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Universidade Federal Do Oeste Da Bahia

Centro das Humanidades


Oficina de Leitura e Produção Textual
Docente: Profª. Luziane Amaral de Jesus
Discente: Beatriz Alves e Victória Almeida

Sexo biológico, transfobia e lei do feminicído: pontos que perpassam os


direitos da mulher transgênero

Trans, um sinônimo de resiliência

No Brasil, acredita-se que muitas das ações de cunho preconceituoso para


com a comunidade LGBTQIA+ estão resguardadas sob a justificativa de o sexo
biológico determinar por completo a sexualidade humana e, portanto, estando fora
dos padrões da heteronormatividade, cis gênero e de uma expressão de gênero
condizente com o que é tido de menino, e o que é tido como de menina, seria
errado. Nascendo aqui, neste país, a dicotomia entre o normal (dentro do padrão) e
o anormal (fora desse padrão), isso em termos vulgares e incorretos, mas que
amplamente utilizados para pessoas que divergem das expectativas que lhe são
impostas quanto seu sexo biológico. Sendo assim, essa ideia errônea é de cunho
cultural e está tão entranhada em nossa sociedade que por vezes agentes
governamentais deixam de abarcar essa minoria devido a esse preconceito, que se
perpetua tão amplamente.
Atualmente, tem-se informações suficientes para sabermos que a sexualidade
humana não é determinada somente pelo sexo biológico, segundo o Mestre em
Ciências do Cuidado em Saúde e Especialista em Atenção Psicossocial, Rafael
Polakiewicz, ela seria composta basicamente por quatro elementos. Dentre eles, de
fato, encontra-se o sexo bilógico, mas também a orientação sexual, a identidade de
gênero e a expressão de gênero. Sendo, desse modo, o sexo biológico nada mais
que um conjunto de informações cromossomiais. Segundo a ciência, o sexo vai se
basear na identificação genotípica, nos órgãos sexuais do nascimento, na
capacidade de reprodução e nas principais características físicas e fisiológicas que
diferenciam o masculino do feminino, ou o macho da fêmea.
Para falarmos em identidade e expressão de gênero é necessário primeiro
explicar o conceito de gênero, de acordo com Polakiewicz, ele diz respeito a uma
construção social e relaciona-se com a expressão cultural, de modo a traçar uma
realidade social de existência que produz um paradigma de comportamento e
expressão. Atualmente, compreendemos que não necessariamente a sua condição
anatômica de nascimento será fator único e primordial para definir o gênero.
Portanto, gênero não diz respeito a um sexo biológico, mas sim a uma
autopercepção – ligada à identidade de gênero – e a forma como o indivíduo se
expressa socialmente – ligada à expressão de gênero.
Nesse sentido, a expressão de gênero é a forma com que a pessoa
manifesta socialmente sua identidade de gênero e se relaciona com sua
identificação nominal, suas roupas, seu cabelo, a forma de usar a voz, a forma de
expressão do corpo. E, portanto, pode não corresponder ao sexo biológico.
A expressão de gênero não necessariamente indica o gênero, a orientação ou
a identidade. A maioria das pessoas descrevem suas expressões de gênero como
masculina ou feminina. No entanto, temos outras formas de expressão de gênero,
como a andrógina, não binária, fluida. Não obstante, a identidade de gênero é
considerada a percepção que a pessoa possui de si em relação ao gênero feminino,
masculino ou ambos, ou até nenhum dos dois. Então, independe do sexo biológico.
Ou seja, a compreensão da pessoa sobre ela mesma, como ela se vê e deseja ser
reconhecida pode ou não concordar com o sexo que lhe foi atribuído no nascimento.
No caso dos homens e das mulheres transexuais, ocorre um processo de não
identificação com a atribuição dada ao nascer.
A transexualidade é vista no Brasil como um tabu dentro das casas, e outros
espaços de convivência pouco abordam sobre o tema. Por essa razão, este grupo
será o enfoque do presente artigo.
As pessoas transexuais sofrem com a estranheza, o preconceito alheio e a
falta de informação da sociedade. Devido a isso, elas são marginalizadas, tendo
seus direitos básicos como seres humanos suprimidos. Mas, quando a estranheza e
