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Cultrix
J. Krishnamurti
Sobre a Natureza
e o
Me
M eio A m b ie
iennte
Tradução
ZILDA HUTCHINSON SCHILD SILVA
EDITORA CULTRIX
SÃO PAULO
J. Krishnamurti
Sobre a Natureza
e o
Me
M eio A m b ie
iennte
Tradução
ZILDA HUTCHINSON SCHILD SILVA
EDITORA CULTRIX
SÃO PAULO
Se vocês perderem contato com a natureza, perderão o contato
com a humanidade. Se não houver relacionamento com a natu
reza
reza,, vocês se tornarão assassinos;
assassinos; entã
então,
o, matarão filhote
filh otess de
foca
fo ca,, baleias, golfinh
golf inhosos e homens, quer
qu er pelo
pe lo lucro,
lucro, quer
qu er p o r "es
"e s
port
po rtee ”, par
p ara
a obte
ob terr alimento,
alimento , ou par
p ara
a ampli
am pliar
ar seus conhec
con hecimimen
en
tos.
tos. Então, a natureza fic fi c a com medo de vocês,
vocês, e perd
pe rdee a beleza
beleza..
Vocês podem dar longas caminhadas nos bosques, ou acampar
em lugares
lugar es adoráveis,
adoráveis, mas são matadores
m atadores e,e, portanto,
portanto, perderam
a amizade da natureza. Provavelmente não se relacionam com
coisa nenhuma, nem com suas esposas nem com seus maridos.
Prefácio................................................................................... 9
Poona, 17 de Outubro de 1948 ........................................... 11
Nova Delhi, 14 de Novembro de 1948 ............................... 15
De Das Trevas para a L u z .................................................. 23
Do Diário de Krishnamurti, 6 de Abril de 1975 ............... 25
Nova Delhi, 28 de Novembro de 1948 ............................... 29
Varanasi, 22 de Novembro de 1964 ................................... 31
Varanasi, 28 de Novembro de 1964 ................................... 35
De Comentários Sobre o Viver, Segunda Série ................. 45
De A Primeira e Última Liberdade, Capítulo 3 ................ 49
De A Liberdade do Conhecido, Capítulo 11 ..................... 51
De Cartas às Escolas Volume 2, l2 de Novembro
de 1983 ............................................................................. 59
De Cartas às Escolas Volume 2, 15 de Novembro
de 1983 ............................................................................. 63
De Palestras na Europa 1968, Paris, 25 de Abril
de 1968 ............................................................................. 65
De Palestras na Europa 1968, Amsterdã, 22 de Maio
de 1968 ............................................................................. 69
De Krishnamurti para Si Mesmo, 26 de Abril
de 1983 ............................................................................. 77
Brockwood Park, 10 de Setembro de 1970 ....................... 83
Saanen, 13 de Julho de 1975................................................ 87
7
De Krishnamurti para Si Mesmo, 25 de Fevereiro
de 1983 ............................................................................ 89
Brockwood Park, 4 de Setembro de 1980 ......................... 93
Madras, 6 de Janeiro de 1981 ............................................. 97
Saanen, 29 de Julho de 1981 ............................................... 103
De Das Trevas para a L u z .................................................. 107
De Krishnamurti para Si Mesmo, 6 de Maio de 1983. . . . 109
Madras, 27 de Dezembro de 1981 ..................................... 113
Bombaim, 24 de Janeiro de 1982 ....................................... 119
Ojai, Ie de Maio de 1982...................................................... 121
Madras, 26 de Dezembro de 1982 ..................................... 125
Ojai, 22 de Maio de 1983 ................................... ................ 127
Brockwood Park, 4 de Setembro de 1983 ........ : .............. 131
Ojai, 24 de Maio de 1984 .................................................... 133
Do Diário de Krishnamurti, 4 de Abril de 1975 .............. 137
Rajghat, 12 de Novembro de 1984 ..................................... 139
Madras, 29 de Dezembro de 1979 ..................................... 143
Do Diário de Krishnamurti, 24 de Outubro de 1961........ 147
K
Prefácio
9
apontava sempre para a urgente necessidade de se manter o es
pírito aberto e para o “amplo espaço da mente em que há inima
ginável energia”. Esse parece ter sido o manancial de sua cria
tividade e a chave para o poder catalítico que exercia sobre uma
tão grande variedade de pessoas.
