicitar o fato real.
105

c) artigo (p. 10 – O País)

Figura 7: O Globo, Brasileiros são bem-vindos na Espanha, diz rei, 5 jun 2012.

A foto de Dilma, sendo aplaudida pelo rei Juan Carlos I, consubstancia uma
imagem bastante positiva da presidente. O texto verbal também reforça essa imagem,
porque informa sobre o discurso crítico da presidente quanto ao tratamento que os
brasileiros recebem na Espanha. O rei, por sua vez, se prontifica a resolver os
problemas, como pode ser observado no título41. Mais uma vez, reafirmam-se os ethé
de identificação da presidente que se apresentam por meio da valorização do ethos de
“caráter” e da figura de coragem.

Jornal “Folha de S. Paulo”

A charge desse jornal também enfoca a vinda do rei Juan Carlos I ao Brasil.

41
ANEXO B – Brasileiros são bem-vindos na Espanha, diz rei
106

a) charge (p. A2 Opinião)

Figura 8: Charge, da Folha de São Paulo, 5 jun. 2012, pA2.

O quadrinho apresenta duas cenas, e um título que contextualiza a charge. A


cena I apresenta somente a fala do personagem rei Juan Carlos I, enquanto a
presidente mostra um semblante desconfiado.
O emprego do elemento dêitico “nisso” remete ao conteúdo referenciado no título
“a facilitação da entrada dos brasileiros na Espanha”. Já o modalizador com afinco que
significa “com insistência” reporta à cena II, porém com o sentido oposto, conforme
mostra a imagem da expulsão do brasileiro. O termo “afinco” é corporificado na figura
do touro com chifres agressivos e na do brasileiro em fuga (de camisa verde e
amarela), configurando-se uma metáfora e metonímia dos espanhóis na figura do touro
e de seus chifres.
Esse sistema de referências contraditórias entre o texto verbal presente na cena
I e as imagens da cena II são responsáveis pelo humor da charge. A simultaneidade
das cenas contradiz o discurso do rei, o que caracteriza a ironia do texto. Essa ironia
provém de uma polifonia de vozes que se opõem: 1) o rei se prontificando a resolver o
problema (verbal); 2) a desconfiança da presidente Dilma (expressão facial); e 3) a
continuidade do destrato com o brasileiro no aeroporto espanhol (imagem), ou seja, o
enunciador não é confiável; diz uma coisa irreal; não tem credibilidade.
107

O dialogismo também pode ser observado pela referência aos contextos: touro,
típico da cultura espanhola; e pela presença da marca brasileira nas cores da camisa
do personagem que foge do touro: verde e amarela. O deslocamento da cena do
Brasil para a Espanha garante o humor da charge, caracterizado pela inversão entre
cordialidade e violência transmitidas. Com isso, tem-se a mésalliance, de acordo
com a cosmovisão carnavalesca de mundo, proposta por Bakhtin (2010, p. 61),
segundo o qual “o riso tem uma significação positiva, regeneradora, criadora”, pelo
desnudamento da verdadeira situação.
A cordialidade do rei é tratada pelo sujeito que enuncia de maneira irônica, pois
não corresponde, de fato, ao que propõe. Com isso, denuncia-se o descumprimento do
acordo entre os países e a continuidade do problema. A presidente se mostra uma
pessoa não crédula, o que pode ser observado em sua expressão facial ríspida, o que
desvaloriza a promessa do rei. O quadro, a seguir, caracteriza esses sujeitos da
seguinte maneira:

Quadro 4: quadro análise 2 do mês 6


Sujeitos Discurso Cosmovisão
enunciadores carnavalesca
Produtor (chargista) Síntese da problemática Deslocamento̸
Rei Juan Carlos I Léxico (dêitico̸modalizador) transgressão
Dilma Expressão facial de ceticismo mésalliance

De acordo com a classificação de Charaudeau (idem, p. 144), verificam-se os


ethé de identificação da presidente valorizados pelo ethos de “caráter” forte, definido
“por uma atitude de reivindicação da ação efetiva”. Essa ação confirma a insatisfação
com o distrato do brasileiro nos aeroportos da Espanha. A atitude da presidente cria
uma identidade positiva com a população brasileira.
108

b) artigo (C.6 Cotidiano)

Figura 9: Folha de São Paulo, Matéria “Espanha facilitará acesso de brasileiros, diz rei”,
Cotidiano, 5 de jun. 2012, C6.

Diferentemente da charge, na fotografia, Dilma se mostra sorridente com a


promessa em destaque no título da matéria, conforme as próprias palavras do rei
espanhol. O texto expõe os problemas enfrentados por brasileiros e a contrapartida do
governo do Brasil que começa a exigir mais dos turistas espanhóis que vêm ao Brasil.
A imagem e o texto constroem os ethé de identificação da presidente, com base
no ethos de “caráter” forte, já que a reivindicação fundamenta o seu discurso. Além
disso, ressaltam-se os ethé de credibilidade da presidente mediante essa postura,
embasando a valorização no ethos de “competência”. Com isso, tem-se, de um lado,
um contrato de captação do leitor por meio do discurso da emoção, e de outro lado, o
contrato de informação, apoiado no discurso da razão.
109

Jornal “Extra”

Figura 10: Charge, Extra, 5 de jun. 2012.

A charge desse jornal trata de corrupção, um assunto bastante atual no Brasil em


função das duas CPI: a do bicheiro Cachoeira e a do mensalão. Embora não integre o
corpus de análise42, remete a um tema de importância do período, diferenciando-se da
temática abordada nas duas primeiras charges, dos outros jornais que focalizam os
atos da presidente.
Ressalte-se que a temática da charge de Leonardo, de o “Extra”, não é
contextualizada por textos opinativos do mesmo jornal. Assim, as charges de Leonardo
parecem manter um certo distanciamento das notícias e reportagens que, nesse caso,
não tratam de corrupção, nem da vinda do rei, diferenciando-se, nesse aspecto, dos
outros jornais em que os textos contribuem para a contextualização das charges.

Comparação entre “O Globo”, “Folha de S. Paulo” e “Extra”

Um confronto entre os textos desses jornais do dia 05 de junho aponta os


seguintes elementos:

42
Ressalta-se que a pesquisa foca o ethos de Dilma nas charges em que ela aparece como personagem,
o que não ocorre nesse caso.
110

Quadro 5: Quadro análise 3 do mês 6


Jornais Tema Intertextualidade
O Globo Vinda do rei Juan Carlos Charge, foto, manchete e artigo
Folha de S. Paulo Vinda do rei Juan Charge, artigo
Extra mensalão -

A abordagem do mesmo tema em dois jornais de grande projeção, como “O


Globo” e “Folha de S. Paulo”, revela a importância dada ao encontro da presidente com
o rei pela mídia, no entanto o ponto de vista crítico distingue-se em ambos. O fato
destacado nos dois jornais supracitados interessa principalmente a um público que viaja
para a Espanha, o que explica o desinteresse pelo assunto no jornal “Extra”, que ignora
o fato, preferindo tratar de tema um mais geral, como a corrupção.
Quanto aos ethé de identificação, nos dois jornais, nota-se a valorização da
presidente Dilma Rousseff mesmo em um gênero crítico, como a charge. Acredita-se
que isso se deve, em primeiro lugar, à imagem positiva que Rousseff mantém diante de
seu eleitor pelas pesquisas de opinião; e, em segundo lugar, em função da relevância
da visita do rei que chamou a atenção da mídia.
Assim, constrói-se uma imagem da presidente baseada nos ethé de
identificação e ethos de “caráter” e “de chefe” nos dois jornais, que se fundamentam
no discurso da emoção, portanto no contrato de captação. Ressalte-se que, em “O
Globo”, aparecem, ainda, os ethé de credibilidade e o ethos de competência, que
valorizam a imagem da presidente, com base no discurso da razão e no contrato de
informação.

4.3.1.2. Dia 12 de junho de 2012

Nesse dia, os jornais “O Globo” e “Extra” tratam do tema da Rio + 20, evento
ecológico ocorrido no Rio de Janeiro entre os dias 13 e 22 de junho, sendo que apenas
Caruso menciona a presidente em sua charge. A “Folha de S. Paulo” optou por abordar
o tema da corrupção na charge, apoiando-se na notícia sobre uma vaca clonada na
Argentina e que produziu leite parecido com o humano.
111

Jornal “O Globo”

A charge critica a participação da presidente Dilma Rousseff na Rio + 20.

a) charge

Figura 11: Charge, Jornal O Globo, 12 jun. 2012.

O sujeito enunciador resume o evento Rio + 20 com a seguinte fala atribuída à


presidente: “Rio, mais vim te ver que discutir ecologia!”, conforme o teor do título
“resumindo” sugere. O humor provém de um trocadilho no âmbito fonológico em que os
vocábulos formais “mais vinte...”, após o vocativo “Rio”, formam o vocábulo fonológico
“rio+20”, aludindo ao evento. Nesse jogo de vozes, o sujeito enunciador se coloca
diretamente criticando a presidente.
Ao fundo, tem-se o ícone do Cristo Redentor, metonímia da cidade do Rio de
Janeiro, ao qual Dilma Rousseff se dirige com o emprego do vocativo “Rio”. A estrutura
comparativa de superioridade serve para transmitir a mensagem de denúncia sobre a
atitude da presidente perante o evento, de quem a sociedade espera uma contribuição
para os avanços sociais relativos à ecologia, e não apenas a visita ou a apreciação do
Rio de Janeiro por parte da ilustre visitante.
O humor também reside nessa comparação entre “passear no Rio de Janeiro” e
“propor, de fato, mudanças políticas que dizem respeito à sustentabilidade do planeta”,
e, com isso, Dilma transgride o comportamento que se espera de uma presidente nessa
112

ocasião. O discurso franco revela a categoria do contato familiar, descrito por Bakthin
(2010, p. 10), no conceito de cosmovisão carnavalesca para retratar o riso popular,
segundo o qual é “ao mesmo tempo burlador e sarcástico, nega e afirma a mortalha e
ressuscita simultaneamente”.

Quadro 6: quadro de análise 4 do mês 6


Sujeitos enunciadores Recursos/Discurso Cosmovisão carnavalesca
Produtor (chargista) Sintetiza a mensagem Transgressão/ inversão de
Dilma Fonologia̸ sintaxe comportamento esperado

A crítica atinge diretamente a imagem da presidente, ameaçando tanto os ethé


de credibilidade como o ethos de “virtude”, de acordo com a classificação de
Charaudeau (ibidem, p. 125), já que questiona a sua participação no evento, enquanto
líder, de fato, preocupada com os avanços da sociedade no âmbito da ecologia. Com
isso, tem-se o discurso baseado na razão e no contrato de informação.

b) manchetes

Figura 12: Charge e manchetes, O Globo, 12 jun. 2012

As manchetes justapostas à charge apresentam iniciativas a favor do meio


ambiente. No primeiro caso, aumentam a punição para as empresas petrolíferas que
causarem acidentes e, no segundo, estudos denunciam os resultados dos danos
causados ao planeta.
113

As manchetes retratam exemplos positivos de iniciativas ambientais no Brasil,


com isso amenizam a imagem negativa da presidente apresentada na charge.

Jornal “Extra”

O tema da “Rio + 20” explorado na charge de “O Globo” também é abordado na


charge, manchete de capa e artigo do jornal “Extra”, contudo não há menção à
presidente Dilma Rousseff.

a) charge

Figura 13: charge, Extra, 12 jun. 2012

O título descreve a mensagem transmitida pela charge, pois, de fato, um dos


personagens dá um exemplo de sustentabilidade. Para isso, joga-se com a
ambiguidade do uso do termo.
O sentido pretendido pelo primeiro personagem está de acordo com a proposta
do evento Rio + 20, descrito na estampa de sua blusa. Já o segundo personagem se
caracteriza humildemente: calça chinelos e veste camisa preta e vermelha, cujo
discurso se vale da fala coloquial “tipo assim”. O baixo grau de escolaridade justifica o
desconhecimento do termo sustentabilidade, e o interpreta como “sustento do lar”, com
um salário mínimo.
114

A ambiguidade da expressão “exemplo de sustentabilidade” garante o humor da


charge pela ironia, advinda da transgressão ao sentido do termo, o que caracteriza a
cosmovisão carnavalesca.
No interior do jornal, há vários textos voltados para o tema e explicação de
sustentabilidade, conforme se vê abaixo:

b) Reportagem43

Figura 14: Extra, A lição que ainda não chegou, 12 jun. 2012.

43
ANEXO C – A lição que ainda não chegou
115

A reportagem, com artigo assinado, programação de eventos e entrevista, trata


diretamente do tema da charge “sustentabilidade”, de maneira didática, como o próprio
título mostra: “A lição que ainda não chegou”. A mensagem é sobre os problemas
básicos que a população sofre com a poluição de rios.
O artigo assinado exerce o papel de contextualizador em relação à charge do
próprio jornal, explicitando de maneira didática o termo sustentabilidade e questionando
a distância que existe entre os políticos e a população.
Essa intertextualidade entre a charge e a reportagem, de certa forma, ratifica a
mensagem de crítica transmitida pelo jornal “O Globo”, pois ambas exprimem a ideia de
que o evento não contribui, de fato, para avanços na área ecológica do Brasil.

Jornal “Folha de S. Paulo”

A produção de leite próximo ao humano pela vaca argentina clonada serviu de


base para o humor da charge com crítica aos corruptores no Brasil.

Figura 15: Charge, Folha de São Paulo, 12 jun. 2012.

A charge apresenta duas cenas baseadas na metáfora da vaca: enquanto na


Argentina a vaca produz “leite materno”, no Brasil, serve apenas aos corruptos que
“mamam nas tetas da Nação”.
116

Esses dois temas, produção de leite próximo ao materno e corrupção, distanciam


a temática desse jornal dos dois anteriores que tratam da Rio + 20.

