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IMPRESSÕES DE IDENTIDADE:
Histórias e Estórias da formação da imprensa gay no Brasil
Tese de Doutorado
Fevereiro de 2007
JORGE LUÍS PINTO RODRIGUES
IMPRESSÕES DE IDENTIDADE:
Histórias e Estórias da formação da imprensa gay no
Brasil
Niterói, RJ
Fevereiro de 2007
JORGE LUÍS PINTO RODRIGUES
IMPRESSÕES DE IDENTIDADE:
Histórias e Estórias da formação da imprensa gay no Brasil
Tese de Doutorado
BANCA EXAMINADORA
WILTON GARCIA
Suplente – Universidade Anhembi-Morumbi
Ao movimento homossexual brasileiro,
e especialmente ao
Grupo Arco-Íris de Conscientização Homossexual.
AGRADECIMENTOS
em Letras, 2007.
verbal (os textos das matérias) e a linguagem visual (os elementos gráficos que
compõem a página) desses periódicos, para, a partir deles, ler as histórias e estórias
eixo da pesquisa foi estruturado tendo por base os Estudos Culturais, ampliando a
quatro periódicos: o jornal Lampião da Esquina, lançado em 1978, que foi o primeiro
que abordou a Aids e suas questões para o leitor gay; o jornal ENT& que, apesar da
vida curta, foi significante para esta pesquisa; e, por último, a revista Sui Generis, que
2007.
interdisciplinary view, the thesis makes a comparative study between the verbal
language (texts and articles) and the visual language (graphic elements that make up
the pages) of these periodicals. From there, it reads the history and the stories of
the construction of different gay identities. To deal with literature and design, the
axis of the research was structured based on Cultural Studies, widening the subject
etc. Four periodicals were analyzed: the newspaper Lampião da Esquina, launched
in 1978, was the first nationally-distributed periodical; the newspaper Nós por
Exemplo, the only periodical which discussed AIDS and related concerns with a gay
readership; the newspaper ENT& which, in spite of its short life span, was significant
for this research; and finally the magazine Sui Generis which popularized the concept
of GLS (Gays, Lesbians and Sympathizers) and introduced great changes in the
field of graphic design in the gay press. I made a comparative study between what
the text “makes us see” and what the image “leads us to believe” to delineate the
moment. Not only do they narrate the social and political situation of a group at a
certain time, but libertarian newspapers and magazines indicate the agreements which
*
NT. La traducción al
español de este término
es “historias”
Sumário
INTRODUÇÃO 11
1.A LITERATURA COMPARADA E O DESIGN GRÁFICO COMO ESPAÇO PLURAL 14
2. OS LEITORES E SUAS DIFERENTES IDENTIDADES 18
3.ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS 21
Resposta
Letra e música: Maysa
Introdução
E m 1982 tive a oportunidade de assistir à Parada do Orgulho Gay da cidade
de San Francisco. Era minha primeira viagem àquela cidade e para fora do Brasil. 12
perplexo perante ao que via e ouvia. Era uma liberdade que eu não conhecia. Milhares
Copacabana para discutir suas formas e estratégias de luta pela igualdade de direitos
mesma emoção que tinha conhecido 13 anos antes envolvia-me novamente. Só que
minha vida, não me coloco apenas como pesquisador, mas também como sujeito
concedida pela Capes. Durante minha estadia na Brown University, meu orientador,
de San Francisco, onde se encontra o The James C. Hormel Gay and Lesbian Center; e o
One National Gay and Lesbian Archives, localizado em Los Angeles e afiliado à University
Introdução
of Southern California.
publicações, que vêm sendo publicadas ao longo das últimas cinco décadas, abordam
Los Angeles, e mais precisamente West Hollywood (uma pequena cidade dentro
da grande Los Angeles), é uma espécie de “Oz” para a comunidade gay. Assim
de Lüdke e André.
A pluralidade de identidades na cidade pode ser vista nas várias capas das
publicações expostas numa loja do Boulevard Santa Mônica (ver fotos a seguir).
número de anunciantes faz com que a publicação sobreviva sem precisar do assinante
Introdução
ou do comprador esporádico. Já encontramos no Rio de Janeiro alguns jornais feitos
dessa maneira. Como lá fora, os jornais aqui são distribuídos em pontos específicos 14
freqüentados por homossexuais.
No Brasil e no Rio não temos uma imprensa gay como a dos Estados Unidos.
o investimento nesta área é ainda muito parco. Compreendo como imprensa gay as
publicações periódicas que orientam sua linguagem verbal, assim como a linguagem
gráfica, para leitores que se identificam como homossexuais. Assim como uma
afro-descendentes.
pela cultura de massa. Minha formação e atuação cidadã, por outro lado, me levou a
Grupos Gays e Lésbicas, que aconteceu em São Paulo, em 1980, e fui um dos
1993 trabalha pelos direitos de gays e lésbicas. Desta forma, sinto-me próximo e à
homossexual na, por vezes tímida, mas expressiva, imprensa gay carioca.
Introdução
feito de textos e imagens – elementos textuais e não-textuais – que obedecem a um
e o usuário. Gustavo Bomfim nos diz que “o design é uma práxis que confirma ou
que vivemos hoje numa sociedade cada vez mais dominada pela cultura da imagem.
femininas dos anos 70, diz que a revista “is a system of messages, a signifying system
and a bearer of a certain ideology, an ideology which deals with the construction of
a teenage femininity” (1991: 82). A revista, segundo a autora, “operates to win and
comunidade gay que vive ainda clandestinizada, de certa forma invisibilizada no dia-
a-dia da sociedade.
realizar sobre a imprensa dirigida ao público gay. A investigação das tensões forma/
conteúdo de alguns importantes periódicos gays terá como elemento central o próprio
Introdução
dos movimentos sociais das minorias – mulheres, negros e homossexuais –, cada
qual à sua moda, ou melhor, criando suas formas, lutando para afirmar sua cidadania. 16
Os homossexuais, que até então viviam suas vidas invisíveis para a sociedade e isolados
forma de negar a posição inferior que a sociedade hegemônica lhes tinha reservado.
Este novo movimento acabou por constituir uma nova “cultura gay”.
vulto a partir dos anos 70, refletidos nas publicações periódicas que trataram e tratam
de suas questões e que surgem no Brasil a partir do fim daquela década. Pretendi
que é significativa (...) Entender-se-á...(...) por linguagem, discurso, fala, etc., toda a unidade
ou toda a síntese significativa, quer seja verbal ou visual” (Barthes, 1993: 132-3. Grifo do
autor).
abordagens. Gostaria de poder contribuir para esta discussão com este novo viés
dado pela a união do design com a literatura. Dentro dos “novos movimentos sociais”
que emergiram durante os anos 1960, o movimento gay foi aquele que talvez mais
dificuldades teve para se estabelecer, ou nas palavras de Stuart Hall (2000), encontrar
sua “política de identidade – uma identidade para cada movimento”. Como em toda
Introdução
discursos. E os periódicos, dentre as várias formas de mídia da sociedade moderna,
na sociedade. Como nos dizem Woer e Gregorius: “The printed medium makes our
affiliation visible. Many people display their favorite magazine on coffee tables to
signal their attitudes to others” (1998: 25).3 Ainda podemos ver os periódicos como
que o texto “faz ver” e o que a imagem “dá a entender” para delinear o projeto/
qual ele se inscreve. O designer italiano Alberto Alessi fala que o design tende mais
para a arte e poesia do que tecnologia e mercado (apud Couto & Oliveira, 1999). Na
nossa sociedade os objetos assumem cada vez mais o papel de interlocutores dos
teve origem no século XVIII, quando a mecanização trazida pela primeira revolução
industrial vai criar a distinção entre a esfera artística e a esfera produtiva, tensão esta
então vistas como unas. A partir daí vamos ter as chamadas “arte pura”, enaltecendo
Na área das ciências humanas e sociais, cada vez mais os estudos tendem a ser
interdisciplinares, uma vez que isolar uma disciplina de outra significa deixar de lado
Introdução
através da qual o homem se constrói enquanto ser social e enquanto sujeito e objeto
de conhecimento social. 18
Estudos Culturais a partir da relação entre discurso e visibilidade” (2001: 28) –, e com
dos desejos e expectativas dos leitores, proponho-me a fazer uma análise comparativa
entre o discurso verbal (a partir dos editoriais e das reportagens dos periódicos
Com isso, pretendo mostrar como estas mudanças refletem a construção e afirmação
da diferença. Uma identidade depende, para existir, de algo fora dela: quer dizer,
fornecem possíveis respostas às questões: Quem sou eu? O que eu poderei ser?
Quem eu quero ser?” (2000: 17). A representação é vista, neste caso, como um sistema
Introdução
de signos. Ela expressa-se por meio de diferentes linguagens, tais como as artes
esse tema guardar estreita relação com a tese aqui apresentada, não a restringirei a
nenhuma teoria específica, mesmo porque a discussão de qualquer uma destas não
caberia nas páginas deste trabalho.4 O que interessa à pesquisa aqui apresentada é
que pessoas que têm exigências comuns tendem a experimentar vivências coletivas
(Goffman, 1983). Dito de outra forma, muitos homossexuais partilham das mesmas
indivíduo. Como disse Trevisan (2000: 40): “(...) [homossexual] será um adjetivo a
Muito embora esta tese não se ocupe centralmente com uma nova discussão
a investigação do design.
foram motivo de exaustivos estudos das esferas de poder a partir do século XVIII.
Introdução
sexualidade vai estar intimamente ligada às relações de poder e saber. No século
XVIII dá-se a multiplicação dos discursos sobre o sexo, não só no campo do fazer, 20
descobrir, ensinar, como também, no exercício do poder:
(...) é a primeira vez em que, pelo menos de maneira constante, uma
sociedade afirma que seu futuro e sua fortuna estão ligados não somente
ao número e à virtude dos cidadãos, não apenas às regras de casamentos
e à organização familiar, mas à maneira como cada qual usa seu sexo. O
sexo não se julga, administra-se (Foucault, 1988:9,22,27 e 28).
cada indivíduo quase nunca vai estar de acordo com o desejo e a orientação sexual
de cada um. E algumas práticas sexuais, dentre elas a sodomia, foram vistas, revistas,
sujeito ator dessas práticas passa a ser visto como uma persona: o homossexual,
afirma Jurandir Costa (1992: 44) “A atual divisão dos homens em homossexuais e
reducionista.
e XIX, quando foram criadas, e desta forma sua utilização reforçaria tal preconceito
descreve melhor a pluralidade das práticas ou desejos dos homens same sex-oriented
(Ver Costa, 1992; e Nunan, 2003). Sem desprezar esta contribuição, usarei os termos
referirem.
Introdução
3. Aspectos Teórico-Metodológicos
Pretendo estruturar o eixo da pesquisa tendo por base o que hoje tem sido 21
contemplado através dos chamados Estudos Culturais, ampliando o seu panorama
de construir um novo campo de estudos, uma área na qual se observe com mais
objeto de estudo. Toma-se por objeto não só os artefatos produzidos por determinada
laços socioculturais, etc., que regulamentam aquela cultura. “Cultura”, para os Estudos
filosofia. Pelo contrário, trata-se de cultura no sentido mais amplo: qualquer atividade
Por outro lado, os Estudos Culturais ressaltam o conflito natural dos valores e
Introdução
tendem a ser associados às questões de marginalidade cultural, exclusão social e a
relação entre identidade e mídia. Acreditamos, então, que os Estudos Culturais podem 22
se revelar como um caminho (com certeza há outros) para se obter uma
popular.
à homossexualidade.
