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CHUVA SINOPSE

É CANTORIA
NA ALDEIA
DOS MORTOS Esta noite, os espíritos e as cobras ainda não apareceram. A floresta ao
redor da aldeia está calma. Ihjãc, quinze anos, tem pesadelos desde que
JOÃO perdeu o pai. Ele é um índio Krahô, do Norte do Brasil. Ihjãc avança na
SALAVIZA
escuridão com o corpo suado. Uma voz distante ecoa por entre as
RENÉE
NADER palmeiras. A voz do pai chama-o, junto à cascata: chegou o momento de
MESSORA preparar a sua festa de fim de luto para que o espírito possa partir
para a aldeia dos mortos.

Rejeitando o seu dever e para escapar do processo de se transformar


em xamã, Ihjãc foge para a cidade de Itacajá. Longe do seu povo e da sua
cultura, vai enfrentar a realidade de ser um indígena no Brasil
contemporâneo.

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CHUVA Quando alguém morre
É CANTORIA
NA ALDEIA os mortos levam a alma dele
DOS MORTOS e cantam com ele
andando e fazendo barulho, barulho de chuva vindo.
JOÃO Quando o tempo fecha, as almas dos mortos caminham com ele
SALAVIZA
dizem que vão se divertindo
RENÉE
NADER fazendo barulho
MESSORA já levaram a alma da pessoa
e vão indo, as almas.
Quando o céu está fechado, anunciando chuva, é que eles chegam
e vão andando.
Eles andam cantando
e fazendo barulho. Chuva chegando, cantoria na aldeia dos mortos.

Citação HACÀC KRAHÔ

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CHUVA FICHA TÉCNICA
É CANTORIA
NA ALDEIA
DOS MORTOS Ficção / 2018 / Brasil, Portugal Desenho de Som:
114’ / Cor / DCP, ficheiro Pablo Lamar
JOÃO Krahô e Português / Mistura de Som:
SALAVIZA
Legendado em Português Ariel Henrique
RENÉE
NADER Montagem:
MESSORA ELENCO João Salaviza, Renée Nader Messora,
Edgar Feldman
Henrique Ihjãc Krahô, Raene Kôtô Krahô Traduções e pesquisa:
e Comunidade da aldeia de Pedra Branca Ana Gabriela Morim De Lima, Ian Packer
– Terra Indígena Krahô Produção:
João Salaviza, Renée Nader Messora,
EQUIPA Ricardo Alves Jr., Thiago Macêdo Correia
Produtoras:
Realização: Entrefilmes, Karõ Filmes, Material Bruto
João Salaviza, Renée Nader Messora Distribuição Nacional:
Diálogos: Doclisboa, Desforra Apache
Henrique Ihjãc Krahô, Raene Kôtô Krahô,
Vitor Aratanha, João Salaviza, TRAILER
Renée Nader Messora
Produção Executiva: https://youtu.be/4bkVh53sBrI
Isabella Nader
Direcção de Fotografia:
Renée Nader Messora
Som Directo:
Vitor Aratanha

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CHUVA INTRODUÇÃO
É CANTORIA
NA ALDEIA
DOS MORTOS Em 2009, Renée viaja ao Tocantins e conhece os Krahô. Foi fotografar
um documentário sobre uma festa de fim de luto, e nunca mais passou
JOÃO muito tempo longe da aldeia.
SALAVIZA

RENÉE
NADER Foram várias ideias e filmes partilhados, que colocavam a imagem
MESSORA no centro do pátio e do pensamento sobre as formas de resistência
indígena. Nessas oficinas formou-se o grupo de cinegrafistas,
Mentuwajê Guardiões da Cultura, que usam a câmara como arma para
a auto-determinação e reafirmação de sua cultura. Alguns anos mais
tarde, João juntou-se a este percurso.

Até hoje o casal continua o seu trabalho com a comunidade.

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CHUVA Os Krahô são um povo Timbira que pertence à família Jê, e ao tronco
É CANTORIA
NA ALDEIA linguístico Macro-Jê. À semelhança do resto dos Timbira, auto­
DOS MORTOS ‑intitulam­‑se “mēhĩ”.