Comparação entre “O Globo”, “Extra” e “Folha de S. Paulo”

O quadro a seguir confronta os resultados obtidos na análise das charges do dia


12 de junho nos três jornais:

Quadro 7: Quadro de análise 5 do mês 6


Jornais Tema Intertextualidade
O Globo Rio + 20 Charge e manchete
44
Extra Rio + 20 Charge e artigo
Folha de S. Paulo Corrupção -

Caruso, chargista do jornal “O Globo”, atribui relevância à visita da presidente,


utilizando-a como recurso incentivador para a crítica à atuação de Dilma Rousseff na
“Rio + 20”. Além da charge, apenas uma manchete expõe o assunto com o fim de
amenizar a crítica.
Nota-se a intertextualidade temática entre a charge de Caruso e a do Leonardo,
do “Extra”, e com os textos opinativos, que criticam os problemas sociais e ambientais,
com o objetivo de apontar o descaso do governo com o meio ambiente.
A “Folha” opta por abordar o tema da corrupção e da vaca argentina clonada, o
que, de certo modo, parece considerar irrelevante, pelo menos, nesse momento, o
evento no Rio.
A sátira de “O Globo” ameaça os ethé de credibilidade da presidente, porque
questiona o seu ethos de “competência”, pois mostra uma certa contradição entre o
discurso e a concretização do seu trabalho. Com isso, verifica-se um discurso
embasado na razão e no contrato de captação, visando ao leitor.

44
Não há a presença da presidente Dilma Roussef
117

4.3.1.3. Dia 22 de junho de 2012

Nesse dia, as três charges abordam temas diferentes. A presidente Dilma


Rousseff aparece apenas na “Folha de S. Paulo” com temática sobre a Rio + 20. A
charge de “O Globo” trata de corrupção, enquanto o “Extra” focaliza a eleição estadual.

Jornal “Folha de S. Paulo”

O evento Rio + 20, ocorrido no Rio de Janeiro, causa repercussões na mídia e


coloca a imagem da presidente Dilma Rousseff em evidência no que diz respeito aos
“propalados” avanços do Brasil na área sócio-ambiental.

a) Charge (capa):

Figura 16: charge, Folha de São Paulo, 12 jun. 2012.

A charge retrata o fim do encontro da cúpula com a foto oficial do evento,


conforme resume o título. O humor e a crítica residem no âmbito não verbal. Os
políticos se apoiam em um galho quebrado, metaforizando a insatisfação com o
resultado do evento, bem como com a atuação da presidente.
O uso do galho remete ao meio ambiente e, consequentemente, ao evento
ecológico, caracterizando o dialogismo, de Bakhtin (2010). Já o fato de o galho se
118

quebrar, e com isso projetar os políticos ao chão, degrada os responsáveis pelo evento.
A queda é responsável pelo humor, e resulta de um desejo oculto que caracteriza a
excentricidade, dentro do conceito de cosmovisão carnavalesca, pelo desnudamento
do poder, conforme se vê na proposta de Bakhtin (1981, p. 106).
O quadro resumitivo apresenta os sujeitos enunciadores e sua construção no
discurso, bem como o tipo de cosmovisão carnavalesca:

Quadro 8: Quadro de análise 6 do mês 6


Cosmovisão
Sujeitos enunciadores Discurso
carnavalesca
Produtor (chargista) Sintetiza a mensagem Degradação
Dilma Sem voz̸Elemento central (não verbal) Excentricidade
Participantes do evento Sem voz̸A maioria apática (não verbal) Desnudamento

A imagem de Dilma é criticada por falta de propostas incisivas no texto final do


evento Rio + 20. Tendo em vista a proposta de classificação de Charaudeau (2008a),
têm-se os seguintes elementos ameaçados em relação à presidente: ethé de
credibilidade e o ethos de “virtude”, responsáveis por questionar a honestidade e a
fidelidade do poder político. Com isso, o discurso se constrói por meio da razão e do
contrato de informação.

b) Manchete (capa):

Figura 17: Folha de São Paulo, 12 jun. 2012


119

A manchete de capa fundamenta a crítica feita na charge quanto ao resultado do


evento Rio + 20. Dilma Rousseff é questionada por seu discurso que é considerado
“contraditório” em relação ao texto final. A menção à presidente mostra uma imagem
ameaçada pelos ethé de credibilidade e pelo ethos de “competência”, com base no
discurso da razão e no contrato de informação.

c) artigo assinado (Cotidiano, p. C5) 45

Figura 18: Folha de São Paulo, “ONG vão à ONU contra resultado de cúpula”. 12 jun 2012

Uma página inteira com fotos desenvolve o assunto da manchete para mostrar
as reivindicações de diferentes grupos que produziram um texto “A Rio + 20 que Não

45
ANEXO D – ONGs vão à ONU contra resultado da cúpula
120

queremos”, assinado por personalidades e entregue a Ban Ki-moom, secretário geral


da ONU. A reportagem expõe diversos pontos de vista sobre o evento e a entrega do
texto “A Rio + 20 que Não Queremos”.
O título e subtítulo endossam o ponto de vista da manchete, cuja imagem da
presidente é ameaçada pelos ethé de credibilidade e ethos de competência.

d) artigo assinado (Cotidiano, p. C6)46

Figura 19: Folha de São Paulo, Dilma mostra irritação ao ser criticada na Cúpula de Mulheres.
12 jun. 2012, p.C6.

46
ANEXO E – Dilma mostra irritação ao ser criticada na Cúpula de Mulheres
121

Os artigos dessa página mantêm a discussão. Dessa vez, com referências


diretas à atuação da presidente no evento e no pós-evento. O título revela sua irritação
com críticas feitas pela mídia. Têm-se ameaçados os ethé de identificação por meio
do ethos de “caráter” e os ethé de credibilidade por meio do ethos de “competência”.
Portanto, os discursos são embasados na emoção e na razão, e nos contratos de
captação e de informação.

e) artigo assinado (Cotidiano, p. C6)47

Figura 20: Folha de São Paulo, Pressionado, secretário da ONU recua e elogia texto,
22 jun 2012, p.C6

47
ANEXO F – Pressionado, secretário da ONU recua e elogia texto
122

O texto denuncia a intervenção da presidente Dilma Rousseff no discurso do


secretário-geral da ONU Ban Ki-moon. Além disso, aponta os aspectos positivos
destacados do documento final pela presidente. Por se tratar de um texto verbal,
portanto com informações explicitadas por uma argumentação, é possível se fazer uma
categorização ampla. Entretanto, destacam-se os seguintes: ethé de identificação por
meio do ethos de “caráter” e os ethé de credibilidade por meio do ethos de
“competência”. Portanto, os discursos são embasados na emoção e na razão, e nos
contratos de captação e de informação.

Jornal “O Globo”

A charge desse jornal trata de corrupção. Sobreposta a ela, há uma foto grande
de Dilma e Michelle Bachelet com legenda que valoriza as conquistas das mulheres no
texto final do evento Rio + 20. Ao lado, uma manchete aponta as insatisfações com o
evento.

a) charge

Figura 21: charge, O Globo, 22 jun 2012

O tema de corrupção da charge, protagonizada por Cândido Vacarezza, é


relacionado à ecologia pelo termo “verde” do título que afirma “na CPI, preocupação
123

com o verde”. À caricatura do político, é atribuída a fala “— vai faltar orégano”, o que
justifica a preocupação com o verde, e ao mesmo tempo faz alusão à grande
quantidade de pizza, causando a falta de orégano. Com isso, há um dialogismo com o
tema da ecologia, porém de maneira indireta.
Há dois campos semânticos que propiciam o humor e a construção dos sentidos
com base no termo “Pizza”, que no sentido literal designa “comida”, e no sentido
conotativo, “impunidade”.

b) Foto e manchete (capa)48

Figura 22: O Globo, manchete, 22 jun 2012

A foto da presidente com Michelle Bachelet, diretora da ONU mulheres, intitulada


“Mulheres em ação” e com legenda “UNIDAS, VENCEREMOS...” justapõe-se à
manchete “Megaconferência é modelo contestado”. Nota-se uma expressão de
insatisfação da presidente que vai ao encontro do conteúdo da manchete, contudo a
foto e a legenda transmitem uma ideia positiva fundamentada na luta das mulheres.
Tendo em vista a foto e as duas manchetes, constata-se a valorização dos ethé
de credibilidade da presidente, com base no ethos de “virtude”. Destaca-se o discurso
pautado na razão e no contrato de informação.
48
ANEXO G – Mulheres em ação
124

Jornal “Extra”

O jornal aborda o tema da Rio + 20 em manchete de capa, mas a charge focaliza


o apoio de Lula à campanha de Haddad, com a ajuda de Maluf, vista sob
distanciamento histórico, em um museu no futuro.

a) charge

Figura 23: Charge, Extra, 22 jun 2012.

A charge desse jornal retrata o aperto de mão entre Lula e Maluf em campanha
de apoio a Haddad, candidato ao governo de São Paulo. A atitude dos dois políticos é
criticada pela mídia em geral, em função do histórico de oposição entre eles.

b) manchete (capa)

Figura 24: Extra, Capa de 22 jun. 2012.


125

A manchete de capa de o “Extra” aborda o tema da Rio + 20, porém sob uma
ótica direcionada à população que sofre as consequências negativas do evento. Nesse
caso, critica uma ação da prefeitura que fechou as farmácias populares durante o
evento.
Comparação entre “O Globo”, “Folha de S. Paulo” e “Extra”

O quadro a seguir confronta os resultados obtidos na análise das charges do dia


22 de junho nos três jornais:

Quadro 9: Quadro de analise 7 do mês 6


Jornais Tema Intertextualidade
Folha de S. Paulo Rio + 20 Charge, manchete, foto e artigos
O Globo Corrupção foto
Extra Lula e Maluf Manchete e artigos sobre Rio + 20

Diferentemente da “Folha” que aprofunda o tema da Rio + 20, abordando-o na


charge, na manchete e em mais dois artigos, o jornal “O Globo” toca-o tangencialmente
(na foto e na manchete), trata do tema da corrupção. A distinção entre os jornais é
evidenciada na foto da presidente nesses dois jornais. Na “Folha”, as personagens
Rousseff e Bachelet estão em direção oposta, enquanto, em “O Globo”, elas
encontram-se.
A “Folha de S. Paulo” critica a atuação da presidente Dilma Rousseff na Rio + 20,
de acordo com a charge, foto e a manchete. Já o jornal “O Globo” valoriza a sua
imagem, transmitindo resumidamente as críticas nas manchetes, e o “Extra” questiona
o evento, porém de um ponto de vista imparcial em relação à imagem da presidente.
Em termos de intertextualidade temática, vale destacar o uso de praticamente a
mesma foto da presidente com Michelle Bachelet na “Folha de S. Paulo” e em “O
Globo”, porém com perspectivas distintas. Trata-se de uma intertextualidade contrastiva
que constrói pontos de vista diferentes a respeito do mesmo assunto.
Desse conjunto de jornais, pode-se concluir que há uma valorização da imagem
da presidente em “O Globo”, enquanto a “Folha” questiona os ethé de credibilidade e
126

de identificação, ameaçando-os por meio do ethos de “virtude”, de “competência” e de


“caráter” pelos dois jornais citados. Essa variedade de categorização se deve à análise
da temática se basear em textos opinativos em que a linguagem verbal prevalece.
Destacam-se, portanto, discursos pautados na razão e na emoção, bem como nos
contratos de informação e de captação.

4.3.1.4. Dia 29 de junho de 2012

As três charges abordam temas diferentes. A presidente Dilma Rousseff aparece


apenas na “Folha de S. Paulo” com temática sobre o PIB. A charge de “O Globo” trata
de corrupção e a do “Extra”, de eleição estadual.

Jornal “Folha de S. Paulo”

O tema da charge trata da redução da expectativa do PIB (Produto Interno


Bruto), após pacote do governo para estimular a economia, medida tomada pelo Banco
Central que eleva a expectativa de inflação para 4,7%, por conta da alta do dólar.

a) Charge (capa):

Figura 25: Charge, Folha de São Paulo, 29 jun. 2012.


127

A charge apresenta duas cenas. A primeira mostra a presidente Dilma Rousseff


interrogando o ministro da Fazenda Guido Mantega sobre o PIB. Os números na tela do
computador exibem possibilidades de um PIB em alta, com isso faz-se referência à
projeção do ministro (entre 3% e 4%), contudo o Banco Central divulga uma projeção
de 2,5%49.
Na segunda cena, o ministro entrega um papel pequeno à presidente, quebrando
a expectativa dos números altos. Além disso, a expressão facial do ministro é de
embaraço (olhos voltados para baixo e suor escorrendo) e a, da presidente é de olhos
arregalados, como assustados, fazendo referência ao número do PIB baixo.
Na charge, a polifonia advém dos âmbitos verbal e não verbal, já que a única que
apresenta voz é a personagem da Dilma Rousseff, que interroga o ministro. Este, por
sua vez, apenas entrega o papel para responder a sua pergunta.
O humor ocorre pela quebra da expectativa criada em relação aos números
expostos na tela do computador, ocasionando a oposição entre alto e baixo,
características da mésalliance, dentro da cosmovisão carnavalesca. Nesse caso, o
humor configura-se como um fenômeno polifônico, uma vez que há contrastes entre
pontos de vista: o da Presidente, que espera um bom resultado, e o do Ministro
Mantega, que não tem como esconder a realidade do baixo PIB.
O quadro resumitivo seguinte busca apreender os principais elementos
observados nas charges:

Quadro 10: Quadro análise 8 do mês 6


Sujeitos enunciadores Discurso Cosmovisão carnavalesca
Produtor (chargista) Ausente
Dilma Rousseff Interroga
Mésalliance
Sem voz̸embaraçado
Guido Mantega Transgressão
(não verbal)

49
Essa informação, importante para a compreensão da charge é explicitada na notícia publicada no
mesmo jornal, página A16, e será analisada na presente tese, no item a seguir.
128

O ethos de Dilma é criticado por promover expectativas irreais quanto ao


percentual do PIB. Tendo em vista a proposta de classificação de Charaudeau (2008),
são ameaçados, em relação à sua imagem, os ethé de credibilidade com o ethos de
“virtude”, responsáveis por questionar a honestidade e a fidelidade do ministro e da
presidente. Portanto, o discurso pauta-se na razão e no contrato de informação para
atingir o seu leitor.

b) Notícia (página A16)50:

Figura 26: Folha de São Paulo, Um dia depois de pacote, BC reduz projeção
de aumento do PIB a 2,5%, 29 jun 2012. p.A16.

