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RIO DE JANEIRO
Inverno de 2013
A CONSTRUÇÃO DO ETHOS DA PRESIDENTE
DILMA ROUSSEFF EM CHARGES JORNALÍSTICAS
Por
VERÔNICA PALMIRA SALME DE ARAGÃO
Departamento de Letras Vernáculas
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________
PROFª. DRª. MARIA APARECIDA LINO PAULIUKONIS – UFRJ (ORIENTADORA)
_________________________________________________
PROF° DR° ANDRÉ CRIM VALENTE - UERJ
_________________________________________________
PROF° DR° FERNANDO VIEIRA PEIXOTO FILHO - UFRRJ
________________________________________________
PROFª. DRª. MICHELLE GOMES ALONSO DOMINGUEZ - UERJ
________________________________________________
PROFª DRª ROSANE SANTOS MAURO MONNERAT – UFF
_____________________________________________________
PROF° DR° HELÊNIO FONSECA DE OLIVEIRA – UFRJ (SUPLENTE)
_____________________________________________________
PROFª DRª LUCIA HELENA GOUVÊA – UFRJ (SUPLENTE)
Aprovado:
Em: ___̸___̸2013
Dedico
as lutas, por ser o meu maior incentivador e pelo presente mais precioso:
nossa Laura.
INTRODUÇÃO 19
CONCLUSÃO 191
ANEXOS
19
INTRODUÇÃO
A eleição da primeira mulher presidente do Brasil impõe, para um país com uma
tradição machista que muito tardiamente permitiu a participação feminina na vida
política brasileira, desafios, e cria expectativas quanto ao tratamento dado pela mídia à
imagem da mulher pública que ocupa o cargo mais elevado do Brasil: Dilma Rousseff. A
vitória obtida nas urnas contou com o apoio de seu antecessor na presidência Luís
Ignácio da Silva, conhecido como Lula, e com as conquistas desse governo, já que
ocupou o cargo de ministra da Casa Civil. Sua ascensão, nesse período, estava
atrelada à figura masculina de seu antecessor.
Inúmeras charges expuseram essa relação com o fim de criticar a então
candidata, como se pode observar na charge (Figura 2, p.72). Em um primeiro
momento, a legitimidade de Rousseff foi alcançada pela parceria com o político Lula,
que ainda gozava, naquele momento, da imagem de confiança e admiração, presente
no imaginário coletivo da maior parte da população. Após eleita, Dilma Rousseff intitula-
se “presidenta”, sendo o título prontamente rechaçado por alguns setores da mídia, com
base em “supostas” restrições da gramática normativa. A discussão mostrou que a
predileção por determinadas formas linguísticas deve-se mais a intenções políticas do
que a exigências da língua, e que é preciso rever tanto determinadas posturas de
cunho político como intransigências normativas.
Aos poucos, Rousseff alcança sua legitimidade plena, governando de uma
maneira própria, e desvinculando sua imagem da do ex-presidente Lula. A opção por
ministras mulheres ao seu lado evidencia uma preocupação com a valorização da
mulher no mundo político. Quando questionada sobre a importância de seu papel
enquanto primeira presidente no Brasil, ela responde que vê a diferença quando “as
mulheres simples desse Brasil (...) enxergam um símbolo de emergência e de
ascensão”. (Rousseff, 2012, p. 82).
A partir desses questionamentos, esta tese visa ao exame de um polêmico
gênero textual, a charge, com o objetivo de apreender a construção do ethos da
presidente nos principais veículos de informação impressa do Rio de Janeiro e de São
20
1
As charges que expõem Maomé exemplificam a polêmica em torno do gênero, que causou
manifestações e até mortes, além da indignação de mulçumanos.
21
com Charaudeau (2009), o contexto textual “é constituído de textos produzidos por uma
mesma fonte”. Objetiva-se, com a comparação desses textos, depreender a
concordância entre os enunciadores das charges e de outros gêneros a respeito de um
mesmo tema. Para isso, serão categorizadas as referências diretas à presidente nesses
textos, sempre que houver.
A produção do discurso político oficial se dá no ambiente midiático. Perceber a
atuação dos diferentes gêneros que transmitem as informações cotidianas é importante
porque implica a colocação em evidência de valores compartilhados. Aguiar e Puzzo
(2012, p. 139) elucidam que “a charge busca revelar para o público leitor, através do
humor, o que está inserido nos bastidores do mundo político, refletindo a ideologia
constitutiva do órgão da imprensa, que, somada à presumida postura do leitor, permite
a ele a responsividade esperada”.
Assim como o público é heterogêneo, a mídia impressa também apresenta
pontos de vista díspares, e se apoia em estratégias para obter a adesão. De acordo
com Marchon (2011, p. 57), “quanto a essa instância receptora dos textos midiáticos,
vale lembrar que é projetada, pela instância de produção, a partir de hipóteses feitas
sobre um conjunto impreciso de valores étnico-sociais e afetivo-sociais”.
O suporte teórico que fundamenta este trabalho baseia-se em princípios da
Análise Semiolinguística do Discurso, proposta por Patrick Charaudeau. A teoria pauta-
se na análise do discurso com base nos elementos explícitos e implícitos presentes no
texto, preconizando, portanto uma linguística da língua e uma linguística do discurso.
No primeiro caso, são identificados os recursos linguísticos que contribuem para a
produção da crítica e do humor, como a escolha lexical, por exemplo. O segundo caso,
da linguística do discurso, concerne aos atos de linguagem que, de acordo com
Charaudeau (2008a, p. 37), “circulam no mundo social e que testemunham, eles
próprios, aquilo que são os universos do pensamento e de valores que se impõem em
um tempo histórico dado”. O exame focado no discurso das charges conta,
primeiramente, com o reconhecimento dos sujeitos do discurso e, consequentemente,
com a configuração do dialogismo e da polifonia, como o primeiro passo para a
construção dos sentidos dos atos de linguagem.
22
CAPÍTULO I:
O riso:
das origens aos dias atuais
25
com o uso de imagens, possibilita uma transgressão que normalmente não é possível
em outros gêneros de textos verbais. A caricatura e a situação vexatória a que são
expostos os personagens políticos em evidência muitas vezes os sujeitam a críticas
sem a menor ponderação, o que merece um exame mais acurado, objetivo desta
pesquisa.
Vale observar a história do humor nas diferentes sociedades e perceber como o
riso refletiu o momento político e ideológico de seu tempo, muitas vezes, exercendo o
papel de contraposição a práticas, pensamentos e atitudes oficiais. Não se pretende
fazer aqui um estudo completo da origem e desenvolvimento do riso carnavalizado ou
da “cultura popular cômica” medieval e de suas raízes na vida da humanidade, como
propõe Bakhtin (1929). Apenas demonstrar a influência da visão carnavalesca cômico-
sério-satírica que tanto marcou a vida do homem medieval e cujos resquícios se notam
até hoje nas diversas manifestações do riso.
Já na antiga sociedade grega, em cujas bases se funda a cultura ocidental, de
acordo com Minois (2003, p. 22), o riso integra-se a mitos, festas, escritos homéricos,
dentre outros textos da época. As festas reforçam a coesão social e o riso ritualístico,
evocador do caos original, porta uma incrível força destrutiva e regeneradora. Assim
como o riso da loucura é considerado necessário ao equilíbrio social, o riso ritualizado
cumpre o dever de restabelecer a ordem. Na sociedade antiga ele se integrava à vida
das pessoas e era necessário a essa vitalidade, assim como as festas religiosas, as
“dionisíacas” do campo e as grandes dionisíacas, as bacanais, as leneanas, as
tesmofóricas ou as panatenéias, que eram festas religiosas e tinham, necessariamente,
uma significação mitológica ligada aos deuses, (cf. MINOIS, ibidem, p.30).
Minois destaca quatro elementos inerentes às festas: 1) uma reatualização dos
mitos, que são representados e imitados, dando-lhes eficácia; 2) uma mascarada, que
dá lugar, sob diversos disfarces, a rituais mais ou menos codificados; 3) uma prática da
inversão, na qual é necessário brincar de mundo ao contrário, invertendo as hierarquias
e as convenções sociais; 4) e uma fase exorbitada, em que o excesso, o
transbordamento, a transgressão das normas são a regra, terminando em caçoada e
orgia, presididas por um efêmero soberano entronizado que é castigado no fim da festa.
27
Por essa época, o riso serve como um atrativo da vida social, opondo o cotidiano ao
sagrado e essa situação perdura também na sociedade romana, que recebe as
influências do pensamento grego. A sátira e a zombaria cumprem, na época, um papel
importante, atacando valores morais, sociais e políticos, contudo sua essência é
conservadora em relação a esses valores estabelecidos oficialmente. O lema “castigat,
ridendo mores” – “rindo, corrigem-se os costumes” - era a tônica.
O riso na Idade Média foi tema de pesquisa do filósofo Bakhtin, em obra do início
do século XX (1929/2010), que se dedica a estudar suas manifestações em toda a
Idade Média e no Renascimento pelo viés da cultura popular. Ele as denomina de
“cultura cômica popular” e postula que se manifestam em três grandes categorias:
1- As formas dos ritos e espetáculos (festejos carnavalescos, obras cômicas
representadas nas praças públicas, etc.);
2- Obras cômicas verbais (inclusive as paródicas) de diversa natureza: orais e
escritas, em latim e em língua vulgar;
3- Diversas formas e gêneros do vocabulário familiar e grosseiro (insultos,
juramentos, blasões populares, etc.), cf. (BAKHTIN, 2010, p. 4)
2
Na perspectiva de Bakthin (1981, p. 105) “carnaval (no sentido de todas as variadas festividades, dos
ritos e formas de tipo carnavalesco), da sua essência, das suas raízes profundas na sociedade primitiva e
no pensamento primitivo do homem, do seu desenvolvimento na sociedade de classes, de sua
excepcional força vital e seu perene fascínio”.
30
Uma outra obra das mais antigas e célebres dessa literatura medieval
carnavalizada é A ceia de Ciprião (Coena Cypriani), paródia grotesca (escrita entre os
séculos V e VII), que utilizou toda a história sagrada para descrever um banquete bufo
e excêntrico, em que travestiu num espírito carnavalesco toda a Sagrada escritura
(Bíblia e Evangelhos). Essa paródia estava autorizada pela tradição do “riso pascal”
(risus paschalis) livre, (cf. BAKHTIN, 2010, p. 12). Além do surgimento e permanência
de outros diferentes gêneros da retórica cômica: “debates” carnavalescos, disputas,
diálogos, “elogios” cômicos (ou “ilustrações”), etc, o riso do carnaval ressoa também
nos fabliaux e nas peças líricas compostas pelos “vagantes” (estudantes ambulantes)
medievais.