JOÃO São os habitantes originais do Cerrado e, dada a sua vivência


SALAVIZA
prolongada neste meio, desenvolveram conhecimentos ecológicos
RENÉE
NADER sofisticados, passados de geração em geração.
MESSORA
A Terra Indígena Krahô abrange 3200 quilómetros quadrados e localiza-
-se no nordeste do estado de Tocantins. É considerada uma das áreas
mais importantes da savana preservada (Cerrado) do Brasil. Para além
da sua biodiversidade considerável, o Cerrado é conhecido como o
“berço das águas”, já que aí se encontram as nascentes das maiores
bacias hidrográficas do Brasil. Ainda assim, a área tem sofrido uma
degradação progressiva provocada pela expansão das fronteiras de
agricultura e criação de gado. Inúmeras espécies de animais e plantas
encontram-se em risco de extinção. Este bioma é actualmente
considerado um dos maiores focos de biodiversidade do Mundo.

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CHUVA OS MORTOS E OS OUTROS
É CANTORIA
NA ALDEIA
DOS MORTOS Uma importante porta de entrada para a compreensão do universo do
filme e das especificidades do pensamento krahô é o clássico livro da
JOÃO antropóloga portuguesa Manuela Carneiro da Cunha, “Os mortos e os
SALAVIZA
outros. Uma análise do sistema funerário e da noção de pessoa Krahó”.
RENÉE
NADER
MESSORA Como mostra a autora, “os mortos são os outros”. Não estão os Krahô a
louvar seus mortos, tampouco a cultuar a ancestralidade. Figuras
máximas da alteridade, os mortos são perigosos, pois querem levar
consigo seus parentes vivos. Nesta captura, recorrem à saudade, um
“lembrar-sentir” nostálgico (amjĩ kãm hapac xà, na língua Krahô) que
marca a presença de uma ausência. Este vínculo deve ser rompido após
a morte: é preciso que os parentes esqueçam seus mortos, para que
estes possam esquecer os vivos. Por isso os Krahô fazem a festa de fim
de luto, o Pàrcahàc (“a tora do morto”): para chorar a saudade uma
última vez, animar a alma do morto com cantos e danças e, assim,
permitir que ele siga para sua nova aldeia.

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CHUVA Outra noção central que permeia todo o filme é a de mēcarõ, um
É CANTORIA
NA ALDEIA conceito complexo, ambíguo, polissêmico e contextual. Refere-se às
DOS MORTOS imagens projetadas de corpos presentes ou ausentes, admitindo
diferentes traduções: almas, espíritos, sombras, reflexos, fotografias,
JOÃO filmes, gravações de uma voz, imagens oníricas. Mais do que simples
SALAVIZA
projeção, mecarõ é concebido pelos Krahô como atuação e agência do
RENÉE
NADER duplo da pessoa, possuindo uma existência móvel e independente do
MESSORA corpo ao qual ele é autônomo, ao mesmo tempo que intrinsicamente
relacionado. Esses “espíritos-imagens” realizam a mediação entre
o visível e o invisível, o mundo dos vivos e o mundo dos mortos,
o universo dos corpos e o das almas. Para os Krahô, após a morte,
a alma da pessoa pode se transformar e assumir várias formas,
sofrendo sucessivas mortes: animal, planta, pedra, toco de árvore,
até virar nada...

CARNEIRO DA CUNHA, M. 1978. Os mortos e os outros. Uma análise do sistema funerário e da noção de
pessoa Krahó. São Paulo: Editora Hucitec.