A notícia esclarece todos os implícitos da charge, transmitindo, no âmbito verbal,


a mensagem pretendida por ela: a não concretização da expectativa do PIB prometida
pelo governo. Verifica-se que o artigo, além de contextualizar, aponta para o mesmo
ponto de vista da charge, de crítica ao governo, com isso ameaça os ethé de
credibilidade por meio do ethos de “virtude”.

50
ANEXO H – Um dia depois de pacote, BC reduz projeção de aumento do PIB a 2,5%
129

Jornal “O Globo”

Figura 27: Charge, O Globo, 29 jun. 2012.

Nesse jornal, a temática da charge focaliza o nome Romário que é o mesmo do


ex-jogador e deputado e do atual jogador do time paulista Corinthians. A relação entre
eles parafraseia apenas a relação entre dois personagens conhecidos do mundo
artístico televisivo. Nenhum texto opinativo ou manchete aborda o tema do PIB.

Jornal “Extra”

Figura 28: Charge, Extra, dia 29 jun 2012.


130

A charge do jornal aborda o tema do Conselho de Ética que avaliou o caso de


cassação do senador Demóstenes Torres (sem partido – GO).

Comparação entre “O Globo”, “Folha de S. Paulo” e “Extra”

Enquanto a charge da “Folha de S. Paulo” revela o valor do PIB que difere do


que fora prometido pelo governo, fundamentando-se em um artigo que detalha todo o
assunto, o jornal “O Globo” ignora o assunto, preferindo abordar o tema do futebol, e o
“Extra” opta por questionar o Conselho de Ética.
Desses jornais, a “Folha” é o único que, tanto na charge quanto no artigo, critica
o governo em razão do superávit do valor previsto para o PIB 2013. Por isso, tem-se
uma ameaça aos ethés de credibilidade por meio do ethos de “virtude” da presidente,
embasando-se no discurso da razão e no contrato de informação.

Quadro 11: Quadro análise 9 do mês 6


Jornais Tema Intertextualidade
Folha de S. Paulo PIB Charge e artigo
O Globo Futebol -
Extra Conselho de Ética -

Em termos de intertextualidade temática, o mesmo tema PIB aparece na charge


e no artigo da “Folha de S. Paulo”. As charges de “O Globo” e “Extra” não fazem
menção à presidente, o que pode ser interpretado como uma falta de interesse pelo
assunto do PIB para esses jornais.

4.3.2 Considerações Parciais

As tabelas abaixo apontam as ocorrências dos ethé e ethos de Dilma Rousseff


nos três jornais no corpus de junho de 2012:
131

Tabela 3: Análise comparativa das charges de Junho


O Globo Folha Extra
Ethé Ethos
V A V A V A
de caráter 1 - 1 - - -
de identificação de chefe 1 - - - - -
de potência - - - - - -
de competência - - - - - -
de credibilidade
de virtude - 1 - 2 - -
2 1 1 2 - -
TOTAL 6

Confrontando-se os dados da tabela 3, verifica-se a predominância da atribuição


dos ethé de identificação à presidente no jornal “O Globo”, fundamentados pela
valorização o ethos de “caráter” e ethos de “de chefe”. Com isso, constata-se que o
discurso desse jornal se pauta na emoção e no contrato de captação do leitor das
charges.
Já no jornal “Folha de São Paulo”, no mês de junho, sobressai a ameaça aos
ethé de credibilidade da presidente, de acordo com as ocorrências da tabela I, por
meio do ethos de “virtude”. Portanto, esse jornal apoia-se no discurso da razão e no
contrato de informação.
O jornal “Extra” não menciona a presidente Dilma Rousseff, optando pela
abordagem de personagens populares. Essa vertente pode ser explicada pelo aspecto
regional do periódico, embora se caracterize de projeção nacional, de acordo com
dados do Infoglobo. As ocorrências mostram que, mesmo os temas de âmbito nacional,
não apresentam caricaturas, o que demonstra um tratamento generalizado de pessoas
civis.
132

Tabela 4: Análise comparativa dos textos de Junho


O Globo Folha Extra
Ethé Ethos
V A V A V A
de caráter 3 - 2 1 - -
de identificação de chefe 1 - - - - -
de gênero 1 - - - - -
de competência 1 - - 1 - -
de credibilidade
de virtude 1 1 - 3 - -
6 1 2 5 - -
TOTAL 14

Os dois temas que motivaram o emprego da imagem da presidente nas charges


dos de “O Globo” e “Folha” foram a exigência de Dilma para que melhore a recepção
dos brasileiros na Espanha e a sua atuação na Rio + 20. Já o tema do PIB expôs a
presidente apenas na “Folha de S. Paulo”.
Do exame, apreende-se que, por se basear em informações implícitas, as
charges não explicitam uma variedade dos ethés, como é possível ocorrer em outros
gêneros de textos opinativos, com a preponderância do elemento verbal. Conforme se
pode observar nos dados das tabela 4, de quatorzes tipos de ethé verificados nas
charges apontam apenas seis variedades.
Observa-se o direcionamento dos textos opinativos indo ao encontro da proposta
da charge para valorizar ou ameaçar a imagem da presidente, dependendo do jornal.
Na presente análise, nota-se uma tendência à valorização da imagem da Dilma em “O
Globo” e, à ameaça na “Folha”. Destaca-se a presença do ethos de “gênero”, sugerido
na charge e reforçado em manchete com foto em “O Globo”.
Os textos opinativos do jornal “O Globo” convergem com as charges no sentido
de valorizar a imagem da presidente, principalmente por meio do ethos de “caráter”, e
consequentemente do discurso da emoção, baseado no contrato de captação.
Vale destacar, do jornal “Folha de S. Paulo”, uma divergência entre as charges e
os textos opinativos, em que as primeiras se encaminham para a valorização da
133

imagem da presidente, enquanto os outros gêneros tendem à ameaça, também com


base no ethos de “caráter”, que resulta da “força do espírito”. De uma maneira geral, os
textos desse jornal inclinam-se para uma abordagem estabelecida no discurso da razão
e no contrato de informação.

4.3.3 Julho de 2012

No mês de julho, são examinadas as charges dos dias 05, 09 e 14. A presidente
é mencionada em apenas 3, as quais confrontam com outras 5 charges e 2 textos
opinativos em diálogo com a temática das charges. Portanto, a coleta compõe-se de um
total de 10 textos.

4.3.3.1. Dia 05 de julho de 2012

O tema dos jatos da FAB que causaram o estilhaçamento da fachada do


Congresso Nacional foi usado pelos chargistas dos jornais “Folha” e “O Globo”, para
tratarem de outros assuntos. O jornal “Extra” aborda o mensalão, e a presidente Dilma
Rousseff aparece apenas na “Folha”.

Jornal “Folha de S. Paulo”

Os estilhaços causados pelo incidente com os aviões da FAB servem para


criticar o governo, conforme se observa na expressão facial da caricatura da presidente,
com sinais de cansaço.
134

a) charge

Figura 29: Charge, Folha de São Paulo, 05 jun 2012.

O título da charge resume o seu assunto metaforicamente: “estilhaços”. Trata-se


de uma metonímia baseada no sentido de que a quebra dos vidros da fachada do
Congresso Nacional, devido à passagem de aviões a jato da FAB, é estendida a todo o
Palácio. Além disso, a metáfora expressa um duplo sentido na fala dos dois
personagens: um literal de acordo com a fala do personagem à esquerda de Dilma, e o
outro conotativo que abrange a economia administrada pela presidente, conforme a fala
da própria.
O humor baseia-se no sentido metafórico de “estilhaço” e “bomba fiscal” que
mostra o Congresso “quebrado”: fisicamente e economicamente. Esse desvio do campo
semântico físico para o econômico deve-se à ambiguidade dos estilhaços, ora
denotando o incidente, ora conotando uma crítica à economia administrada por Dilma
Rousseff. Portanto, o incidente serviu como um recurso incentivador de crítica à
presidente, o que caracteriza a cosmovisão carnavalesca denominada mésalliances, e
uma imagem negativa da presidente.
A análise dos sujeitos enunciadores da charge aponta os seguintes elementos:
135

Quadro 12: quadro análise 1 do mês 7


Sujeitos Cosmovisão
Discurso
enunciadores carnavalesca
Produtor (chargista) Sintetiza a mensagem
Ambiguidade
Personagem Interroga
desvio de sentido
Sintagmas nominais com
Dilma Rousseff mésalliances
sentidos denotativo e conotativo

Com base na menção ao resultado pífio da economia, o chargista construiu uma


imagem negativa da presidente, enquanto responsável pela “integridade” do Palácio. As
perspectivas negativas da economia vão justamente abalar essa “integridade”, por isso
o uso do termo “bomba fiscal”, significando desgaste financeiro. Com isso, tem-se uma
ameaça aos ethé de credibilidade por meio do ethos de “competência”, embasados no
discurso da razão e no contrato de informação.

b) artigo

Figura 30: Folha de São Paulo, Governo já fala em PIB de 2%


e adia recuperação para 2013. 5 jul 2012.

O título e subtítulo da matéria resumem o seu conteúdo: o crescimento da


indústria que está abaixo do que se esperava, e diminuição do PIB. A matéria
136

fundamenta a crítica da charge ao governo, mostrando que a economia está estagnada,


o que justifica o uso do termo “bomba fiscal” na charge.
Assim, o gênero charge materializa crítica e reflexão, verbal e visualmente, em
diálogo com outros textos, em uma situação de interação de humor regenerador,
aproximando-se do que Bakthin nomeou “riso de carnavalização”. Nesse caso, a
intertextualidade entre os dois gêneros contribui para a compreensão da charge, e sua
mensagem de crítica ao governo de Rousseff. A foto junto à matéria reforça a imagem
negativa da presidente, porém de um outro ponto de vista, focado na proximidade entre
Rousseff e Maluf.
Com isso, são ameaçados os ethé de credibilidade da presidente, já que os
dados derrubam o otimismo do governo e trazem previsão negativa para o futuro. O
ethos de “competência” é atingido, por meio do discurso da razão e do contrato de
informação.

Jornal “O Globo”

Figura 31: Charge, O Globo, 5 jun 2012.


137

A CPI do mensalão e os estilhaços causados pelo incidente dos jatos da FAB


tornam o Congresso um caos. Além disso, critica-se a extensão do julgamento do
mensalão, conforme se observa na fala de um interlocutor desconhecido “— Ih, isso vai
demorar...”.
Jornal “Extra”

Figura 32: Charge, Jornal Extra, 5 jun 2012.

O tema da CPI do mensalão, nesse jornal, traz a caricatura de Demóstenes,


acusado de vários problemas de corrupção. O humor baseia-se na ironia entre o teor de
sua fala que declara a sua honestidade e o fato de que está comprovado o seu
envolvimento com o mensalão. Tem-se o desvio de um parâmetro social reconhecível
por meio do implícito situacional: ele está sozinho pregando no deserto. Ele não teve
apoio dos parlamentares, e, de fato, foi cassado.

Comparação entre “O Globo”, “Folha de S. Paulo” e “Extra”

O quadro a seguir aponta as semelhanças e diferenças na abordagem das


charges do dia 05 de julho nos três jornais:
138

Quadro 13: quadro análise 2 do mês 7


Jornais Tema Intertextualidade
“bomba fiscal”̸estilhaços
Folha de S. Paulo Charge e matéria
causados pelos jatos da FAB
CPI do mensalão̸estilhaços
O Globo charge
causados pelos jatos da FAB
Extra CPI do mensalão charge

Destaca-se a intertextualidade temática entre a charge e a matéria da “Folha de


S. Paulo”, como que a contextualizando. Nota-se, ainda, uma convergência entre os
pontos de vista dos dois gêneros, que se refletem na idêntica categorização dos ethé
de credibilidade e ethos de “competência”, direcionados a ameaçar a sua imagem.
Os jornais “O Globo” e “Extra” tratam do tema do mensalão. Essa
intertextualidade temática mostra a importância do assunto no momento.
O incidente, causados pelos aviões da FAB na fachada do Congresso, por ser
uma fato inusitado e mesmo cômico, serve de recurso incentivador para o humor.

4.3.3.2 Dia 09 de julho de 2013

Dos três jornais, a presidente Dilma aparece apenas na “Folha de S. Paulo”. O


“Globo” trata do julgamento de envolvidos com Cachoeira, preso por operar um
esquema de jogo ilegal e corrupção de agentes públicos; e o “Extra” aborda a
discussão sobre o fim ou permanência do voto secreto no Congresso.

“Folha de S. Paulo”

O tema da aliança entre PT e PMDB é abordado pela charge e em mais nenhum


outro gênero dos jornais nessa data. Há apenas uma reportagem,51 noticiada no dia 08
de julho de 2012 na “Folha” sobre o assunto.

51
ANEXO I – PT é sigla
139

Figura 33: Charge, Folha de São Paulo, 9 jul 2012.

O humor se baseia em uma cena metaforicamente ritualística, e a compreensão


desse cenário só é possível em função do título “PT se reaproxima do PMDB” e da fala
de um dos personagens “o famoso ritual de um eleitor virgem”. É necessário
conhecimento de mundo para estabelecer as relações coesivas lexicais. A primeira
delas se dá no título que trata da aproximação entre partidos tradicionalmente de
oposição, o que justifica o sacrifício de um eleitor virgem (no âmbito da imagem). A
segunda diz respeito ao emprego do termo “virgem” que remete ao sentido de
“ingênuo”, e desconhece a tradição de oposição entre os dois partidos.
Quanto à cosmovisão carnavalesca, nota-se a transgressão entre o campo
semântico político (no âmbito verbal) e o ritualístico (na imagem). O sacrifício de um
eleitor “virgem” caracteriza o profano, conforme se observa na categoria da cosmovisão
carnavalesca denominada profanação, de Bakthin (1981, p. 106).