No campo da temática e da linguagem típica do carnaval, transpõe-se do
ambiente familiar toda a intimidade e se abole provisoriamente as diferenças e barreiras
hierárquicas entre as pessoas. Também há a eliminação de certas regras e tabus
vigentes na vida cotidiana, criando-se um tipo especial de comunicação ao mesmo
tempo ideal e real entre as pessoas. Bakhtin denomina o sistema de imagens da cultura
cômica popular de realismo grotesco e afirma que “o princípio material e corporal
aparece sob a forma universal, festiva e utópica. O cósmico, o social e o corporal estão
ligados indissoluvelmente numa totalidade viva e indivisível” (idem, p. 17).
Na reprodução das falas dos personagens das charges, também são comuns
liberdade temática, as contradições e o uso da linguagem coloquial por meio de gírias
e palavras de baixo calão. As imagens – o uso de caricaturas é usual - também
remetem ao material da carne, por isso é comum a relação estabelecida entre os
personagens políticos e imagens de perversão ou de qualquer outra temática
relacionada ao baixo material3.
Os elementos essenciais do realismo cômico renascentista formam-se durante
as três fases do grotesco antigo: arcaico, clássico e pós-antigo, e seu auge ocorre na
literatura do Renascimento. O termo “grotesco” advém do substantivo italiano grotta em
3
O baixo material pode ser interpretado como pornográfico, erótico, sexual, enfim aos temas que
normalmente são censurados pelo discurso do “contrato da seriedade”.
31
Essas obras vieram demonstrar a grande função da sátira em todos os tempos: uma
recusa perante os fatos degradados que oprimem a humanidade, denunciando-os por
meio de uma crítica construtiva e regeneradora do riso.
Na época pré-romântica e no princípio do Romantismo, surgem outras
inovações: o grotesco “transpõe-se de alguma forma à linguagem do pensamento
filosófico idealista e subjetivo” (ibidem, p. 33). O riso aí subsiste, mas se atenua e toma
a forma de humor, ironia ou sarcasmo. Deixa de ser jocoso e alegre, e o aspecto
regenerador e positivo do riso reduz-se ao mínimo. As imagens da vida material e
corporal são vistas como “inferiores”, diferentemente da visão do grotesco integrado à
antiga cultura popular que faz o mundo aproximar-se do homem, corporifica-o,
reintegra-o por meio do corpo a uma vida corporal.
Quanto à figura do diabo, constante na cultura popular cômica medieval, podia
ser classificado como um alegre porta-voz ambivalente de opiniões não oficiais, da
santidade ao avesso, o representante do inferior material, “(...) no grotesco romântico, o
diabo passa a encarnar o espanto, a melancolia, a tragédia. O riso infernal torna-se
sombrio e maligno” (ibidem, p. 36). A ambivalência da antiguidade e do medievalismo
transforma-se em contraste “estático brutal ou em uma antítese petrificada”. Após o
Romantismo e mesmo durante o Realismo, também o tratamento de temas do grotesco
33
foi relegado às formas do cômico vulgar de baixa categoria, perdendo sua força
regeneradora que tinha na cultura popular cômica.
Com a ascensão do saber humanista e da ciência, com a adoção de termos das
línguas vulgares pela literatura, houve uma predisposição para que o oficial e o não
oficial se fundissem. Assim, o riso popular advindo da tradição da Idade Média
incorpora-se à literatura dita séria do Renascimento, tornando-se a expressão da
consciência nova, livre, crítica e histórica da época.
A força do riso, mesmo relegado pela Igreja e pelos poderosos, tem-se
perpetuado, ainda que extraoficialmente, em oposição à seriedade mantida pela
ideologia oficial. O estabelecimento de festas periódicas, como a dos loucos instituída
nos primeiros séculos do cristianismo, contribuiu para essa manutenção do riso nos
séculos posteriores e cumpre um papel libertador, em que a tolice (a bufonaria) pode,
ao menos uma vez por ano, manifestar-se livremente, cf. (ibidem, p. 65)4.
Na Idade Média, como já dito, as festas populares se associavam ao calendário
da Instituição Igreja e ao estabelecido oficialmente, como, por exemplo, a festa do asno
popular evoca a fuga de Maria levando o menino Jesus para o Egito. Ambas são
análogas ao carnaval e ao charivari, suas sucessoras. Havia ainda a missa do asno, em
que cada uma das partes zurrava um cômico “Hin Ham!”: tanto o padre na hora de dar a
benção, quanto os fiéis no lugar de “amém”. Também na época da Páscoa, o riso
pascal dizia respeito a sermões, anedotas alegres, piadas e brincadeiras, enquanto o
riso de Natal correspondia a canções alegres sobre os mais leigos assuntos, cantadas
nas igrejas. Para Bakhtin (2010, p. 71), de uma forma geral, “o ritual e as imagens da
festa visavam encarnar o próprio tempo que simultaneamente trazia a morte e a vida,
que transformava o antigo em novo, e impedia toda possibilidade de perpetuação”.
Também toda a literatura paródica da Idade Média liga-se ao riso carnavalizado
e foi instituída e destinada a ser lida nessas ocasiões de lazeres e festas, época em
que era permitido parodiar o sagrado, com o risus paschalis já citado, permitia-se o
consumo de carne e a prática da vida sexual. As recreações de escolares da mesma
forma contribuem para a produção de paródias, no momento em que os jovens se
4
Na obra, o trecho grifado pelo autor refere-se à carta circular da Faculdade de teologia de Paris (1444) e
se encerra com as seguintes palavras: “permitimo-nos alguns dias de bufonaria (a tolice), para em
seguida regressar com duplicado zelo ao serviço do senhor”.
34
Houaiss et alii (2001); portanto o ser humano teria quatro humores: sangue, fleuma
(muco, catarro), bílis amarela e bílis negra. Os gregos e os romanos acreditavam que a
combinação desses líquidos determinava o estado de espírito e o caráter das pessoas.
Assim, de acordo com Magalhães (2010, p. 15), “os indivíduos que possuem excesso
de sangue no corpo são chamados sanguíneos; os com muito muco/catarro,
fleumáticos; os com muita bílis amarela, coléricos e os, com excesso de bílis negra,
melancólicos”, o que permitia categorizar o caráter pelo “humor”.
Já um sentido mais atual de humor foi utilizado a primeira vez por Jonson, autor
dramático inglês, no final do século XVI, ainda segundo Magalhães (idem, p. 18), para
definir a personalidade extravagante e engraçada. O termo distingue-se de outras
formas de provocar o riso, como a sátira, o cômico e a ironia, que se mostram de
caráter mais particular em relação à crítica.
Almeida (1999, p. 43) concebe o humor como um processo mental bem mais
complexo e dinâmico que o simples cômico, e apresenta considerações sobre essa
temática:
a visão humorística é, portanto, mais complexa, dinâmica e libertadora do que a
visão cômica, que ela inclui e ultrapassa ao redimensionar o isolamento cômico,
reconhecendo nesse isolamento uma característica de todo homem. Ela
aparece como um terceiro movimento que revigora o processo de identificação
entre os homens, depois de tê-lo inicialmente reconhecido (piedade) e, em
seguida, anulado (distanciamento).
5
O aprofundamento do assunto e análise com base na classificação dos chistes foi feita em trabalho
anterior, podendo ser consultado em Aragão (2007, p. 66)
6
Essa é uma questão da problemática da intencionalidade cujo sujeito humorista está prestes a causar
um efeito desejado, sendo o destinatário a origem de um efeito de prazer, sem que se tenha garantia de
que os dois coincidem.
38
7
Freud S., 1905, Le mot d’esprit et sa relation à l’inconscient, trad. de l’allemand par D. Messier, Paris,
Gallimard, 1988.
39
contrário do que se pretende dizer. Caracteriza-se, portanto, pelo duplo sentido inerente
ao fenômeno da ironia.
Bergson (1978), em O riso, analisa a comicidade nas palavras, o que denomina
jogos de humor, e propõe uma conceituação discursiva para a ironia que se baseia na
ideia de transposição de sentido entre dois referentes opostos, típica do humor. Na
ironia, “se enunciará o que deveria ser, fingindo-se acreditar ser precisamente o que é”,
conforme Bergson (1978, p. 68). Para o autor, a transposição mais comum ocorre entre
o real e o ideal, ou seja, a do que é com o que deveria ser, processo bastante comum
no processo do humor.
A perspectiva psicanalítica de Freud também oferece subsídios para a definição
de ironia, pois considera importantes o locutor (emissor), o processo instaurador e o
ouvinte. De fato, o locutor diz o contrário do que pensa e o ouvinte compreende a
intenção da mensagem por meio de algum dispositivo (tom de voz, gesto, indicações
estilísticas), o que lhe proporciona prazer.
Os estudos pragmáticos também contribuem para o conceito de ironia, que,
conforme Brait (ibidem, p. 62), corresponderia a uma “construção em que existe a
presença de um significante recobrindo dois significados, como acontece na mentira,
mas integrada, obrigatoriamente, por um índice, cuja função é sinalizar a ironia”. Esse
índice inscrito na enunciação liga-se diretamente à situação e possibilita a interpretação
pretendida.
Sperber e Wilson, por sua vez, definem a ironia como um processo citacional,
mais conhecido como “menção-eco”. O termo advém do conceito de Aristóteles em que
“menção” designa a expressão, e “emprego” indica o que a expressão designa. Para
confrontar a visão clássica de ironia como oposição de sentido, Sperber e Wilson (1978,
p. 7) mostram as nuanças de frases irônicas nos discursos diretos e relatados. Além
disso, as menções manifestam ecos que revelam ao destinatário a atitude do locutor
com respeito ao enunciado. Toda interpretação decorre desse duplo reconhecimento,
daí a denominação de menção-eco para caracterizar o discurso irônico.
Os autores apresentam um exemplo baseado na fala de Horácio: “A fuga é
gloriosa nessa ocasião” (idem). Nesse caso, o indício para a compreensão da ironia ou
da menção-eco está na contradição dos termos “fuga” e “gloriosa”, que traz um novo
40
sentido para a proposição, o irônico. Esse sentido revela a atitude do locutor em relação
à proposição que ele menciona. A comparação entre ironia e paródia mostra que,
enquanto a primeira corresponde a menções de proposições, a segunda diz respeito a
menções de expressões, que variam, ainda, de acordo com os diferentes tons como o
dubitativo, o aprovador etc. Sperber e Wilson (idem, p. 16) classificam de autoironia
quando o locutor faz eco de si mesmo e quando o locutor faz eco no destinatário
denominam de sarcasmo. Tais conceitos mostram-se pertinentes na análise dos textos
das charges, como se verá no exame do corpus.
Brait (ibidem, p. 78) destaca da perspectiva de Kerbrat-Orecchioni o trio
actancial: locutor que dirige um certo discurso irônico para um receptor para caçoar de
um terceiro que é alvo da ironia, o que caracteriza a argumentação indireta, presente na
ironia verbal. Um outro tipo de ironia, a referencial ou situacional, apresenta a
contradição entre dois fatos contíguos, simultâneos, visivelmente detectados por um
observador. O discurso irônico apresenta uma enunciação (E1), referente ao momento
de produção e uma enunciação (E0), anterior ou explícita, que se tenta desconsiderar,
portanto trata-se de uma dupla enunciação.
