Você está na página 1de 3

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Cinerama - ECO
Milton Lopes dos Santos Junior
DRE: 111214891

Jairo Ferreira: O “vampiro da cinemateca” em pessoa

Vindo de um momento já bem tardio em relação ao ápice das produções


do Cinema Marginal, O vampiro da Cinemateca (1977), de Jairo Ferreira, é um
filme imprescindível ao falar do cinema da época. Diretor oriundo da Boca do
Lixo, de onde saíram também Sganzerla, Bressane, Carlos Reichenbach, entre
outros, Jairo parte da mesma proposta de seus companheiros da produção de
um cinema anti-industrial, alegórico, barato, de câmera na mão e que, baseado
numa estética do lixo, busca causar um estranhamento no público.

O filme foi produzido entre os anos de 1975 e 1977 e utiliza diversas


filmagens realizadas por Jairo quase como um cine-diário, assumindo um
formato que, entre todas as imagens escolhidas pelo diretor para constituir o
filme, rompe-se totalmente com a narrativa clássica do cinema. Em relação ao
título do filme, o “vampiro da cinemateca” que é citado, é ninguém menos do
que o próprio diretor. Na medida em que, assim como um vampiro drena o
sangue de suas vitimas, Jairo filmou a exibição de diversos filmes de dentro do
cinema e utilizou essas imagens em recortes presentes nesse filme, quase
como quem recorta imagens de uma revista para fazer colagens. Este filme é,
basicamente, um filme de montagem, de colagens do material que Jairo
produziu ao longo desses dois anos.

O filme incorpora diversos elementos ao trabalhar a questão das


condições para a produção de cinema no Brasil. Dentro da estética marginal do
máximo aproveitamento do material gravado, por diversas vezes Jairo
incorpora ao filme sons com um erro de gravação no filme e há um momento
ele chega a usar desse erro no som para realizar uma crítica à fabricante de
filmes (Kodak) pela redução da banda sonora deles para limitar o numero de
gravações, o que acabou por gerar a falha em questão.
Entre as citações cinematográficas, há uma forte presença de algumas
das grandes influencias do Cinema Marginal, como Orson Welles e José Mojica
Marins (O Zé do Caixão). Há também diversas citações à literatura, tanto em
momentos em que o próprio Jairo faz leituras, como num momento em que
chama e da a voz ao poeta Orlando Parolini, recitando seu poema A perdição.
Na música, vemos Mixturação de Walter Franco, artista tropicalista.

Ao chegar nesse ponto, adentramos então em algumas das principais


referências com as quais o cinema marginal trabalha: a poesia e a música
tropicalista. Em relação à música tropicalista, então, entramos até mesmo em
outro ponto, que é o da relação do Cinema Marginal com uma retomada do
manifesto antropofágico de Oswald de Andrade. Nessa retomada do
antropofagismo cultural, na música tropicalista e no Cinema Marginal, o
principal ideal é a incorporação de elementos vindos de fora do Brasil para
reforçar nossa cultura nacional.

Na condição de “vampiro da cinemateca” na qual Jairo se coloca, há


também a alusão à ação de um vampiro que suga o sangue de suas vítimas na
maneira como Jairo trabalha incorporando partes de outros filmes, músicas
tropicalistas e gravações de filmes estrangeiros e nacionais. No caso, não é
simplesmente um antropofagismo, mas um autofagismo na medida em que não
se está trabalhando a incorporação de elementos vindos do outro, mas
elementos vindos diretamente de dentro do Brasil. Essa relação é similar à que
se cria em Orgia ou o homem que deu cria (1970) quando Trevisan retrata os
índios antropofágicos comendo o bebê que nasceu do cangaceiro e representa
a atual geração brasileira.

Vale lembrar que Jairo não fez esse tipo de recortes exclusivamente no
cinema. Em seu livro, Cinema de Invenção (1986), Jairo também utiliza
livremente de recortes extraídos de críticas cinematográficas e artigos
produzidos por outros cineastas, o que inclusive fez com que ele ouvisse
reclamações por, assim como em seu filme, utilizar esses recortes sem citar a
fonte. Levando em conta que há no próprio filme um momento onde Jairo diz
que é preciso “inventar novos signos” sua proposta, apesar da polêmica gerada
em seu livro, é bem clara: apropriação e ressignificação de elementos já
existentes. Essa proposta é algo que já vinha do Cinema Marginal, mas Jairo a
eleva ao extremo, uma vez que constrói todo seu filme O vampiro da
cinemateca em cima dessa proposta. O resultado é uma obra prima de um dos
grandes nomes do cinema Brasileiro que não pode deixar de ser lembrado.

Você também pode gostar