Quadro 14: quadro análise 3 do mês 7


Sujeitos enunciadores Discurso Cosmovisão carnavalesca
Produtor (chargista) Sintetiza a mensagem Transgressão
Personagem explica̸coesão lexical (política̸mito)
Dilma Rousseff Sem voz (imagem) Profanação

A imagem da presidente como condutora do sacrifício é negativa, pois se


apresenta como a responsável por uma aliança que denigre a imagem de seu partido
devido ao histórico de oposição com o PMDB. Com isso, a honestidade pessoal da
140

presidente é questionada, o que caracteriza uma ameaça os ethé de credibilidade,


assim como ao ethos de “virtude”, configurando-se no discurso da razão e no contrato
de informação.

“Jornal O Globo”

Figura 34: Charge, O Globo, 9 jul 2012.

O julgamento de suspeitos do mensalão, a possível cassação do Senador


Demóstenes Torres e de deputados envolvidos com o empresário Cachoeira e os
estilhaços causados por jatos da FAB apresentam o Congresso como um ambiente
caótico.

“Jornal Extra”

A ironia da charge questiona a ética do Congresso por votar pelo fim do voto
secreto.
141

Figura 35: Charge, Extra, 9 jul 2012.

Comparação entre “O Globo”, “Folha de S. Paulo” e “Extra”

O quadro a seguir aponta as semelhanças e diferenças na abordagem das


charges nos três jornais do dia 09 de julho:

Quadro 15: quadro analise 4 do mês 7


Jornais Tema Intertextualidade
Folha de S. Paulo A aliança do PT com o PMDB Reportagem do dia 08̸07
CPI do mensalão̸estilhaços
O Globo -
causados pelos jatos da FAB
Extra Fim do voto secreto -

Novamente, verifica-se a presença de Dilma Rousseff apenas no jornal “Folha”,


visando à crítica, com base nos ethé de credibilidade e no ethos de “virtude”. O
discurso pauta-se na razão e o contrato na informação. Os outros dois jornais optam
por outros assuntos, e se isentam de mencioná-la.

4.3.3.3. Dia 14 de julho de 2012

Apenas a “Folha” explora a imagem da presidente. O chargista Chico Caruso


estava de férias nesse período, por isso a charge de “O Globo” não foi publicada. No
142

“Extra”, Leonardo aborda o bloqueio dos bens de Cesar Maia, ex-prefeito do Rio, por
improbidade administrativa.

Jornal “Folha de S. Paulo”

O tema do PIB, levantado por Jean Galvão, no dia 29̸06, nesse mesmo jornal,
volta à tona na charge de Mag, que mostra a decepção da presidente quanto ao
resultado do PIB determinado pelo Banco Central.

a) charge

Figura 36: Charge, Folha de São Paulo, 14 jul 2012.

A charge é composta por duas cenas. Na primeira, a fala do personagem que se


dirige à presidente explicita a temática: a apresentação do relatório do Banco Central
sobre a economia. A cena dois, apenas com o elemento não verbal, apresenta um
microscópio que metaforiza o conteúdo desse relatório, denotando a ideia de baixa do
PIB. Trata-se, portanto, de uma metonímia, por meio da qual o microscópio representa
um índice pequeno. Dessa forma, verifica-se uma crítica ao desenvolvimento da
economia, o que explica a decepção de Rousseff quanto ao resultado de sua atuação
no governo.
O humor é construído com a inversão, na sequência das duas cenas, da
expressão facial (sorridente̸decepcionada) e da altura da presidente (sentada̸mais alta
143

e de pé̸mais baixa). Com isso, tem-se a cosmovisão carnavalesca da mésalliance em


que elementos opostos se combinam.

Quadro 16: quadro análise 5 do mês 7


Sujeitos enunciadores Discurso Cosmovisão carnavalesca
Produtor (chargista) Sem voz Inversão da imagem da
Personagem vocativo̸coesão lexical presidente
Dilma Rousseff Sem voz mésalliance

A imagem negativa da presidente resulta de sua “ineficiência” no âmbito da


economia, o que caracteriza uma ameaça aos ethé de credibilidade, por meio do
ethos de “competência”. Portanto, o discurso baseia-se na razão e no contrato de
informação.

b) artigo

O artigo aponta a determinação do Banco Central de que “há estagnação na


atividade produtiva no Brasil”, e abre espaço para Dilma Rousseff apresentar o seu
ponto de vista.

Figura 37: Folha de São Paulo, Brasil não usará modelo europeu, diz Dilma, 14 jul. 2012.
144

A imagem positiva da presidente nesse artigo apoia-se em sua oposição às


medidas adotadas por governos europeus. Com isso, valorizam-se os ethés de
identificação da presidente em relação à população, por meio do ethos de “chefe-
soberano”, que pensa alternativas para não sacrificar o povo.
Além disso, sua postura alternativa à proposta do governo europeu, que
“prejudica a população”, aumentando os impostos, destaca os ethés de credibilidade e
o ethos de “competência” da presidente em uma perspectiva comparativa.

Jornal “Extra”

A charge aborda o tema do bloqueio dos bens de Cesar Maia, ex-prefeito do Rio,
por improbidade administrativa.

Figura 38: Charge, Extra, 14 jul 2012.

A polifonia permite recuperar no âmbito verbal o assunto do enunciado. O título


da charge resume o assunto, ironizando o discurso de Cesar Maia que afirma não
possuir bens, conforme mostra o texto do jornal na mão dos personagens. O humor
baseia-se no paralelismo das duas falas que apresentam a oposição de ideias:
parentes/pra gente; bens/males.
145

Comparação entre “O Globo”, “Folha de S. Paulo” e “Extra”

O quadro a seguir aponta as semelhanças e diferenças na abordagem das


charges nos três jornais do dia 14 de julho:

Quadro 17: quadro análise 6 do mês 7


Jornais Tema Intertextualidade
Charge e matéria
Folha de S. Paulo PIB
Ideias contrastivas
Bloqueio dos bens
Extra -
de Cesar Maia
O Globo - -

A imagem da presidente é ameaçada na charge da “Folha”, enquanto, no artigo


do mesmo jornal, sua imagem é valorizada pela comparação de seu desempenho com
o do governo europeu, por meio dos mesmos ethé de credibilidade e ethos de
“competência”. O discurso concerne à razão e o contrato de informação.
A presença de argumentos que explicitam os pontos de vista por meio da
linguagem verbal permite à matéria ampliar a categorização da imagem da presidente.
Contata-se, portanto, nesse gênero, a valorização dos ethé de identificação e do ethos
de “chefe-soberano”, pautada no discurso da emoção e no contrato de captação.
Ressalta-se uma característica comum às charges da “Folha” com a presença de
Rousseff: a ausência de sua voz. Das três charges em que a presidente é mencionada,
de Benett e Mag, em apenas uma, de Benett, atribui-se voz à Rousseff.

4.3.4 Considerações Parciais

A tabela a seguir aponta as ocorrências dos ethé e ethos de Dilma Rousseff nos
três jornais do corpus de julho de 2012:
146

Tabela 5: Análise comparativa das charges de Julho


O Globo Folha Extra
Ethé Ethos
V A V A V A
de competência - - - 2 - -
de credibilidade
de virtude - - - 1 - -
- - - 3 - -
TOTAL 3

A presença de Dilma Rousseff nas charges foi motivada pela baixa do PIB,
contudo apenas a “Folha” se propôs a criticar à imagem da presidente. A aliança do PT
com o PMDB também contribuiu para a crítica e construção de uma imagem negativa
da presidente. Já o “O Globo” e o “Extra” optaram por questionar os problemas de
corrupção em voga, sem menção à imagem de Rousseff.
Das três charges analisadas, duas questionam o ethos de “competência” de
Rousseff, conforme se pode observar na tabela I, pela ameaça aos ethé de
credibilidade em função da baixa do PIB. O único caso de ameaça ao ethos de
“virtude” deve-se ao tema da aliança entre o PT e o PMDB.
Verifica-se, portanto, no jornal “Folha de S. Paulo”, a preponderância de um
discurso crítico, pautado na razão e no contrato de informação.

Tabela 6: Análise comparativa dos textos de Julho


Ethé Ethos O Globo Folha Extra
V A V A V A
de identificação de chefe - - 1 - - -

de credibilidade de competência - - - 3 - -
de virtude - - - 1 - -
- - 1 4 - -
TOTAL 5
147

Na tabela 6, verifica-se um caso dos ethé de identificação e ethos de “chefe-


soberano” valorizados, presentes no artigo da “Folha”, intitulado “Brasil não usará
modelo europeu, diz Dilma”. O ponto de vista desse artigo distancia-se da charge com a
qual dialoga sobre o mesmo assunto: baixa do PIB. Enquanto o artigo valoriza sua
imagem, na charge, verifica-se uma ameaça aos ethé de credibilidade e ao ethos de
“competência”.
Uma outra diferença entre os dois gêneros pode ser observada na presença da
voz de Rousseff no título do artigo, como discurso direto, e em sua ausência na maioria
das charges.
Uma confrontação entre os dados levantados no corpus de julho mostra uma
tendência à ameaça da imagem de Rousseff na “Folha de S. Paulo”, em conformidade
com sua posição no corpus de junho. Constata-se a predominância dos ethé de
credibilidade ameaçados, por meio do ethos de “competência”, resultante da
performance de seu percurso político, e o de “virtude”, relativo à sinceridade e
honestidade da presidente. Portanto, a construção de uma imagem depreciada da
presidente se estabelece no discurso da razão e no contrato de informação dos textos
opinativos da “Folha”.
Mais uma vez, observa-se uma maior variedade de ethé no gênero artigo devido
à presença do elemento verbal e argumentatividade explícita, diferentemente das
charges em que a argumentação se baseia no implícito.
Diferentemente do que se verificou no mês de junho, em que todos os gêneros
convergem no que diz respeito ao diálogo sobre os assuntos e posicionamento
direcionado à imagem da presidente, no corpus de julho, verifica-se o contraste entre
um dos textos opinativos, que valoriza a imagem da presidente, e a charge que trata do
mesmo assunto, que a ameaça.

4.3.5 Agosto de 2012

A presença de Rousseff nas charges de agosto se limita aos dias 17 e 25,


portanto, do total de 6 charges, a presidente só é mencionada em 2. A intertextualidade
temática ocorre apenas com um texto opinativo, resultando em um total de 7 textos.
148

4.3.5.1 17 de agosto de 2012

Nessa data, o jornal “Folha de S. Paulo” usa a caricatura de Dilma Rousseff para
abordar o tema da greve. Os jornais “O Globo” e “Extra” tratam de outros temas
também em voga. “O Globo” reporta-se à CPI do mensalão, tema de projeção nacional,
e o “Extra” remete ao governo do Rio de Janeiro e à preparação para as olimpíadas,
assunto de cunho regional.

Jornal “Folha de S. Paulo

Figura 39: Charge, Folha de São Paulo, 17 ago 2012.

O único elemento verbal da charge revela o seu tema: greve. A metáfora das
“faixas” na cabeça da presidente simboliza a sua preocupação com a greve dentre
outras reivindicações da população, o que explica a expressão facial da presidente, que
se mostra preocupada, cansada, irritada e com insônia, como pode se ver o suor
escorrendo em sua testa; os olhos arregalados e as sobrancelhas ressaltadas
enfatizam os traços caricaturados.
A cosmovisão carnavalesca presente na charge promove o humor pela revelação
da “aflição” da presidente, em um momento íntimo em que se prepara para dormir, com
isso a charge “invade” sua privacidade e desconsidera sua alta hierarquia,
caracterizando a categoria do livre contato familiar.
149

Quadro 20: quadro análise 1 do mês 8


Sujeitos Cosmovisão
Discurso
enunciadores carnavalesca
Enunciador (chargista) Faixa de manifestação (verbal)
Contato familiar
Dilma Expressão facial (não verbal)̸Sem voz

As reivindicações dos manifestantes expressas no cabelo de Dilma trazem à


tona os problemas do governo. Tal insatisfação caracteriza uma ameaça aos ethé de
identificação, com o ethos de “chefe”, depreciado pela insatisfação dos setores
públicos, mas ameaça também os ethé de credibilidade com o ethos de “competência”
pela falta de diálogo com setores historicamente ligados a sua militância política.
Esses ethé fundamentam o discurso na razão e na emoção, abalizados nos
contratos de captação e de informação, visando ao público leitor das charges.

Jornal “O Globo”

Figura 40: Charge, O Globo, 17 ago 2012.

As duas vozes advêm de dois enunciadores distintos presentes na charge. O


primeiro apresenta a charge como um sujeito narrador, ambientando o local referido: o
supremo tribunal. A segunda voz é reportada à personagem caricaturada, o juiz
Joaquim Barbosa, julgador da CPI do mensalão. A ironia se caracteriza pela
contradição entre a fala e a imagem.
150

Jornal “Extra”

Figura 41: Charge, Extra, 17 ago 2012.

Conforme se observa normalmente nas charges, há uma voz enunciadora que


situa a charge: a localização “Rio”, presente no texto verbal centralizado, remete ao
personagem Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro, representado na caricatura.
Nas falas, verifica-se a temática das Olimpíadas. O ambiente em que os
personagens se encontram — praia, tomando água de coco — demonstra a
despreocupação do governador e sua propensão ao “descanso”. Portanto há uma
crítica ao governo do Rio de Janeiro.

