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Quando Rio, 40o foi lançado em 1955, a maioria dos críticos fez do neo-
dos anos 1950, a Atlântida tinha filmado também obras de fundo social, as quais,
à falta de uma definição melhor, foram denominadas pré-neo-realistas (Maria
Rita Galvão e Carlos Roberto de Souza) – pré em relação a um neo-realismo
brasileiro, que surgiria com o cinema independente. Revistas hoje, algumas
dessas produções não parecem corresponder à etiqueta que lhes foi aposta:
Amei um bicheiro (1952-53), de Jorge Ileli e Paulo Wanderley, por exemplo, evoca
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produção peninsular. Vale a pena lembrar que mesmo Caiçara (1950), de Adolfo
Celi – primeira realização da Vera Cruz, que deveria representar a afirmação de
Sica ecoa, ainda, na amizade entre os dois meninos, que resistirá a tudo, mesmo
quando, na fase adulta, eles trilharão caminhos diferentes. Outra produção
a ser destacada é Também somos irmãos (1949), sempre de Burle, pela boa
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Cinema brasileiro: diálogos, diagnósticos, propostas
brasileiro, outros fatores, como o fracasso da Vera Cruz e o debate sobre cinema
independente. Foi no bojo da crise do cinema industrial paulista que começou a
ganhar corpo a proposta do cinema independente: filmes realizados por pequenos
produtores, a baixo custo, em prazos menores e conseqüentemente sem muito
apuro formal, que privilegiavam uma temática social. Para seus defensores, o
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nebbia (1942), embora, pelo que consta, esta obra de Gianni Franciolini nunca
de uma época, de um país, do que pelo fato de filmarem fora dos estúdios ou de
se valerem de atores não profissionais. Ao nosso cinema – como, aliás, ao cinema
latino-americano em geral –, mais do que oferecer modelos estéticos, o neo-
realismo vinha fornecer uma atitude moral, ao mostrar como debruçar-se sobre
a realidade local, principalmente sobre o mundo popular, com um novo olhar. Ao
que foram colocados sob a égide do neo-realismo nem sempre poderiam ser
classificados simplesmente como tais. Agulha no palheiro, por exemplo, dialoga
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da música popular ao enredo. Nessa linha seguirão também Nelson Pereira dos
Santos e Darcy Evangelista, ao apresentarem números musicais em suas obras.
Em relação a Agulha no palheiro, no entanto, Dona Xepa dará um passo atrás
na representação das camadas populares e de seu relacionamento com a alta
otimista, e foi esse o caminho seguido por Roberto Santos, embora sem aquele
tom consolatório e reacionário que muitas dessas produções italianas tiveram. Na
venda da bicicleta – objeto que, sem dúvida, remete a Ladri di biciclette (Ladrões
de bicicleta, 1948), de Vittorio De Sica – a fim de juntar o dinheiro necessário
Mesmo no caso de Rio, 40o e Rio, zona norte, a equação Nelson Pereira
dos Santos/neo-realismo não é tão simples. É verdade que na primeira obra é
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à Quinta da Boa Vista. O filme brasileiro, também, como Una domenica d’agosto,
abre com uma tomada aérea (à beira-mar) sobre a qual surgem os créditos iniciais;
a narração é introduzida por um bando de jovens torcedores de futebol; a ação se
passa num único domingo; focaliza as várias camadas da sociedade.
foi entendida por alguns críticos, que apontavam no filme a falta de concatenação
– sem perceber que em Rio, 40o há um ponto de vista único, como em Ladri
di biciclette, em que a linearidade narrativa está assegurada, mesmo quando
parece dispersar-se em histórias ou personagens laterais –, embora apreciassem
Nelson Pereira dos Santos); a alternância de planos entre a pessoa que corre
(Pina/Jorge) e o veículo que procura alcançar (caminhão/bonde); a personagem
enquadrada a partir do meio de transporte; a morte que interrompe a corrida; o
corpo caído de costas no asfalto.
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Rocco e i suoi fratelli (Rocco e seus irmãos, 1960), na contraposição entre o triunfo
Nadia, constituíndo um dos pontos altos do filme. Esse rápido confronto entre o
permite salientar como, no fundo, o que está em questão é o realismo tout court,
uma vez que Rocco e i suoi fratelli já não pertence à esfera do neo-realismo.
documentário argentino Tire dié (1960), de Fernando Birri. A longa tomada aérea
inicial é mais devedora do olhar de Nelson Pereira dos Santos do que daquele de
“bonito” e produtivo de Santa Fé, para depois ser focada a várzea em que está
Ironia que arrefece, quando, como em Rio, 40o, as crianças introduzem a câmera
de Santa Fé, na primeira metade dos anos 1950) e que está totalmente ausente
parte de sua vida em nosso País, também vai utilizar tomadas aéreas para
levar o espectador até uma favela carioca, seguindo uma pipa empinada por um
numa clara referência à obra de De Sica. Aqui também, como em Rio, 40o, o neo-
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realismo parece ter deixado sua marca numa narrativa crua, mas não desprovida
de momentos de poesia.
que perambulam pelas ruas da cidade, muito próxima daquela dos engraxates
de Sciuscià ou dos pivetes napolitanos do segundo episódio de Paisà (Paisá,
(1948), de Leopoldo Torres Ríos, pode ser outro exemplo a ser destacado entre
as obras com os quais Rio, 40o – assim como Maior que o ódio, em parte –
parece ter afinidades, por ser protagonizado por crianças que almejam uma bola
de couro; por focalizar o mundo do futebol; por ter, como cenário, rincões à
margem de uma grande cidade (Buenos Aires/Rio de Janeiro).
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