O sistemático estudo que a autora faz da ironia permite chegar a algumas
conclusões importantes, como, por exemplo, o fato de se poder considerar, no nível do
discurso, a perspectiva da enunciação. Para Brait (2008, p. 126), “o discurso irônico
joga essencialmente com a ambiguidade, convidando o receptor a, no mínimo, uma
dupla leitura, isto é, linguística e discursiva”. Portanto, a autora destaca os diversos
vieses de análise da ironia, relacionando-os com a pragmática, a filosofia, a psicologia,
a ideologia etc., caracterizando a transdisciplinariedade.
Também é oportuno lembrar que temas relativos a estratégias, como a citação, a
coesão e a coerência, o sentido literal e o figurado, a intertextualidade, a ambiguidade
são exemplos de elementos linguísticos que compõem a ironia. Já a menção-eco, a
interdiscursividade, a argumentação e a ação dos sujeitos participantes do discurso
irônico — ironizador, alvo e outros participantes — aproximam a ironia do âmbito
discursivo. Trata-se de uma divisão didática, já que discurso e língua coincidem e se
completam. Tais recursos irônicos são frequentemente empregados nas charges, eis
por que interessam à análise.
41
Pode-se situar e definir sátira sob duas perspectivas: a primeira diz respeito a um
conjunto de obras literárias que criticam o ambiente social por meio do humor; e o
segundo corresponde ao “empleo al hablar o al escribir del sarcasmo, la ironia, el
ridículo, etc., para denunciar, exponer o ridiculizar, el vicio, la tontería, las injusticias o
lós males de toda especie”, cf. Shorter Oxford English Dictionary apud Hodgart (1969, p.
13).
Uma das características básicas da Sátira consiste em explorar uma situação
excepcional para colocar à prova uma verdade tida como absoluta. Seria o que Bakhtin
definiu como resultado da observação dos fatos de um outro ponto de vista, em que a
escala de valores é sempre modificada. A crítica e a hostilidade denunciam os vícios e
as condições humanas, o que explica sua natureza realista e fantasiosa, propriedades
da sátira que denunciam toda espécie de infração às normas estabelecidas.
A finalidade da sátira, de acordo com Hodgart (ibidem, p. 28), pode ser
observada no “desinflar a los falsos héroes, los impostores y los charlatanes, que
pretenden um respeto que no les es debido, y el vehículo que escoge para ello es casi
siempre la epopeya burlesca”.
Este autor destaca, por exemplo, alguns elementos necessários à sátira política:
“la sátira política necesita cierta dosis de libertad, el ambiente de las grandes ciudades
y cierta sofisticación”, então detalha essa sofisticação: “sofisticación política (tanto el
satírico como su público deben entender algo del processo político) y sofisticación
estética (el satírico debe ser capaz de contemplar la escena política com humor e
imparcialidade, así como com pasíon; de lo contrario, solo producirá siemple polémica)”,
(cf. HODGART, ibidem, p. 34).
O objetivo fundamental da sátira, segundo ele, é nivelar todos os homens e
humilhar os poderosos, esse tipo de humor, em que a crítica é feita de forma bastante
42
degradante, utiliza-se dos mesmos elementos que pretende denunciar, como o cinismo,
o deboche, o sarcasmo dentre outros, o que a torna uma forma incisiva e severa crítica
social. Em muitos aspectos, ela se aproxima dos rituais primitivos da fecundidade e da
morte, dos festivais carnavalescos das Saturnais antigas e das festas populares da
Idade Media, quando imperava uma inversão de valores, uma ruptura com o oficial e
sério. Enquanto os objetivos das leis eram consagrar o estabelecido, a festa
carnavalesca abolia provisoriamente os privilégios, as distâncias hierárquicas, as regras
e tabus e instaurava o riso.
Hodgart (ibidem, p. 77) destaca ainda, em seu trabalho, a necessidade de
liberdade de uso da palavra para que a sátira se expanda, como ocorreu no fim do
século XVIII na França e nos séculos XIX e XX na moderna Grécia e na Inglaterra.
Nesse sentido, vale destacar que, de acordo Hodgart (ibidem, p. 131), a sátira é um tipo
de ironia militante, cujo “satírico utiliza la ironia para hacer que el lector se sienta
incómodo, para sacarle de su complacência y convertirle em um aliado em la lucha
contra la estupidez humana”. O autor compara a sátira com os recursos básicos do
chiste agressivo (proposto por Freud), da sátira literária e da caricatura, e identifica nela
as seguintes propriedades: “el desenmascaramiento y el envilecimiento de las personas
u objetos exaltados (erhaben), mediante la degradación (Herabsetzung)”, segundo
Hodgart ibidem, p. 110).
Tendo em vista que se consideram charges políticas como textos satíricos
dirigidos a poderosos políticos, a análise desses textos, presentes em vários jornais,
visa a depreender os recursos com que o gênero é construído com o objetivo de
satirizar a presidente Dilma Rousseff. Da mesma forma, busca-se apreender os valores
que são exaltados ou degradados no gênero. Além disso, o uso da caricatura contribui
também para essa degradação por meio do relevo dado a certos traços; conceitos que
serão discutidos, a seguir. No presente corpus, as charges de Leonardo, normalmente
não apresentam caricaturas, e sim personagens comuns, o que é justificado pela
abordagem de temas do cotidiano, ligados aos problemas do cidadão. Trata-se, no
entanto, de uma exceção entre os autores chargísticos.
Um dos objetivos deste estudo é demonstrar a visão crítica que impera em geral
nas charges políticas, pelo viés da sátira, que tem por fim recusar o estático, as
43
O desenho foi utilizado a primeira vez por Mosini (1646) na preparação da edição
dos desenhos do italiano Carrache. Jacques Callot (1592-1635) aperfeiçoa a técnica,
inspirado em retratos grotescos e na commedia dell’arte. Segundo Minois (2003, p
.432), “o primeiro caricaturista profissional aparece no século XVII: é o romano Pier-
Leone Ghezzi (1674-1755), que executa uma galeria divertida de aristocratas,
mecenas, padres e artistas”.
Na Inglaterra, no século XVIII, a caricatura serve para atacar a esfera política
juntamente com o panfleto. O refinamento e a polidez dessa sociedade guarda ainda a
verve escatológica e obscena, por isso além do exagero dos traços do rosto, o seio e o
traseiro são partes focalizadas nas caricaturas. O uso de elementos populares, temas
carnavalescos, e mascaradas, por imagens, serve para alcançar um grande público,
como artesãos, operários iletrados e camponeses ricos, o que favorece a venda dos
jornais e panfletos.
Por outro lado, vale lembrar que a habilidade do criador de caricaturas em
localizar em suas vítimas uma característica própria, gestos inconscientes, mecânicos
para reproduzi-los distorcidamente, faz parte da técnica satírica que permite a criação
de uma réplica do satirizado, de forma que o público logo o reconheça. Por isso traços
fisionômicos, gestos ou tiques aparecem marcados de forma exagerada. Essas
“deformações” físicas e morais da caricatura visam, pelo menos, a lembrar que o
satirizado é uma réplica e não um ser humano único ou inimitável, todo poderoso. De
uma certa forma, tais procedimentos visam à destruição da individualidade e do
orgulho do ser humano.
A função essencial desse processo de criação presente na caricatura
revolucionária, segundo Minois (2003, p. 469), é a dessacralização, o rebaixamento dos
valores antigos, mestres e ídolos: “monarquia, nobreza, clero são precipitados numa
onda de escatologia e obscenidade”. Por isso, talvez, se possa afirmar que, somente
com a revogação das leis de censura à imprensa a partir de 1780, o gênero da
caricatura obteve maior sucesso. De acordo com Lopes (1999), “as ilustrações passam
a ser gravadas segundo diversas técnicas9 novas: litografia (desenvolvida por Aloys
9
Para um estudo detalhado das técnicas de gravura, consultar Aragão (2007, p. 83)
45
Por sua vez, o pintor Goya (1746-1828), influenciado pelo Romantismo, cria caricaturas
“repletas do fantástico e da angústia, que ultrapassam o contexto concreto de sua
época e visam ao universal”, cf. Minois (ibidem, p. 471), mas sua arte ficou restrita à
pintura. Somente em 1830, surge, em Paris, a revista La Caricature, fundada por
Charles Philipon, o qual foi preso e pagou pesadas multas por sua postura subversiva,
para os cânones vigentes da época. Em 21 de julho de 1792, um decreto ordena
perseguições contra os autores desses tipos de desenhos, considerados difamadores.
Durante o reinado de Napoleão também a censura imperava, pois regimes autoritários
não toleram críticas e censuras, como se observa até hoje em governos ditatoriais que
não suportam a força corrosiva do riso crítico e mordaz.
Sizeranne apud Almeida e Oliveira (2006, p. 79) propõe a divisão da história da
caricatura em três fases: 1) simbolista: “quando os egípcios recorriam aos animais para
simbolizarem o caráter de suas vítimas, tais como os leões e as gazelas que
representavam reis e concubinas”; 2) deformante “até a Renascença, quando a palavra
italiana caricare dava medida exata de sua finalidade de então”; e 3) característica “nos
tempos mais atuais... quando verdadeiros artistas se dedicaram à caricatura”. Essa
classificação engloba gravuras grotescas, sátiras críticas, e o que se vê até hoje:
caricaturas feitas com muitos objetivos diversos, não apenas estético ou humorístico.
De acordo com Teixeira (2005, p. 92), a caricatura “opera num universo fechado
de expressão de forma e ausência de conteúdo, esgotando e transbordando o
própriosujeito-nomesmosujeito, sem qualquer interação exterior, senão com os traços
físicos originais que o compõem”. Os processos de condensação e de analogia também
são evidenciados na caricatura, conforme destaca Brilli et alii (1985, p. 196):
46
10
Consultar texto Anexo K que mostra a pesquisa feita pelo Ibope sobre a avaliação do Governo
48
vezes, sem apresentar o tom pejorativo, caricato e depreciativo nas atitudes agressivas
próprias do gênero.
A charge normalmente provém de um evento deflagrador, tratado por outros
gêneros (notícia, reportagem artigo opinativo), do interesse do leitor e que é revisto
figurativa e criticamente, por isso é fundamental que os leitores tomem consciência do
fato em questão, sob pena de não entender a mensagem calcada em implícitos de
várias ordens. Sua principal característica é ser circunstancial e icônica, pois trata do
assunto muitas vezes que fora divulgado junto com a matéria deflagradora.
Dependendo do chargista, uma charge pode transmitir a mensagem apenas por
meio de imagem ou ser composta ainda pelo elemento verbal. Dentre os critérios
metodológicos de seleção do corpus, optou-se por charges que congreguem os dois
elementos: o verbal e o não verbal. O elemento verbal contribui para a identificação do
ethos em função dos recursos linguísticos e discursivos que o fundamentam, enquanto
a imagem apoia-se muito mais no implícito contextual para a construção dos sentidos.