Fez palestras, sem cessar, por todos os cantos do mundo até
sua morte, ocorrida em 1986, aos noventa anos de idade. Suas
conferências e diálogos, diários e cartas foram reunidos em mais
de sessenta livros e em centenas de gravações. Desse vasto corpo
de ensinamentos compilou-se esta série de livros-tema. Cada li
vro focaliza um assunto que possui particular relevância e ur
gência em nossa vida diária.
10
Poona, 17 de Outubro de 1948
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árvore sem nos projetarmos, sem usá-la para a nossa própria
conveniência. Tratamos a terra e os seus produtos da mesma
maneira. Não há amor pela terra, há apenas o uso da terra. Se
de fato amássemos a terra, economizaríamos os produtos que ela
nos dá. Ou seja, se quiséssemos entender o nosso relacionamento
com a terra, teríamos de ter muito cuidado com o modo de usar
mos os seus produtos. A compreensão do nosso relacionamento
com a natureza é tão difícil de compreender quanto o nosso re
lacionamento com os vizinhos, a esposa e os filhos. Mas não
ligamos para isso. Nunca nos sentamos para olhar as estrelas, a
lua ou as árvores. Estamos ocupados demais com as atividades
sociais ou políticas. Obviamente, essas atividades são meios de
fuga de nós mesmos; venerar a natureza também é um meio de
fuga. Estamos sempre usando a natureza quer como uma fuga,
quer para fins utilitários — nunca nos detemos de verdade e
amamos a terra ou as coisas que ela nos dá. Não apreciamos os
campos férteis, embora os usemos para nos alimentar e vestir.
Não gostamos de cultivar a terra com nossas mãos. Temos ver
gonha de fazer trabalhos manuais. Afinal, esse trabalho só é feito
pelas castas inferiores. Nós, as classes superiores, aparentemente
somos demasiado importantes para usar as próprias mãos: por
tanto, perdemos o nosso relacionamento com a natureza:
Se tivéssemos entendido esse relacionamento, a sua real im
portância, não dividiríamos a propriedade em sua ou minha; em
bora tivéssemos um lote de terra e construíssemos uma casa, esta
não seria “minha” nem “sua” no sentido da exclusividade —
seria mais um modo de buscar abrigo. Pelo fato de não amarmos
a terra e os seus produtos mas simplesmente os usarmos, somos
insensíveis à beleza de uma queda d’água, perdemos o contato
com a vida: não nos recostamos no tronco de uma árvore. Já que
não amamos a natureza, não sabemos amar os seres humanos e
os animais. Vão até as ruas e observem como os bois são mal
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tratados, como a cauda dos bois perdem a forma. Vocês balançam
a cabeça e dizem: “Mas como isso é triste.” Contudo, perdemos
a ternura, a sensibilidade que reage às coisas belas, e é apenas
na renovação dessa sensibilidade que podemos entender o que é
um verdadeiro relacionamento. Essa sensibilidade não surge com
o mero fato de pendurarmos alguns quadros na parede, nem de
pintarmos uma árvore, nem de colocarmos flores no cabelo; a
sensibilidade só morre quando se deixa de lado essa visão utili
tária. Isso não significa que vocês não possam usar a terra; porém,
vocês devem usá-la como ela deve ser usada. A terra existe para
ser amada, protegida, não para ser dividida como se fosse sua
ou minha. É tolice plantar uma árvore numa área cercada e dizer
que é “minha” . Só quando estamos livres da exclusividade é que
existe a possibilidade de sermos sensíveis, não só à natureza,
mas também aos seres humanos e aos incessantes desafios da
vida.