Comparação entre “O Globo”, “Folha de S. Paulo” e “Extra”

O quadro a seguir aponta as semelhanças e diferenças na abordagem das


charges nos três jornais do dia 17 de agosto:

Quadro 21: quadro análise 2 do mês 8


Jornais Tema Intertextualidade
O Globo CPI do mensalão -
Folha de S. Paulo greve -
Extra Olimpíadas -

Verificam-se, a partir da coleta desse corpus, interesses distintos entre os três


jornais, tendo em vista as circunstâncias polêmicas em voga no país, com exceção do
151

“Extra”, que se volta apenas para o público do Rio de Janeiro. Supõe-se que a ausência
de textos opinativos que abordem o tema da greve nos três jornais se deva a sua baixa
repercussão no momento.
Em cada charge, uma figura política é “atacada”, no entanto ressalta-se o fato de
não se conferir voz à presidente, na “Folha de S. Paulo”, com a charge de Jean Galvão.
A charge da “Folha”, com a caricatura de Rousseff, destaca-se por, embora só
apresentar um elemento verbal “greve”, abrange os ethé de credibilidade e de
identificação. No primeiro caso, remete-se a todo um campo semântico ligado à greve
e à insatisfação, que justificam a insônia da presidente. Com isso, tem-se uma ameaça
ao ethos de “competência” por meio do discurso da razão e do contrato de informação.
No segundo caso, verifica-se um exagero dos traços caricaturais de Rousseff que
ameaçam os seus ethé de identificação por meio do ethos de “chefe”, com base no
discurso da emoção e do contrato de captação.

4.3.5.2 Dia 25 de agosto de 2012

Caruso utiliza a imagem de Rousseff para se referir à lista das dez mulheres
mais poderosas do mundo, divulgada pela revista americana “Forbes”. A charge da
“Folha” aborda o conflito no Supremo Tribunal Federal entre os ministros Joaquim
Barbosa e Ricardo Lewandoski, respectivos relator e revisor do processo do mensalão.
Ainda nesse jornal, a matéria de José Simão dialoga com o tema do ranking da revista
“Forbes”, oferecendo subsídio para a interpretação da charge.

Jornal “O Globo”

Figura 42: Charge, O Globo, 25 ago 2012.


152

A ironia da charge baseia-se na ambiguidade do termo “superpoderosas” que, no


sentido de superioridade econômica, como o proposto pela revista “Forbes”, segue a
ordem do pódio para a classificação das mulheres. Em primeiro lugar, encontra-se
Angela Merkel (chanceler alemã), em segundo, Hillary Clinton (Secretária de Estado
dos EUA), em terceiro, Dilma Rousseff, e o destaque para o octagésimo lugar, ocupado
por Gisele Bündchen.
Por outro lado, o sentido de “superpoderosa” ligado à beleza está implícito à
charge, e pode ser verificado na expressão das mulheres no pódio, todas com o olhar
direcionado para Gisele. A presidente Dilma Rousseff aparece virada de lado para a
modelo e de braços cruzados, admirando-a. O termo “tadinha”, diminutivo de coitada,
com a elipse de “coi-“, é o maior indício de que se trata de uma ironia, uma vez que o
adjetivo não se adéqua à modelo de maneira coerente.
O humor, além de se fundamentar na ironia, revela-se na cosmovisão
carnavalesca, identificada na categoria da excentricidade, verificada no olhar de inveja
das mulheres do pódio lançado em direção à Gisele. A imagem das caricaturas reforça
essa ideia pela discrepância entre a altura das três mulheres, desproporcionalmente
menores em relação à Gisele.

Quadro 22: Quadro análise 3 do mês 8


Sujeitos enunciadores Discurso Cosmovisão carnavalesca
Enunciador (chargista) Título (verbal)
excentricidade
Anônimo irônico (verbal)

O discurso da charge mostra uma preocupação com a colocação de Gisele


Büdchen no ranking das mulheres mais poderosas do mundo. A imagem sugere a
inversão do ranking com base no emprego do termo “superpoderosa” com o sentido
relativo à beleza. Nesse caso, as primeiras colocadas perderiam sua colocação, o que
sugere a depreciação de suas aparências.
O uso da imagem pessoal da presidente enquanto mulher caracteriza, na
presente análise, uma ameaça aos ethé de identificação e o ethos de “gênero”, por
evocar a feminilidade de Rousseff de maneira a depreciá-la. O discurso firma-se na
emoção e no contrato de captação do leitor.
153

Jornal “Folha de S. Paulo”

A charge desse jornal aborda o tema do processo do mensalão, portanto não


será analisado. No entanto, a coluna de José Simão faz uma breve exposição sobre a
lista das mulheres mais poderosas do mundo, caracterizando a intertextualidade
temática com a charge de “O Globo”. O colunista faz menção direta à imagem da
presidente com o tema da charge, por isso serve de corpus ao presente estudo,
oferecendo uma categorização dos ethé de Rousseff.

a) charge

Figura 43: Charge, Folha de São Paulo, 25 ago 2012.

A sigla STF resume o tema da charge, pois retrata os desentendimentos


ocorridos entre os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandoski, identificados nas
caricaturas. A ironia comanda a cena ao mostrar dois comportamentos inversos: o da
aparência e o dos bastidores.
154

b) coluna de José Simão

Figura 44: José Simão, Folha de São Paulo, 25 ago 2012.

A notícia sobre a classificação de Rousseff como terceira mulher mais poderosa


do mundo parece expor, na linguagem verbal, o que a charge expressou na imagem. A
comparação da presidente com o Kung Fu Panda que intitula a coluna é depreciativa,
conforme se observa na imagem justaposta à coluna, em que Rousseff apresenta
quatro braços e quatro pernas, ou seja, ela é descrita de maneira monstruosa.
Tem-se, portanto, caracterizado um ataque à imagem da presidente com base no
valor estético conferido à mulher, assim como se constata na charge. Portanto,
configura-se uma ameaça aos ethé de identificação de Rousseff com base no ethos
de “gênero”. O discurso firma-se na emoção e no contrato de captação.

Jornal “Extra”

Figura 45: Charge, Extra, 25 ago 2012.


155

A crítica à campanha eleitoral remete a um assunto regional, já que se refere às


eleições municipais de 2012. O humor é construído na linguagem verbal por meio da
ironia e da construção de um universo fantástico, observado por uma situação
inusitada, comandada pelo absurdo. O título é um exemplo disso, pois nele se indica a
real situação: um candidato político atuando como um pedinte, procurando mostrar-se
sincero, ao pedir dinheiro para sua campanha e gastar em ”cachaça”, o que é
confirmado no diálogo do casal.

Comparação entre “O Globo”, “Folha de S. Paulo” e “Extra”

O quadro a seguir aponta as semelhanças e diferenças na abordagem das


charges nos três jornais do dia 25 de agosto:

Quadro 23: Quadro análise 4 do mês 8


Jornais Tema Intertextualidade
A lista das mulheres mais
O Globo charge
poderosas do mundo
Folha de S. Paulo CPI do mensalão Coluna de José Simão
Extra Campanha eleitoral -

A abordagem do tema da lista das mulheres mais poderosas serviu de recurso


incentivador para contrapor o poder econômico dessas mulheres com a beleza estética
de outras, personificada na imagem da modelo Gisele Büdchen. O chargista
compartilha o mesmo ponto de vista do colunista José Simão no que diz respeito à
depreciação das mulheres poderosas em favor de uma “superioridade” estética
atribuída ao sexo feminino. Trata-se de mais um exemplo de textos que atacam a
imagem de Rousseff com base no valor estético da imagem da presidente.
Os outros dois jornais abordam temas diferentes, também em voga, a “Folha”
com um tema de projeção nacional, e o “Extra” denuncia os problemas relativos ao
âmbito regional.
156

4.3.6. Considerações Parciais

As tabelas a seguir apontam as ocorrências dos ethé que ajudam a compor o


ethos de Dilma Rousseff nas charges e nos textos opinativos que expõem a sua
imagem no mês de agosto de 2012 nos três jornais.

Tabela 7: Análise comparativa das charges de Agosto


O Globo Folha Extra
Ethé Ethos
V A V A V A
de chefe - - - 1 - -
de identificação
de gênero - 1 - - - -
de credibilidade de competência - - - 1 - -
- 1 - 2 - -
TOTAL 3

A presença de Dilma Rousseff nas charges dos jornais “Folha de S. Paulo” e “O


Globo”, no mês de agosto, mostra uma imagem depreciada, contudo a temática
distancia as charges dos dois jornais. A charge de Jean Galvão, da “Folha”, seguindo o
padrão das abordagens anteriores, apoia-se no tema da greve para ameaçar os ethé
de credibilidade, por meio do ethos de “competência”, baseando-se no discurso da
razão e no contrato de informação52.
Já a charge, de Caruso, fundamenta-se na ameaça aos ethé de identificação
por meio do ethos de “gênero”, abalizados no discurso da emoção e no contrato de
captação. Um traço comum nas charges de Jean Galvão e de Caruso no corpus de
agosto é a ausência de voz à presidente.

52
Embora a classificação aponte um caso dos ethé de identificação com o ethos de “chefe”, vale
destacar a preponderância dos ethé de credibilidade nas charges desse jornal ao longo das análises.
157

Tabela 8: Análise comparativa dos textos de Agosto


O Globo Folha Extra
Ethé Ethos
V A V A V A
de chefe - - - 1 - -
de identificação
de gênero - 1 - 1 - -
de credibilidade de competência - - - 1 - -
- 1 - 3 - -
TOTAL 4

É interessante destacar a ausência de intertextualidade entre as charges e os


textos opinativos nos jornais do corpus, o que pode ser explicado pela falta de
relevância dos temas “greve” e “ranking de mulheres mais poderosas do mundo” para
os jornais. Entretanto, há convergência temática e de opinião sobre a avaliação das
mulheres que estão no poder na charge, de Caruso, e na coluna, de José Simão. Nos
dois jornais, o humor foi construído por meio da ironia e da sátira para depreciar as
“mulheres políticas53”, com base no critério do gênero, ou seja, de cunho pessoal.
Trata-se do único texto da “Folha” que se baseia nesse ethos de Roussef.

4.3.7. Setembro de 2012

O corpus desse mês compreende os dias 07, 08, 13, 19, 26 e 27, sendo,
portanto, extenso. A presença de Rousseff ocorre em 6 charges, totalizando no exame
um número de 17 charges. A presidente, ainda, é mencionada em 11 matérias em
intertextualidade temática com as charges. O presente item abarca um total de 29
textos.
4.3.7.1. Dia 07 de setembro de 2012

A única charge que faz menção à presidente nessa data é a do jornal “O Globo”.
A “Folha” aborda o debate entre os candidatos à prefeitura de São Paulo, e o jornal
“Extra” deste dia não integra o corpus.

53
O termo se refere ao exercício da política por mulheres que ocupam cargos superiores.
158

Jornal “O Globo”

A charge dialoga com um fato passado, referente ao bilhete escrito pela


presidente, chamando a atenção das ministras Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e
Izabella Teixeira (Meio Ambiente).

a) charge (capa):

Figura 46: Charge, O Globo, 7 set 2012.

O título da charge remete, primeiramente, à intertextualidade com a pintura “O


grito”, de Edward Munch (1863-1944), artista escandinavo. O ano “2012” sugere
situações recentes que podem ser interpretadas duplamente: (i) com o grito de
Rousseff, conforme caricatura da charge; (ii) com o leilão da obra, que se tornou a
pintura mais cara da história, avaliada em US$ 119,9 milhões54.
A fala da presidente reflete o seu estado de humor por meio do ato de fala direto
pedido: “— Ideli, vem aqui!”, que pode ser interpretado, ainda, como uma ordem, já que

54
De acordo com a matéria: “Com US$ 120 milhões, quadro 'O Grito' quebra recorde em leilão”,
publicada no G1, em 02̸05̸2012. In: http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2012/05/com-us-120-milhoes-
quadro-o-grito-quebra-recorde-em-leilao.html. Acesso em 16̸̸06̸2013
159

se impõe uma hierarquia superior, além da força da expressão, verificada pelo excesso
de exclamações. O vocativo corresponde ao nome da ministra-chefe da Secretaria de
Relações Institucionais (SRI) da Presidência da República, Ideli Salvatti.
A explicação para o estresse da presidente está no que a personagem lê. A
ausência de elementos que explicitem a situação exige o conhecimento de implícitos,
que podem ser supridos pela consulta a interdiscursos.
Verifica-se, como traço importante na charge, de Caruso, o uso da polifonia com
atribuição de voz à presidente. A fala de Rousseff exaltada é transmitida em uma
linguagem familiar, típica da oralidade, caracterizando o humor pautado na cosmovisão
carnavalesca, de Bakthin. Essas informações estão sintetizadas no seguinte quadro:

Quadro 24: Quadro análise 1 do mês 9


Cosmovisão
Sujeitos enunciadores Discurso
carnavalesca
Narrador (chargista) Sintetiza a mensagem
Dilma léxico̸ato de fala contato familiar

A linguagem não verbal mostra uma presidente exasperada. Os cabelos em pé e


a fumaça saindo de sua cabeça constroem uma imagem desequilibrada, que é
reforçada pela linguagem verbal do título da charge “O grito”. A fala, convocando a
ministra, parece exigir uma explicação.
O comportamento exagerado da presidente ameaça os ethé de identificação
por meio do ethos de “caráter”, pois falta moderação na personagem construída pelo
chargista. Verifica-se, portanto, o discurso pautado na emoção e no contrato de
captação do leitor.

b) artigo
160

30/08/2012 17h05 - Atualizado em 30/08/2012 19h06

Em bilhete, Dilma questiona ministras sobre acordo no Congresso

Dilma diz a Izabella e Ideli que não sabe de acordo sobre Código Florestal.
O texto aprovado pela comissão especial contraria a orientação do governo.
Priscilla Mendes (Do G1, em Brasília)

Dilma lê bilhete durante cerimônia no Palácio do Planalto (Foto: Beto Barata/AE)

Durante cerimônia no Palácio do Planalto nesta quinta-feira (30), a presidente Dilma


Roussefff enviou um bilhete escrito por ela à mão às ministras Ideli Salvatti (Relações
Institucionais) e Izabella Teixeira (Meio Ambiente). A presidente cobrou explicações sobre o
acordo firmado nesta quarta-feira (29) pela comissão especial mista que analisa o Código
Florestal.
No bilhete, entregue às ministras por um funcionário do cerimonial da Presidência, Dilma
escreveu: “Por que os jornais estão dizendo que houve um acordo ontem no Congresso
sobre o Código Florestal? Eu não sei de nada?”.
O texto aprovado pela comissão especial contraria a orientação do governo. Beneficia os
médios produtores ao prever que, nas propriedades de 4 a 15 módulos fiscais com cursos
de água de até 10 metros de largura, a recomposição de mata ciliar será de 15 metros. O
texto original era mais rígido e determinava que propriedades de 4 a 10 módulos teriam
que recompor 20 metros.
O bilhete passou pelas mãos de Izabella Teixeira e de Ideli. Há uma resposta no bilhete:
“Não houve acordo com o governo? A posição do governo é a defesa da MP, com foco
especial na ‘escadinha’”.
No início da noite desta quinta-feira (30), a assessoria de imprensa do Palácio do Planalto
informou que a resposta que aparece no bilhete escrito pela presidente Dilma é da ministra
do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.
Um dos principais pontos da MP enviado pelo Planalto é a criação de regras diferentes de
recomposição de áreas de proteção de acordo com o tamanho de cada propriedade,
dispositivo apelidado de “escadinha”.
Na prática, obriga todos a recomporem, mas torna a lei mais branda para os pequenos e
mais rígida para os grandes.
http://g1.globo.com/politica/noticia/2012/08/em-bilhete-dilma-questiona-ministras-sobre-acordo-
no-congresso.html. Acesso em 15̸05̸2013
Figura 47: O Globo, Em bilhete, Dilma questiona ministras sobre acordo no congresso, 7 set 2012.
161

A intertextualidade temática é evidenciada pela semelhança da escrita no bilhete


da matéria e da charge. Na ocasião, a presidente se mostra irritada com o
desconhecimento do acordo, e cobra explicação da ministra Ideli Salvatti. Com base no
texto, pode-se depreender uma ameaça aos ethé de identificação por meio do ethos
de “chefe”. O discurso pauta-se na emoção e no contrato de captação do leitor.