Ramos (ibidem, p. 56) salienta a hibridação de signos verbais e visuais em três
ordens: 1) icônica (representação de seres ou objetos reconhecíveis), 2) plástica (caso
de uso de textura e cor) e 3) de contorno (aparecimento da borda ou linha que envolve
as imagens). A presença da cor nas charges bem como o traço marcam o estilo do
chargista. Consoante Ramos (ibidem, p. 84), “há um rol enorme de tonalidades
possíveis, o que traz duas consequências imediatas: uma mudança estética do produto
e um novo volume de informações visuais a ser trabalhado pelos artistas e interpretado
pelos leitores”.
Vale destacar alguns questionamentos feitos por Cirne (1970, p.22) no que diz
respeito ao papel ideológico dos comics11 e como se deve pensá-lo no âmbito da
charge: “além da importância ideológica e social, os quadrinhos registram uma
problematicidade expressional de profundo significado estético, tornando-se a literatura
por excelência do século XX”. O autor refere-se à carga informacional transmitida por
esses grandes difusores de cultura, que são veiculados em meios acessíveis (Bancas
de jornais), podendo atingir a um público amplo, se comparado à literatura de uma
11
Gubern (1979, p. 10) explica o termo por se tratar de narrações que durante 25 anos foram
essencialmente cômicas. “Foi apenas em 1929 que surgiu o primeiro comic realista, Tarzan, de Harold
Foster, inspirado na obra de Burroughs”.
49
maneira geral, que exige maior poder aquisitivo para a compra de livros. O valor
expressional desse gênero deve-se principalmente ao emprego da imagem, mas
também ao uso de uma linguagem interativa de valor conversacional, o que os
aproxima do público. Por tudo isso, grande é o poder de influência dos comics, em
vários setores da sociedade, o que os faz hoje serem olhados de um outro ponto de
vista também pelas pesquisas da Academia.
A capacidade de reprodução12 dos comics advém das relações tecnológicas e
sociais que alimentavam o complexo editorial capitalista no século XIX. A rivalidade
entre dois grupos jornalísticos (Hearts vs. Pulitzer) contribuiu para o aumento da
vendagem dos jornais, aproveitando os novos meios de reprodução e criando uma
lógica própria de consumo, cf. Cirne (idem, p. 12). Essa literatura consolidou-se e
transformou-se, adaptando-se a diferentes épocas e culturas. Fazendo um paralelo com
o cinema, Cirne (ibidem, p. 13) destaca que “as técnicas de reprodução aplicadas à
13
obra de arte modificam a atitude da massa diante da arte. Muito reacionária diante,
por exemplo, de um Picasso, esta massa torna-se progressista diante, por exemplo, de
um Chaplin”. Destaca-se, ainda, a anterioridade dos comics e fotonovelas em relação
ao cinema, por exemplo.
Por outro lado, é preciso reconhecer o aspecto positivo do surgimento de uma
literatura marginal, ou seja, de uma literatura popular ou alternativa ao cânone em
função dessa acessibilidade. Facilitada, ainda, pelo componente iconográfico que
possibilita a leitura mesmo daqueles com baixo grau de instrução. A problemática é
muito bem colocada por Marx apud Cirne (ibidem, p. 16), quando detecta no problema
do consumo da arte não apenas um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para
o objeto. No Brasil, há vários exemplos dessa literatura que apresenta um viés social e
político-identitário, como é o caso da Turma da Mônica, de Maurício de Souza, e o Saci-
Pererê, de Ziraldo. Há, ainda, o exemplo do quadrinho argentino que atravessa
12
De acordo com Gubern (idem, p. 17), “das literaturas da imagem, principalmente em duas formas de
vasta aceitação popular: os comics e as fotonovelas, aqueles em sequências de desenhos e estas em
fotografias fixas”. O autor destaca, ainda, que o gênero épico nos comics se desenvolveu a partir de
1929, ano em que se iniciou a grande crise econômica mundial, daí a função consoladora no plano da
imaginação. Soma-se a isso o menor esforço intelectual requerido pela leitura, graças ao componente
iconográfico”, cf. (GUBERN, ibidem, p. 22).
13
Cirne (1972, p. 13) define massa como “uma matriz de onde brota, atualmente, todo um conjunto de
novas atitudes em face da obra de arte. A quantidade tornou-se qualidade”.
50
décadas e mantém o humor de qualidade com um alto teor crítico: a Mafalda, de Quino,
que tem gerações de fãs.
Quanto ao advento da imagem nos textos, pode-se associar sua expansão à
descoberta da fotografia, por volta de 1830, quando se desenvolveu na literatura,
conforme destaque de Cirne. Esse fenômeno ganhou tamanha amplitude que hoje
dificilmente um texto não se faz acompanhar pela imagem e sua importância faz com
que a Academia se volte para o seu estudo, mesmo ainda de uma maneira incipiente,
com exceção talvez dos estudos da teoria Semiótica, que oferece muitos trabalhos na
área14. Tal interesse se deve, muitas vezes, ao vigor com que a imagem ocupa as
mídias e há o interesse crescente da sociedade de um modo geral. Um excesso que
assusta educadores por considerarem o caráter manipulador da imagem, quando
descontextualizada.
De acordo com Teixeira (2005, p. 67), “linguagem alguma se insere nessa pós-
modernidade tão confortavelmente quanto o discurso da imagem, nenhuma outra dá
conta de múltiplas possibilidades de significação e expressão”. A quantidade de
suportes que viabilizam o texto não-verbal, como jornais, revistas, out doors, o mundo
da web, a televisão e o cinema, permite a afirmação de que houve perda da palavra em
prol da imagem, embora, na maioria deles, o verbal e o não verbal se congreguem.
Santaella (2007, p. 141) explica esse fenômeno pelo fato de a cultura brasileira ser
“mais oral e visual, dada a passagem brusca com que nesta se deu a transição da
cultura das letras, nunca muito bem sedimentada no Brasil, para a cultura de massas, o
que pode ser imediatamente constatado no agigantamento da penetração das mídias
rádio e televisão no Brasil”.
Os jornais exemplificam essa preferência do público pelo elemento não-verbal
com o uso excessivo de fotos e imagens, principalmente na propaganda, disputando
espaços com os textos verbais. Santaella (idem, p. 147) apresenta uma pesquisa em
que compara um jornal alemão, FAZ15, com um brasileiro, a Folha (FSP), e conclui que
essa “é muito mais dominada pela ‘ideologia da legibilidade’, ou seja, ela privilegia a
14
Vale destacar o pensamento de Jameson (2004, p. 136) que questiona: “se toda a realidade tornou-se
profundamente visual e tende para a imagem, então, na mesma medida, torna-se cada vez mais difícil
conceituar essa esperiência específica da imagem que se distinguiria de outras formas de experiência”.
15
FAZ (Frankfurter Allgemeine Zeitung)
51
Nesse sentido, este trabalho tem por objetivo analisar “as realidades” construídas em
torno da imagem da presidente Dilma Rousseff, analisando textos verbais que se
complementam com o visual. Com base em seus traços físicos caricaturados,
expressões físicas e verbais e no cenário em que se enquadra, pretende-se observar
52
CAPÍTULO II:
Dos estudos do discurso:
a Teoria Semiolinguística
54
Este capítulo visa à síntese de algumas das principais contribuições aos estudos
de operações discursivo-enunciativas e ao papel dos sujeitos na enunciação.
Destacam-se, em um primeiro momento, os estudos enunciativos de Benveniste (1988
e 1989), Austin (1990), Ducrot (1997) e o pioneirismo de Bakhtin (1929/1981), que
contribuíram com os principais conceitos que norteiam os exames de texto até os dias
atuais. Um segundo momento pode ser considerado com os pressupostos da Análise
do Discurso, de linha francesa, iniciada por Pêucheux, o autor mais representativo
dessa corrente, que se prendia à análise de textos de cunho político, com o enfoque
sobre o discurso, a ideologia da esquerda e o assujeitamento dos sujeitos. O terceiro
momento teórico deste capítulo trata da Análise Semiolinguística do Discurso, proposta
por Patrick Charaudeau, concepção que fundamenta teórica e metologicamente a
presente pesquisa, e baseia-se, sobretudo, no papel do homem na linguagem e nas
operações que dão testemunho e visibilidade a essa presença. Os diversos conceitos
sobre ethos e sua evolução desde o tratamento pela Retórica até visões mais atuais
também farão parte dos fundamentos teóricos que embasam a análise do corpus.
16
Segundo Cavalcante (2011, p. 15), “referentes são entidades que construímos mentalmente quando
enunciamos um texto. São realidades abstratas, portanto, imateriais. Referentes não são significados,
embora não seja possível falar de referência sem recorrer aos traços de significação”.
56
ou não. Todo ato de fala se caracteriza pelas três propriedades, pois “sempre que se
interage através da língua, profere-se um enunciado linguístico dotado de certa força
que irá produzir no interlocutor determinado (s) efeito (s), ainda que não aquele (s) que
o locutor tinha em mira”, conforme analisa Koch (1992, p. 20).
A base desse estudo é a noção de performativo, segundo o qual um enunciado é
visto não só em função do que é dito, mas também do que realiza. Em, por exemplo, eu
abro a porta, “a realização da ação é totalmente independente da enunciação da frase,
a qual não desempenha função alguma nessa realização - o enunciado é constativo”,
cf. Kerbrat-Orecchioni (2005, p. 20). Já em outro caso o performativo executa (ou
performa) uma ação, como pode ser exemplificado em eu declaro aberta a sessão. O
valor ilocucional (força ilocucionária) dos enunciados exige a análise do contexto, mas
também dos papeis sociais, implicando uma perspectiva ampla da linguagem. Nem
sempre é simples avaliar esse valor nos enunciados, que, ainda, podem ser explícitos
(eu ordeno que feche a porta) ou implícitos (feche a porta).
Interessa também ao desenvolvimento deste trabalho a noção de atos diretos e
indiretos, definidos por Austin. Quando diretos, é fácil compreender a sua força
ilocucionária de promessa, ameaça, advertência, pois o valor ilocutório está explícito na
superfície textual. Entretanto, os atos indiretos podem ser polissêmicos e a sua
compreensão depende da convenção estabelecida no contexto em que é utilizado. A
indagação você tem horas exemplifica o segundo caso, já que, por detrás da pergunta,
há a intenção de um pedido para que se informe a hora. Portanto, a Pragmática propõe-
se a apreender na língua (ou nas estratégias da linguagem) valores simbólicos
construídos socialmente e partilhados pelos interagentes.
Essas considerações são úteis à presente pesquisa, pois os textos chargísticos
utilizam-se frequentemente de formas implícitas ou de atos de fala indiretos, que
podem ser explicados pelo contexto. Um autor que tratou dos implícitos foi Ducrot, a
quem se dedica atenção nos parágrafos seguintes, apresentando resumidamente os
seus conceitos de pressupostos e subentendidos. Inicialmente influenciado pela
filosofia da linguagem de Austin e Searle, Ducrot (1987, p. 8) fundamenta seu estudo no
ato de linguagem, referindo-se à enunciação e ao ato ilocutório produzido. Entretanto, o
58
próprio autor aponta no prefácio da obra O dizer e o dito a necessidade de, em seus
estudos posteriores, ir muito além desses conceitos.