Selecionamos o jornal Lampião da Esquina por ter sido ele o primeiro a discutir
O jornal Nós por Exemplo foi uma dessas publicações em que o nu masculino
convivia sem culpa com a longos textos didatizados sobre as novas formas “seguras”
Com uma vida muito breve o jornal Ent& também merece destaque. Além de
poder aquisitivo aos gays – sobre este assunto aprofundarei a discussão no capítulo
“alternativas”. Nasce então a segunda geração das publicações gays no Brasil. É este
o caso da Sui Generis, que em seus poucos anos de vida teve muito sucesso entre o
público ao qual se destinava. A revista publicou 56 números nos seus seis anos de
vida.
coleção Nós por Exemplo, a coleção do Ent& e alguns exemplares da revista Sui Generis,
além de exemplares das revistas americanas Vector, Advocate e Out. Essas publicações
Introdução
foram escolhidas por terem sido contemporâneas das publicações brasileiras aqui
utilizar a inicial maiúscula para grafar os nomes das seções; os títulos das matérias
Unspeakable: the Rise of the Gay and Lesbian Press in America, de Rodger Streitmatter e
apresentação visual. Segundo ele, “as representações gráficas podem reforçar o sentido
dado pelo texto” (Twyman, 1985: 245). Outros autores importantes para o nosso trabalho
foram Gunther Kress e Theo van Leeuwen, no seu livro Reading Images: the Grammar
of Visual Design.
exemplo trazia a seguinte frase no seu editorial: “Não adianta ser produzido um
jornal bonito, com bom conteúdo, com fotos lindas, em excelente papel, se não
houver um público interessado em lê-lo”. Que leitor é esse pelo qual os editores se
Introdução
Foi esta preocupação que me guiou. Como o design pode firmar-se enquanto
ponte entre o leitor e o texto? Que significados de outros níveis o design agrega à 24
linguagem verbal? Penso, como M. Helena Martins, que o “ato de ler se refere tanto
histórica entre o leitor e o que é lido” (1991: 30). Do mesmo modo, acreditamos que
um senso de comunidade para aqueles que o lêem. Henrik Dahr diz que “A magazine
must be like holding a mirror in front of the reader – if he sees himself, it´s a
Brasil, com destaque para as publicações Vector e Advocate nos Estados Unidos.
Introdução
mudanças ocorridas tanto no discurso verbal quanto no visual que ocorreram nos
periódicos gays, utilizando Nós por exemplo e Ent& como exemplos. No capítulo IV 25
abordei a época GLS, a concretização do “macho-gay tropical” e a estética “gay-
capas de disco –, habitam minha casa os periódicos aqui relidos e revistos, também
personagens da minha história particular. Foram eles que, contando suas estórias,
Traduções
instrumento de comunicação, uma imagem para uso, um simulacro opressivo, um fetiche e uma
ferramenta. O design só pode ser um instrumento de análise social, uma área de intervenção na
vida cotidiana, uma linguagem, uma moda, uma teoria da forma, um espetáculo, um fetichismo,
uma mercadoria” (Vitta, 1989: 35).
ideologia, a qual lida com a construção da feminilidade adolescente. (...) opera para conquistar
e moldar o consentimento dos leitores para com um determinado conjunto de valores” (McRobbie,
1991: 82).
“A mídia impressa torna nossa afiliação visível. Muitas pessoas colocam sua revista
3
predileta sobre a mesa de centro para demonstrar suas atitudes para os outros” (1998: 25).
4
A esse respeito, ver: Goffman (1983); Fry & MacCrae (1983); Costa (2002), e Nunan
(2003).
5
“As cartas dos leitores e as respostas editoriais muitas vezes revelam um comprometimento
profundo com a ‘solução individual’. Ambos ‘ensinam’ a mesma parábola: ‘o esforço individual
vencerá todos os obstáculos’” (Storey, 1996: 86).
6
“Revistas e jornais consistem em mais do que palavras numa página. Sua popularidade
seria inimaginável sem levarmos em conta as fotografias, as ilustrações e os anúncios que figuram
em quase todas as páginas” (Storey, 1996: 87).
7
“Uma revista deve ser como colocar um espelho diante do leitor – se este se enxerga ali,
então é bem sucedida. Os leitores precisam sentir-se afiliados” (Dahr, 1998: 20).
Introdução
Capítulo I
26
O veado
Letra e música: Gilberto Gil
O veado
Como é lindo
Escapulindo pulando, Evoluindo
Correndo evasivo
Ei-lo do outro lado
Quase parado um instante, Evanescente
Quase que olhando pra gente
Evaporante, Eva pirante
A década de 1950 foi uma das mais retrógradas na história para os gays norte- 27
Segundo John D´Emilio: “As men and women who were inclined toward their own
sex took on a self-definition as homosexual or lesbian, they searched for others like
durante a Segunda Guerra mundial traz intensas mudanças na expressão sexual destes
recrutas. Centenas de homens e mulheres que sentiam atração por pessoas do mesmo
sexo de repente encontram-se sós, longe de seus familiares, tendo à sua volta somente
na qual, ainda que de maneira camuflada ou escondida, eles puderam manifestar seu
não será tranqüila. Muitos deles não conseguem se adaptar ao ambiente hostil
prevalecente nas pequenas cidades. Nova York, Los Angeles e San Francisco serão
algumas das grandes cidades nas quais eles vão tentar se estabelecer como cidadãos
plenos. E, neste caso, a identidade sexual não podia mais ser negada.
que viria a ser o primeiro periódico feito por e dirigido a uma comunidade 28
homossexual, neste caso especifico, para as lésbicas. Em 1947 uma jovem secretária,
Versa.
Rodger Streimatter, em seu livro Unspeakable: The Rise of The Gay and Lesbian
Press in America (1995), nos fala do jornal de Lisa Ben, uma lésbica californiana. Ele
era feito de forma artesanal. Ela datilografava usando o recurso do papel carbono.
Lisa Ben fazia 12 cópias, as quais distribuía pessoalmente, pedindo que após a leitura
Streimatter fala da importância dos primeiros periódicos para a vida dos gays
nacionalmente nos Estados Unidos vão surgir também na Califórnia. Em 1953 foi
fundado o One; em 1955, o Mattachine Review; e, em 1956, o The Ladder. Estas três
tinha sido criada por um grupos de homossexuais, com fortes tendências esquerdistas, 29
etc.
Durante esses primeiros anos, a visão dos homossexuais era uma visão para
da a sociedade.
Talvez, para os fundadores do One, isso não fosse algo consciente naquela
época. Mas, de alguma forma, eles deviam saber que transpor a barreira das reuniões
o mais importante é que estes periódicos constituíram o primeiro foro público onde
gays e lésbicas puderam pela primeira vez discutir assuntos fundamentais para sua
vida. Estes periódicos pioneiros vão estar preocupados não só com o conteúdo,
contribui para dar aos jornais uma aparência mais profissional. O processo de
com Streitmatter:
Another characteristic of the 1950 publications that refined an element
introduced by their predecessor revolved around design. Ben
demonstrated a strong commitment to her magazine’s appearance, and
the founders of One and The Ladder advanced this commitment by
using bold graphics and arresting images to make design one of the
publications´ most distinctive elements. One further emphasized visuals
by introducing suggestive images of men, destined to become a staple
of the gay press (1995: 49).6
sabiam como esconder. Segundo Streitmatter, eles estavam cansados de falar para si 30
projeto gráfico. Assumindo a idéia de que gays (na sua maioria) têm bom
Streitmatter:
One was the most dramatic in design. In keeping
with high level of taste and style many gay men
possess, the founders insisted their magazine
be typeset and printed rather than typewritten
and mimeographed. This was a daring decision
because the magazine had no consistent source
of revenue beyond the pockets of the founders.
But those men saw professional printing as
essential for the proper reproduction of the
strong, modern graphics that became the
magazine’s trademark. Those graphics
reflected the audacious step the founders
took in creating the country´s first widely
distributed gay publication (1998: 23).7
relação com quem o consome, as pessoas que começaram a história da imprensa gay 31
no Brasil, talvez por falta de recursos, ou porque simplesmente porque estavam mais
preocupadas em assumir uma postura política, não deram muita importância para
esta questão.
democrata católico – John Kennedy – que mobilizou a nação com seu carisma e
comprometimento com a luta pelos direitos dos negros. Foi uma década que também
veio a ser marcada pelo início da Guerra do Vietnã e pela morte prematura do
presidente.
de dimensões psicológicas, sociais e culturais ate então nunca visto. Seu destaque
sociológico reside na confluência de idéias, oriundas das mais diferentes esferas, que
entre outros fatores, afetam de forma profunda as relações entre jovens. Como
daquela dos anos 1950, durante a qual o “armário” era o lugar ideal para discutir seus
heterossexual” (apud Streitmatter, 1998: 51). Eles vão se espelhar nas manifestações
públicas dos outros grupos e vão para as ruas. O armário ficou pequeno, quente e
atenção da sociedade.
Junto com esta nova atitude, desponta uma nova geração de publicações. Jornais
e revistas assumem um novo rumo: a militança política. E já não olham só para si,
nacional, agora chegou o momento dos gays e lésbicas. Desta forma os homossexuais
adotam uma estratégia do assumir-se, e brigar pelo seu espaço em todos os lugares
da sociedade, dos bares ao seio familiar. E os periódicos começam a surgir por todo
o país, não só nas grandes cidades, como também nas pequenas. Conforme nos
conta Streitmatter:
Because gay leaders recognized that effective internal communication
is essential for an organization to articulate its ideology, develop a political
* Expressão
utilizada pela consciousness among its members, increase its size, and sustain itself,
comunidade gay the leaders established that producing publications would be a central
que significa “não element in their strategy for social change (1998: 53).9
assumir-se”, “não
di-vulgar sua ho-
mossexualidade”,
isto é, “ficar Dentre os periódicos desta “segunda fase” vou me ater a duas: a Vector e o
escondido dentro
do armário”. Advocate. Vector foi a publicação mais importante na costa oeste dos Estados Unidos;
1.1.1 Vector
por uma organização que lutava pelos direitos dos gays, a “Society for Individual
do papel carta. Podemos observar que a mudança é muito importante, pois eles
começam a ficar mais próximos das publicações da grande imprensa, dando aos
periódicos uma aparência mais profissional. E isto é o que acontece quando um ano
após seu lançamento eles passam a ser impressos em papel couché e a empregar
Além disso, Vector expande o conceito de militância gay. Para a revista, qualquer
Ao longo de sua trajetória, que findou em 1976, Vector discute assuntos tais
(mai, 1967); “São os homossexuais doentes?” (jan, 1969); “Casamento gay: (1970);
“Gay em Cuba” (mai, 1971); “A igreja é o opressor” (jun, 1972); “Pais gays” (nov,
Como veremos mais adiante, alguns desses temas estarão estampados nas capas
and by homosexuals and dealing with the one thing our readers
Vector, vol. 2,
setembro de 1967,
capa.
necessidade de sua presença para a comunidade. Isto não era exclusividade da Vector.
A grande maioria dos periódicos deste período passam a ter o sexo como elemento
No aspecto gráfico, Vector não era tão audaz quanto a One. Nos primeiros anos
fotos do que a maioria das outras publicações – nas quais se nota um esforço também
uma campanha, inicialmente muito discreta, mas que mais tarde toma um peso muito
importante para a movimento gay nos Estados Unidos, que é o “assumir-se”. Eles
pediam que todos os gays deveriam dizer para seu amigo, para sua família, para os
colegas de trabalho, enfim, para quem pudessem, que eram homossexuais. Desta
acompanhada de uma seta. Que indicava o futuro, lançando a revista para a frente.
Com pequenas variações esta será a identidade da revista entre os anos de 1964 a
passa a ser o presente. Nesta nova fase, fontes “fantasias”* irão ocupar o alto da
página.
mas ao mesmo tempo leve, com o uso de uma fonte bastão outline. Outro aspecto
importante da revista é que a partir de 1969 ela passa a estampar fotos de nu frontal
uma revista. Los Angeles Advocate, seu nome inicial, é o primeiro jornal
editor, Dick Michael, “print what the straight press wouldn´t print”
contrário, os gays dos anos 1970 exibem seus corpos e desejos por
muitos claros, fotos que ocupam toda a página, fios gráficos que
ADVOCATE, nº 232, janeiro de sustentam e valorizam o texto. Além disso, a nudez masculina passa
1978, capa.
a ser o maior interesse dos leitores, depois de muitas lutas contra as
encontrar no The Stonewall Inn. Há muito tempo eles eram vítimas da opressão e da
e acuados para os becos e bares da cidade, eles próprios não sabiam que naquele fim
de semana em que perdiam um dos seus ídolos ganhavam o primeiro round de uma
homofóbicos aos fregueses, que quase sempre eram postos para fora do bar. Naquela
a agressão. A luta tomou proporções enormes. Por cinco dias, aquelas pessoas
pôde-se ouvir a voz de mais uma parcela da sociedade que vivia à margem.
início da luta dos gays pela cidadania plena. É claro que já houvera outros indivíduos
que lutaram por uma vida fora dos guetos, mas estou aqui me referindo à manifestação
de uma nova postura perante a sociedade, de acordo com a qual é possível viver sem
constrangimentos e com mais dignidade; esta atitude ainda pode ser vista nas inúmeras
maneira, a atividade sexual deveria ser praticada sem medo ou limite. Múltiplos
parceiros e uma infinidade de tipos de fantasias sexuais deviam ser exercidas pelo
imprensa gay que mantinha uma posição radical contra o sistema. Em 1976, o então
do Advocate para colocar seu anúncio de campanha. A revista era simpática ao futuro
do que as notícias do movimento gay. Fatos como estes não agradavam a grupos do
muda seu enfoque político no final de sua existência. Para alguns, isto era traição ao
Esse era o início das grandes mudanças, não só na imprensa gay, como também,
homens.
respeitados como cidadãos, foram iguais. Com as diferenças naturais que existem
Capítulo 1 - Primórdios da Imprensa gay nos EUA e no Brasil
entre a cultura brasileira e a norte-americana, a imprensa gay brasileira também surge
discreta – era para poucos e sofisticada – apesar dos poucos recursos gráficos. Porém, 40
nem por isso menos importante na construção de uma rede de amigos ou ainda na
Brasil em 1808, juntamente com a Família real. Apesar de se difundir pela Europa
século XVII, a imprensa só pisaria o solo brasileiro quase quatro séculos mais tarde.