Jornal “Folha de S. Paulo”

Figura 48: Charge, Folha de São Paulo, 7 set 2012.

O chargista constrói o humor baseado na ironia presente no diálogo entre os


personagens com vestes usadas pelos Ministros do Supremo Tribunal. O emprego dos
léxicos “parabéns” e “eloquência” caracterizam um elogio à retórica do julgador, em
detrimento do propósito de julgar em si. Trata-se de uma inversão de valores com o
objetivo de causar o riso.

Comparação entre “O Globo” e “Folha de S. Paulo”

Destacam-se os seguintes elementos, quando se comparam os dois jornais do


dia 07 de setembro:
162

Quadro 25: Quadro análise 2 do mês 9


Jornais Tema Intertextualidade
O Globo Insatisfação da presidente Charge e matéria
Diálogo entre os ministros
Folha de S. Paulo -
do supremo

Os dois jornais demonstram interesses distintos no que diz respeito à temática:


irritação da presidente com a ministra (O Globo) e julgamento do mensalão (Folha). A
charge do jornal “O Globo” constrói uma imagem negativa de Dilma, baseada na
ameaça aos ethé de identificação. A matéria que dialogo com a charge também
apresenta uma imagem da presidente ameaçada pelos ethé de credibilidade, mas
difere-se pelo ethos de “chefe”, enquanto o primeiro se apoia no ethos de “caráter” e na
figura de moderação.
Destacam-se, ainda, da charge, de Caruso, a intertextualidade com a obra “O
Grito”, como recurso incentivador do riso. A imputação dos ethé de identificação à
presidente abaliza o discurso da emoção, construído a partir do contrato de captação.

4.3.7.2. Dia 08 de setembro de 2012

Apenas a charge do jornal “O Globo” retrata a polêmica entre a presidente Dilma


Rousseff e Fernando Henrique Cardoso. É importante analisar a intertextualidade da
charge com outros textos que reproduzem o fato, objetivando explicitá-lo. A “Folha”
ironiza a Semana de Arte Moderna, com os candidatos à prefeitura de São Paulo, e o
“Extra” critica o time de futebol Flamengo.

Jornal “O Globo”

A interpretação da charge exige à consulta ao artigo publicado no dia 05̸09̸2012,


com o título “Dilma x FH: para tucanos, PT não sabe lidar com o contraditório”.
163

a) charge (capa)

Figura 49: Charge, O Globo, 8 set 2012.

O título da charge utiliza o termo “interpares” para abalizar as caricaturas de


Rousseff e Fernando Henrique Cardoso, posicionados um de frente para o outro, como
em um confronto. A altura dos topetes de ambos reforça essa ideia, por simbolizar o
enfrentamento. O adjetivo “pares” revela o ponto em comum entre os dois: a
presidência da República (ela, como presidente atual, e ele tendo exercido dois
mandatos de 1994 a 2002).
A fala “— Magoou” parece ser atribuída a ele, em função de sua expressão
facial, com os lábios inferiores sobressalentes. O humor é fundamentado na atitude
inesperada de Rousseff de enfrentar o ex-presidente, em conformidade com a categoria
de excentricidade, na classificação de Bakthin (1981). Essa polifonia pode ser
sistematizada da seguinte maneira no quadro:

Quadro 26: Quadro análise 3 do mês 9


Sujeitos enunciadores Discurso Cosmovisão carnavalesca
Narrador (chargista) Sintetiza a mensagem
excentricidade
FHC Discurso direto
164

A imagem de Rousseff é a de uma mulher forte, que enfrenta à altura as críticas


de FHC. Com isso, a charge valoriza os ethé de identificação por meio do ethos de
“coragem” da presidente.
Entretanto, falta o conhecimento do fato que possibilita a interpretação do texto.
O leitor diário do jornal detém o conhecimento de mundo necessário para interpretá-lo.
A presente análise se vale da intertextualidade para isso.

b) artigo assinado (publicado em “O Globo”, no dia 05̸06̸2012, p. 8)

Figura 50: O Globo, Dilma x FH:


para tucanos, PT não sabe lidar com contraditório, 6 jun 2012.

O título do artigo “Dilma x FH”: para tucanos, PT não sabe lidar com o
contraditório” sugere a metonímia do partido PT para se referir à atitude da presidente
de responder a FHC. A imagem da presidente evocada pelo artigo remete a uma
ameaça aos ethé de identificação, fundamentados no ethos de “caráter”, por meio da
figura da polêmica, já que há um confronto de ideias entre os dois políticos.
165

O mesmo artigo emite a opinião do PT, que exalta a resposta de Rousseff em


defesa de Lula. Com isso, os ethés identificação passam a ser valorizados, junto ao
ethos de “caráter” na figura da polêmica.

Jornal “Folha de S. Paulo”

Figura 51: Charge, Folha de São Paulo, 8 set 2012.

O título da charge situa o cenário na Bienal de Arte Moderna, para construir o


humor com base no nonsense. Para isso, utiliza a imagem dos candidatos à prefeitura
de São Paulo: José Serra, Celso Russomano e Fernando Haddad como símbolos do
nonsense.

Jornal “Extra”

Figura 52: Charge, Extra, 8 set 2012.


166

A charge aborda o tema do esporte, e utiliza a metáfora do jogo do Flamengo


como tortura do preso.

Comparação entre “O Globo”, “Folha de S. Paulo” e “Extra”

Destacam-se os seguintes elementos, quando se comparam os três jornais do


dia 08 de setembro:

Quadro 27: Quadro análise 4 do mês 9


Jornais Tema Intertextualidade
O Globo Conflito entre Rousseff e FHC Charge e artigo
Folha de S. Paulo Eleições municipais de SP -
Extra Futebol -

A polêmica entre Rousseff e FHC serve como recurso incentivador para a


produção da charge de Caruso que mostra a presidente como uma mulher forte que
não se omite e enfrenta, nesse caso, FHC. Nesse sentido, os ethé de identificação de
Rousseff foram valorizados, por meio do ethos de “coragem”, marcado na linguagem
visual e também verbal da charge. Com isso, o discurso da emoção fundamenta o
contrato de captação, visando à adesão de seu público leitor.
Os outros jornais têm suas charges pautadas em temas próximos ao seu público
alvo, e seus estados de origem: São Paulo e Rio de Janeiro. O jornal “O Globo”
destaca-se pela temática voltada para o âmbito nacional.

4.3.7.3. Dia 13 de setembro de 2012

Apenas o jornal “O Globo” menciona a presidente Dilma Rousseff em sua


charge. Os outros dois jornais abordam o tema da violência em São Paulo, na “Folha”, e
no Rio de Janeiro, no “Extra”.
167

Jornal “O Globo”

A charge apresenta as caricaturas da presidente Dilma Rousseff, da ex-ministra


da Cultura Ana de Hollanda e a atual ministra da Cultura Marta Suplicy. A charge
dialoga com um artigo assinado.

a) charge (capa)

Figura 53: Charge, O Globo, 13 set 2012.

O título da charge “E no programa da Jô (gada eleitoral)...” conota um humor


baseado na ambiguidade da expressão sublinhada. Um primeiro sentido se refere ao
“Jô Soares”, apresentador de programa de T.V., pelo emprego da sílaba “Jô”,
reconhecida publicamente. O segundo sentido baseia-se na junção da sílaba “Jô” com
a forma “gada eleitoral”, que constitui o sintagma nominal “jogada eleitoral”. Esse duplo
sentido se materializa na imagem em que Rousseff está na posição de apresentadora
do programa do “Jô”, entrevistando Marta Suplicy e Ana de Hollanda.
Sugere-se que a presidente tenha o objetivo de valorizar a sua imagem e a de
seu ministério, visando ao fortalecimento dos candidatos do PT para as eleições
próximas. A voz atribuída à Rousseff reforça esse sentido, com a apresentação da ex e
da atual ministra da cultura, bem como com a referência ao léxico “vota”.
O humor se constrói pela categoria de excentricidade, pois pauta-se na crítica ao
objetivo íntimo de Rousseff. O quadro seguinte sistematiza essas informações:
168

Quadro 28: Quadro análise 5 do mês 9


Sujeitos enunciadores Discurso Cosmovisão
carnavalesca
Narrador (chargista) Crítica
Rousseff Ambiguidade excentricidade
do léxico “vota” (volta)

A mensagem transmitida sobre Rousseff é a de alguém que se utiliza de seu


poder para fazer propaganda política do seu partido, o que não é correto em função de
sua posição enquanto presidente. A crítica se apoia no argumento da razão,
caracterizando, portanto, uma ameaça aos ethé de credibilidade, com base no ethos
de “sério”. Nesse caso, o interesse do partido sobrepõe o “respeito” aos
“administrados55”.

b) artigo assinado56

Figura 54: O Globo, Marta: ‘Lula é um deus;


Dilma é bem avaliada, e eu tenho apelo’. 13 set 2012.

55
Conforme Charaudeau (2008a, p. 121)
56
ANEXO J – Marta: Lula é um deus; Dilma é bem avaliada, e eu tenho apelo.
169

A polifonia, presente no artigo, apresenta diferentes visões de Rousseff. A fala de


Marta Suplicy de que Rousseff está “bem avaliada” valoriza os seus ethé de
identificação com o ethos de “chefe”, referindo-se às pesquisas de opinião que
mostram satisfação com o seu governo57. A captação do leitor pelo discurso da
emoção deve-se à subjetividade da expressão “bem avaliada”, que não informa.
Já a legenda da foto, com o título negativas, expõe a crítica de que houve
“negociação” do apoio de Marta ao Haddad em troca do Ministério da Cultura. Nesse
caso, a imagem da presidente é ameaçada pelos ethé de credibilidade, por meio do
ethos de “virtude”. Esse discurso baseado na razão fundamenta-se na sugestão à
desonestidade, por isso o uso do termo “jogada” na charge, para se referir à atitude da
presidente.

Jornal “Folha de S. Paulo”

Figura 55: Charge, Folha de São Paulo, 13 set 2012.

A charge critica a série de violência que acomete São Paulo. O desenho de


pessoas marcadas nas costas do policial sugere a simbologia de assassinos que
marcam o número de mortes cometidas, como uma metonímia aos crimes.

57
Vale consultar matéria que apresenta pesquisa de opinião sobre a presidente: ANEXO K – Pesquisa
mostra que 77% aprovam a maneira de Dilma governar.
170

Jornal “Extra”

Figura 56: Charge, Extra, 13 set 2012.

A charge menciona a chacina contra crianças, cometida por bandidos no Parque


Natural de Gericinó, na Baixada, conforme própria indicação na charge. O humor é
construído na linguagem verbal por diversos elementos: (i) metonímia da expressão “lei
da selva”, fazendo referência à violência; (ii) aliteração58 na fala de um personagem
com o par mínimo “tatu bola não̸tatu-boladão”, construindo o humor com base na
inversão de que a fauna perde espaço para os bandidos; (iii) ato direto de ordem sobre
o tatu que perde o seu espaço para os bandidos; (iv) informação espacial importante
para a referência ao acontecimento no Rio de Janeiro.

Comparação entre “O Globo”, “Folha de S. Paulo” e “Extra”

Nesse item, são comparadas as imagens construídas da presidente Dilma do dia


13 de setembro:

58
Para Bechara (2005, p. 73), “é a repetição de fonema, vocálico ou consonântico, igual ou parecido,
para descrever ou sugerir acusticamente o que temos em mente e expressar, quer por meio de uma só
palavra ou por unidades mais extensas”.
171

Quadro 29: Quadro análise 6 do mês 9


Jornais Tema Intertextualidade
O Globo Jogada eleitoral Charge e artigo
Folha de S. Paulo violência -
Extra chacina -

A divergência de temas mostra interesses distintos entre os três jornais. A


“Folha” e “Extra” voltam-se para temas importantes no âmbito da região à qual
pertence, respectivamente, São Paulo e Rio de Janeiro. O único que aborda um tema
de projeção nacional é “O Globo” e se interessa pela transição ocorrida no Ministério da
Cultura para criticar a imagem da presidente.
O levantamento do corpus mostra que a transição no Ministério da Cultura
causou uma ameaça à imagem de Rousseff, com base no discurso da razão, nos ethé
de credibilidade e ethos de “sério” e no contrato de informação. Já o artigo valoriza a
sua imagem, apoiando-se no discurso de afeto, com os ethé de identificação e ethos
de chefe, e abalizado no contrato de captação.