A descrição semântica proposta por Ducrot intenta ir além do exame de
elementos linguísticos, abarcando o que denomina “um certo número de leis de ordem
psicológica, lógica ou sociológica, em suma, informações referentes às diferentes
utilizações da linguagem nessa mesma comunidade” (cf. DUCROT, idem, p. 15).
O autor concebe um primeiro componente (conjunto de conhecimentos) para a
descrição semântica linguística de L (locutor), denominado componente linguístico, em
que atribui “a cada enunciado, independentemente de qualquer contexto uma certa
significação, cf. Ducrot (ibidem, p. 15). O segundo componente, o retórico, considera a
significação resultante do primeiro componente, mais as circunstâncias X nas quais é
produzido, e prevê a situação efetiva na situação X. Com base nessa distinção, analisa
as ocorrências em seu contexto e situação de uso ordinário da linguagem que
ultrapassa o âmbito da frase para o nível do enunciado. Para isso, depreende as
definições de pressuposto e subentendido, que se diferenciam de acordo com os dois
componentes e podem ser examinados em função de critérios de modificação sintática,
como a negação ou a interrogação.
Os pressupostos de um enunciado continuam a ser afirmados mesmo que
ocorra a negação deste enunciado ou a sua transformação em pergunta. O autor
exemplifica: “Jacques continua fumando”, que passando para a forma interrogativa
ficaria “Será que Jacques continua fumando ?” e na negativa “É falso que Jacques
continua fumando”. Mesmo com todas essas modificações, o pressuposto de que
“Jacques fumava antigamente” mantém-se. Ducrot (ibidem, p. 18) introduz o conceito
de posto, e exemplifica com o acréscimo de uma oração subordinada: “Pedro17
continua fumando, ainda que o médico lhe tenha proibido o cigarro”, cujo elo de
subordinação se refere ao posto (oração principal). Em função da descrição semântica
em consonância com as construções sintáticas gerais, o fenômeno é tratado na
perspectiva do componente linguístico, diferentemente do que ocorre com os
subentendidos, como se verá a seguir.
17
Nesse enunciado, Ducrot (1987, p, 18) troca o nome Jacques por Pedro
59
Esse fenômeno é comum à consciência humana e mesmo ao discurso, mas até então
não era reconhecido teoricamente em nenhum âmbito, tornando-se, com os estudos
literários e discursivos mais recentes, um conceito fundamental para as análises
enunciativas. Vale ressaltar que o pensamento de Bakhtin baseia-se em uma
61
18
De acordo com Freitas (2005, p. 302), “Bakhtin, ao tratar os fenômenos linguísticos a partir de uma
perspectiva histórica, cultural e ideológica, interliga filosofia, estética, psicologia e semiótica. O fio básico
de toda essa trama é a linguagem”.
62
19
Sant’Anna (2000, p. 36) considera a estilização uma técnica responsável por dois efeitos: um pró-estilo
ou paráfrase (que retoma a ideia) e um contra-estilo ou paródia (que transforma a ideia).
20
Conceito proposto por Authier-Revuz (1982), que corresponde à presença de outros discursos,
atribuíveis a outras fontes enunciativas
63
21
Os exemplos são dados por Charaudeau e Maingueneau (2004, p. 261)
64
AD francesa AD anglo-saxã
Escrito Oral
Quadro institucional Conversação cotidiana
Tipo de discurso doutrinário comum
22
É importante frisar que o que se chama de elementos externos ao texto são, na verdade, intrínsecos ao
texto, porém de maneira subliminar
68
Tanto o discurso midiático como o político visam à cooptação de seu interlocutor, que
representa a instância cidadã.
Charaudeau23 apresenta o seguinte esquema que resume uma situação de
comunicação:
Situação de comunicação
(finalidade)
Instruções discursivas
Sujeito
Estratégias
23
Palestra proferida por Charaudeau, na Faculdade de Letras, da UFRJ, em 2012.
71
Não cabe a este estudo detalhar o esquema, uma vez que o corpus é composto
de textos opinativos, que, de acordo com a proposta, são produzidos de forma a
comentar o acontecimento. Conforme Charaudeau (ibidem, p. 175), “comentar o mundo
constitui uma atividade discursiva, complementar ao relato, que consiste em exercer
suas faculdades de raciocínio para analisar o porquê e o como os seres que se acham
no mundo e dos fatos que aí se produzem”, diferentemente do relato que trata a notícia,
baseando-se em fatos e ditos.
Há gêneros que se propõem a explicitar o ponto de vista de seus sujeitos
produtores, o que acarreta a procura por esses textos. É o que ocorre com editoriais,
74
24
Sugere-se ao gênero midiático charge a denominação de acontecimento recriado, uma vez que, antes
de qualquer maneira de organizar o discurso, é preciso recriá-lo pela imagem, pela cenografia, pelos
diálogos.
75
CAPÍTULO III:
O debate sobre o ethos
na Análise do Discurso
77
O conceito de ethos foi proposto por Aristóteles, que, em sua obra Arte Retórica
e arte poética(s.d) volta-se para a persuasão, na qual compara retórica e dialética
destacando semelhanças e diferenças entre elas. “Entre as provas fornecidas pelo
discurso, distinguem-se três espécies: umas residem no caráter moral do orador;
outras, nas disposições que se criaram no ouvinte; outras no próprio discurso, pelo que
ele demonstra ou parece demonstrar”. (p. 33) Trata-se da tríade denominada ethos,
logos e pathos, contudo Aristóteles acreditava que “o caráter moral deste [o orador]
constitui, por assim dizer, a prova determinante por excelência”. (p. 33)
Aristóteles (p.39) atribui três elementos ao discurso: 1) a pesssoa que fala (o
ethos); 2) o assunto de que se fala (o logos); 3) a pessoa a quem se fala (pathos).
Classifica o discurso em três categorias fundamentadas nos ouvintes:
Esse autor pode ser considerado um analista do discurso, porque, além de seus
estudos sistematizarem inúmeros recursos linguísticos, caros à análise de textos, como
é o caso das marcas autonímicas25, nota-se sempre uma preocupação com os sentidos
implícitos a essas marcas, ou seja, um dito não explicitado. Essa preocupação é
atribuída, por M. Pêcheux apud Mainguenau (1993), à Análise do discurso que se
propõe a “apenas construir procedimentos que exponham o olhar leitor a níveis opacos à ação
estratégica de um sujeito.”
Como se pode observar, esse conceito tradicional tratava de um sujeito físico, real,
diferentemente dos estudos atuais que se voltam para o texto/discurso, principalmente
80
aos elementos do texto, atua junto à corporalidade que remete ao contexto externo ao
texto. Nas palavras de Maingueneau (ibidem, p. 72),
De fato, a noção tradicional de ethos — como a de seu equivalente latino
mores, “os caracteres oratórios” — recobre não somente a dimensão vocal, mas
também o conjunto das determinações físicas e psíquicas atribuídas pelas
representações coletivas à personagem do orador. O “fiador”, cuja figura o leitor
deve construir com base em indícios textuais de diversas ordens, vê-se, assim,
investido de um caráter e de uma corporalidade, cujo grau de precisão varia
conforme os textos. O “caráter” corresponde a um feixe de traços psicológicos.
Quanto à “corporalidade”, ela é associada a uma compleição corporal, mas
também a uma forma de vestir-se e de mover-se no espaço social. Caráter e
corporalidade do fiador apóiam-se, então, sobre um conjunto difuso de
representações sociais valorizadas ou desvalorizadas, de estereótipos sobre os
quais a enunciação se apóia e, por sua vez, contribui para reforçar ou
transformar. Esses estereótipos culturais circulam nos registros mais diversos
da produção semiótica de uma coletividade: livros de moral, teatro, pintura,
escultura, cinema, publicidade.
Em meio a supervalorização, por um lado, dos elementos externos à língua por parte
dos sociólogos e, por outro lado, do que é interno a essa pelos pragmáticos, Amossy
sugere o equilíbrio entre esses dois âmbitos. Em seus estudos, propõe a noção de
estereótipo, definido como “a operação que consiste em pensar o real por meio de uma
representação cultural preexistente, um esquema coletivo cristalizado”. Acrescenta que
“o locutor só pode representar seus locutores se os relacionar a uma categoria social,
étnica, política ou outra”. (AMOSSY, 2005, p. 126).
A autora contribui para a construção da noção de ethos ao propor o conceito de
estereotipagem, mas ressalta a importância da atualização dessa ideia no momento da
enunciação. Nesse sentido, o ethos seria a imagem formada por meio de um orador
que “adapta sua apresentação de si aos esquemas coletivos que ele crê interiorizados
e valorizados por seu público-alvo”. (ibidem, p. 126). Essa proposta diferencia-se da
anterior, de Maingueneau, por não se limitar ao contexto enunciativo, mas por
considerar os aspectos exteriores que influenciam a imagem do locutor no momento do
ato interativo.
84
Rousseff (2012, p 81) reconhece a importância dessa noção e explica que “as grandes
crises institucionais se originam da perda da legitimidade do governante”. No seu caso,
a legitimidade é dada pelo mandato, portanto acordada pela instância cidadã. A sua
formação em economia pressupõe uma sobreposição dessa legitimidade, reforçada
pelo sucesso do país no seu exercício enquanto Ministra da Casa Civil.
A legitimidade do chargista é um assunto polêmico que está sempre em voga
nos meios midiáticos, pois a crítica e o humor, inerentes ao gênero, são, muitas vezes,
considerados desrespeitosos. A publicação de caricaturas de Maomé na imprensa
dinamarquesa, em 2006, desencadeou manifestações sangrentas, e recentemente o
filme “A inocência dos muçulmanos” resultou na morte de Christopher Steves,
embaixador americano, em Benghazi, na Líbia. Em 2012, a revista francesa Charlie
Hebdo traz um novo debate sobre a liberdade de expressão ao publicar charges que
ridicularizam o profeta Maomé.
Charaudeau (idem, p. 67) diferencia legitimidade de credibilidade, afirmando que:
a primeira determina um ‘direito do sujeito de dizer ou de fazer’, a segunda,
‘uma capacidade do sujeito de dizer ou de fazer’. Questionar a legitimidade é
questionar o próprio direito e não a pessoa; questionar a credibilidade é
questionar a pessoa, uma vez que ela não apresenta provas de seu poder de
dizer ou fazer.
86
Portanto, o conceito de credibilidade está mais ligado ao de ethos, porque é com base
em sua construção discursiva que se pode avaliar o tipo de imagem que está sendo
transmitida pelo sujeito que enuncia. A legitimidade distingue-se da autoridade pela
submissão inerente a segunda noção. Segundo Charaudeau (ibidem, p. 68), “ela [a
autoridade] coloca o sujeito em uma posição que lhe permite obter dos outros um
comportamento (fazer fazer) ou concepções (fazer pensar e fazer dizer) que eles não
teriam em sua intervenção”.