não aceitação ao diferente rompe os limites da intolerância, o resultado vem em
formato de violência gratuita direcionada à existência do outro, configurando assim o
fenômeno da transfobia.
Transfobia é a somatória de práticas preconceituosas, intolerantes e dotadas
de qualquer tipo violência; é uma forma de aversão a pessoa transgênero. No Brasil,
embora a transfobia seja criminalizada, vê-se que ataques violentos são constantes
a população transgênero, em especial às mulheres trans, onde os índices desse tipo
de crime tem crescido exponencialmente a cada ano, configurando-se em crimes
violentos e dotados de extrema crueldade, sejam no ambiente físico quanto no
virtual. Nesse sentido, a população transgênero, em especial as mulheres trans,
tornam-se a parcela mais vulnerável a esse tipo de crime e são agredidas,
principalmente, em seus rostos e genitais.
Para entender como a transfobia está ligada a crimes de ódio como
assassinatos cruéis e atos de misoginia, precisamos entender que há questões
estruturais e motivadoras que sustentam as práticas descriminalizatórias
relacionadas à vivência/sobrevivência das mulheres transgênero em nossa
sociedade.
Nesse viés, acreditamos que a ideia de “heterocisnormatividade”, cultura que
julga como correto e aceito apenas relacionamentos heteroafetivos. A adesão a este
tipo de concepção exclui completamente as demais pessoas que exprimem
sexualidades diferentes em suas particularidades, sendo assim, essa cultura é um
dos principais combustíveis para a explosão de casos violentos de transfobia no
país.
De acordo com dados apresentados pelas instituições LGBTQIA+, de
resguardo aos direitos das pessoas transgênero, o Brasil é um dos países com
maiores registros de casos de violência contra essa parcela da população, em 2020
175 pessoas transsexuais foram assassinadas no país,segundo relatório anual da
Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), o que equivaleria
a uma morte a cada 2 dias, sendo estes crimes dotados de crueldade sendo as
vítimas todas mulheres e dotadas de um perfil socioeconômico predefinido, muitas
em situação de extrema pobreza e ligadas a prostituição, por vezes, o agressor era
cliente da própria vítima. Esses dados apontam a necessidade de implementação de
políticas públicas que visem a proteção e o combate deste tipo de crime em que
essa minoria vem sendo alvo.
Dentro dessa perspectiva, levanta-se o debate a acerca das leis protetivas à
segurança feminina no Brasil, como a inserção da Lei Maria da Penha para os casos
de violência doméstica e a aditiva da Lei do Feminicídio, criada em 2015 pela
presidenta Dilma Roussef, que acresce valor criminalístico e tipificativo ao crime de
homicídio qualificado, quando praticado contra uma mulher por sua condição de
existência, ou seja, por ser mulher. E, dentro dessas classificações, ficam os
estigmas biológicos e sociais que levantam os seguintes questionamentos, se essas
são leis para mulheres cabem a essas leis protegerem as mulheres transexuais?
É preambular compreender o que significa ser mulher para a legislação. A
terminologia “mulher” não está unicamente ligada ao sexo biológico, mas a um
sentido mais abrangente, inerente a uma questão cultural de autopercepção e
manifestação, ou seja, leva em conta o gênero feminino. A jurista brasileira Ela
Wiecko Volkmer de Castilho afirma que “[...] a condição de sexo feminino é uma
construção social tal como o papel atribuído às mulheres na sociedade e que
constitui o chamado gênero feminino”. Nesse sentido, sim a lei deveria proteger as
mulheres trans, mas nem sempre é isso que acontece, pois, a inclusão dessas
mulheres pelas leis nº 11.340/06 (Maria da Penha) e 13.104/2015 (aditiva da Lei do
Feminicídio) não está de fato positivado, no sentido de estar contido no texto
normativo. Em relação à lei nº 11.340/06, aplicada a mulheres transexuais e
transgênero, existe o projeto de lei 8.032/2014, porém ele já foi arquivado duas
vezes e atualmente não foi aprovado. Deste modo, fica a cargo do jurista considerar
se a vítima em questão seria abarcada por essas leis. Segundo a jurista e
desembargadora Maria Berenice Dias,