4.3.7.4. Dia 19 de setembro de 2012

O único jornal que apresenta a charge de Rousseff é “O Globo”, com temática da


greve. O tema da charge de Angeli, na “Folha de S. Paulo”, é o mensalão, mas há
artigos que abordam a temática da greve, e o “Extra” trata das eleições municipais.

Jornal “O Globo”

O confronto entre a charge e o artigo assinado desse jornal tem como fim
comparar a posição dos dois enunciadores no que diz respeito à imagem de Dilma
Rousseff.
172

a) charge (capa)

Figura 57: charge, O Globo, 19 set 2012.

Embora o seu rosto esteja encoberto, o contexto situacional permite perceber


que a caricatura corresponde à Rousseff, pelo corpo e, principalmente, pelo tayer na
cor vermelha que marca a opção da presidente, em referência ao seu partido, o PT. O
chargista utiliza faixas de greve como metonímia de uma chuva que atinge a
presidente, portanto a única voz presente é a de reivindicação. O humor pauta-se na
excenticidade que mostra uma postura “acuada” de Rousseff e de pressão por parte
dos servidores.

Quadro 30: Quadro análise 7 do mês 9


Sujeitos enunciadores Discurso Cosmovisão carnavalesca
chargista (enunciador) Cartazes dos servidores
Dilma Rousseff Sem voz excentricidade

A pressão dos servidores em greve ameaça os ethé de identificação por meio


do ethos de “chefe” da presidente, pois mostra a impossibilidade de conciliação de um
conflito, propagando, ainda, uma imagem negativa em função do ethos de “caráter” na
173

figura da moderação. Esses ethé de identificação revelam um discurso passional que


mostra a presidente como “é”59.

b) Artigo assinado60

Figura 58: O Globo, Das federais, só UFF e Rural não definiram ainda o calendário, 19 set 2012.

Embora o artigo discuta a temática da greve, não há menção ao nome da


presidente Dilma Rousseff, o que impossibilita a depreensão de seus ethé.

Jornal “Folha de S. Paulo”

A charge de Angeli aborda o tema do mensalão, por isso não será analisada, no
entanto algumas matérias expõem a temática da greve nesse jornal.

59
Nas palavras de Charaudeau (2008, p. 118), “o desenvolvimento das figuras identitárias do discurso
político, que se reagrupam em duas grandes categorias de ethos: o ethos de credibilidade e o ethos de
identificação”.
60
ANEXO L – Das federais, só UFF e Rural não definiram ainda o calendário.
174

a) Charge (p. 2)

Figura 59: Charge, Folha de São Paulo, 19 set 2012.

O título da charge apresenta a cena: o diálogo da oposição que, no contexto


atual, corresponde à direita. O humor está na fala do personagem, pois é a responsável
por toda contextualização da charge. Assim, o emprego do conector condicional “se”
expõe a hipótese da prisão de todos os envolvidos no mensalão, informação implícita,
mas de fácil remissão em função do conhecimento de mundo de que muito dos
envolvidos são do PT (partido historicamente conhecido como de esquerda).

b) Reportagem (Folha de São Paulo p. C3)61

Figura 60: Folha de São Paulo, 19 set 2012, pC3.

61
ANEXO M – Total de operações.
175

A reportagem mostra que a Polícia Federal se mantém em greve, o que


indiretamente afeta a imagem da presidente Dilma Rousseff. A falta de referência direta
a sua imagem impossibilita a categorização de seus ethé com base no discurso.

c) artigo (Folha de São Paulo)62

Figura 61: Folha de São Paulo, 19 set 2012, C3.

O artigo mostra que os servidores das Universidades Federais findaram a greve.


Como não há menção ao nome da presidente Dilma Rousseff, não é possível
depreender os ethé da presidente.

Jornal “Extra”

Figura 62: Charge, Extra, 19 set 2012.

62
ANEXO N – Greve de docentes faz aulas de 2013 atrasarem em 5 federais.
176

A intertextualidade com a passagem bíblica que trata da multiplicação de peixes


serve de recurso incentivador para a construção do humor, baseado no tema das
eleições municipais. Critica-se a ânsia e a desonestidade dos candidatos para obter
votos.

Comparação entre “O Globo”, “Folha de S. Paulo” e “Extra”

O quadro abaixo aponta as semelhanças e diferentes na abordagem das charges


do dia 19 de setembro nos três jornais:

Quadro 31: Quadro análise 8 do mês 9


Jornais Tema Intertextualidade
O Globo greve Charge e artigo
Folha de S. Paulo mensalão Charge e artigo
Extra Eleições municipais -

O tema da greve abordado na charge de “O Globo” é explorado nos artigos da


“Folha”, no entanto não fazem referência direta à presidente Dilma, nem enquanto
governo, para que se possa traçar um perfil de seu ethos. Portanto, a temática da
greve não possibilitou a depreensão, em termos quantitativos, de seu perfil, nesta data.
Conforme se tem verificado no jornal “O Globo”, nota-se a predominância dos
ethé de identificação na construção da imagem de Rousseff nas charges de Caruso.
Esse discurso, pautado na emoção, visa à captação do seu leitor por meio do afeto.

4.3.7.5. Dia 26 de setembro de 2013

O discurso da presidente na Abertura da 67ª Assembleia Geral das Nações


Unidas, em Nova York, incentivou a criação do chargista Caruso.
177

Jornal “O Globo”

Alguns textos dialogam com a charge, possibilitando diferentes categorizações


dos ethé de Rousseff, dependendo do ponto de vista do sujeito enunciador.

a) Charge (capa)

Figura 63: Charge, O Globo, 26 set 2012.

O sujeito enunciador situa a presidente em seu discurso na abertura da 67ª


Assembleia Geral das Nações Unidas, com o auxílio da linguagem não verbal que
localiza o ambiente. A fala de Rousseff é vazia, incompleta, coloquial e sem lógica. O
humor encontra-se na ausência de coerência e na ocultação do objetivo da presidente
em sua fala, caracterizando a excentricidade.

Quadro 32: Quadro análise 9 do mês 9


Sujeitos enunciadores Discurso Cosmovisão carnavalesca
chargista (enunciador) Situa espacialmente
Dilma Rousseff incoerente̸oralidade Contato familiar

A fala de Rousseff é desqualificada pelo chargista que a descreve de maneira


incoerente, como se pode observar pelo emprego do vocativo “— Ô mundo!” (vago e
178

coloquial) e das expressões “Olha aí!”, “Tô de olho!” e “E daqui a pouco a gente volta...”
(todas escritas no registro oral e sem nexo).
A caricatura também difere das outras pelos traços fisionômicos da presidente
que são embrutecidos nessa charge. Com base nesse exame, verifica-se a ameaça aos
ethé de identificação de Rousseff, pautados no ethos de “chefe”.

b) artigo assinado (O Globo)63

Figura 64: O Globo, Dilma cobra pacto anticrise, 26 set 2012.

É possível depreender a imagem da presidente construída no texto a partir dos


seguintes elementos: (i) título do artigo “Dilma cobra pacto anticrise”, (ii) subtítulo “Na
Assembleia Geral, presidente critica ricos e pede ação global para retomar
crescimento”, (iii) foto e (iv) breve trecho em destaque64: “O protecionismo e as formas

63
ANEXO O – Dilma cobra pacto anticrise
64
Maingueneau (2008, p. 77) chama a atenção para as asserções generalizantes que “enunciam um
sentido completo; são curtas, bem estruturadas, de modo a impressionar, a serem facilmente
memorizáveis. Elas devem, além disso, ser pronunciadas com o ethos enfático conveniente”.
179

de manipulação do comércio devem ser combatidos, pois conferem maior


competividade de maneira espúria e fradulenta”.
Com base nesses elementos, é possível depreender a valorização dos seguintes
ethé valorizados no discurso da presidente: (i) ethos de “solidariedade65”, quando
Rousseff “critica ricos”; (ii) ethos de “chefe”, na figura de chefe-soberano que comanda,
visando ao cidadão e defendendo os seus valores; e (iii) o ethos de competência, pois
propõe a ação em conjunto com o fim do “crescimento global”.
Nos dois primeiros casos, tem-se a configuração do contrato de captação,
verificado por meio dos ethé de identificação, e no último caso, o discurso fundamenta-
se no contrato de informação, por meio dos ethé de credibilidade. Todos eles a serviço
da valorização da imagem da presidente.

c) artigo assinado (p. 24)66

Figura 65: O Globo, Para analistas, Dilma foi defensiva e repetitiva. 26 set 2012.

65
O sujeito enunciador parece se posicionar no lugar dos ricos, causando uma certa ambiguidade entre a
valorização e a ameaça aos ethé da presidente.
66
ANEXO P – Para analistas, Dilma foi defensiva e repetitiva.
180

O título do artigo “Para analistas, Dilma foi defensiva e repetitiva” apresenta uma
imagem da presidente ameaçada pelo ethos de “caráter” em razão da figura de
coragem. Já a qualidade de ser considerada “repetitiva” ameaça o ethos de
“competência” da presidente. O subtítulo “Tema econômico teria mais impacto no G-20,
dizem” questiona o enfoque dado ao tema econômico pela presidente, o que causa
uma ameaça ao seu ethos de “inteligência”.
O destaque à frase “o discurso da presidente mostra um descompasso com a
realidade” também ameaça o ethos de “competência” da presidente, que é considerado,
pelo economista Rodrigo Constantino, “esquizofrênico”. Para o economista, Rousseff
condena o protecionismo, quando o Brasil é protecionista.
Com isso, verifica-se a constituição dos ethé de identificação e de
credibilidade, baseados respectivamente no discurso da emoção e da razão.

Jornal “Folha de S. Paulo”

A charge de Jean Galvão retrata pesquisa sobre a distribuição de renda no


Brasil, segundo relatório do programa ONU-Habitat. Por não se referir diretamente à
imagem da presidente, não será analisada. Destacam-se alguns textos opinativos em
intertextualidade com a temática da presença de Rousseff na 67ª Assembleia Geral da
ONU.

a) Charge (p. A2)

Figura 66: Charge, Folha de São Paulo, 26 set 2012.


181

A pesquisa mostra a continuidade da situação: uma grande concentração de


riqueza entre os ricos e a pobreza dos pobres, o que caracteriza a desigualdade de
renda entre os brasileiros.

b) foto e manchete (capa)67

Figura 67: Folha de São Paulo, 26 set 2012.

A foto e a manchete contrastam no que diz respeito à imagem da presidente. A


foto retrata o encontro casual de Dilma Rousseff e Barack Obama. A simpatia de ambos
revela a valorização do ethos de “caráter”, na figura de pessoa moderada da
presidente. Essa categoria dos ethé de identificação se constrói com o discurso de
afeto, dentro do contrato comunicativo de captação.
Já a manchete mostra a presidente discursando contra os EUA, conforme o título
informa que “Dilma ataca os EUA por política fiscal e nega protecionismo”. O texto é
bastante informativo, como se pode observar no subtítulo “Presidente diz na ONU que
tarifas para proteger indústria são legítimas e critica o aumento da circulação de dólar”.
Os dois pontos de vista, de Rousseff e Obama, no que diz respeito à política comercial
entre Brasil e EUA, interferem na construção do ethos de “competência” da presidente,
contudo o enunciador não se posiciona de maneira a valorizar ou ameaçar essa
imagem, prevalecendo o contrato de informação.
É possível, ainda, analisar conjuntamente os dois textos e verificar a
intencionalidade de os justapor. A aparente contradição no discurso da presidente,

67
ANEXO Q – Dilma ataca os EUA e diz que defesa da indústria é legítima.
182

construída pela justaposição da foto e do texto, objetiva ameaçar a imagem da


presidente. Entretanto, essa interpretação cometeria o equívoco de confundir os
sujeitos reais Dilma e Obama (na foto) com seus papeis sociais, enquanto Presidentes
da República (manchete). Nesse caso, a distinção desses sujeitos valoriza a imagem da
presidente em razão de sua diplomacia para lidar com as diferentes situações.
Destacam-se, portanto, os ethé de identificação, com o ethos de “caráter”, na figura da
moderação.

c) Reportagem (p. 14)68

Figura 68: Folha de São Paulo, Dilma critica os EUA e


nega acusação de protecionismo, 26 set 2012, p. A14.

A reportagem recebe o título de “Dilma critica os EUA e nega acusações de


protecionismo” e subtítulo “Discurso da presidente na ONU faz referência direta a ação
do BC americano”. De fato, sua fala critica os EUA, com base em argumentos, como a
política fiscal expansionista do Banco Central americano e o embargo a Cuba, dentre
outros. Depreende-se do texto uma valorização do ethos de “competência” e de “chefe”

68
ANEXO R – Dilma critica os EUA e nega acusações de protecionismo.
183

da presidente, por defender não apenas o Brasil, mas todos os que estão em
desenvolvimento.
Nesse sentido, a categorização das imagens da presidente abrange os ethé de
identificação e de credibilidade por meio dos dois discursos da razão e da emoção,
evidenciados nos contratos de informação e de captação.

d) Artigo assinado (Folha de São Paulo)69

Figura 69: Folha de São Paulo, 26 set 2012, pA15.

Nota-se, no título do artigo “Contra ricos, presidente junta islã e economia”, a


ênfase da expressão “contra ricos”, e uma avaliação negativa dos dois temas com o
emprego do termo “junta”. O destaque para os países ricos no subtítulo “Dilma elege
EUA e europeus como alvos de sua fala, que atacou preconceito contra muçulmanos e
resposta à crise” também questiona a fala da presidente. Assim, a imagem da
presidente é construída com a inserção de elementos subjetivos por parte do
enunciador, como, por exemplo, o emprego dos adjetivos “em seu afã antiamericano”.
O sujeito enunciador também critica a ordem dos argumentos (construção sintática) do
discurso da presidente, como pode ser observado em “o repúdio à islamofobia vem
antes70 da crítica aos atos que resultaram na morte de Stevens”.