Sendo coerente com sua teoria Semiolinguística, Charaudeau parte de uma
análise que considera as marcas inscritas na superfície textual, visando ao estudo da
construção do ethos. Com isso, oferece suporte teórico para o exame dos
procedimentos que envolvem essa construção da imagem dos atores da política. O seu
conceito de ethos é abrangente, aproximando-se de uma metodologia mais completa
na análise do discurso político:
o ethos, enquanto imagem que se liga àquele que fala, não é uma propriedade
exclusiva dele; ele é antes de tudo a imagem de que se transveste o interlocutor
a partir daquilo que diz. O ethos relaciona-se ao cruzamento de olhares: olhar
do outro sobre aquele que fala sobre a maneira como ele pensa que o outro o
vê. Ora, para construir a imagem do sujeito que fala, esse outro se apóia ao
mesmo tempo nos dados preexistentes ao discurso – o que ele sabe a priori do
locutor – e nos dados trazidos pelo próprio ato de linguagem, cf. Charaudeau
(ibidem, 115).
26
Vale ressaltar que o chargista pertence ao domínio das mídias de informação: regido por uma dupla
lógica (a de informação cidadã e a de concorrência comercial), cf. Charaudeau (2008, p. 66)
27
Charaudeau (2008,p. 120) explica que a“condição de sinceridade, que, como no discurso de
informação, obriga a dizer a verdade; condição de performance, que – como acontece com todo discurso
que anuncia decisões e é feito de promessas – obriga a aplicar o que se promete; condição de eficácia,
obriga a provar que o sujeito tem os meios de fazer o que promete e que os resultados serão positivos”.
28
Charaudeau (idem, p. 101) propõe o conceito de veracidade que se apoia no que “eu creio ser
verdadeiro e que você deve crer verdadeiro”, visando a mostrar a força da razão, ou seja, a persuadir.
Trata-se do que o autor denomina condições de argumentação.
88
29
É preciso considerar que, conforme Koller e Narvaz (2006), as concepções sobre gênero atuais
abandonam as teorias essencialistas do sujeito, que definem, entre outras, a categoria "mulheres". Não
mais havendo sexo natural nem uma única forma de ser mulher (ou de ser homem), no entanto o
trabalho com o meio midiático mostra que essas categorias ainda existem, e precisam ser identificadas, e
combatidas.
30
De acordo com Felipe, Nogueira e Teruya (2008, p. 4), “a diferença biológica é apenas o ponto de
partida para a construção social do que é ser homem ou ser mulher. O sexo é atribuído ao biológico
enquanto gênero e é uma construção social e histórica”.
92
Exemplo 1:
Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/direto-ao-ponto/a-mae-do-pac-que-trata-
empreiteiros-como-filhos-ameaca-hillary-no-ranking-da-forbes/. Acesso em 13̸05̸2012
Exemplo 2:
31
Categoria de análise para a identificação do ethos de Roussef, proposta por Aragão, na presente tese.
94
CAPÍTULO IV:
A construção do ethos nas charges:
uma proposta de análise
95
O critério de seleção das charges nos jornais orienta-se pela presença da figura
de Dilma Rousseff e também pela do elemento verbal, por considerar importante a
descrição dos recursos linguísticos empregados no gênero. Além disso, são observados
os textos opinativos que dialogam com a temática das charges, como manchetes e
artigos opinativos, visando a sua contextualização, já que as informações implícitas nas
charges, muitas vezes, dificultam e até impossibilitam a sua interpretação.
Dos quatro meses analisados (junho, julho, agosto e setembro de 2012), foi
contabilizado um total de 43 charges, sendo que apenas 16 focam a imagem da
presidente. Já os textos que dialogam com as charges em relação à mesma temática
totalizam um número de 26 textos.
Chico Caruso esteve de férias no mês de julho, o que justifica um índice menor
de ocorrência de charge sobre Rousseff nos dados desse período. Cabe, nesse
momento, apresentar um pouco da vida dos chargistas, e sua atuação nos seus
respectivos jornais, e um breve histórico sobre a biografia de Rousseff:
a) Jornal “O Globo”:
Francisco Paulo Hespanha Caruso, mais conhecido como Chico Caruso, publica
suas charges nesse jornal desde 1992, porém, antes disso, já era consagrado como
chargista, tendo ganhado o prêmio do 3º Salão de Humor de Piracicaba em 1976. Suas
charges são publicadas diariamente na capa do jornal.
97
c) Jornal “Extra”:
O chargista desse jornal chama-se Leonardo e publica suas charges nele desde
a sua primeira edição, em 1998, quando se transferiu do extinto jornal “A Notícia”.
Venceu o prêmio Vladimir Herzog, graças a uma de suas charges publicadas sobre a
violência policial no Rio de Janeiro, cf. Graúna (2013).
O público leitor desse jornal chega a 2.954.000 leitores, mesmo sem assinantes,
sendo “o jornal mais lido do Brasil”, de acordo com dados oferecidos pela Empresa
Infoglobo, e 55% do público pertence à classe C. Quanto à escolaridade, 41%
apresenta o Ensino Fundamental, 42%, o Ensino Médio e apenas 17%, o Ensino
Superior.
32
O site do Infoglobo classifica o seu público, de acordo com a classe social e aponta o índice de
consumo de exemplares por esse público consumidor: classe A (19%), classe B (62%), classe C (18%) e
classes D e E (1%)
98
Mineira de Belo Horizonte, Dilma Rousseff nasce em 1947. Com 16 anos, integra
a Polop, depois a Colina e finalmente a VAR-Palmares, organizações clandestinas,
durante o regime militar. Em 1970, é presa e torturada nos porões da Oban e do Dops,
em São Paulo. A Justiça Militar a condena por subversão, com pena de dois anos e um
mês de prisão.
Em 1975, estudante de Economia, começa a trabalhar como estagiária na
Fundação de Economia e Estatística (FEE), órgão do governo gaúcho. Junto com o
marido, ajuda a fundar o PDT do Rio Grande do Sul. Entre 1980 e 85, trabalha na
assessoria da bancada estadual do PDT e exerce intensa militância política. Atua
decididamente no movimento pelas Diretas Já e na campanha de Carlos Araújo, seu
marido, a deputado estadual. Ele é eleito em 1982, iniciando o primeiro de seus três
mandatos consecutivos.
Em 1986, o pedetista Alceu Collares, novo prefeito de Porto Alegre, escolhe
Dilma para a Secretaria da Fazenda. No início dos anos 90, torna-se presidente da
Fundação de Economia e Estatística, onde havia iniciado a vida profissional. Em 1993,
com a eleição de Alceu Collares para o governo do Rio Grande do Sul, assume a
Secretaria Estadual de Minas, Energia e Comunicação.
No final de 2002, o recém-eleito presidente Lula chamou a secretária de Minas e
Energia do Rio Grande do Sul, Dilma Rousseff, para uma reunião. Ele a conhecia
apenas de nome. Sabia que, graças a ela, o Rio Grande do Sul conseguira escapar do
racionamento de energia imposto ao país pelo governo Fernando Henrique. E o novo
Brasil que Lula construiria nos próximos oito anos precisava de energia, de muita
energia para voltar a crescer e gerar empregos.
Ministra das Minas e Energia, depois ministra-chefe da Casa Civil, Dilma
coordenou alguns dos principais programas do governo Lula: Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC), Luz para Todos, Minha Casa, Minha Vida, Pré-Sal. No dia 31 de
outubro de 2010, o país elegeu a primeira mulher presidenta da República. Dilma
Rousseff venceu com 56,05% dos votos válidos.
99
Jornal “O Globo”
33 Esse tratamento dado aos brasileiros fez com que o governo brasileiro endurecesse e exigisse
condições para a entrada de espanhóis ao País. As novas medidas são as mesmas adotadas nos
aeroportos espanhóis (passagem de volta, comprovante de reserva em hotel e uma quantia diária para a
permanência)
101
concepção do mundo desse riso festivo, dirigido contra a superioridade, que nesse caso
adviria do rei. Com isso, tem-se a categoria de contato familiar35 pelo livre contato com
o rei promovido pelo vocativo “amor”, além disso, trata-se de uma crítica, feita pela
presidente, com o discurso franco, construtivo e regenerador, como nos ritos de
carnavalização.
O rei está sem voz, e sujeito a ser vencido por Dilma. Tem-se a subversão típica
da charge com o enfrentamento da presidente que, de fato, impõe aos espanhóis no
Brasil o mesmo tratamento oferecido aos brasileiros no aeroporto de Madri36. Na
charge, verifica-se em Dilma a imagem de mulher forte capaz de exercer as
atribuições de seu cargo de presidente da república.
A construção do humor se dá pelo deslocamento37 de sujeitos políticos para a
prática de tourear, simbolizada pela figura do rei como touro e Dilma como domadora.
Além disso, a ficção busca retratar metaforicamente os questionamentos da presidente
feitos de maneira sutil, por meio da marchinha de carnaval, festa fortemente ligada à
cultura brasileira.
A letra da música “bandeira branca” cujo léxico reporta a uma atitude amigável
com o emprego do vocativo “amor” é uma marchinha de carnaval, portanto contribui
para imagem despojada da presidente.
Destaca-se o ato de fala indireto em que Dilma pede paz com o objetivo de
pleitear uma recepção menos austera aos brasileiros, um tratamento melhor em relação
aos brasileiros. Ao mesmo tempo, Dilma transmite uma imagem diplomática de quem
sabe pedir com propriedade e cordialidade.
O quadro resumitivo abaixo busca apresentar os sujeitos enunciadores do
discurso, os recursos linguísticos responsáveis pela construção do humor e os
elementos da cosmovisão carnavalesca de que se apropria a charge para produzir a
transgressão:
35
Segundo Bakthin (1981, p. 106).
36
Essa informação é afirmada no artigo publicado na Folha de S. Paulo, intitulado “Espanha facilitará
acesso de brasileiro, diz rei”, exposto a seguir.
37
Trata-se de uma das classificações para os chistes, proposta por Freud. A aplicação desse estudo à
análise das charges pode ser consultada em Aragão (2007, p. 66).
103
O ethos de Dilma aponta para uma presidente com boa relação exterior e
defensora dos interesses dos brasileiros, conforme a charge mostra a situação de
igualdade entre a presidente e o rei. Charaudeau (2008) caracteriza esse ethé de
identificação, responsável por tocar o maior número de indivíduos por meio da
duplicidade de papéis. Nesse caso, a força da presidente é simultânea à cordialidade
de seu discurso, e o ethos “de caráter” apresenta duas imagens: de “força tranquila”,
presente na sutileza da presidente, e de coragem em função de seu enfrentamento.
Há, ainda, um outro ethos, descrito por Charaudeau (idem), que se identifica com
a imagem da presidente na charge em questão: o de “chefe”, pois a relevância da
postura de Dilma se coaduna com seu posto de presidente da república.
38
Anexo A – manchete e foto.
104
39
BEIJA-MÃO 1: o rei Juan Carlos I, da Espanha, cumprimenta Dilma Roussef, que em discurso
mencionou problemas enfrentados por brasileiros na imigração espanhola. Ele disse que as dificuldades
serão resolvidas.