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CHUVA ENTREVISTA (…) A surpresa, João, é reencontrá-lo
É CANTORIA
NA ALDEIA no mesmo ponto de fulgor
DOS MORTOS Vasco Câmara O filme da fuga impossível do clássico em que o deixámos na
PÚBLICO jovem índio Ihjãc, personagem anterior longa-metragem e a
JOÃO perseguida e atordoada pela personagem principal ser de novo
SALAVIZA
Era uma vez o cinema… inventado "realidade" e pelos "fantasmas" um adolescente entre a luz e as
RENÉE
NADER junto dos krahô, povo indígena do (como antes os jovens de Arena, sombras, como em Montanha ou
MESSORA Brasil. João Salaviza e Renée Rafa ou Cerro Negro nas suas Rafa (2012).
Nader Messora foram à procura deambulações pela luz e pelas
de algo que só podia nascer sobre trevas), é o filme da fuga João Salaviza — O filme está
os restos de uma maneira de impossível de João Salaviza. indissociável de uma mudança
produzir e de filmar de que Que foi incitado a mudar para, radical na minha vida, o encontro
Montanha, que ele realizou e em de alguma forma, o essencial com a Renée, e com este
que ela foi assistente, foi para ficar na mesma. Fugiu do cinema, sequestro que ela me fez de
eles o estertor. Fugiram. encontrou o cinema. E nós me levar a conhecer os krahô.
Encontraram. encontrámos um dos mais A Renée há vários anos que ia lá.
bonitos filmes de Cannes Na rodagem do Montanha, as
Talvez se entre para Chuva É coisas que ela me ia contando
Cantoria na Aldeia dos Mortos sobre a vida dos krahô era um
com medo do que se vai contraponto absurdo à forma
encontrar. Como se uma parte de como o filme estava a ser feito –
nós estivesse em perda com a obviamente que estava a ser feito
ruptura que João Salaviza – como eu queria, com estrutura
"sequestrado" por Renée Nader grande, equipa, luz, maquinaria,
Messora – fez com o cinema e a steadycams, toda a parafernália
vida que antes quis e conheceu. que hoje se calhar não me
interessa. Montanha é um filme

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CHUVA melancólico, nostálgico. Há um nos passou pela cabeça. A Renée J.S. — A história do filme é
É CANTORIA
NA ALDEIA peso dramático que estava ligado conhecia-o desde pequeno e houve inspirada na história real de um
DOS MORTOS às coisas que eu vivia na altura e a um período de dois anos em que outro miúdo durante uma
uma sensação de esgotamento. olhávamos para ele e pensámos... primeira visita que fizemos.
JOÃO Começou a sentir-se fraco,
SALAVIZA
Coincidência ou não, fomos ao Renée Nader Messora — ... será? doente. Há todo um sistema de
RENÉE
NADER Brasil, quase para me libertar. E diálogo entre os pajés [feiticeiro e
MESSORA foi nessa altura que começámos a Desde cedo ele estava na vossa intermediário espiritual] que
pensar em mudarmo-nos para a mira? enfeitiçam, mas também podem
aldeia e com o cinema pelo meio. O proteger; é uma narrativa
trabalho que a Renée tem feito R.N.M. — Na verdade tínhamo-nos quotidiana da aldeia, as disputas,
com os krahô, mesmo sem ser de apaixonado por outro menino da hierarquias e segredos. Aquele
ficção e sem sair do indigenismo, aldeia, mas era difícil miúdo começou a sentir-se mal e
tentava trabalhar as questões da aproximarmo-nos. E o Ihjãc estava um pajé descobriu que tinha sido
imagem, as implicações políticas, ali. Quando se chega à aldeia, enfeitiçado por outro pajé. Era um
sociais e estéticas da imagem. O passamos a fazer parte de uma miúdo deslumbrado, curioso pelo
cinema tem esta coisa incrível que família que nos acolhe, e o Ihjãc menos pelo mundo dos brancos, da
é podermos ir para um lugar sem era do meu núcleo. Ele estava tecnologia, e acabou por fugir
as coisas ficarem envenenadas sempre ali, e chamava a atenção para uma cidade a 30 quilómetros.
pela condição de turista, porque porque tinha 12 anos e tinha uma Nessa tentativa de fuga começou a
temos um ofício – como uma namorada sempre com ele: curioso sentir a impossibilidade de diálogo
companhia de circo que pode a rondar a minha câmara, os entre a medicina dos krahô, que é
conhecer o mundo porque tem trabalhos e as oficinas que holística, e a dos brancos, e foi um
algo para fazer. fazíamos. Quando começámos a desencontro de mundos,
O facto de termos filmado com o imaginar Chuva..., começámos a ontológico, filosófico.
Ihjãc pode parecer relacionado prestar atenção nele, ele foi
com Montanha, mas isso nunca crescendo e deu certo.

