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Fernão Ramos – Os novos rumos do cinema brasileiro (1955-1970) MÓDULO 6

Para o cinema brasileiro a década de 1960 foi um momento privilegiado.301


Ao examinar 18 filmes realizados pela Vera Cruz, mais da metade foram
elaborados em torno de temas folclóricos, ou pelo menos com intenção de expressar
aspectos típicos e populares da realidade brasileira. Complementamos que essas
realidades eram tipicamente litorâneas do Rio de Janeiro e citadinas em São Paulo. 302
O Cinema Novo seria um grupo que se constituiu em oposição ao esquema
industrial de produção de cinematográfica de São Paulo na década de 1950. 302
A concepção de cinema popular ainda não estava delineada como alternativa à
produção industrial, por isso, Ramos também afirma que eram temas caros para a
esquerda.
São nítidas em determinadas teses preocupações que, adquirindo fortes
tonalidades marxistas, se aproximam de concepções caras à geração que
surgiria em 1959-1960 (RAMOS, 1987, p. 302-303).
No I Congresso Paulista de Cinema Brasileiro de 1952, em um texto Nelson
Pereira dos Santos O Problema do Cinema Brasileiro, o autor apontava a direção e as
transformações que esse tipo de discurso iria gerar nos cineastas daquela década. O
texto analisava as dificuldades que o cinema iria enfrentar, principalmente no quadro
econômico e financeiro. 303 De fato isso ocorreu com seu filme Rio 40 Graus – 1955,
com um temática nacional e proximidade com questões da vida cotidiana dos moradores
dos morros carioca. O filme foi produzido pelo sistema de cotas,1 pois, Santos havia
procurado diversos financiadores e não havia conseguido nenhum que tivesse interesse
em patrocinar o filme.

Este tipo de produção permitia certa liberdade narrativa ao autor, pois não
estando vinculados às necessidades de retorno financeiro ou esquemas de produções
industriais, podia provocar o sentimento de compaixão no espectador ao mostrar o povo
da favela e uma oposição ao universo burguês. 305-306

Esta contraposição brusca povo-burguesia, cercada de elementos ficcionais armados


para detonar a compaixão do espectador, vai se repetir de forma marcante em filmes
de toda a primeira fase do Cinema Novo, e constitui, a nosso ver, a forma
característica com que a representação do popular se dispõe na narrativa em forma
de ficção (RAMOS, 1987, p. 306).

1
O sistema de cotas empregado por Nelson Pereira dos Santos era muito usado no cinema italiano e, por
orientação de um advogado, conseguiu juntar 76 cotistas, sendo 59 amigos que constituíram uma
sociedade com direito de participação proporcional ao da renda empregada no filme (RAMOS, 1987, p.
305).
O filme Rio 40 Graus2 – 1955, de Nelson Pereira dos Santos pode ser visto
como um precursor do Cinema Novo, pois provocava certo deslumbramento e fascínio
aos jovens diretores ao mostrar uma narrativa não-linear e apresentar imagens reais, mas
ainda desconhecidas na tela. O filme que havia sido proibido pela censura no início, foi
finalmente liberado em 1956, entretanto, a sua exibição não correspondeu às
expectativas na bilheteria. Segundo Ramos (1987, p. 307) muitos espectadores se
decepcionaram ao ver um filme sobre o povo pobre do Rio de Janeiro e, eles esperavam
mais ousadia do diretor com cenas de teores mais sexuais.

Depois de Rio 40 Graus – 1955 Nelson Pereira dos Santos fez outro filme Rio
Zona Norte – 1957. Esse segundo filme deveria fazer parte de uma trilogia que acabou
não acontecendo porque o terceiro filme Rio Zona Sul, sequer foi filmado. 307 Rio
Zona Norte – 1957 além de ser muito criticado pela imprensa, foi um fracasso de
bilheteria, entretanto Nelson, já em 1970, havia dito que os críticos não tinham
compreendido o filme, pois esta esperava imagens neorrealistas e o filme não tinha esse
propósito, já que era uma interpretação mais psicológica.308

Em 1961 Jean-Claude Bernardet ao escrever um artigo considera que a semana


da Homenagem ao Cinema Brasileiro na bienal daquele ano, teve para o cinema
brasileiro a mesma importância da Semana de Arte Moderna de 1922, tornando o
Cinema Novo uma realidade cada vez mais palpável. 323

Dentre os filmes mais conturbados naquela época, está Barravento - 1961 com
direção de Glauber Rocha. O filme já teve problemas desde o início, pois seu primeiro
diretor e roteirista foi Luís Paulino dos Santos, entretanto Luís não conseguia fazer o
filme deslanchar. A produção chegou a cogitar outros diretores para continuação como
Roberto Santo ou Roberto Farias, mas optaram para que Glauber continuasse o filme
como diretor. O filme narra a história de Firmino, que volta de Salvador para sua terra
natal, uma aldeia de pescadores. Ao chegar Firmino encontra seus antigos amigos na
mesma atividade pesqueira, sendo explorados pelo dono da rede de pesca o qual devem
entregar o peixe em consignação. O filme trata ainda da questão mística onde os
pescadores deveriam louvar Iemanjá para obter a sua proteção. Tenta destoar as crenças
locais e evidenciar através de seu personagem citadino, a alienação a que são

2
Rio 40 Graus já havia sido liberado pela censura para maiores de 10 anos, mas em setembro de 1955 o
chefe do Departamento de Segurança Pública no Rio de Janeiro resolveu suspender a liberação. Não
encontrando argumentos para a justificativa, dizia que o filme denegria a imagem do Rio de Janeiro, pois
lá nunca fazia 40 graus centígrados (RAMOS, 1987, p. 307).
submetidos. Para Ramos, essa crítica popular apresentada em Barravento,
principalmente como fator de alienação aponta:

O filme em sintonia com o ambiente ideológico do início da década de 1960.