40
O caráter documental da foto contribui para a compreensão da charge por explicitar o fato real.
105
Figura 7: O Globo, Brasileiros são bem-vindos na Espanha, diz rei, 5 jun 2012.
A foto de Dilma, sendo aplaudida pelo rei Juan Carlos I, consubstancia uma
imagem bastante positiva da presidente. O texto verbal também reforça essa imagem,
porque informa sobre o discurso crítico da presidente quanto ao tratamento que os
brasileiros recebem na Espanha. O rei, por sua vez, se prontifica a resolver os
problemas, como pode ser observado no título41. Mais uma vez, reafirmam-se os ethé
de identificação da presidente que se apresentam por meio da valorização do ethos de
“caráter” e da figura de coragem.
A charge desse jornal também enfoca a vinda do rei Juan Carlos I ao Brasil.
41
ANEXO B – Brasileiros são bem-vindos na Espanha, diz rei
106
O dialogismo também pode ser observado pela referência aos contextos: touro,
típico da cultura espanhola; e pela presença da marca brasileira nas cores da camisa
do personagem que foge do touro: verde e amarela. O deslocamento da cena do
Brasil para a Espanha garante o humor da charge, caracterizado pela inversão entre
cordialidade e violência transmitidas. Com isso, tem-se a mésalliance, de acordo
com a cosmovisão carnavalesca de mundo, proposta por Bakhtin (2010, p. 61),
segundo o qual “o riso tem uma significação positiva, regeneradora, criadora”, pelo
desnudamento da verdadeira situação.
A cordialidade do rei é tratada pelo sujeito que enuncia de maneira irônica, pois
não corresponde, de fato, ao que propõe. Com isso, denuncia-se o descumprimento do
acordo entre os países e a continuidade do problema. A presidente se mostra uma
pessoa não crédula, o que pode ser observado em sua expressão facial ríspida, o que
desvaloriza a promessa do rei. O quadro, a seguir, caracteriza esses sujeitos da
seguinte maneira:
Figura 9: Folha de São Paulo, Matéria “Espanha facilitará acesso de brasileiros, diz rei”,
Cotidiano, 5 de jun. 2012, C6.
Jornal “Extra”
42
Ressalta-se que a pesquisa foca o ethos de Dilma nas charges em que ela aparece como personagem,
o que não ocorre nesse caso.
110
Nesse dia, os jornais “O Globo” e “Extra” tratam do tema da Rio + 20, evento
ecológico ocorrido no Rio de Janeiro entre os dias 13 e 22 de junho, sendo que apenas
Caruso menciona a presidente em sua charge. A “Folha de S. Paulo” optou por abordar
o tema da corrupção na charge, apoiando-se na notícia sobre uma vaca clonada na
Argentina e que produziu leite parecido com o humano.
111
Jornal “O Globo”
a) charge
ocasião. O discurso franco revela a categoria do contato familiar, descrito por Bakthin
(2010, p. 10), no conceito de cosmovisão carnavalesca para retratar o riso popular,
segundo o qual é “ao mesmo tempo burlador e sarcástico, nega e afirma a mortalha e
ressuscita simultaneamente”.
b) manchetes
Jornal “Extra”
a) charge
b) Reportagem43
Figura 14: Extra, A lição que ainda não chegou, 12 jun. 2012.
43
ANEXO C – A lição que ainda não chegou
115
44
Não há a presença da presidente Dilma Roussef
117
a) Charge (capa):
quebrar, e com isso projetar os políticos ao chão, degrada os responsáveis pelo evento.
A queda é responsável pelo humor, e resulta de um desejo oculto que caracteriza a
excentricidade, dentro do conceito de cosmovisão carnavalesca, pelo desnudamento
do poder, conforme se vê na proposta de Bakhtin (1981, p. 106).
O quadro resumitivo apresenta os sujeitos enunciadores e sua construção no
discurso, bem como o tipo de cosmovisão carnavalesca:
b) Manchete (capa):
Figura 18: Folha de São Paulo, “ONG vão à ONU contra resultado de cúpula”. 12 jun 2012
Uma página inteira com fotos desenvolve o assunto da manchete para mostrar
as reivindicações de diferentes grupos que produziram um texto “A Rio + 20 que Não
45
ANEXO D – ONGs vão à ONU contra resultado da cúpula
120
Figura 19: Folha de São Paulo, Dilma mostra irritação ao ser criticada na Cúpula de Mulheres.
12 jun. 2012, p.C6.
46
ANEXO E – Dilma mostra irritação ao ser criticada na Cúpula de Mulheres
121
Figura 20: Folha de São Paulo, Pressionado, secretário da ONU recua e elogia texto,
22 jun 2012, p.C6
47
ANEXO F – Pressionado, secretário da ONU recua e elogia texto
122
Jornal “O Globo”
A charge desse jornal trata de corrupção. Sobreposta a ela, há uma foto grande
de Dilma e Michelle Bachelet com legenda que valoriza as conquistas das mulheres no
texto final do evento Rio + 20. Ao lado, uma manchete aponta as insatisfações com o
evento.
a) charge
com o verde”. À caricatura do político, é atribuída a fala “— vai faltar orégano”, o que
justifica a preocupação com o verde, e ao mesmo tempo faz alusão à grande
quantidade de pizza, causando a falta de orégano. Com isso, há um dialogismo com o
tema da ecologia, porém de maneira indireta.
Há dois campos semânticos que propiciam o humor e a construção dos sentidos
com base no termo “Pizza”, que no sentido literal designa “comida”, e no sentido
conotativo, “impunidade”.
Jornal “Extra”
a) charge
A charge desse jornal retrata o aperto de mão entre Lula e Maluf em campanha
de apoio a Haddad, candidato ao governo de São Paulo. A atitude dos dois políticos é
criticada pela mídia em geral, em função do histórico de oposição entre eles.
b) manchete (capa)
A manchete de capa de o “Extra” aborda o tema da Rio + 20, porém sob uma
ótica direcionada à população que sofre as consequências negativas do evento. Nesse
caso, critica uma ação da prefeitura que fechou as farmácias populares durante o
evento.
Comparação entre “O Globo”, “Folha de S. Paulo” e “Extra”
a) Charge (capa):
49
Essa informação, importante para a compreensão da charge é explicitada na notícia publicada no
mesmo jornal, página A16, e será analisada na presente tese, no item a seguir.
128
Figura 26: Folha de São Paulo, Um dia depois de pacote, BC reduz projeção
de aumento do PIB a 2,5%, 29 jun 2012. p.A16.
50
ANEXO H – Um dia depois de pacote, BC reduz projeção de aumento do PIB a 2,5%
129
Jornal “O Globo”
Jornal “Extra”
No mês de julho, são examinadas as charges dos dias 05, 09 e 14. A presidente
é mencionada em apenas 3, as quais confrontam com outras 5 charges e 2 textos
opinativos em diálogo com a temática das charges. Portanto, a coleta compõe-se de um
total de 10 textos.
a) charge
b) artigo
Jornal “O Globo”
“Folha de S. Paulo”
51
ANEXO I – PT é sigla
139
“Jornal O Globo”
“Jornal Extra”
A ironia da charge questiona a ética do Congresso por votar pelo fim do voto
secreto.
141
“Extra”, Leonardo aborda o bloqueio dos bens de Cesar Maia, ex-prefeito do Rio, por
improbidade administrativa.
O tema do PIB, levantado por Jean Galvão, no dia 29̸06, nesse mesmo jornal,
volta à tona na charge de Mag, que mostra a decepção da presidente quanto ao
resultado do PIB determinado pelo Banco Central.
a) charge
b) artigo
Figura 37: Folha de São Paulo, Brasil não usará modelo europeu, diz Dilma, 14 jul. 2012.
144
Jornal “Extra”
A charge aborda o tema do bloqueio dos bens de Cesar Maia, ex-prefeito do Rio,
por improbidade administrativa.
A tabela a seguir aponta as ocorrências dos ethé e ethos de Dilma Rousseff nos
três jornais do corpus de julho de 2012:
146
A presença de Dilma Rousseff nas charges foi motivada pela baixa do PIB,
contudo apenas a “Folha” se propôs a criticar à imagem da presidente. A aliança do PT
com o PMDB também contribuiu para a crítica e construção de uma imagem negativa
da presidente. Já o “O Globo” e o “Extra” optaram por questionar os problemas de
corrupção em voga, sem menção à imagem de Rousseff.
Das três charges analisadas, duas questionam o ethos de “competência” de
Rousseff, conforme se pode observar na tabela I, pela ameaça aos ethé de
credibilidade em função da baixa do PIB. O único caso de ameaça ao ethos de
“virtude” deve-se ao tema da aliança entre o PT e o PMDB.
Verifica-se, portanto, no jornal “Folha de S. Paulo”, a preponderância de um
discurso crítico, pautado na razão e no contrato de informação.
de credibilidade de competência - - - 3 - -
de virtude - - - 1 - -
- - 1 4 - -
TOTAL 5
147
Nessa data, o jornal “Folha de S. Paulo” usa a caricatura de Dilma Rousseff para
abordar o tema da greve. Os jornais “O Globo” e “Extra” tratam de outros temas
também em voga. “O Globo” reporta-se à CPI do mensalão, tema de projeção nacional,
e o “Extra” remete ao governo do Rio de Janeiro e à preparação para as olimpíadas,
assunto de cunho regional.
O único elemento verbal da charge revela o seu tema: greve. A metáfora das
“faixas” na cabeça da presidente simboliza a sua preocupação com a greve dentre
outras reivindicações da população, o que explica a expressão facial da presidente, que
se mostra preocupada, cansada, irritada e com insônia, como pode se ver o suor
escorrendo em sua testa; os olhos arregalados e as sobrancelhas ressaltadas
enfatizam os traços caricaturados.
A cosmovisão carnavalesca presente na charge promove o humor pela revelação
da “aflição” da presidente, em um momento íntimo em que se prepara para dormir, com
isso a charge “invade” sua privacidade e desconsidera sua alta hierarquia,
caracterizando a categoria do livre contato familiar.
149
Jornal “O Globo”
Jornal “Extra”
“Extra”, que se volta apenas para o público do Rio de Janeiro. Supõe-se que a ausência
de textos opinativos que abordem o tema da greve nos três jornais se deva a sua baixa
repercussão no momento.
Em cada charge, uma figura política é “atacada”, no entanto ressalta-se o fato de
não se conferir voz à presidente, na “Folha de S. Paulo”, com a charge de Jean Galvão.
A charge da “Folha”, com a caricatura de Rousseff, destaca-se por, embora só
apresentar um elemento verbal “greve”, abrange os ethé de credibilidade e de
identificação. No primeiro caso, remete-se a todo um campo semântico ligado à greve
e à insatisfação, que justificam a insônia da presidente. Com isso, tem-se uma ameaça
ao ethos de “competência” por meio do discurso da razão e do contrato de informação.