Azevedo, futuro Conde da Barca, tinha adquirido um prelo inglês. A máquina, que
deveria ter sido desembarcada em Lisboa, acabou vindo no mesmo navio em que se
encontrava a Família real. Foi a partir de então que se deu início à impressão de
periódicos no Brasil.
Apesar de já circular por aqui o jornal Correio Brasiliense, este não foi o primeiro
jornal impresso no solo brasileiro: ele era impresso em Londres. O primeiro jornal
que vem a ser impresso e editado aqui é o Gazeta do Rio de Janeiro, no ano de 1808. Em
revista a circular no Brasil, apesar de o termo “revista” só vir a ser adotado em 1828,
no mesmo ano em que é lançada no Rio a Revista Semanária dos Trabalhos Legislativos da
Câmara dos Senhores Deputados. Revista e jornal, aliás, são designações que na verdade
Variedades – no que diz respeito à forma, pois se pareciam muito mais com livros.
ainda com poucos recursos tipográficos. Conforme afirma Nelson Werneck Sodré
(1999: 20), o jornal, feito na Imprensa Oficial, não “constituirá atrativo para o público,
nem essa era a preocupação dos que o faziam, como a dos que o haviam criado”. De
refleti-la: tratava-se mais de publicações eruditas, não noticiosas (Cf. Ed. Abril, 2000).
periódicos, assim como livros e cartazes, começam a ser impressos por meio deste
periódicos, a Semana Ilustrada. Publicada por Henrique Fleiuss, a revista vive até 1876.
Outra grande publicação foi a Revista Ilustrada, publicada por Angelo Agostini. A
publicação foi um dos principais meios para a divulgação de arte de seu tempo.
país. Agostini, artista italiano, caricaturista, ilustrador e crítico de arte criou um marco
época.
lutam para participar dos vários aspectos da realidade brasileira, e de uma forma ou
a seguir.
apenas 550 mil eram alfabetizados” (Ed. Abril, 2000: 157). A primeira revista feminina
aparece em 1827, e foi denominada de O Espelho Diamantino: Periódico de Política,
espaço para o mundo feminino e várias outras revistas começam a surgir, tais como
a Cigarra, em 1914, e o Jornal das Moças, em 1919. É também neste período que os
surge o Tico-tico, uma revista que unia seções de educação com as aventuras de
Chiquinho, o herói infantil. A revista tem vida longa. Com a entrada dos comics
estrangeiros a partir da década de 1930, a revista começa a perder fôlego. Mas, mesmo
nacional acabaria por criar a necessidade de atender públicos cada mais diversificados.
reflete o fato de que certos grupos sociais que sofrem algum tipo de discriminação
passam ocupar mais espaço na sociedade. Assim, chegaremos à década de 1960 com
periódicos para quase todos os grupos sociais, com exceção dos homossexuais, que
só ganharão seu jornal em 1978, e os negros, cuja primeira revista data de 1996.
Em 1969, seis meses após o Ato Institucional nº 5, surge aquele que viria a ser
classes: alguns predominantes políticos, que tinham raízes nos ideais de valorização
do nacional e do popular dos anos 50, e do marxismo dos meios estudantis nos anos
2003). Nesta época surgem: o Flor do Mal, em 1971; o Bondinho, em 1971; o Opinião,
ainda publicações que defendiam temas que iam da contracultura, passando pela
Porto Alegre, ou O Beijo, do Rio de Janeiro, entre outros –, tratava-se de jornais que
não davam muita ênfase à sua apresentação visual, cuja diagramação, de maneira
pequeno e difícil de ler. Fortuna, caricaturista e artista gráfico, afirma ter conversado 44
várias vezes com os dirigentes destes jornais, sugerindo que fosse desenvolvido um
projeto gráfico a fim de os tornarem mais legíveis (Fortuna apud Chinem, 1995), mas
aparentemente a preocupação dos editores era muito mais com o conteúdo do que
com a forma.
guerra, e das novidades libertárias germinadas nos anos 1920. Dito desta forma,
pode parecer que a década não inaugura nada de novo. Porém sua importância
histórica é inquestionável. As novidades dos anos 1960 vão além desses enredamentos.
Seu destaque sociológico reside na confluência de idéias oriundas das mais diferentes
abrangência alcançada graças aos novos meios de comunicação, apoiados agora nos
político, sobretudo no que tange à questão dos direitos humanos dentro de vários
Como afirma Maciel (1987: 8): “Na raiz interna, o inconformismo era existencial. 45
Não era apenas a sociedade que estava errada; era o jeito que a gente vivia”. A
No Brasil, a década de 1960 tem seu início marcado pela mudança geográfica
pela emancipação nacional nos planos político, econômico e social, esperanças estas
que seriam ceifadas a partir do golpe de 64. Em março de 68, após o assassinato do
mas em todo mundo, terá vida curta, ainda que seus efeitos posteriores irão se
prisão de Caetano Veloso e Gilberto Gil, e durou menos que dois anos. Durante o
III Festival de Música Popular Brasileira, em 1967, Caetano e Gil, seus personagens
exílio. Mesmo assim a Tropicália deixou marcas e mostrou novos caminhos para a 46
juventude brasileira.
Shelton Waldrep afirma que nos anos 1970 continua a tentativa da década de
1960 de abraçar as mudanças sociais e formais. Na suas palavras: “The seventies are
as much the product of a generation´s view of themselves as they are the symptoms
of a series of historical moments. (...) as that decade´s search for a ‘self ’” (2000: 3).20
disse José Miguel Wisnick (1980), “sem movimentos culturais típicos, sem grandes
bandeiras, sem grandes alardes, chegou a dar impressão de que nada acontecia”. Mas
apesar do terror dos tempos, uma parcela da juventude não se deixava abater: o
contrastando com a luta armada e a ditadura que teimavam em nos oprimir, foram
questões que o grupo baiano, notadamente atiçado por Caetano Veloso, tinha iniciado
ainda na Tropicália, e que tomaria vulto maior com a volta do cantor de Londres.
Caetano e o seu show no Teatro João Caetano, em 1972, não se furta em chamar
Brasil – os Secos & Molhados. O grupo causou grande impacto e muita curiosidade.
Não só pelos cabelos compridos dos seus integrantes, nem só pela música, mas
principalmente pelo visual andrógino e diferente que eles apresentavam. Outro grupo
Dzi Croquete. O grupo, liderado pelo bailarino Lennie Dale, fazia um espetáculo
que misturava teatro e dança, onde a fronteira entre masculino e feminino era
destruída. Os rapazes vestiam-se de mulher, mas não raspavam o bigode. Este era,
em linhas gerais, o cenário no qual a partir de 1978 um Lampião pôde ser aceso nas
esquinas do Brasil.
havia se iniciado nos anos 1960 e tinha se fortalecido na década de 1970. Mudanças
vinham adquirindo espaço e força nos debates sobre os direitos humanos. No fim
sociais, tais como bares, boates, restaurantes, praias, muito embora o preconceito se
apagam as luzes das boates, e tiram os rapazes das saunas. A “questão homossexual”
ganha, dessa vez, uma discussão pública. Os homossexuais tornam-se, uma vez mais,
malditos, pois são vistos como os vilões dessa história. Por outro lado, passos sem
retorno haviam sido dados, e a sexualidade humana foi posta na mesa e discutida
sob diferentes ângulos, interessando agora também aos sociólogos, médicos, políticos,
economistas, etc.
Durante a década de 1980 as informações sobre Aids estavam nas páginas dos
manifestações midiáticas não significa que reações não estivessem sendo gestadas.
pela luta dos direitos básicos da população. Em várias partes do mundo, grupos se
socialmente marginalizados, uma luta pela vida. A luta que teve início nos anos 1960,
pragmático. 49
acumuladas ao longo das últimas décadas pela maior parte da sociedade brasileira.
Surgem novos partidos, e dentro deles o mais expressivo é o PT. O Brasil organiza
uma nova Constituinte, e a militância política passa a ser mais relacionada ao dia-a-
desiludidos com o movimento – ou, como disse Trevisan (2000), com a “mera
grupos políticos, tais como o PCB e o PT, que anteriormente tinham se posicionado
em 1982, pelo PT, tinha como assessor Herbet Daniel, ex-guerrilheiro que na volta
Gay da Bahia (GGB), fundado em 1980, começa a se destacar por sua contundente
luta contra as injustiças dirigidas aos homossexuais. O grupo lidera um abaixo assinado
nacional para que o Ministério da Saúde não mais adotasse o Código 302.0, da
e transtorno sexual. É também o GGB que começa a divulgar, como uma forma de
surgir ações direcionadas a uma união mais solidária entre os diferentes grupos e
Em 21 de julho de 1985, o Jornal do Brasil publicava uma matéria por meio da qual 50
soube-se que o Brasil era o terceiro país em incidência da Aids. As expectativas para
o que estava por vir eram as piores. A doença passou a ser assunto constante em
sobretudo a homossexualidade.
desamparo e solidão que nenhuma outra doença havia provocado antes. Sem respostas
procurar umas a outras, e dessa forma começaram a se organizar. Foi o início dos
grupos de apoio aos portadores do vírus. Naqueles dramáticos tempos, ser portador
do vírus significava o fim da vida, uma terrível dupla condenação – física e moral –
tempo no imaginário popular. Eram tempos orientados por uma equação simplista:
ser gay significava ter Aids; ou “quem tem Aids é gay”. Isto fez com que os
aqueles que primeiramente se organizaram na luta contra a epidemia. A Aids, por ser
considerada como nenhuma outra doença antes uma “doença só de gays”, levou a
alarmante, à população heterossexual, como seria visto alguns anos mais tarde.
seus dois irmãos – o cartunista Henfil e o músico Chico Mário – eram hemofílicos.
Betinho, então, começa a lutar pelo direito à vida digna aos portadores do HIV/
Aids. Uma luta que não era só no plano pessoal ou familiar, mas abrangeu um nível
(ABIA). A ABIA é uma dentre as várias ONGs que surgem para acompanhar as 51
Outro nome que se tornou importante na luta pelos direitos humanos das
pessoas que viviam com Aids foi Herbert Daniel. Escritor, homossexual e ex-exilado
político, ele foi um dos fundadores da ABIA junto com Betinho. Herbert dedicou-
se a luta pela valorização e dignidade das pessoas vivendo com Aids, até sua morte
em 1992.
outra vida”, este ex-guerrilheiro torna público seu status sorológico. Ainda no mesmo
texto, Daniel inicia sua luta contra a discriminação e o preconceito que aflige as
pessoas vivendo com o vírus. Ele dizia: “Eu, por mim, descobri que não sou aidético.
Continuo sendo eu mesmo. Estou com Aids” (apud Bessa, 2002). A partir dessa matéria
o escritor dará várias entrevistas, escreverá vários artigos e livros sobre a epidemia.
No mesmo ano, apesar de ele já fazer parte da ABIA, cria também o Grupo Pela
afirma Bessa:
No Pela VIDDA os soropositivos deveriam ser um elemento importante
nas decisões e ações, fazendo com que, além de estratégias de prevenção,
discutissem-se coisas específicas de e para as pessoas com HIV/Aids
(2002: 86. Grifos do autor).