69
ANEXO S – Contra ricos, presidente junta islã e economia.
70
O grifo visa à exemplificação da estrutura destacada.
184

A depreensão que se faz da imagem da presidente ameaça o ethos de “caráter”,


na figura da moderação. O contrato comunicativo engendrado pelo discurso “radical” da
presidente é o de captação, baseado na emoção, e abalizado pelos ethé de
identificação, com mais avaliações do que informações, já que se baseiam na forma, e
não na argumentação.

Jornal “Extra”

Figura 70: Charge, Extra, 27 set. 2012.

O humor baseia-se na metáfora do “Déjá vu”, referindo-se às práticas dos


candidatos que prometem durante as campanhas, e não cumprem, portanto se
esquecem das promessas. O tema abordado por Leonardo corresponde às eleições
para a prefeitura do Rio de Janeiro.

Comparação entre “O Globo”, “Folha de S. Paulo” e “Extra”

O quadro abaixo aponta as semelhanças e diferentes na abordagem das charges


nos três jornais:

Quadro 33: quadro análise 10 do mês 9


Jornais Tema Intertextualidade
O Globo Rousseff na ONU Charge e artigos
Folha de S. Paulo Distribuição de renda Foto, manchete, reportagem e artigo
Extra Eleições municipais -
185

A ampla intertextualidade da charge de Caruso com textos de “O Globo” e da


“Folha” demonstra a importância da temática do pronunciamento de Rousseff na
Abertura da 67ª Assembleia Geral da ONU. O chargista constrói uma imagem negativa
de Rousseff, ameaçando os seus ethé de identificação, com base no ethos de “chefe”.
O chargista utiliza a perspectiva feminina da presidente para embasar o discurso na
emoção, visando à captação de seu leitor com uma abordagem fundamentada no
discurso da emoção. Apesar de o chargista atribuir voz à presidente, trata-se apenas da
forma, com um conteúdo ínfimo.
Já a linguagem verbal dos artigos possibilita argumentações e pontos de vista
sobre o fato com uma variedade de ethé que constroem diferentes imagens de
Rousseff. De uma maneira geral, ameaçando a sua imagem com o ethos de “caráter”,
de “competência” e de “chefe”. Vale ressaltar o papel da manchete que aponta a
posição de Rousseff e de Obama sem se posicionar sobre o assunto, o que demonstra
a imparcialidade do gênero.

4.3.7.6. Dia 27 de setembro de 2012

A charge de Caruso retrata a presidente Dilma Rousseff e o presidente dos EUA,


Barack Obama, posicionados de maneira íntima. Já Angeli, da “Folha”, trata das
eleições para a prefeitura de São Paulo, e o “Extra” aborda o tema do mensalão.

Jornal “O Globo”

Não há outras matérias do jornal que dialoguem com a temática da charge.


186

Figura 71: Charge, O Globo, 27 set 2012.

A voz do sujeito enunciador situa a charge espacialmente no encontro da ONU.


Com isso, faz referência à 67ª Assembleia Geral das Nações Unidas, ocorrida em Nova
York. Não se sabe qual a origem da fala “— São dois pra lá, dois pra cá...”, não fazendo
diferença quem enuncia, porque há recíproca na “dança”, o que pode ser observado, no
âmbito da imagem, pela troca de olhar entre as caricaturas dos dois presidentes.
A cumplicidade dos dois é metaforizada pela referência à dança, conotando a
ideia de que ambos estão sintonizados. A oralidade presente na fala marca a
intimidade, que caracteriza o humor na categoria do contato familiar, de acordo com
Bakthin.

Quadro 34: Quadro análise 11 do mês 9


Sujeitos enunciadores Discurso Cosmovisão carnavalesca
chargista (enunciador) Situa espacialmente
Dilma Roussef̸Barack Obama Metáfora̸oralidade Contato familiar

O perfil da presidente Rousseff é construído com base na sua natureza feminina,


o que pode ser verificado no discurso, referente à dança entre ela e o presidente
Barack Obama, e no olhar entre os dois, que sugere um interesse íntimo, observado,
ainda, na forma como ele segura o antebraço dela.
A escolha pelo uso da imagem insinua uma relação amorosa entre os dois
presidentes, com isso engendra uma critica a ambos. Portanto, nota-se uma ameaça à
187

categoria dos ethé de identificação, pautados no ethos de “gênero” e abalizados no


discurso da emoção, dentro do contrato de captação da charge71.

Jornal “Folha de São Paulo”

Não há intertextualidade dos artigos com temática sobre qualquer tipo de relação
entre a presidente Dilma e Barack Obama.

Figura 72: Charge, Folha de São Paulo, 27 set 2012.

O chargista Angeli apoia-se na noção de sustentabilidade para a categorização


dos lixos, como metáfora para a classificação dos candidatos à prefeitura de São Paulo.
Os principais deles são José Serra, Fernando Haddad, Celso Russomanno e Gabriel
Chalita.
Jornal “Extra”

Figura 73: Charge, Jornal Extra, 27 set. 2012.

71
Vale destacar a intertextualidade entre a charge com a foto publicada ontem na capa da “Folha”,
referindo-se ao encontro casual dos dois presidentes, portanto já analisada no dia 26̸09̸2012.
188

O humor da charge pauta-se nas caricaturas dos Ministros do Supremo Tribunal


Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, respectivos, relator e revisor das CPI do
mensalão que vivem trocando “farpas” entre si.
O chargista utilizou o campo semântico relativo à pizza para indicar à oposição
de suas ideias, conforme se pode observar no título da charge que remete à
condenação dos culpados, o que explica o emprego da locução “sem pizza”, e no léxico
contrastivo dos personagens.

Comparação entre “O Globo”, “Folha de S. Paulo” e “Extra”

O quadro abaixo aponta as semelhanças e diferentes na abordagem das charges


do dia 27 de setembro nos três jornais:

Quadro 35: Quadro análise 12 do mês 9


Jornais Tema Intertextualidade
O Globo Rousseff e Obama Charge
Folha de S. Paulo Eleições municipais -
Extra mensalão -

A ausência de intertextualidade da charge com outros textos demonstra uma


maior subjetividade do chargista que sugeriu uma proximidade entre Rousseff e Barack
Obama. Faltam, portanto, argumentos para fundamentar essa posição. Além disso, o
chargista utiliza a perspectiva feminina da presidente para construir o discurso da
emoção, visando à captação de seu leitor.

4.3.8. Considerações Parciais

Os dados a seguir indicam as ocorrências dos ethé de Dilma Rousseff nas


charges e textos opinativos que expõem a sua imagem no mês de setembro de 2012
nos três jornais.
189

Tabela 9: Análise comparativa das charges de setembro


Ethé Ethos O Globo Folha Extra
V A V A V A
de caráter 1 2 - - - -
de chefe - 2 - - - -
de identificação
de coragem 1 - - - - -
de sério - 1 - - - -

de gênero - 1 - - - -

de credibilidade de competência - 1 - 1 - -
2 7 - 1 - -
TOTAL 10

A tabela 9 mostra a predominância de ameaça à imagem da presidente nos dois


jornais, o que é explicado pela propriedade crítica do gênero, embora também haja
valorização de sua imagem. O tema das eleições municipais de São Paulo prevaleceu
como temática preferida dos chargistas da Folha, já que não houve charge com
referência à presidente.
Das dez charges analisadas, apenas uma se classifica quanto aos ethé de
credibilidade, caracterizando o discurso da razão, por meio do contrato de informação,
para ameaçar a imagem da presidente nos dois jornais.

Tabela 10: Análise comparativa dos textos de setembro


Ethé Ethos O Globo Folha Extra
V A V A V A
de caráter 1 3 2 1 - -

de chefe 2 2 1 - - -
de identificação
de solidariedade 1 - - - - -
de inteligência - 1 - 1 - -

de gênero - - - 1 - -
190

de credibilidade de competência 2 2 1 - - -
de virtude - 1 - - - -
6 9 4 3 - -
TOTAL 22

A quantidade de textos opinativos em diálogo com a temática da charge mostra a


importância dos fatos abordados pelo gênero. Do presente corpus, destaca-se o
discurso de abertura de Rousseff na 67ª Assembleia Geral da ONU, com uma
significativa repercussão nos jornais “O Globo” e “Folha”. Verifica-se um maior grau de
subjetividade na foto que trata do evento, pois o fato destacado diz respeito aos
bastidores de Rousseff, com o encontro casual da presidente com Obama.
A variedade de ethos com o objetivo de valorizar e ameaçar a imagem da
presidente mostra a pluralidade de opiniões que contrastam no que diz respeito ao
gênero e ao suporte do qual fazem parte.
191

CONCLUSÃO

Cada jornal se distingue em função do público a que se direciona. As charges


se harmonizam ao jornal nesse sentido, mantendo uma perspectiva que vai ao encontro
desse leitor. Isso pode ser percebido pela abordagem das temáticas e pelos tipos de
crítica. Como a pesquisa trata de charges publicadas em três jornais em um período de
quatro meses, obtêm-se diferentes imagens da presidente Dilma Roussef.
Verificam-se, a partir da coleta desse corpus, interesses distintos entre os três
jornais, tendo em vista as circunstâncias polêmicas em voga no país. A “Folha de S.
Paulo” e “O Globo” destacam-se pela projeção para um público nacional, já que tratam
de assuntos pertinentes a todo o território, enquanto o “Extra” se volta para o âmbito
estadual, privilegiando as notícias do Rio de Janeiro.
As charges mantêm essa perspectiva: os dois primeiros jornais abordam temas
relativos ao âmbito nacional, e apenas o “Extra” polemiza fatos ocorridos no Rio.
Entretanto, essa compreensão não é categórica, pois é o tema em voga que irá
determinar essa perspectiva. Por exemplo, o tema das eleições municipais e da
violência levaram os chargistas de São Paulo a publicarem apenas uma charge no mês
de setembro.
Em cada tema abordado, nota-se a escolha de uma figura política a ser
“atacada”. Parece que não é só o tema que motiva a criação da charge, mas
principalmente um sujeito alvo que possibilite polêmica e humor. No período escolhido
para o exame do corpus, a presidente evitou exposições, além disso o julgamento do
mensalão estava em destaque. Entretanto, alguns acontecimentos não pouparam a sua
exposição, como a visita do rei Juan Carlos da Espanha, a Rio + 20, a greve das
universidades federais, dentre outros.
Dentre os resultados obtidos da análise, destaca-se a variedade de
categorização do ethos de Roussef nos jornais “Folha de S. Paulo” e “O Globo”. No
período compreendido, não houve sequer uma abordagem no “Extra” sobre a
presidente. Verificou-se que o chargista desse jornal, normalmente, privilegia o uso de
personagens comuns a caricaturas de personalidades políticas conhecidas. Assim, o
referido jornal não contribuiu para o exame do ethos da presidente, com isso levanta-se
192

o questionamento sobre o interesse desse amplo público leitor que são poupados das
polêmicas em torno da imagem de Dilma Rousseff.
De uma maneira geral, é possível apreender uma crítica que pode valorizar a
imagem da presidente em “O Globo”, mas tende a ameaçar na “Folha de S. Paulo”. A
intertextualidade temática demonstra uma harmonização entre os pontos de vista dos
gêneros do mesmo jornal, mas verificaram-se casos em que o ponto de vista da charge
contrasta com a opinião do artigo ou matéria.
Quanto à imagem da presidente nas charges, os dois jornais também
contrastam. O “Globo” tende a valorizá-la, com base em uma variedade de ethos: de
“caráter”, de “chefe”, de “potência” e “de gênero”, normalmente, os ligados aos ethé de
identificação. As representações sociais da presidente revelam cordialidade,
capacidade de enfrentamento, sensibilidade, moderação, ou seja, qualidades
resultantes do contrato de captação, qualidades que remetem a um discurso firmado na
emoção.
Quanto ao ethos de “gênero” de Dilma Rousseff, verifica-se uma liberdade ou
mesmo um descuido de Caruso no emprego de representações sociais em torno de sua
imagem pessoal enquanto mulher. O seu comportamento não se coaduna com o dos
chargistas da Folha de S. Paulo. O problema não diz respeito à menção ao seu lado
feminino, pelo contrário essa natureza pode ser ressaltada, como a presidente procura
fazer, e sim na abordagem machista dos temas, em que se supervaloriza a estética em
detrimento do conteúdo. Em um momento, como atual, em que respeito e igualdade de
direitos emergem e suscitam mudanças, é preciso se posicionar no mundo de maneira
crítica, e o maior desafio para isso é a aquisição de conhecimento e informação.
No jornal “Folha de S. Paulo”, verifica-se uma inclinação para a ameaça de sua
imagem, principalmente nas charges. Da mesma forma, constata-se a predominância
do enfoque pautado nos ethé de credibilidade. Com isso, os chargistas tendem a
construir um discurso mais crítico, embasado na razão e no contrato de informação,
basicamente, por meio do ethos de “competência” e de “virtude”.
O jornal impresso, enquanto veículo responsável por informar o público leitor,
organiza gêneros e assuntos de acordo com uma lógica própria, daí a importância de
se confrontar ideias e discursos. Da mesma forma, debruçar-se sobre o exame de
193

charges pode oferecer subsídios para a compreensão e reflexão das avaliações em


torno dos fatos cotidianos, bem como dos mecanismos linguísticos e discursivos, que
possibilitam a construção de saberes. A variedade desses recursos reconhecidos nas
charges visa à contribuição para o ensino-aprendizagem de leitura e produção textual.
Por fim, espera-se que o presente estudo ofereça parâmetros para uma
interpretação crítica do discurso midiático, pautado no tema da Política. Destaca-se a
necessidade da prática de análise das charges fundamentada nos conceitos de
polifonia e dialogismo com textos diversos. Essa consciência amplia não apenas os
conhecimentos linguísticos e discursivos, mas também desenvolve a competência para
uma leitura crítica com base no humor.
194

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