No segundo caso, verifica-se um exagero dos traços caricaturais de Rousseff que
ameaçam os seus ethé de identificação por meio do ethos de “chefe”, com base no
discurso da emoção e do contrato de captação.
Caruso utiliza a imagem de Rousseff para se referir à lista das dez mulheres
mais poderosas do mundo, divulgada pela revista americana “Forbes”. A charge da
“Folha” aborda o conflito no Supremo Tribunal Federal entre os ministros Joaquim
Barbosa e Ricardo Lewandoski, respectivos relator e revisor do processo do mensalão.
Ainda nesse jornal, a matéria de José Simão dialoga com o tema do ranking da revista
“Forbes”, oferecendo subsídio para a interpretação da charge.
Jornal “O Globo”
a) charge
Jornal “Extra”
52
Embora a classificação aponte um caso dos ethé de identificação com o ethos de “chefe”, vale
destacar a preponderância dos ethé de credibilidade nas charges desse jornal ao longo das análises.
157
O corpus desse mês compreende os dias 07, 08, 13, 19, 26 e 27, sendo,
portanto, extenso. A presença de Rousseff ocorre em 6 charges, totalizando no exame
um número de 17 charges. A presidente, ainda, é mencionada em 11 matérias em
intertextualidade temática com as charges. O presente item abarca um total de 29
textos.
4.3.7.1. Dia 07 de setembro de 2012
A única charge que faz menção à presidente nessa data é a do jornal “O Globo”.
A “Folha” aborda o debate entre os candidatos à prefeitura de São Paulo, e o jornal
“Extra” deste dia não integra o corpus.
53
O termo se refere ao exercício da política por mulheres que ocupam cargos superiores.
158
Jornal “O Globo”
a) charge (capa):
54
De acordo com a matéria: “Com US$ 120 milhões, quadro 'O Grito' quebra recorde em leilão”,
publicada no G1, em 02̸05̸2012. In: http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2012/05/com-us-120-milhoes-
quadro-o-grito-quebra-recorde-em-leilao.html. Acesso em 16̸̸06̸2013
159
se impõe uma hierarquia superior, além da força da expressão, verificada pelo excesso
de exclamações. O vocativo corresponde ao nome da ministra-chefe da Secretaria de
Relações Institucionais (SRI) da Presidência da República, Ideli Salvatti.
A explicação para o estresse da presidente está no que a personagem lê. A
ausência de elementos que explicitem a situação exige o conhecimento de implícitos,
que podem ser supridos pela consulta a interdiscursos.
Verifica-se, como traço importante na charge, de Caruso, o uso da polifonia com
atribuição de voz à presidente. A fala de Rousseff exaltada é transmitida em uma
linguagem familiar, típica da oralidade, caracterizando o humor pautado na cosmovisão
carnavalesca, de Bakthin. Essas informações estão sintetizadas no seguinte quadro:
b) artigo
160
Dilma diz a Izabella e Ideli que não sabe de acordo sobre Código Florestal.
O texto aprovado pela comissão especial contraria a orientação do governo.
Priscilla Mendes (Do G1, em Brasília)
Jornal “O Globo”
a) charge (capa)
O título do artigo “Dilma x FH”: para tucanos, PT não sabe lidar com o
contraditório” sugere a metonímia do partido PT para se referir à atitude da presidente
de responder a FHC. A imagem da presidente evocada pelo artigo remete a uma
ameaça aos ethé de identificação, fundamentados no ethos de “caráter”, por meio da
figura da polêmica, já que há um confronto de ideias entre os dois políticos.
165
Jornal “Extra”
Jornal “O Globo”
a) charge (capa)
b) artigo assinado56
55
Conforme Charaudeau (2008a, p. 121)
56
ANEXO J – Marta: Lula é um deus; Dilma é bem avaliada, e eu tenho apelo.
169
57
Vale consultar matéria que apresenta pesquisa de opinião sobre a presidente: ANEXO K – Pesquisa
mostra que 77% aprovam a maneira de Dilma governar.
170
Jornal “Extra”
58
Para Bechara (2005, p. 73), “é a repetição de fonema, vocálico ou consonântico, igual ou parecido,
para descrever ou sugerir acusticamente o que temos em mente e expressar, quer por meio de uma só
palavra ou por unidades mais extensas”.
171
Jornal “O Globo”
O confronto entre a charge e o artigo assinado desse jornal tem como fim
comparar a posição dos dois enunciadores no que diz respeito à imagem de Dilma
Rousseff.
172
a) charge (capa)
b) Artigo assinado60
Figura 58: O Globo, Das federais, só UFF e Rural não definiram ainda o calendário, 19 set 2012.
A charge de Angeli aborda o tema do mensalão, por isso não será analisada, no
entanto algumas matérias expõem a temática da greve nesse jornal.
59
Nas palavras de Charaudeau (2008, p. 118), “o desenvolvimento das figuras identitárias do discurso
político, que se reagrupam em duas grandes categorias de ethos: o ethos de credibilidade e o ethos de
identificação”.
60
ANEXO L – Das federais, só UFF e Rural não definiram ainda o calendário.
174
a) Charge (p. 2)
61
ANEXO M – Total de operações.
175
Jornal “Extra”
62
ANEXO N – Greve de docentes faz aulas de 2013 atrasarem em 5 federais.
176
Jornal “O Globo”
a) Charge (capa)
coloquial) e das expressões “Olha aí!”, “Tô de olho!” e “E daqui a pouco a gente volta...”
(todas escritas no registro oral e sem nexo).
A caricatura também difere das outras pelos traços fisionômicos da presidente
que são embrutecidos nessa charge. Com base nesse exame, verifica-se a ameaça aos
ethé de identificação de Rousseff, pautados no ethos de “chefe”.
63
ANEXO O – Dilma cobra pacto anticrise
64
Maingueneau (2008, p. 77) chama a atenção para as asserções generalizantes que “enunciam um
sentido completo; são curtas, bem estruturadas, de modo a impressionar, a serem facilmente
memorizáveis. Elas devem, além disso, ser pronunciadas com o ethos enfático conveniente”.
179
Figura 65: O Globo, Para analistas, Dilma foi defensiva e repetitiva. 26 set 2012.
65
O sujeito enunciador parece se posicionar no lugar dos ricos, causando uma certa ambiguidade entre a
valorização e a ameaça aos ethé da presidente.
66
ANEXO P – Para analistas, Dilma foi defensiva e repetitiva.
180
O título do artigo “Para analistas, Dilma foi defensiva e repetitiva” apresenta uma
imagem da presidente ameaçada pelo ethos de “caráter” em razão da figura de
coragem. Já a qualidade de ser considerada “repetitiva” ameaça o ethos de
“competência” da presidente. O subtítulo “Tema econômico teria mais impacto no G-20,
dizem” questiona o enfoque dado ao tema econômico pela presidente, o que causa
uma ameaça ao seu ethos de “inteligência”.
O destaque à frase “o discurso da presidente mostra um descompasso com a
realidade” também ameaça o ethos de “competência” da presidente, que é considerado,
pelo economista Rodrigo Constantino, “esquizofrênico”. Para o economista, Rousseff
condena o protecionismo, quando o Brasil é protecionista.
Com isso, verifica-se a constituição dos ethé de identificação e de
credibilidade, baseados respectivamente no discurso da emoção e da razão.
67
ANEXO Q – Dilma ataca os EUA e diz que defesa da indústria é legítima.
182
68
ANEXO R – Dilma critica os EUA e nega acusações de protecionismo.
183
da presidente, por defender não apenas o Brasil, mas todos os que estão em
desenvolvimento.
Nesse sentido, a categorização das imagens da presidente abrange os ethé de
identificação e de credibilidade por meio dos dois discursos da razão e da emoção,
evidenciados nos contratos de informação e de captação.
69
ANEXO S – Contra ricos, presidente junta islã e economia.
70
O grifo visa à exemplificação da estrutura destacada.
184
Jornal “Extra”
Jornal “O Globo”
Não há intertextualidade dos artigos com temática sobre qualquer tipo de relação
entre a presidente Dilma e Barack Obama.
71
Vale destacar a intertextualidade entre a charge com a foto publicada ontem na capa da “Folha”,
referindo-se ao encontro casual dos dois presidentes, portanto já analisada no dia 26̸09̸2012.
188
de gênero - 1 - - - -
de credibilidade de competência - 1 - 1 - -
2 7 - 1 - -
TOTAL 10
de chefe 2 2 1 - - -
de identificação
de solidariedade 1 - - - - -
de inteligência - 1 - 1 - -
de gênero - - - 1 - -
190
de credibilidade de competência 2 2 1 - - -
de virtude - 1 - - - -
6 9 4 3 - -
TOTAL 22
CONCLUSÃO
o questionamento sobre o interesse desse amplo público leitor que são poupados das
polêmicas em torno da imagem de Dilma Rousseff.
De uma maneira geral, é possível apreender uma crítica que pode valorizar a
imagem da presidente em “O Globo”, mas tende a ameaçar na “Folha de S. Paulo”. A
intertextualidade temática demonstra uma harmonização entre os pontos de vista dos
gêneros do mesmo jornal, mas verificaram-se casos em que o ponto de vista da charge
contrasta com a opinião do artigo ou matéria.
Quanto à imagem da presidente nas charges, os dois jornais também
contrastam. O “Globo” tende a valorizá-la, com base em uma variedade de ethos: de
“caráter”, de “chefe”, de “potência” e “de gênero”, normalmente, os ligados aos ethé de
identificação. As representações sociais da presidente revelam cordialidade,
capacidade de enfrentamento, sensibilidade, moderação, ou seja, qualidades
resultantes do contrato de captação, qualidades que remetem a um discurso firmado na
emoção.
Quanto ao ethos de “gênero” de Dilma Rousseff, verifica-se uma liberdade ou
mesmo um descuido de Caruso no emprego de representações sociais em torno de sua
imagem pessoal enquanto mulher. O seu comportamento não se coaduna com o dos
chargistas da Folha de S. Paulo. O problema não diz respeito à menção ao seu lado
feminino, pelo contrário essa natureza pode ser ressaltada, como a presidente procura
fazer, e sim na abordagem machista dos temas, em que se supervaloriza a estética em
detrimento do conteúdo. Em um momento, como atual, em que respeito e igualdade de
direitos emergem e suscitam mudanças, é preciso se posicionar no mundo de maneira
crítica, e o maior desafio para isso é a aquisição de conhecimento e informação.
No jornal “Folha de S. Paulo”, verifica-se uma inclinação para a ameaça de sua
imagem, principalmente nas charges. Da mesma forma, constata-se a predominância
do enfoque pautado nos ethé de credibilidade. Com isso, os chargistas tendem a
construir um discurso mais crítico, embasado na razão e no contrato de informação,
basicamente, por meio do ethos de “competência” e de “virtude”.
O jornal impresso, enquanto veículo responsável por informar o público leitor,
organiza gêneros e assuntos de acordo com uma lógica própria, daí a importância de
se confrontar ideias e discursos. Da mesma forma, debruçar-se sobre o exame de
193
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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