RJ), criado em março de 1987 por Artur Carvalho de Amaral Gurgel e Antônio
Carlos Barros de Freitas, ambos homossexuais. O GAPA-RJ surge depois que Artur
e Toni assistem à uma reportagem sobre o GAPA-SP, que já funcionava desde 1986.
que vivem com o HIV/Aids. Um dos trabalhos dessas ONGs era publicar
Rua, publicado pelo ISER; o Boletim do Grupo de Incentivo a Vida, de São Paulo; o
pelo Ministério da Saúde; e o Boletim Informativo ATOBA. Todos estes boletins passam
direcionados para os gays. Este panorama vai se tornar muito mais forte nos próximos
Estes grupos começam a se articular entre si, buscam parceiros e apoio em órgãos
na consolidação da luta pelos direitos que lhe são devidos. Hoje observamos que a
comunidade gay de alguns estados brasileiros tem um papel importante, ainda que
No Brasil, a partir dos anos 1990, depois de quase uma década que convivíamos
sobre direitos patrimoniais de parcerias homossexuais, tema este que tem ocupado 53
encontravam registrados mais de 3 milhões de gay e lésbicas que tinham filhos (Cf.
Martin, 1993). É óbvio que este desejo não é uma coisa nova. Mas onde encaixar esta
família? Como encaixá-la na rígida matriz tradicional da família brasileira. Este desejo
de constituir família, seguir os padrões tradicionais, e (por que não?) ter filhos é um
desejo pessoal e ponto! Inclusive de muitos gays. Uns almejam o “viver felizes para
cristãs, foi vista como algo inconcebível. Isso gerou e incutiu um sentimento de
nem direito de educarem crianças, mesmo sendo seus filhos. A grande questão seria:
destes foram, são e serão pais, a despeito do que quer e pensa o poder dominante.
Baseado no patriarcado, este é o paradigma que vai se estender até a década de 1960,
inova ao “conceber como família quaisquer dos pais e seus descendentes, rompendo
No Brasil, a união civil entre pessoas do mesmo sexo ganha destaque apenas
nas edições da Sui Generis, como vereremos no capítulo IV. Primeiramente em 1996,
alterado na comissão que o discutiu (Uziel, 2005). Apesar de toda discussão, o projeto
Congressos Nacionais e internacionais, a união civil legal ainda é sonho para muitos!
Mas não restam dúvidas de que nos anos 1990 o crescimento do movimento
a favor das causas dos homossexuais trouxe mudanças não só no campo político, na
identidades. Isto pode ser visto nos diferentes termos empregados para definir o
identidades públicas. Foi necessário um longo período para que os gays, as lésbicas
boa parte dos gays e lésbicas. A medicina trouxe esperanças, com a descoberta dos
legião de heteros passam a viver, de forma aberta, muito próximos dos homossexuais,
este o universo refletido pela Sui Generis, uma revista de comportamento típico dos 55
gays dos anos 1990. Treze anos depois da primeira tentativa de organizar uma parada
parcela da sociedade teve em procurar seus semelhantes, buscar uma união com os
iguais, construir um refúgio coletivo, lutar contra um sistema que os tornava invisíveis.
Assim como ocorreu na Califórnia, onde Lisa Bem distribuía em 1947 seu jornal
adiante, no Rio de Janeiro a coisa não foi tão diferente. A grande diferença é que
ou nus em suas páginas. Por muito tempo estas revistas foram objeto de desejo de
muitos homossexuais. Apesar de fazer parte da cobiça dos gays, estas revistas não
Mito; em Campos havia o Le Sophistique; na Bahia contava com O Gay e O Gay Society,
O Tiraninho, Fatos e fofocas, Baby Zéfiro, Little Darling e Ello. Segundo os editores do
Lampião, eram jornais que versavam sobre amenidades e badalações sociais, sem
feitos por alguns amigos para seus amigos. Nem por isso eram vistos como algo
menor.
que a busca por um território social tinha tomado outras feições. O jornal, a mídia
impressa, fazia-se necessária como uma forma de afirmação. Conforme afirma Anuar
Farah: “Nós tínhamos um ideal, queríamos mostrar que éramos pessoas normais,
moderna, como o Gente Gay. Em sua maioria estes jornais usavam a ilustração como
ornato, vinhetas sem sentido ilustrativo, porém todas icônicas. Se, para Corbusier
todo ornato tem que ir para o lixo, é algo desnecessário, para a turma do Snob os
ornatos traduziam uma faceta da vida deles. Neste caso ornato é signo, e como tal
faz-se necessário. Além do que eles respondiam melhor aos processos do mimeógrafo
do que as fotografias. Quando a xerox passa a ser mais conhecida e mais acessível,
Em seu livro Beyond Carnival (Green, 1999), um grande painel sobre a realidade
mudanças significativas não só em seu discurso verbal assim como no seu discurso
uma “boneca”. Em 1969, último ano de publicação do jornal, um dos seus editoriais
Desta vez a capa não estampava uma boneca, mas dois homens nus fazendo
lugar ao “entendido”.
identidade surge a partir dos anos 60 entre a classe média do Rio de Janeiro e São
termo trazia uma posição mais igualitária, identificada sobretudo com o modelo 59
mais homem do que aquele que é penetrado (Ver, a respeito: Green, 1999; MacRae, 1990; e
façanha. Em dezembro de 1976, algumas das pessoas que faziam o Snob resolvem
lançar o Gente Gay. Feito de forma artesanal – o jornal era reproduzido por xerox –
Gente Gay teve uma boa repercussão, chegando a ser impresso de forma industrial
em dois números. Mas, sendo lançado ao mesmo tempo que o Lampião, e não
amparado pelo profissionalismo técnico com que o Lampião se armou, veio a falir.
depois de alguns números resolveu também se industrializar, mas não obteve sucesso.
Ainda existiram de forma bem discreta o Mundo Gay e o Jornal dos Entendidos (Cf.
Green, 1999).
a sociedade brasileira, jornais da grande imprensa passam a ter colunas sociais gays.
Hora, de São Paulo, de fevereiro 1976 até novembro de 1977. A coluna causou grande
alvoroço no meio jornalístico e social, o que levou o autor da coluna a ser processado
(p. 6).
1978. São estes ventos da bonança que vão permitir o aparecimento do Lampião da
Esquina, uma nova luz nos becos escuros do preconceito, conforme veremos no
próximo capítulo.
2
“As pessoas que já chegaram a uma autodefinição como homossexual ou lésbica encontraram melhores
oportunidades durante a Segunda Guerra para conhecer outros como eles. Ao mesmo tempo, aqueles que
experimentavam uma forte atração pelo mesmo sexo, mas se sentiam inibidos de agir, subitamente tinham
relativamente mais liberdade de iniciar um relacionamento homossexual” (D´Emilio, 1998: 24).
3
“Essa aparência comunica um forte sentido de precisão, muito diferente das imagens não-conformistas
e aleatórias, comuns entre publicações de movimentos sociais. Essa forma altamente convencional sugere que
uma outra característica a distinguir a imprensa gay e lésbica seria um forte compromisso com a forma e a
aparência” (Streitmatter, 1995: 16).
4
“Mas o feito mais importante foi que as revistas, de fato, falavam. Criavam um espaço nacional para os
homossexuais, uma arena na qual lésbicas e gays poderiam, pela primeira vez, falar um tom acima de um sussurro
sobre assuntos fundamentais de suas vidas. As revistas davam a uma minoria oprimida uma chance de exprimir
pensamentos que antes haviam sido barrados do discurso público. Os leitores admiravam a coragem exibida
pelos editores” (Streimatter, 1995: 18).
5
“Este esforço pioneiro de publicar revistas sobre a homossexualidade trouxe ao movimento gay sua
única vitória significativa durante os anos 1950” (D´Emilio, 1998: 115).
6
“Outra característica das publicações dos anos 1950 que refinou um elemento introduzido pelo seu
predecessor girava em torno do design. Ben demonstrou um compromisso forte para com a aparência de sua
revista, e os fundadores de One e The Ladder levaram esse compromisso adiante, usando elementos gráficos
arrojados e imagens cativantes para tornar o design um dos elementos mais distintivos das publicações. One
enfatizou ainda mais o visual ao introduzir imagens sugestivas de homens, destinadas a se tornar um ingrediente
básico da imprensa gay” (Streitmatter, 1995: 49).
7
“One era superdramática em termos de design. Consoante o alto nível de bom gosto e estilo que
muitos homens gays possuem, os fundadores insistiam que sua revista tivesse composição tipográfica e fosse
impressa em vez de datilografada e mimeografada. Essa foi uma decisão ousada, uma vez que a revista não
possuía nenhuma fonte consistente de receita além dos bolsos de seus fundadores. Mas esses homens viam
como essencial a impressão profissional para a reprodução apropriada do projeto gráfico forte e moderno, e que
virou marca registrada da revista. Esse projeto gráfico refletiu o passo audacioso tomado pelos fundadores ao
criar a primeira publicação gay de ampla circulação dos Estados Unidos” (Streitmatter, 1998: 23).
8
“A contracultura deu sua contribuição mais significativa para o movimento da liberação gay ao desafiar
a definição convencional de comportamento sexual aceitável. Pois, no contexto da revolução sexual que irrompera
como parte do movimento da contracultura, a homossexualidade não mais estava sendo considerada – ao menos
por alguns segmentos da sociedade norte-americana – como um desvio drástico da sexualidade normal”
(Streitmatter, 1998: 92).
“Uma vez que os líderes gays reconheciam que uma comunicação interna efetiva é essencial para que
9
uma organização articule sua ideologia, desenvolva uma consciência política entre seus membros, aumente de
tamanho e se sustente, estabeleceram que produzir publicações seria um elemento central na sua estratégia de
mudança social” (Streitmatter, 1998: 53).
10
“Vector, a revista mensal da SIR, era vendida em bancas pela cidade inteira. Seu formato atraente, em
papel couché, incluía notícias sobre o progresso dos direitos gays, como também sobre entretenimento e fofoca
para garantir um apelo amplo” (D´Emilio, 1998: 191).
11
“A Vector foi, portanto, a primeira publicação a reconhecer que não haveria revolução até que os
ativistas encorajassem um maior número de gays a sair dos bares e tomar as ruas” (Streitmatter, 1995: 65).
12
“Uma das maiores dificuldades em editar uma revista é que o editor tem que determinar o que
interessa a você, o leitor, coletivamente. (...) A resposta que encontramos foi dar alguma coisa para cada um. A
revista agora está bem equilibrada, baseada na nossa premissa de quem seja o leitor da Vector. Neste número
você irá encontrar uma declaração por um ativista gay adolescente, nosso Guia Gay completo, descobrir o que
acontece num fórum sobre sexo e drogas, (...) e uma discussão franca sobre o ‘chato’ (o carrapato, não o tipo que
nos entedia...)” (Vector, nov, 70: 6).
14
“Publicar o que a imprensa heterossexual não publicaria” (Streitmatter, 1998: 88). 62
15
“Parabéns para nós! Nascemos. E como toda criança, somos, e seremos por um tempo, desajeitados,
desengonçados, cheios de inocência, e talvez até um pouco feios, exceto, é claro, aos olhos de nossos pais. Os
homossexuais, mais do que nunca, estão em campo para conquistar seus direitos legais, pôr fim às injustiças
cometidas contra eles, experimentar seu quinhão de felicidade à sua maneira. Como jornal, o objetivo principal
do Advocate é publicar as notícias que são importantes para o homossexual – passos legais, notícias sociais,
acontecimentos das várias organizações – qualquer coisa que o homossexual precisará ou quererá saber. Existimos
para servir você, mas não podemos fazê-lo sem a sua ajuda” (The Los Angeles Advocate, n. 1, set, 1967: 6).
16
“Você está empregado e é um cidadão útil e responsável. Você tem um corpo atraente, boas roupas e
um lar convidativo. O “Homem do Advocate” vive a boa vida – malhando, freqüentando bares várias noites na
semana, enriquecendo sua sexualidade gay, lendo literatura e apreciando arte” (Advocate, n. 29, jan, 1975: 3).
17
“Todo artista gráfico sabe que as imagens atraem o leitor ao conteúdo editorial, e sabíamos exatamente
que tipo de imagens nossos leitores buscavam” (Streitmatter, 1998: 191).
18
“O sexo era o oxigênio das nossas vidas. Stonewall presenteara os homens gays com uma noção
visceral de liberdade, e definimos isso, literalmente, como dar-nos licença de nos deliciarmos com múltiplos
parceiros sexuais e realizarmos uma variedade infinita de fantasias sexuais” (Jim Kepner apud Streitmatter, 1995:
194).