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CHUVA Como a dinâmica de fuga era os nossos desejos. Há muitas sim... Foi uma conversa impossível
É CANTORIA
NA ALDEIA assumida, pensaríamos que a coisas que são pura fruição lúdica que transitou desta forma para o
DOS MORTOS exuberância da ficção abrandaria. dos gestos, das pessoas, de filme.
O filme aliás é anunciado como estarmos com elas. As cenas em
JOÃO documentário. Mas há um que os miúdos brincam com o fogo, Para os krahô, o que era isso de
SALAVIZA
deslumbramento enorme, a aldeia à noite: pegámos na câmara e terem pessoas entre eles com
RENÉE
NADER e as pessoas são como um estúdio fomos filmar, sem som. Ou a cena uma câmara, diálogos, o “acção”
MESSORA a céu aberto onde se fabrica um em que a rapariga pinta as unhas e “corta”?
mundo. Numa conversa anterior, dos pés, sinal de elementos
contou que havia dias em que nem exteriores a invadir a comunidade J.S. — Com o Ihjãc foi preciso
pegavam na câmara; o mais algum tempo para explicar que era
importante era viver. Como é que R.N.M. — Foi uma reorganização uma história, que queríamos
o cinema aconteceu assim? de coisas que fomos vendo e filmá-lo durante bastante tempo.
vivendo, eu ao longo de dez anos, o Ele quis estar no filme, mas
R.N.M. — O João ficou obcecado João ao longo de quatro... quando tinha de ir para a roça
com aquela crença na feitiçaria, ceifar ou buscar um parente
com aquele miúdo que fugiu, que Como uma longa repérage ainda doente, durante três dias não
se matriculou na escola e que sem o objectivo declarado de havia rodagem. Percebemos que
passou por todo o mundo fazer um filme... havia um lado lúdico. Divertiam-se.
institucional brasileiro. Ao terceiro mês de rodagem,
Começámos a imaginar caminhos R.N.M. — Exactamente. Aquele ouvimos uma conversa e
dentro daquele universo, fomos momento em que o Ihjãc está no percebemos que eles se referiam
juntando peças. carro dos serviços de saúde e ao acto de filmar como “a
pergunta o que é “hipocondríaco” brincadeira”.
J.S. — O guião foi um mapa que – foi uma pergunta que um dia o
permitia que não nos perdêssemos miúdo me fez. Eu expliquei que ele R.N.M. — O filme não era
e que fôssemos filmando seguindo não estava doente, ele dizia que importante, importante era a

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CHUVA brincadeira. Cortavam o cabelo, montagem, perceberam... vivem um cerco que está a
É CANTORIA
NA ALDEIA pintavam o cabelo... estrangulá-los cada vez mais.
DOS MORTOS J.S. — Às tantas o Ihjãc começou
J.S. — O que nos causava ele próprio a dizer “corta” a meio R.N.M. —Há um conflito, uma
JOÃO problemas de raccord. Um dia que das cenas, quando se enganava. impossibilidade de circular, está
SALAVIZA
os calções do Ihjãc muito presente. Há muitos
RENÉE
NADER desapareceram, tivemos que R.N.M. — Antes de começarmos a preconceitos em relação aos
MESSORA comprar outros e guardá-los – ao filmar mostrámos-lhes A Cidade índios naqueles povoados.
fim de três dias, nada é de de Deus [Fernando Meirelles e
ninguém, há um sistema que faz Kátia Lund, 2002] e o making of. J.S. — Há uma coisa transversal a
com que os objectos circulem. Eles não tinham ideia dos dois todos os regimes desde a chegada
universos, realidade e ficção. dos portugueses, monarquia,
R.N.M. — A certa altura, o Ihjãc Ficaram chocados, não percebiam ditadura militar, nova democracia:
estava assustado por mexer com o como é que aquelas crianças do transformar o índio em cidadão
universo da feitiçaria, de forma filme estavam vivas porque viram brasileiro, logo, em pobre
lúdica, e achámos que tínhamos de o sangue. brasileiro.
ter uma reunião com um pajé que
todos respeitavam. E ele disse: Lateja no filme a enorme R.N.M. — Essa necessidade é só a
“Não se preocupem.” Tínhamos fragilidade de um mundo, gente face maquilhada do esbulho das
explicado a história e o que ameaçada de todos os lados, por terras. À medida que se
queríamos, mas só entenderam o aquilo a que chamamos "real" e transforma o índio em brasileiro,
que propúnhamos quando por aquilo a que chamamos ele já não precisa de ver os seus
chegaram as primeiras imagens "espíritos". direitos indígenas cumpridos. Mas
do laboratório. Quando pedíamos o índio não se reconhece como
para eles repetirem um gesto, J.S. — Nunca tínhamos explicitado brasileiro. Nem como índio. Vê-se
uma acção, eles não percebiam isso dessa forma, mas a resposta como membro da sua etnia – e no
porquê. Quando viram a é: totalmente. Os povos indígenas Brasil há 280.