A representação do universo do popular reflete a emergência de toda uma
ideologia em torno das classes "populares", que irá permear o cinema
brasileiro principalmente em 1960-1962, mas que terá seus reflexos até o
golpe militar de 1964 (RAMOS,1987, p. 329)
A preocupação de que o Cinema Novo viesse a ser instrumentalizado em
função das novas políticas que estavam surgindo era patente em Glauber Rocha. Este
diretor conforme Ramos (1987, p. 334, 335), conseguia perceber as linhas divisórias
dentro desse movimento elencando vários diretores que o compunha. De um lado estava
Anselmo Duarte3, Carlos Coimbra, Rubem Biáfora, Lima Barreto e Roberto Farias,
todos preocupados com um cinema espetáculo que pudesse gerar renda e ganhar
prêmios; de outro estavam Ruy Guerra, Miguel Torres, Alex Viany, Paulo Cesar
Saraceni, Nelson Pereira dos Santos e o grupo do filme Cinco Vezes Favela, composto
por Marcos Farias, Miguel Borges, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Leon
Hirszman e o próprio Glauber Rocha, diretores preocupados com um cinema que
exprimia a transformação da sociedade, porém recusando um cinema de efeito fácil
através do cinema experimental.4

Divergências a parte, quando o objetivo era lutar pela defesa do cinema com
mais liberdade, todo o grupo se unia em prol dessa defesa. O filme Os Cafajestes –
1962, de Ruy Guerra foi um dos filmes polêmicos, pois foi o primeiro a mostrar um nu
frontal no cinema brasileiro. O filme conta a história de dois cafajestes do Rio de
Janeiro que convidam moças para tirarem fotos em uma praia deserta e, após revelarem
as imagens, passam a chantagear amantes e parentes dessas mulheres. Esse filme,
conforme salienta Ramos (1987, p. 339), mostra o universo burguês, carregado de um
amoralismo observado por diversos segmentos da sociedade, inclusive o da censura,
provocando diversas interdições.

3
Anselmo Duarte era oriundo das chanchadas da Vera Cruz, mas seu filme O Pagador de Promessas -
1962 apresentava uma temática próxima do Cinema Novo, mostrando um universo de brasilidade com
questões de opressão, sofrimento popular e principalmente fé religiosa, pois o personagem principal – Zé
do Burro, procura cumprir numa Igreja uma promessa feita em terreno de umbanda (RAMOS,1987, p.
341).
4
Cinema de efeito fácil era para Glauber era a expressão contemplativa da miséria nacional transformada
em fonte de renda pelos produtores a serviço de uma ideologia de entorpecimento (In: RAMOS,1987, p.
335).
Esse filme abalava os alicerces da família brasileira ao mostrar a burguesia
depravada, tema de interesse dos diretores do Cinema Novo. Quando liberado alcançou
recordes de bilheteria, mas pouco tempo depois foi cassado, então forma-se uma
comissão5 de 21 membros de diretores e atores do Cinema Novo, apoiados pela
Associação Brasileira de Imprensa - ABI para solicitar junto ao Tribunal de Justiça a
anulação do embargo. A comissão foi eficiente, tendo conseguido a liberação, porém
com proibição para menos de 21 anos.

Glauber Rocha em um texto no jornal informativo O Metropolitano, da UNE


informava que os filmes Cinco Vezes Favela, Os Cafajestes, O Pagador de Promessas,
Três Cabras de Lampião, O Assalto ao Trem Pagador e Barravento, faziam parte de
um movimento no cinema brasileiro em um quadro renovação e reabilitação de
veteranos no cinema como Anselmo Duarte, Aurélio Teixeira e Roberto Farias, que por
vezes deslizam para a chanchada, mas estavam dispostos a manter um nível sério de
produções (In: RAMOS, 1987, p. 346). Nota que Rocha chama de veteranos no cinema
os diretores acima citados com idades entre 42, 36 e 30 anos respectivamente.6

O cinema marginal era caracterizado pelo abandono da ética e isso o


distanciava daquilo que o Cinema Novo pregava....como representação da verdade

5
Dentro desta comissão estava Paulo Cesar Saraceni, Glauber Rocha, Ruy Guerra, Norma Bengell, Ely
Azeredo, Roberto Farias, Miguel Borges, Walter Lima Jr., David Neves, Sérgio Augusto, Paulo e
Perdigão (RAMOS,1987, p. 339).
6
Em outro texto, Rocha escreveu um manifesto Uma Estética da Fome – 1965, apresentado no
Congresso sobre o Cinema do Terceiro Mundo em Gênova na Itália. Neste, ele procurava o combate a um
paternalismo das produções estrangeiras que cultivavam o sabor da miséria, fixando imagens folclóricas
da miséria sem preocupação com a verdade (In: 1987 p. 352, 353).

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