19
A cobertura jornalística agora consiste em artigos sobre como os gays estão se aproximando do status
quo, sem falar nada sobre o que fazem os grupos ativistas. No passado poderíamos pensar em dois grupos
adversários – gay e antigay –, porém, não mais ‘o inimigo está entre nós’” (apud Streitmatter, 1998: 186).
20
“Os anos 70 são tanto o produto de uma visão de uma geração de si mesma, quanto sintoma de uma
série de momentos históricos [...] uma busca de si próprio” (Waldrep, 2000: 3).
Pai e mãe
Letra e música: Gilberto Gil
ações políticas que deixarão marcas profundas nos corpos e mentes de gays e lésbicas.
Depois que a tormenta passou, foi a vez dos jornais e revistas da imprensa gay
Rodger Streitmatter (1995) conta-nos que somente nesse período (os meses
seguintes a Stonewall) apareceram em Nova York quatro jornais: Gay, Come Out!, Gay
Times e Gay Flames; na costa do Pacífico surgiram vozes radicais: Gay Sunshine e San
Franciso Gay Free Press; em Boston tivemos o Lavender Vision; em Detroit, o Gay
Liberation; e o Killer Dyke, em Chicago. Estes foram alguns dos mais importantes
acerca de um certo tema, com alguma coerência ideológica entre si, e colaboram
compartilham dos valores ali expressos, e que de alguma maneira se identificam com
eles. Por isso, jornais e revistas são um campo da inevitável ação do design gráfico,
dizer que o design gráfico tem um grande peso no sucesso de mercado ou não dos
novos periódicos.
Rafael Cardoso Denis (1998: 35): “A função do designer é fazer colar – aderir mesmo
– significados de outros níveis bem mais complexos do que aqueles básicos que
dizem respeito apenas à sua identidade essencial”. O design é responsável por articular
tecnologia aplicada à criação, produção e veiculação da mídia visual, bem como dos 65
diferentes discursos assumidos nas suas diversas manifestações. Nessa perspectiva,
áreas. Para Gustavo Bomfim (1998): “O design, do mesmo modo que qualquer outra
econômica, etc.”. O design gráfico, por sua vez, é uma das especialidade dentro do
próprio design. Ele articula questões que são maiores e muitas vezes distantes da sua
esfera de ação tradicional, como mera arte aplicada, pois trata de associar elementos
da comunicação social, das artes plásticas, da arquitetura, etc., com a indústria cultural
como um todo.
Streitmatter (1995) nos leva a uma detalhada viagem pela imprensa gay americana,
De acordo com o autor, circulam nos EUA cerca de 850 publicações endereçadas ao
publico gay/lésbico.
No Brasil, como veremos a seguir, ainda demoraria para que gays e lésbicas
Marcus Assis Lima (2001) em seu ensaio sobre a imprensa homossexual no Brasil.
homossexualidade. Dos poucos que compareciam aos encontros, grande parte era
sexualidade. Essa iniciativa inspirou outras ações com o mesmo objetivo, as quais,
ainda que não tenham logrado êxito, marcaram o panorama inicial de um rico
surgiu a partir da visita ao Brasil do editor Winston Leyland, da Gay Sunshine Press, de
São Francisco, Califórnia. Ele veio à procura de autores brasileiros para fazer uma
em abril de 1978, fortaleceu a ação de alguns rapazes de São Paulo que organizavam
letras pequenas, que só não atrapalhavam mais a leitura porque a vontade de lê-los 67
era maior do que a crítica que podíamos fazer na época, o Lampião da Esquina iniciava
gay no Brasil.
política brasileira viria a tomar, ou, como se dizia na época: “É necessário unir-se
Genilson Cezar, Ronaldo Brito e Caio Túlio Costa publicaram O Beijo. Embora não
se tratasse de um jornal para homossexuais, O Beijo, de vida curta (durou apenas seis
edições), foi o primeiro a discutir o prazer como forma de luta e modo de vida.
amigos. O número zero do jornal foi entregue na casa de alguns escolhidos protegido
crime deste rapaz?”. Segundo Edward Macrae (1990), a primeira tiragem foi de 10
processo que começou gradativamente nos anos 1950 e 1960 e reflete uma intricada
oportunidades para os gays interagirem entre si. Além disso, por essa época referências
dos movimentos sociais americanos chegavam até ao Brasil, influenciando uma nova
jornais, tais como “A Coluna do Meio”, do jornal Última Hora, escrita por Celso
Moreno. Podemos citar ainda peças de teatro com temática gay, que são montadas
com sucesso, como a produção de 1971 de “Os rapazes da banda”, sucesso off-
Broadway de 1968 e “Greta Garbo, quem diria acabou no Irajá” em 1974, que ficou
vários anos em cartaz. Em 1975 Aguinaldo Silva lança seu livro “Primeira carta aos
homossexualidade. Isso acaba por se refletir na linha editorial do Lampião, que com
ela tem de positivo e criador, atingindo milhares de leitores ávidos de poderem ver-
do editorial do número dois – que tem por título Homossexualismo: que coisa é
essa? – é bastante conclusiva a esse respeito: “Por essa razão a maioria dos
homossexuais tem desejado ser ‘normal’ e durante toda a vida recalca e esconde seus
publicará.
fofocas em geral.
número zero, uma pergunta chama atenção, “Mas um jornal homossexual, para quê?”
Vê-se nesta pergunta a preocupação dos editores em lançar um jornal que não falava
da “luta maior”, e sim de assuntos até então considerados secundários, tais como
que alguns querem impor – que a nossa preferência sexual possa interferir
O jornal abre com o ensaio de Darcy Penteado, no qual ele fala sobre a arte
erótica que diz ter criado, e as dificuldades que os artistas tinham em tratar do tema,
Uma pequena nota fala que mulheres foram convidadas a participar do jornal,
Entender (de São Paulo), em que ele questiona: Qual é a nossa imprensa?. Ele
falavam dos gays, mas perpetuavam os mesmos estereótipos criados pela sociedade
machista. Ele afirma pretender com seu jornal formar uma consciência homossexual:
Tentar esclarecer sobre a necessidade existente nos homossexuais desta
nova geração, de buscarem um modelo de identidade a ser aceito pela
sociedade, juntando a isto a demonstração de engodo existente na
atualidade, onde as “deslumbradas” (...) insistem em defender a teoria
ainda aplicável de que o homossexual deve se impor pelo campo
financeiro, convivendo no entanto dentro dos preconceitos machistas,
é uma das coisas que pretendo, embora isto acabe transformando a
coisa em estado de guerra (Dantas, 1978: 5).
entendido busca uma posição mais de igualdade com o parceiro. Os entendidos não
querem a imagem das “deslumbradas”; muito pelo contrário, procuram adotar uma
imagem considerada mais masculina. É nesse momento que a palavra “gay” começa
a ser usada por alguns homossexuais e em pouco tempo fará parte do vocabulário
de toda a sociedade.
da palavra “gay” para “guei”, uma forma de abrasileirar um termo que começa a se
Durante os seus três anos de vida, o Lampião da Esquina buscou delimitar essas
têm direitos (a ONU decidiu), no número zero, o jornal ironiza as várias lutas das
uma charge, em que vários animais marcham com uma grande faixa na qual se lê:
“COLEGAS: UNI-VOS!!!”.
que criou a primeira coluna gay de um grande jornal, no caso o Última Hora, e por
isso foi processado judicialmente. Qual foi o seu crime? Falar publicamente de um
assunto até então visto como algo menor e de certa forma proibido? Ou por ter
demitido do jornal.
pela classe média. Aos poucos estabeleceu-se uma freqüência de homens que iam (e
ainda vão) para furtivos encontros sexuais. Naquela época, como hoje, era freqüentado
de outros locais, etc. – todos à procura de prazer com parceiros do mesmo sexo.
João Paulo Augusto, Leila Miccolis e Franklin Jorge – todos com temática ligada à
sexualidade.
Aniversário. Uma história de um triângulo amoroso entre dois rapazes e uma mulher.
gueto”. E para isto não importava se você freqüentava o Cinema Íris, e não reprimia
parte da rede de amigos dos onze editores. De alguma forma, os primeiros a ter
Lampião nº 0, pág 4. escolhida foi o vermelho, uma cor quente e de grande impacto.
valorizarem este aspecto, não trouxeram nada de novo em termos gráficos, a não ser
o fato de ser um jornal para homossexuais, ou, como eles queriam, um jornal para as
*
A exposição minorias.
chamava-se
MAMA! 24 anos
de utilidade
pública. Onde o 2.2.2 De cabo a rabo
artista traçava um
paralelo entre sua Do número um até o fim dos seus dias o Lampião vai tentar “iluminar” boa
vida e a vida do
MAM. parcela da comunidade gay, ou, como eles queriam, “guei”. O jornal trouxe grandes
cinema, literárias, etc., juntavam-se às cartas dos leitores, num fórum de grandes
debates. Durante seu três anos e meio de vida, o jornal não perdoou àqueles que, de
de sua existência o jornal começa a publicar nus masculinos, o que durante muitos
números tentou evitar. O Lampião da Esquina acabou por iluminar várias esquinas e
becos escuros deste país. Conforme afirmaram Peter Fry e Edward Macrae:
O jornal certamente foi de grande importância, na medida em que
abordava sistematicamente, de forma positiva e não pejorativa, a questão
homossexual nos seus aspectos políticos, existenciais e culturais (1983:
21).
o jornal procura muito mais por uma identificação com aquele que o lê, do que
grupos ou pessoas, ou ainda a partir de um mesmo ideal” (2000: 106). E assim como
existe gay (guei ?) para todos os gostos, o Lampião da Esquina não vai falar para os
imprensa.
Assim, não vamos encontrar no jornal um discurso dirigido a uma classe social
para aqueles invisíveis, socialmente falando. Mas também vai trazer informações 75
para aqueles que já estão acostumados a obter informação. Vai falar de Foucault e de
com outras mudanças sociais, vai beneficiar uma comunidade até então sem espaços
apresentada nas diferentes narrativas do jornal, nas cartas dos leitores, nas charges,
ao público gay anterior ao Lampião era por e para grupos de amigos, e, de certa
forma, ingênua e frágil. O Lampião é aceso para iluminar um espaço obscuro, para
pensamentos e seu modo de ser, criou um espaço para a discussão que não existia na
grande imprensa. A coragem dos editores traz esperança para aqueles que lêem o
ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que se luta, o poder do qual nos
àqueles menos privilegiados, e por isso vai procurar estabelecer alianças com as 76
outras “minorias”, como os negros, as feministas, os índios, e com as “minorias
dentro das minorias” – michês, travestis, prostitutas, etc. Porém, infelizmente este
objetivo não é alcançado. O Lampião vai esclarecer, vai evidenciar certas questões,
para várias direções vai acabar por confundir os leitores. Como indica Foucault (1984):
A identidade é útil enquanto for somente um jogo, um procedimento
para manter relações sociais e de sexo/prazer que criam novas amizades.
(...) Não devemos excluir a identidade, se ela dá prazer às pessoas, mas
não devemos concebê-las como uma regra universal.
37, esclarece que o jornal não tinha pesquisa sobre quem era seu leitor. E que isso
padrão que se faz do homossexual, segundo a qual ele é um ser que vive nas sombras, 77
que prefere a noite, que encara sua preferência sexual como uma espécie de maldição”
mesmo barco gays e “gueis”, bichas, entendidos, travestis e o que mais viesse, acabando
achavam que o jornal devia conceder mais espaço para eles. Essa questão era
ideológicas tão díspares, não é de se estranhar que logo cedo as disputas por temas
acabariam por enfraquecer o jornal. Isto pode ser percebido logo de início pela falta
por Darcy Penteado e João Silvério Trevisan, sendo que a palavra final era dada pelo
treze números a seção ESQUINA, caracterizada nas outras edições por ser um espaço
para matérias mais informativas do que discursivas, vai ocupar o espaço da seção
até a edição 29. Este é o começo do fim do jornal. O espaço agora passa a ser
Falando para poucos, e não tendo como se sustentar financeiramente, o jornal fecha
Para analisar as mudanças pelas quais o jornal passou, e a sua relação com os
verificar que seu discurso verbal, diferentemente do discurso visual, mudou muito.