‘‘Assim é que a Lei nº 11.340/06 não visa apenas a proteção à mulher,


mas sim à mulher que sofre violência de gênero, e é como gênero
feminino que a IMPETRANTE se apresenta social e psicologicamente.
Tem-se que a expressão “mulher”, contida na lei em apreço, refere-se
tanto ao sexo feminino quanto ao gênero feminino. O primeiro diz
respeito às características biológicas do ser humano, dentre as quais
_________ não se enquadra, enquanto o segundo se refere à
construção social de cada indivíduo, e aqui _________ pode ser
considerada mulher. Ressalte-se, por oportuno, que o
reconhecimento da transexualidade prescinde de intervenção cirúrgica
para alteração de sexo. Os documentos acostados aos autos, como
acima mencionado, deixam claro que a IMPETRANTE pertence ao
gênero feminino, ainda que não submetida a cirurgia neste sentido.’’
Para a desembargadora mulheres trans são de fato abarcadas pelas lei Maria
da Penha e pela qualificadora do feminicídio, por tratar-se de uma violência de
gênero. Portanto mulher para lei, refere-se ao gênero feminino e não a um sexo
biológico.
No caso em questão, a mulher trans foi abarcada pela lei, porém por mais que
a(o) jurista admita que a vítima é de fato uma mulher e, ao sofrer uma violência de
gênero caberia a aplicação de tais leis, por vezes, são pedidos requisitos legais e
provas “materiais” para o reconhecimento dessas mulheres, como a alteração do
nome civil e a cirurgia para redesignação de sexo ter sido realizada. Análoga ao
posicionamento da desembargadora, está a decisão do Ministério Público do
Paraná, no caso em que a delegacia da mulher se recusou a atender mulheres
trans. Logo, o sexo biológico e a descriminação possuem peso para serem negados
os direitos dessa minoria. Não compactuamos com essa posição e acreditamos que
a justiça deve ser igualitária e acessível para todos, independentemente de um
pedaço de papel como comprovação. Entendemos que essas pessoas já são
privadas de diversos outros direitos básicos, sendo este reconhecimento legal uma
conquista, onde deve ela ser respeitada em todos os níveis de jurisdição nacional. É
preciso acrescentar que estamos falando de vidas perdidas e que essas pessoas, ao
menos, merecem ter sua memória respeitada tal como seus direitos assegurados,
mesmo no fim de sua trágica vida.

Referências:

POLAKIEWICZ, Rafael. Orientação sexual, identidade e expressão de gênero:


conhecendo para cuidar da população LGBTI+- https://pebmed.com.br/o-sexo-
biologico-a-orientacao-sexual-iden tidade-de-genero-expressao-de-genero-
conhecendo-para-cuidar-da-populacao-lgbti/

Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos


Humanos - Procedimento Administrativo nº MPPR- 0046.16.034637-8.

CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Sobre o Feminicídio. Boletim do Instituto Brasileiro


de Ciências Criminais, ano 23,. n.270,. maio/2015. Direito Penal em Debate. p. 5.
São Paulo: IBCCRIM, 2015

MÔNICA, Hospital Santa. O que é transfobia e como combatê-la? Entenda!


https://hospitalsantamonica.com.br/transfobia/

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO – PROMOTORIA DE


JUSTIÇA DO III TRIBUNAL DE JÚRI DA CAPITAL. Denúncia de feminicídio
cometido contra mulher transexual. - IP 0001798-78.2016.8.26.0052 (CI 355/16)
https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/denunciafeminicidiotransexual.pdf
LEI MARIA DA PENHA. Lei nº 11.340 (planalto.gov.br)
Lei do Feminicídio (13.104/2015)
FEGHALI, Jandira .Amplia a proteção de que trata a Lei 11.340, de 7 de agosto de
2006 - Lei Maria da Penha - às pessoas transexuais e transgêneros. PL 8032/2014
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=623761

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