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CHUVA Essa sensação de fragilidade, de R.N.M. — Todos os rituais dos apontada a uma presença que se
É CANTORIA
NA ALDEIA ameaça, é táctil, como na krahô são encenação. Parece quer capturar, porque é preciso
DOS MORTOS sequência do reflexo de Ihjãc na aleatório quando vemos pessoas a tempo para que aconteça e para
água. chorar. Mas é um rito digerir o que aconteceu.
JOÃO supercoreografado. Há milhões de Conseguimos desapegar-nos da
SALAVIZA
J.S. — Há uma palavra: mecarõ. É festas com personagens, pessoas parafernália de uma rodagem
RENÉE
NADER o duplo. A imagem na água, a que adquirem papéis. comum. Há um filósofo krahô que
MESSORA sombra, o espírito... diz que o branco perdeu a
J.S. — Começámos a perceber paciência do mundo. Sabíamos que
R.N.M. — ... a fotografia, o cinema, que o gesto de filmar passou a ser tínhamos de fazer um filme com a
o reflexo no espelho... Isso tudo é um ritual. O nosso ritual era paciência do mundo.
uma imagem, isso é mecarõ. colocar a câmara no tripé, esperar
Quando vêem um filme, eles dizem pela luz e pedir que repetissem Mas a experiência não é
que viram um mecarõ, tal como se coisas quando elas não estavam replicável. Ou é?
se referissem a um espírito. bem.
J.S. — Vão ser precisos ajustes.
J.S. — Como são animistas, o De que é que fugiram? Que outra Acabámos a rodagem à beira da
mundo dos animais, das pessoas, vida é esta? exaustão. Houve problemas de
dos espíritos são universos saúde. Foi duro andar duas horas
paralelos dispostos R.N.M.— Esta relação tão próxima pelo mato com aquele calor, os
horizontalmente. A divisão entre que tivemos com a vida, estarmos nossos corpinhos branquinhos não
os mundos físico e metafísico não ali com uma câmara e não haver estão preparados. Não sei se
existe, é uma multiplicidade de ninguém a dizer-nos nada... Tudo vamos continuar a querer filmar
existências no mesmo patamar. tem a ver com o tempo. Numa com cobras a aparecer. Uma das
rodagem normal, tudo é feito para cenas mais bonitas é aquela, no
Interpretar uma personagem, cumprir um plano. O que tira o fim, em que estão todos a cantar
repetir gestos, é o quê? prazer de estar com uma câmara numa casa, a câmara a andar da