Já que o Lampião não tem uma linha editorial definida, ou uma seção assumidamente
da seção OPINIÃO, sua equivalente, ao longo dos anos. De acordo com Moreira :
O Aguinaldo nunca quis [ter uma seção Editorial], até onde eu percebi,
no dia-a-dia da redação do jornal, quando entrei. Ele, por perceber a
diversidade, e também por saber que ele tinha hegemonia sobre o
produto, né? Já que ele finalizava o produto. (...) Ele tinha a preocupação
de não ter uma coluna de opinião, onde tivesse uma única posição
(Moreira, 2005).
alheias, mas que de certa forma eram respaldadas pelo jornal, e assim levantar as questões que o
79
jornal assumia como sendo “sua opinião”. Em alguns casos comentaremos também certas matérias
apresenta um texto assinado apenas por Mariza (uma colaboradora do jornal). Ela
comenta que o jornal se queixa no seu número zero “de não haver encontrado
mulheres dispostas a colaborar com ele em sua luta comum de pessoas que não
aceitam ser definidas como desiguais em relação a outras pessoas”. Mariza coloca
que, em termos de definição sexual, as “categorias” deveriam ter bem claro como se
segundo, o papel da história, pois, segundo Mariza, “sempre foi assim em todas as
interessados em seu esclarecimento”. Mas, que se fique alerta, pois “ao definirmos o
posição vai mudar com o tempo. O jornal não discute nem comenta o posicionamento 80
de Mariza, embora o lesbianismo e o feminismo merecessem um grande espaço nas
páginas do jornal. As mulheres irão ocupar várias páginas do jornal, seja apresentando
número 2 traz dois artigos cujos títulos são perguntas. Homossexualismo: que
coisa é essa? e Assumir-se ? Por quê?. O primeiro artigo, assinado por Darcy
Mascarenhas, responde aos leitores dando doze motivos para o assumir-se, entre
eles estão: o fazer-se respeitar; o defender-se contra a opressão e angústias; por ser
da segurança, por nos vermos livres de tensões; e pela liberdade. O artigo também
fala de alguns problemas que isto possa vir a trazer para a pessoa, mas defende
Mas como assumir? Quem vai assumir? O jovem que mora com os pais, ou o
intelectual universitário? São questões que ficam sem respostas. Neste mesmo número,
um artigo da seção Esquina mostra que a questão não é tão fácil, e o leitor fica sem
entender o que o jornal pretende, pois ao mesmo tempo que ratifica a importância
de vida social e privada normal, sem os desvios e neuroses que a maioria tenta
impingir”. Chrysóstomo descreve alguns rapazes, todos ricos e de bem com a vida,
e apesar de a matéria falar que eles “não são tão difíceis assim de serem encontrados
furta de colocar fotos ou citar os nomes, empregando apenas as iniciais, ainda que 81
na página anterior o jornal tenha falado a importância do assumir-se.
Assumir ou não é uma discussão que nunca terminou. Hoje, pelo menos aqui
no Brasil, isto ainda é tema presente não só nos periódicos, como também nos
grupos organizados.
o título Desafio aos cartunistas, a nota esclarece que quando o jornal foi lançado
se, neste caso, renascimento também por renovação”. A nota fala que o jornal passou
de uma linguagem séria do número zero para um linguagem mais descontraída. Mas
onde estão os cartunistas e chargistas deste país e colocam esta questão como um
avisa que a partir da próxima edição o artista gráfico e ator Patrício Bisso estará
vários números não alcançam o tom procurado. Uma das razões desse insucesso
gay. É interessante observar, entretanto, que quando o jornal assume uma atitude
*
A maior boate dirigida
para o público gay dos mais “populista” as charges e cartuns passam a aparecer com mais freqüência.
anos 70 no Rio de
Janeiro. Localizada na Para não dizer que as mulheres não contribuíram nessa edição, o jornal publica,
Galeria Alaska em
Copacabana, a boate junto com a pequena nota citada acima, dois pequenos artigos. O primeiro é escrito
fechou as portas no
inicio dos anos 80. por Zsu Zsu Vieira, e se intitula A doença infantil do machismo. O artigo critica
uma mulher, é intitulado Do Regina Coeli às coisas da vida. Lucia Rito, a autora, 82
fala de como foi importante para sua experiência de vida fazer e publicar no Lampião
uma foto da capa revista, a nota apenas apresenta a revista sem nenhum
aprofundamento crítico. Ela é comparada com a revista brasileira Status – “em versão
de lazer e informação para o publico gay, repleta de matérias que eles consideram
“descartáveis”.
apresenta, com certo deboche, a revista Blueboy, que também é comparada com as
e você terá todos os sonhos realizados”. A nota ressalta o design da revista que,
que se deveria, aqui no Brasil, fazer de maneira diferente. Além do fato de que existia 83
uma resistência aos produtos estadunidenses pelo que eles representavam: o
sexo? A diagramação sofisticada? Eles ironizavam estas revistas sem saber que este
seria o caminho para atingir a um grande público, como seria o caso, anos depois, da
Sui Generis e da G Magazine. Revistas como Status e Playboy são muito bem produzidas
revistas americanas, as personalidades que posavam (e ainda posam) nuas são, na sua
maioria, estrelas do show business brasileiro. Essa fórmula seria copiada duas décadas
para que temê-las?. Nesta nota ele defende o Lampião por usar palavras que alguns
leitores consideram pejorativas, tais como “bicha”, “boneca”, etc. Seria uma linguagem
Esta foi uma discussão que também apareceu no movimento gay americano.
Streitmatter fala que no fim dos anos 70 os editoriais da imprensa gay americana já
não discutiam só o movimento por si, mas tópicos que variavam entre a “História
usar era um deles. Isto inclusive foi tema do editorial do jornal The Body Politic, de
fevereiro de 1979: “Mariana Valverde argued that gay people should embrace bold
words as ‘faggot’, ‘dyke’, and ‘queer’, even though the terms offended conservatives”
Os nomes que são usados para definir homens que fazem sexo com homens
termos usados desde a medicina, até aqueles que os próprios homossexuais utilizam
tomava para si o poder de se identificar como bem quisesse. A diferença é que aqui
uma nota de pé de página assinada por Darcy Penteado. Marques discute as opiniões
Neste artigo, Claiborne diz suspeitar que a homossexualidade “pode ter alguma coisa
com distúrbio hormonal durante a vida pré-natal, mas que não é contagioso”, pois
ele mesmo tivera experiências quando criança, mas na vida adulta tornou-se
heterossexual. Clóvis Marques destaca o quão perigosos são estes textos, pois, por
consolidam o preconceito.
que dizia:
Acho errado publicar um jornal como o Lampião. Afinal vocês todos
são jornalistas, (...) escritores, intelectuais ou artistas, trabalhando em
vários meios de comunicação, ou dispondo deles ou com acesso a eles,
não precisando portanto de veículo especializado para expor idéias que,
englobadas assim num jornal, só aumentam a discriminação.
eles teriam direito de publicar suas idéias enquanto cidadãos homossexuais na grande
Só não se sabe ainda como o jornal vai desenvolver sua linha editorial e para
Capítulo 2 - O Primeiro Lampião é acesso
quem. Se é criticando artigos estrangeiros, ou dando espaços para briguinhas
particulares. O artigo sobre a passeata em San Francisco, com 240 mil gays, ou como 85
eles preferem “gueis”, fica perdido numa edição que prefere chamar atenção para o
ensaio fotográfico de travestis. Isto reflete a diversidade de opinião por que o jornal
Uma parte dos editores do jornal, principalmente Trevisan, que tinha vivido
outro lado, uma parte do Conselho Editorial refletia a xenofobia dos tempos da
ditadura. Desconfiava-se de tudo que vinha dos Estados Unidos. Além disso, havia
que o Aguinaldo tinha sido morador da Lapa por um bom tempo, e que vivera muito
positivo do livro, Pasolini chama atenção para o fato de os autores “observarem que 86
não só os ricos e burgueses são homossexuais, mas igualmente os operários e os
pobres”. Pasolini termina dizendo que os autores esqueceram da mais alta ideologia
o Dr. Roberto Farina, também fora processado por “lesões corporais” por ter
com estes fatos, pois ao mesmo tempo em que a liberdade de imprensa chega ao
país, parece que para determinado grupo esta liberdade é apenas impressão. O
das minorias no processo nacional através de uma discussão ampla sobre a questão
sexual. E pede aos leitores que se mantenham atentos aos fatos relatados.
Mais uma vez a questão da multiplicidade de discursos aparece. Com que leitores
os lados, uma característica, aliás, que será mantida até o fim de seus dias. Porém, aos
uma tradução ocupa a seção OPINIÃO. Desta vez Francisco Bittencourt traduz um
científica da heterossexualidade com muita ironia e deboche. Mas ficamos sem saber
qual era a intenção dos editores do Lampião ao publicar este artigo no mesmo número
que continha a matéria de capa Crimes sexuais? Será que todos os crimes são
contra homossexuais?
Nesse mesmo número, o jornal traz ainda uma reportagem com Yukio Mishima,
posto, mesmo que não fosse desenhado pelas questões acima apontadas.
OPINIÃO do prelo. O espaço passa a ser ocupado pela seção ESQUINA, uma
seção de variedades. Observa-se que as mudanças também são internas. João Antônio
número 20.
Como disse anteriormente, não me ative apenas à seção OPINIÃO para analisar
número 19 (dez/1979), por exemplo, o jornal abre com uma carta de Oswaldo Isidoro,
que grupos políticos não ditem normas para os grupos homossexuais que começam
uma entrevista com a atriz Zézé Motta e o movimento gay no México, uma pergunta
A repressão foi uma das maneiras de contê-las enquanto possível: a outra foi
resultado dos 20 anos ainda está aí, bem evidente. Mas até quando o sistema agüentaria
incólume? Não foi, ou melhor, não está sendo portanto, uma concessão bondosa e
ou não, dele participam todos, claro que de maneiras diferentes, uns com vantagens 88
e prioridades, outros perseguidos ou discriminados, porém todos: opressores e
A primeira, aquela que se faz sobre ela, olhando-a de fora; a segunda, produzida
por elemento ainda não conscientizado da minoria; a terceira, que é construída por
produção material que estes personagens criaram. E ainda levaria alguns anos para
nacional do povo gay, (a palavra já é escrita com sua grafia inglesa) a seção OPINIÃO
aparece outra vez. Em O que é isso, Heloneida?, numa clara alusão ao livro O que
mulheres jornalistas no Rio de Janeiro. O encontro foi para lutar contra as diferenças 89
salariais, reivindicar mais campo de trabalho, pelo cumprimento das cinco horas de
trabalho para jornalistas, e pela criação de creches para todos os filhos das funcionárias.
acontecimento, considerado por eles como um marco na história do que viria a ser
encontro foi uma iniciativa do jornal. Este encontro foi a preparação para o grande
congresso nacional que se realizaria em abril de 1980, o qual ocuparia várias páginas
‘Geni’; mas e a mãe, tá boa? A matéria começa com a denúncia de um leitor sobre
os travestis que foram achincalhados durante o carnaval do Rio aos gritos de “Geni”.
Holanda, “Geni e o Zepelin”, feita para denunciar e “mostrar a atitude dos cidadãos
hipocrisia”, acabou sendo utilizada de forma contrária pela força do seu refrão:
“Joga pedra na Geni/Joga bosta na Geni/ Ela é boa de apanhar/ Ela é boa de
cuspir/ Ela dá prá qualquer um/ Maldita, Geni”. O autor afirma que nem só as
bichas estavam sofrendo com o refrão, mas também as mulheres. E por fim Aguinaldo
cobra de Chico Buarque uma posição, pois, segundo o autor, as boas intenções do
de 1960 fizeram com que vários grupos ditos “menores”, entre eles as mulheres, os
negros, os ecologistas, por diferentes razões, desde questões históricas até questões
estavam dando espaço, enquanto que a questão homossexual só era discutida pelo
Lampião.
1978 (Cf. Kucinski, 2003). Não seria o caso de direcionar o espaço do Lampião para
gay. Apesar da proposta do Lampião desde o número zero ter sido dar voz a todas as
da participação dos gays na luta maior. João Carneiro, do grupo Somos/RJ, denuncia
e critica aqueles que dizem que os homossexuais são alienados. No texto intitulado
“viados e sapatões” na vida política do país. Carneiro assinala que vários grupos
organizados estavam pipocando por todo o Brasil, e que era dever dos gays ir à luta.
organizados no Brasil. Com certeza o jornal contribuiu muito para seu aparecimento.
Entretanto, no artigo Deus nos livre do boom gay, deste mesmo número, Francisco
Bittencourt afirma que o jornal não tem nada a ver com a proliferação de assuntos
acordo com Moreira (2005): “Ele [Aguinaldo] acabava dando o tom no jornal. No
início tinha Foucault, tinha Guy Hocquenghem, tinha um monte de gente, mas até
Moreira tem razão, mas esqueceu que Hocquenghem concedeu uma entrevista
para aquele que seria o último número. E apesar de Bittencourt criticar o bottom
Estado de São Paulo, que publicou duas reportagens falando da invasão dos travestis
nas ruas da capital. E uma terceira notícia na qual o Estado esclarece que as polícias
civil e militar estavam unindo as forças para combater o que eles chamavam de
“crime por vadiagem”. O autor chama atenção para o fato de que o jornal utilizou as
nossa fome” (sic). O artigo termina constatando que a “máquina da repressão”, não
podendo mais ser usada para fins políticos, voltava-se contra os estigmatizados: os
homossexuais e os travestis.
Essas eram duas categorias que o jornal, apesar de reconhecer como grupos
bem distintos, já que cada qual a seu modo tinha necessidades específicas, acabou
por colocar no mesmo espaço, criando dissabores para ambos os lados. Além disso,
Na edição número 25, o jornal publica uma vez mais as opiniões do escritor e
cineasta Pier Paolo Pasolini, morto em 1975. João Carlos Rodrigues traduz e resume
forma casuísta de que os senhores do poder se apropriam deste tema. Ele se manifesta
contrário a uma sociedade marcada pelo consumo e mercado que vê o aborto como
uma conveniência. Pasolini diz que a liberdade sexual nos dias de hoje, “é uma
obrigação, uma convenção, um dever social. E que, por outro lado, tudo que é
mais amplo e ultrapassa a ideologia dos partidos. E que a reflexão sobre este assunto
deve começar antes, quer dizer no coito, pois, segundo Pasolini, é o coito que
condiciona a necessidade do aborto, e este sim deve ser discutido. Aquele era um
espaço ao tema. Além do artigo de Pasolini, o jornal deu voz a vários grupos feministas
Com o título de Quem liga para o meio ambiente (Lampião nº 27, ago/1980),
Brasil de ocupar uma grande área verde de São Paulo para instalação de uma usina
nuclear. Na outra parte da seção, João S. Trevisan critica militantes dos grupos gays.
socialmente aceitos”. Em Recadinho para Alice (numa alusão a Alice no País das
autêntico”. O autor diz achar “que alguma coisa está precisando ser checada nessa
com as minorias:
Direitas e esquerdas do sistema estão querendo tornar-nos consumidores
de homossexualismo, e com isso recuperar-nos. Trata-se de uma forma
de nos iludir com o poder e neutralizar o potencial subversor. A única
maneira de garantir nossa subversão e impossibilitar essa recuperação é
ser cada vez mais viado e sapatona, portanto mais malditos e menos
cobiçáveis por todas as formas de poder (ordem), tipo partidos,
publicidade, família, mídia. (Lampião nº 25, p. 10).
Apesar das diferenças ideológicas estarem cada vez mais visíveis dentro do
o título de Nós ainda estamos aqui, os leitores poderiam perguntar: “Quem ainda
está?”
Silva inicia o texto pedindo perdão aos leitores, pois o jornal chegou atrasado nas
da história?”. Bem, este foi o recado que Trevisan havia mandado para a “Alice” na
seção OPINIÃO do número anterior. É claro que o jornal está fragmentado e não
e, principalmente, em relação aos leitores do Lampião, que a essa altura eram muitos.
Apesar dos pesares, Aguinaldo diz que o jornal continuará, e faz um apelo aos leitores
para que assinem o jornal e comprem os livros da editora, pois só a venda em banca
não estava pagando as despesas. Nas suas palavras: “O jornal está triste”. Os indícios
de que a situação era grave podem ser vistos no Corpo Editorial, que começa a
Uma das figuras diz: “Pô! Estas revistas de sacanagem são mais quentes que as
que disse serem as revistas pornográficas as grandes responsáveis pelo destino obscuro
das crianças.
aos bois. O artigo relata um fato ocorrido em Belém do Pará. Um agente do Dops,
mas não fora acolhido. Esta “Mata-Hari amazônica” dizia ter criado um movimento
gay paraense para comprometer políticos. Ao final, o autor se pergunta: “O que tem
o leitor do Lampião com isso?” Para justificar o questionamento, ele argumenta que
esquerda quanto da direita, do movimento gay. Por esta razão, os gays, quer queiram
ou não, não poderiam deixar de lado a política, mesmo que ela os assustasse.
intrínseca entre discurso e poder. Este era o grande dilema entre os grupos
a última página. Nesta mesma edição desaparece o Conselho Editorial, ficando apenas
33. Agora lê-se: “Editores: Aguinaldo Silva e Francisco Bittencourt (Rio) e Darcy
Penteado e João S. Trevisan (SP)”. Adão Costa, um dos fundadores, volta a aparecer
junto aos editores do Rio. E assim o expediente permanecerá até o último número.
é exposta nas bancas da cidade. É ela que traz as informações que o identificam: o
gráficos. O corpo da fonte da chamada principal é muito maior do que das chamadas
menores também em tamanho e interesse. São todas elas juntas que vão ajudar a
vender o periódico, neste caso o jornal, e de certa forma sintetizam o seu universo.
número muito grande de chamadas, e uma diagramação que não definia a matéria
principal. De qualquer forma, esse padrão foi mantido até o fim do periódico. As
caóticas. Porém, observamos que a composição visual não foi uma preocupação
maior, nem sequer secundária. Este aspecto será comentado mais adiante. Desta
por denotarem os assuntos abordados. A categorização foi feita a partir das chamadas
das capas.
“ativismo” falou mais alto; em cinco, o foco foram as “minorias sociais”; em seis, o 96
“comportamento sexual” foi privilegiado; em outras sete, a “questão de gênero”
Desta forma pude observar os temas mais recorrentes na pauta do jornal, e a partir
N. 17: “Corre, que lá vem os home! Estão matando as mulheres” (fig. 18).
· N. 28: “Em agosto foi assim: Crioulo não é gente, bicha e mulher tem mais
* Ver figuras no A violência contra os homossexuais é um assunto que até os dias de hoje
anexo I.
homossexuais por michês, e como estes crimes quase sempre acabam sendo
homossexuais.
deixam claro que estes crimes são fruto do preconceito, pois afirmam que não é
crime ser homossexual, e que não há proibição legal da prática perante a lei.
chamadas principais:
do Lampião da Esquina. Sob certo ângulo, este enredamento foi prejudicial aos dois.
parte do grupo era de opinião que deviam trabalhar com outros setores da esquerda 98
nacional, enquanto outra parte do grupo era radicalmente contra. O grupo acabou
força visual), nos remete para uma questão com a qual o jornal parecia ter muita
SP achava que o grupo deveria ser apolítico, outra parte exigia do grupo uma
participação mais política, e a outra, das lésbicas, não se sentia mais confortável em
grupo Somos. E vai se posicionar contra a facção que, na visão do Lampião, pretendia
guiar o movimento homossexual no Brasil. Isto vai levar a uma situação na qual os
lados.
Segundo Trevisan:
(...) divergências frente aos rumos do movimento homossexual foram
se acentuado, sobretudo com os grupos do Rio de Janeiro, que criaram
frágeis e apressadas alianças com outros grupos do país, na tentativa de
isolar o jornal” (2000: 361).
Era uma via de mão dupla. O movimento precisava do jornal, assim como o
Desta forma, vários setores da sociedade brasileira, entre eles presos políticos e
Brasil, concede uma entrevista. Lula, líder do movimento sindical e hoje presidente
da Republica, é capa do número 14. Foram tratados temas que envolviam religiosidade
sentido do texto.
práticas. Este grupo sinaliza os interesses do jornal, que irão caracterizá-lo no final 100
de seus dias. A partir do fim do Conselho Editorial, o jornal assume características
MacRae:
Muitas matérias foram dedicadas às possibilidades de prazer escondidas
nas ruas e praias do Rio e outros locais brasileiros, sendo muito discutido
os assuntos de “caçação”, prostituição, etc...” (1990: 77).
travestis com seios à mostra. Desde a edição 27, o jornal vinha publicando o nu
frontal masculino. Na edição de número 31, o nu vem para a capa numa matéria
de poder e sua crença de beleza nestas imagens. Segundo o autor, esses homens
suas vidas.
vez com uma introdução de Aguinaldo Silva, e fotos colhidas do filme Cruising, de
1980, dirigido por William Friedkin, e traduzido no Brasil como “Parceiros da Noite”.
adquirindo formas mais femininas, seja por meio da injeção de silicone nas bochechas,
seja quando mudam a forma dos quadris, etc. Também agreguei a este grupo a
preferência aos termos “bicha”, “viado”, “gay”, “guei” e “homossexual”. Fica claro,
pelo número de chamadas de capa, que a “questão travesti” é fato importante para o
Janeiro. As edições 32, 35 e 36, apesar das chamadas sensacionalistas, tentam trazer
o mundo dos travestis para os leitores: mostrar a difícil vida que eles levam. O número
pertencer ao sexo oposto, cuja característica fisiológica aspira ter, ou já adquiriu por
meio de cirurgia . Este assunto, anos mais tarde, será capa de quase todos os periódicos
*
Homossexuais
que adotam uma do Brasil, com o “fenômeno Roberta Close”.
postura de Dândi.
Palavra que Finalmente, o grupo “Entrevista” é formado pelos seguintes números e suas
caracteriza de
forma precon- respectivas chamadas principais:
ceituosa a postura
efeminada de N. 2: “Sou Tarado! Lennie Dale” (fig. 3).
alguns homos-
sexuais. N. 3: “Norma Benguell solta o verbo: eu não quero morrer muda” (fig. 4).
entrevistas ao jornal. Nunca existiu uma seção específica para esta atividade jornalística,
porém em quase todas a edições existia uma entrevista. Esta forma de fazer
reportagem foi uma característica que começou com o jornal Pasquim e estendeu-se
uma delas:
Among the themes is an emphasis on design. (...). The founders of
One reinforced this theme during the 1950s, insisting that their magazine
be professionally printed and using bold graphics to make design one
of its trademarks. The publications of the late 1960s reinforced the
central role of design. (…) Closely related to design is a strong emphasis
on visual images (1995: 113).2
formado pelo texto do corpo do jornal, os diferentes títulos e subtítulos. Para isso é
usada uma fonte que vai ser a principal do jornal, e seus respectivos corpos, fotos e
Diagramar significa construir, estruturar os elementos que irão compor uma 103
mensagem, auxiliando, e até mesmo, guiando o leitor para uma melhor leitura.
evidenciar uma outra parte, ou ainda atrair a atenção do leitor para um texto ou uma
descrever a qualidade de um bom jornalismo, mas elas não terão a mesma força se a
conteúdo do texto e a forma de como ele é apresentado para o leitor. Para Twyman
elementos que juntos geram os sintagmas visuais; esta linguagem pode estabelecer
uma série de relações com a linguagem verbal. De acordo com Kress e Van Leeuwen:
Composition is the way in which the representational and interactive
elements are made to relate to each other, the way they are integrated
into a meaningful whole. [...] Composition, then, relates the
representational and interactive meanings of the picture to each other
through three interrelated systems:
1. Information value: the placement of elements (participants and
sytagms that relate them to each other and to the viewer) endows them
with specific informational values attached to the various ‘zones’ of the
image: left and right, top and bottom, center and margin.
2. Salience: the elements (participants and representational and interactive
syntagms) are made to attract the viewer’s attention to different degrees,
as realized by such factors as placement in the foreground or background,
relative size, contrast in tonal value (or colour), differences in sharpness,
etc.