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CHUVA esquerda para a direita. Na noite J.S. — ... com o facto de estarmos Isso é quase studio system,
É CANTORIA
NA ALDEIA em que ia acontecer essa festa, inebriados. Houve cenas filmadas Hollywood...
DOS MORTOS que esperávamos há meses, contra tudo o que fazia sentido. E
adoeci, 40 graus de febre. A todas as mais pensadas ficaram R.N.M. — [risos] E tivemos efeitos
JOÃO cantoria ia começar, a Renée foi fora do filme. Ainda pensámos especiais krahô, fumaças e tudo.
SALAVIZA
ter comigo a dizer que não ia dar. afirmar mais a nossa presença,
RENÉE
NADER Disse-lhe, “vai filmar”. “Ok, não com câmara à mão, sujar o filme.
MESSORA morras aqui”. Fiquei a ouvir Filmámos várias coisas assim, mas
cantorias ao longe, estava já em não resultou justo. Há a sensação
delírio, só me lembro que horas de trabalhar com as limitações no
depois a Renée voltou, não sabia o máximo e perceber a essência: pôr
que tinha feito, tinha andado com a câmara no tripé, esquecer a
a câmara para a direita e para a câmara, ir buscar a malta que vai
esquerda, não sabia se fazia entrar na cena e que está a três
sentido algum, porque estava quilómetros dali, pedir a quem vai
sozinha. Quando vimos as imagens, trazer as tochas com fogo que não
é o momento mais incrível. se esqueça delas, pedir ao
tradutor que, enquanto coloca e
Não há sequência em que se sinta aponta o microfone, nos ajude a
o trabalho formal abandonado ou explicar o que queremos – cenas
ultrapassado pelas em que a câmara é uma câmara
circunstâncias. espírito, porque não há ninguém a
operar, eu estou com um reflector
R.N.M. — Isso tem a ver com a para a luz do sol, a Renée a fazer
nossa conexão com tudo aquilo... vento para o fogo aumentar, a
câmara a filmar...

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CHUVA CRÍTICAS O filme da paulista Renée O filme da fuga
É CANTORIA
NA ALDEIA Nader Messora e do impossível do jovem índio
DOS MORTOS O filme tem a beleza lisboeta João Salaviza Ihjãc, é o filme da fuga
de um sonho. não é produto; é gesto, impossível de João
JOÃO Clarisse Fabre é rito… um dos gestos/ Salaviza. Fugiu do
SALAVIZA
Le Monde ritos mais potentes de Cinema, encontrou
RENÉE
NADER Cannes em 2018. (…) o cinema. E nós
MESSORA ......... “Chuva é Cantoria Na encontrámos um dos
Um admirável, (…) Aldeia dos Mortos” é um mais bonitos filmes
fascinante retrato ficcional ensaio sobre a de Cannes.
do povo Krahô permanência… seja da Vasco Câmara
e da sua luta para Tradição… seja do desejo Público
preservar tradições. de rebelião.
Jay Weissberg Rodrigo Fonseca .........
Variety O Estado de São Paulo Chuva é Cantoria na
Aldeia dos Mortos é uma
......... ......... lufada de ar fresco no
A “vontade de cinema” e o Nader Messora e (...) festival, um filme calmo,
canto do mundo aliam-se ou João Salaviza, atento e empático.
opõem-se, caminhando lado conseguiram entrar nos Daniel Kasman
a lado. (…) Agarra, é real, e ritos e costumes do povo Mubi
sincero. (…) É um filme feito Krahô para contar uma
para eles – Ihjãc, Kôtô e os história que se encaixa
outros – e para nós – se muito bem na definição
quisermos – e nestas duas de coming of age.
direcções é límpido. Diego Lerer
Luc Chessel Micropsia
Libération

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CHUVA PRÉMIOS
É CANTORIA
NA ALDEIA
DOS MORTOS · Special Jury Prize – · Best Director –
Un Certain Regard Feature Fiction
JOÃO Cannes International · Best Cinematography
SALAVIZA
Film Festival Festival do Rio
RENÉE
NADER
MESSORA · Best Film · Best Film
· Best Cinematography Minsk International
Lima Film Festival Film Festival –
Listapad
· Best Latin American First
Feature Film · Indie Award
La Orquidea Film Festival Panorama
Internacional
· Special Jury Award Coisa de Cinema
(Ex Aequo)
Mar del Plata · Special Jury Mention
International Film FIDOCS –
Festival Festival Internacional
de Documentales
de Santiago