3. Framing: the presence or absence of framing devices (realized by
elements which create dividing lines, or by actual frame lines) disconnects
or connects elements of the image, signifying that they belong or do
not belong in some sense (2000: 183).3
na maioria dos números Lampião. Eles aparecem apenas numa ou noutra página do 104
jornal, conforme veremos a seguir.
que os homossexuais eram pessoas mais refinadas, mais sensíveis, e estavam sempre 105
ligados ao bom gosto e ao estilo. Crenças que eram fruto do preconceito e da
mulheres, ao feminino. Desta forma todo homem que fosse mais gentil ou
apresentação visual do Lampião. Com manchas gráficas pesadas, poucos claros, uma
não estava no campo gráfico, apesar de contar com um artista plástico entre seus
seus designs. Eles tinham uma estética psicodélica, ou então surrealista, muito em
um tablóide que ganhou muita popularidade pelo seu alto teor 106
“naturalista e, no limite, escatológico”. Usando chamadas típicas
gráfico, como vemos no Opinião, “o mais influente jornal de toda imprensa alternativa
dos anos 70”. Elifas Andreato, jovem designer do sul do país, desenvolveu um projeto
caricaturas a traço fino de Cássio Loredano e Luís Trimano, e detalhes, como uma
ao longo da história dos periódicos da imprensa gay. A partir dos anos 90, a linguagem
visual vai ganhar tanta importância quanto à linguagem verbal, mas, durante a sua
gráficos. 107
O Lampião era publicado com rígidas colunas. Fios grossos acima e abaixo
empregada para diferenciar as seções; mas se tratava de elementos gráficos que apenas
do jornal como um todo tem pouca força visual. O “valor informacional, a evidência
blocos horizontais e/ou verticais, e não traz nada de novo ou criativo. As matérias
vez que em um design assimétrico, com múltiplas opções e tensões provocadas pela
página é pesada e incomoda o leitor. Não se vêem aqui os sistemas propostos por
Lampião nº 3
que corroborasse seu papel político
Lampião nº 10.
na sociedade da época.
Sá. Ivan permanece somente até o número dois. Moreira (2005) acredita que tenha
multimídia Patrício Bisso, que passaria a desenhar alguns selos ou rubricas para as 109
seções.
LITERATURA. São desenhos a bico de pena que remetem ao art noveau; ilustrações
pin-up) deitada lendo um livro. As três ilustrações de Bisso dão um certo frescor ao
Lampião. Contrastando com a rigidez da diagramação, seu traço foi forte o bastante
Bisso não foram absorvidos pelo jornal. As vinhetas desaparecem a partir do número
outro lado, a participação amadora da arte denota que o jornal não tinha ainda estrutura
* Charge – repre- uma importância menor dentro do jornal. Conforme afirma Braga:
sentação pictórica,
Não conhecemos um jornal que publicasse a cada número um chargista
de caráter burlesco
diferente: encontrar quotidianamente o seu humorista parece hábito
e caricatural, em
que se satiriza um entre os leitores. Esse desenho não é encomendado pelos editores: o
fato específico, em desenhista (encarado em uma perspectiva que o vê mais como artista
geral de caráter que jornalista) tem a liberdade de escolher não só o assunto que prefere
político e que é do abordar, mas também o ângulo, a posição crítica, que não raramente é
conhecimento
independente da linha editorial definida para a folha (1991: 159).
público.
Cartum –
d e s e n h o
caricatural que As charges e cartuns desempenham a função de complemento visual do texto.
apresenta uma
s i t u a ç ã o É fácil perceber que conforme o Lampião se direcionava para o popularesco, o número
humorística
utilizando, ou não, de charges aumentava. O jornal acaba por materializar nos seus desenhos a figura
legendas. (Aurélio,
2000) estereotipada do “guei”. O caráter burlesco e caricatural das charges e cartuns reforçam
seguintes que o desenho de humor, nas suas diversas Levi, Lampião número 22
Elas explicitam de forma direta o que as palavras às vezes ocultam. Mas no Lampião
da Esquina as fotografias são pobres, sem força estética, além de encontrar limitações
aí um papel definido. Não vamos encontrar, nem nas grandes reportagens, nem nas
entrevistas, fotos que mereçam destaque. Alguns casos isolados merecem um pouco
(Lampião nº 14). As fotos só ganham algum destaque quando elas começam a exibir
no jornal, mas isso não foi adiante. Um leitor mandou uma história pronta para a
Silva pediu publicamente que o autor entrasse em contato com a redação do jornal,
protege os gays que andam pela noite. Nesta ocasião o super-herói ocupa a página
inteira do jornal, mas na segunda e na última aparição (Lampião, nº 23), apenas meia
página. “Ave Noturna” foi uma tentativa de trazer para o jornal a linguagem dinâmica
simplesmente parou de publicar. Não se encontra nas outras edições nenhuma carta
2.2.6 As capas
um modo geral se caracterizavam muito mais pelo uso da imagem do que do texto,
e as capas do Lampião da Esquina não fugiram à regra. Elas chamam bastante atenção,
seja pelo uso de uma segunda cor, além do preto, seja pelo uso de uma linguagem
representado da mesma forma, podemos dizer que ele tem uma “identidade visual”.
Esta identidade visual é composta pelos elementos gráficos que irão formalizar a
jornal.
era totalmente livre, e em alguns casos bastante desordenada. Mem de Sá é o designer 114
que vai criar todas as capas do jornal. Segundo Moreira:
Até onde eu sei, o Mem de Sá não era homossexual. Era um profissional
que vinha da imprensa, que o Aguinaldo conhecia há muito tempo. Ele
fez todas as capas, mas o Aguinaldo devia dar as coordenadas. Dava os
títulos, batia tudo lá. Tinha uma ou outra imagem, ou então indicava
para ele arrumar essas imagens, e certamente muitas coisas vieram da
pesquisa d’O Globo. E a capa aparecia (Moreira, 2005).
chamadas nas capas do jornal é geralmente feita por meio do corpo da fonte utilizada,
pelo uso de imagens (fotos ou ilustrações) ou ainda pelo uso de elementos gráficos
No Lampião da Esquina, esta relação nem sempre acontece. A seleção das notícias
muita atenção pelo peso que ocupa na capa. Na legenda vê-se que
baixo. São duas matérias diferentes, mas com o mesmo peso. Outro
Lampião nº 1.
exemplo é o número 17, na qual splashes e balões de quadrinhos
26 traz uma das capas que melhor obedeceu aos cânones do design
não ter sido projetadas para este ou aquele fim. O Lampião número 25.
publicar.
Gasparelli.
forma, a proposta
baixa cultura, a proposta era muito ousada e talvez nem os editores sabiam com o
que estavam lidando. Hoje, sabe-se que tanto Antônio Botto como Carmem Miranda,
Madona ou Pasolini, entre outros, são referências fundamentais para o universo gay,
117
2.3 Acabou O Gás. O Lampião Se Apagou.
abril de 1978 até julho de 1981, o Lampião esteve nas bancas de todo o país, ou em
um debate público sobre as chamadas minorias, o jornal estava presente. Foi a partir
da iniciativa do jornal junto ao grupo Somos que em 1980 realizou-se em São Paulo
É interessante observar que o interesse pelo ativismo político que deu o pontapé
inicial para a concretização do jornal vai ser uma das causas do seu fechamento. As
fim. Mas, ao que tudo indica, foi uma relação de amor e ódio: por um lado, o jornal
jornal vivo); por outro, o movimento sem o jornal não teria aglutinado tantas pessoas
seção TROCA-TROCA o espaço foi para a paquera, para a realização das fantasias.
por outros autores. Mas o que é um jornal elegante? Elegância nos textos ou nas
Bem, o Lampião era elegante no sentido textual, pois tentava dar espaço para
todas a minorias, sendo que no sentido visual era inicialmente discreto. A preocupação
era muito mais com o conteúdo do que com a imagem gráfica. Como disse Dolores
Rodrigues (2005): “Para ter um bom visual tinha que pagar um bom profissional e o
jornal não tinha dinheiro. A bichinha não ia fazer de graça”. Esta parece ter sido a
tônica do jornal. Mesmo contado com Darcy Penteado no Corpo Editorial, ou tendo
Isto vai mudar a partir dos anos 90. Graças a um movimento homossexual
fazem sexo com outros homens, as publicações dirigidas ao público gay vão se
estabilizar, cada uma a seu modo, dirigindo-se para os diferentes estilos de vida, de
gráfico vai ter um papel muito importante nisto tudo, pois é ele que configura o
Não podemos negar uma discussão do papel do design diante das questões da
diversidade cultural. É essa discussão que nos faz compreender sobre sua influência
imaginário de seus leitores, procurando estabelecer um diálogo direto com seu usuário. 119
O leitor do Lampião muda conforme vai mudando a linha editorial e acontecendo as
brigas internas. Uma visão clara disto é a presença de fotos de homens nus. Com a
que antes era negado, acabou sendo uma forma de chamar atenção do leitor, e vender
jornal. Mas o jornal não se preocupou em ver que o leitor do início do jornal não era
mais o mesmo do fim. As imagens de travestis nas capas do jornal afastavam o leitor
Não agradava mais gregos, nem troianos. O jornal acabou de uma hora para outra.
Segundo Moreira e Rodrigues (2005), na reunião de pauta para o número 38, Aguinaldo
Silva falou: “Não vamos mais ter o jornal. Acabou o jornal”. Ou, na visão de MacRae
(1990: 92):
Os últimos números do jornal começaram a refletir cada vez mais a
convicção de Aguinaldo Silva de que não se estava oferecendo o produto
que o mercado queria e que o ativismo só apelava à minoria da minoria.
(...) o jornal não conseguiu aumentar suas vendas.
Na sua última edição, número 37, junho de 1981, o jornal traz um anúncio de
meia página anunciando a nova revista da Esquina Editora – a revista Playguei: “Um
jornal em forma de revista, que abre caminho para a segunda geração de publicações
gueis no Brasil”. Apesar de não anunciar seu fim, o anúncio sinalizava os novos
horizontes das publicações gays. É muito curioso imaginar como seria esta revista
isto não se traduzia em assinaturas. Em alguns números, Aguinaldo Silva tinha que 120
colocar dinheiro do próprio bolso para pagar a edição (Moreira & Rodrigues, 2005).
que viviam à sombra de sua própria identidade. Foi importante para toda essa geração
que pôde ver que não estava sozinha, que não era louca nem doente, e que existia um
outro lado. Apesar de se confundir nos seus próprios passos, é inegável a contribuição
caminho que consolidaria numa publicação como a G Magazine, nos dias de hoje.
Sob certo aspecto, foi como se os editores tivessem esquecido de que antes de assumir
Esta ação passa por um delicado processo de identificação com aquilo que desejamos
ser, ou que teremos de fingir que somos. Conforme afirma Hall: “A identificação é
subsunção” (2000: 106). O jornal criou moldes e os ofereceu aos leitores, quando
ainda era um tempo, aqui no Brasil, de ensinar a fazer moldes, e não de entregá-los
prontos.
pela afirmação das diferentes identidades, trazendo à tona neste processo os conflitos
para este público são muito mais que apenas palavras e imagens. São representações
assim como o design, são os protagonistas destas expressões, que têm como alvo o
leitor. Parafraseando Lugarinho (2001), o leitor deixa de ser um mero elo na cadeia da
2
“Dentre os tópicos está uma ênfase no design (...) Os fundadores de One reforçaram este tema durante
a década de 1950, insistindo que sua revista fosse impressa profissionalmente e usando um grafismo arrojado
para tornar o design uma de suas marcas registradas. As publicações do final dos anos 1960 reforçaram o papel
central do design (...) Uma relação muito próxima com o design é uma forte ênfase nas imagens visuais”
(Streitmatter, 1995: 113).
3
“A composição é a maneira pela qual os elementos representacionais e interativos se relacionam uns
aos outros, a maneira pela qual são integrados num todo significativo (...) A composição, portanto, articula os
significados representacionais e interativos da imagem através de três sistemas inter-relacionados:
1. O valor informativo: a colocação de elementos (participantes e sintagmas que se relacionam uns aos
outros e ao leitor) os dota de valores informativos específicos ligados às várias ‘zonas’ da imagem: esquerda e
direita, superior e inferior, centro e marge
2. Saliência: os elementos (participantes e sintagmas representacionais e interativos) são feitos para atrair
a atenção do leitor em graus diferenciados, realizado através de tais fatores como a colocação em primeiro ou
segundo plano, tamanho relativo, contraste de valor tonal (ou de cor), diferenças de nitidez, etc.
3. Enquadramento – a presença ou ausência de dispositivos de enquadramento (realizado através de
elementos que criam linhas divisórias, ou por linhas de quadro, propriamente) desconecta ou conecta elementos
da imagem, significando que eles pertencem ali ou não pertencem, de alguma maneira” (Kress & Van Leeuwen
2000: 83).