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CHUVA SELECÇÕES EM FESTIVAIS
É CANTORIA
NA ALDEIA
DOS MORTOS · Cannes Int. Film Festival · Athens Film Festival
· Mar del Plata Int. Film Festival · Istambul Film Festival
JOÃO · Rio de Janeiro Int. Film Festival · Cork Film Festival
SALAVIZA
· Lima Film Festival · Zagreb Dox
RENÉE
NADER · London BFI Film Festival · IFF Panama Int. Film Festival
MESSORA · Munich Int. Film Festival · Belgrade Auteur Film Festival
· Viennale Int. Film Festival · Spirit of Fire Film Festival Russia
· Torino Film Festival · Festival Márgenes
· Lincoln Center NY Neighboring Scenes · Forumdoc Belo Horizonte
· Vancouver Int. Film Festival · Cine Esquema Novo
· Ficunam Festival Int. Cine · Festival de Cine Global Dominicano
· New Horizons Int. Film Festival · Praga Febiofest
· São Paulo Int. Film Festival · IBAFF Murcia Int. Film Festival
· Göteborg Film Festival · Festival Int. Pachamama Cinema
· Gijón Int. Film Festival de Fronteira
· Marrakech Int. Film Festival · Festival Int. Pontevedra Novos Cinemas
· Havana Film Festival · Joburg Film Festival
· La Orquidea Film Festival · WOW Wales One World Film Festival
· Santa Barbara Int. Film Festival · Semana de Cine Portugués Buenos Aires
· Minsk Int. Film Festival Listapad · Frames Festival Estocolmo
· Panorama Internacional Coisa de Cinema · Watson Institute Spring Film Series
· Fidocs Int. Documentary Festival · Sin Fronteres Film Festival Albuquerque
Santiago Chile
· Film Fest Gent

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CHUVA BIOGRAFIAS
É CANTORIA
NA ALDEIA
DOS MORTOS JOÃO SALAVIZA

JOÃO Lisboa, 1984. Formado pela Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC)
SALAVIZA
em Portugal, e pela Universidad del Cine – Buenos Aires. A sua primeira
RENÉE
NADER longa-metragem, MONTANHA, estreou no Venice Film Festival. Critic’s
MESSORA Week 2015. Criada no seguimento da trilogia de curtas-metragens:
RAFA (Berlinale Golden Bear 2012), ARENA (Palme d’Or at the Festival
de Cannes 2009) e CERRO NEGRO.
Nos últimos anos voltou à Berlinale com a curta ALTAS CIDADES DE
OSSADAS e RUSSA. CHUVA É CANTORIA NA ALDEIA DOS MORTOS,
co-realizado com Renée Nader Messora, é a sua segunda
longa-metragem.

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CHUVA BIOGRAFIAS
É CANTORIA
NA ALDEIA
DOS MORTOS RENÉE NADER MESSORA

JOÃO Nasceu em S. Paulo em 1979. É formada em Cinematografia na


SALAVIZA
Universidad del Cine – Buenos Aires. Trabalhou durante quinze anos
RENÉE
NADER como assistente de realização no Brasil, Argentina e Portugal. Em 2009,
MESSORA Renée Nader Messora conheceu o povo indígena de Krahô. Desde então
trabalha com a comunidade, participando na mobilização de um
colectivo local de cineastas Krahô. O trabalho deste colectivo foca-se no
uso do cinema como ferramenta para auto-determinação e
fortalecimento da identidade cultural. CHUVA É CANTORIA NA ALDEIA
DOS MORTOS é a sua primeira longa-metragem.

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CHUVA DISTRIBUIÇÃO:
É CANTORIA
NA ALDEIA
DOS MORTOS Desforra Apache
Doclisboa
JOÃO
SALAVIZA

RENÉE
NADER CONTACTO:
MESSORA
Débora Pereira

comunicacao@doclisboa.org

+351 969165978

www.doclisboa.org

Rua da Rosa, 277 2º andar


1200–385 Lisbon, Portugal

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