Nova Delhi, 14 de Novembro de 1948
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esses guias e os assim chamados gurus espirituais invariavelmen
te nos levam a maior confusão, a mais miséria. Visto que os
escolhemos a partir da nossa própria confusão, quando seguimos
um líder estamos unicamente seguindo a nossa própria e confusa
projeção de nós mesmos. Assim sendo, essa ação, embora possa
produzir um resultado imediato, invariavelmente leva a outro de
sastre.
Portanto, vimos que a ação da massa — embora seja valiosa
em certos casos — está destinada a levar ao desastre, à confusão,
e a acarretar irresponsabilidade da parte do indivíduo, e vimos
que seguir um líder significa também aumentar a confusão. No
entanto, temos de viver. Viver é agir; viver é relacionar-se. Não
há ação sem relacionamento, e não podemos viver isolados. Não
existe o isolamento. A vida é agir e relacionar-se. Portanto, para
entender a ação que não crie mais infelicidade, mais confusão,
temos de entender a nós mesmos, com todas as nossas contradi
ções, nossos traços contraditórios, nossas muitas facetas que es
tão constantemente em luta umas contra as outras. Enquanto não
entendermos a nós mesmos, a ação deverá inevitavelmente levar
a mais conflito, a mais infelicidade.
Assim sendo, nosso problema é agir com entendimento, e
esse entedimento só vem com o autoconhecimento. Afinal, o
mundo é uma projeção de mim mesmo. O mundo é o que eu
sou. O mundo não é diferente de mim, o mundo não está contra
mim. O mundo e eu não somos entidades separadas. A sociedade
sou eu; não há dois processos diferentes. O mundo é uma exten
são de mim mesmo, e, para entender o mundo, tenho de entender
a mim mesmò. O indivíduo não está em oposição à massa, à
sociedade, porque a sociedade é o indivíduo. Sociedade é rela
cionamento entre vocês, eu e o outro. Só há oposição entre in
divíduo e sociedade quando o indivíduo se toma irresponsável.
Portanto, temos um problema a considerar. Há uma crise extraor
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dinária que atinge todos os países, pessoas e grupos. Qual o re
lacionamento que há entre nós, vocês e eu, e essa crise, e como
devemos agir? Por onde devemos começar para provocar uma
transformação? Como eu disse, se considerarmos a massa não
há saída, visto que a massa implica um líder, e a massa sempre
é explorada pelos políticos, pelo sacerdote e pelos espertos. E
uma vez que vocês e eu fazemos parte da massa, temos de as
sumir a responsabilidade pela nossa ação, ou seja, temos de en
tender a nossa própria natureza, temos de entender a nós mesmos.
Entender a nós mesmos não significa nos isolarmos do mundo,
porque isolar-se do mundo significa afastar-se e não podemos
viver afastados. Assim sendo, temos de entender a ação no re
lacionamento, e esse entendimento depende da percepção da nos
sa natureza conflitiva e contraditória. Acho que é uma tolice
conceber um estado em que haja paz e para o qual possamos
olhar. Só pode haver paz e tranqüilidade quando entendemos a
nossa natureza e não quando pressupomos um estado que não
conhecemos. Pode haver um estado de paz, mas a simples espe
culação sobre esse estado é inútil.
Para agir corretamente, deve haver pensamento correto; para
pensar corretamente, deve haver autoconhecimento, e o autoco-
nhecimento só pode existir por meio do relacionamento, não do
isolamento. O pensamento correto só ocorre quando entendemos
a nós mesmos, e desse conhecimento surge a ação correta. A
ação correta é a que surge do entendimento de nós mesmos, não
de uma parte de nós mesmos, mas de todos os aspectos de nós
mesmos, da nossa natureza contraditória, de tudo o que somos.
A medida que entendemos a nós mesmos, há ação correta, e
dessa ação surge a felicidade. Além do mais, queremos felicida
de. Felicidade é o que a maioria de nós está procurando por meio
de várias formas, por meio de várias fugas — fugas através da
atividade social, do mundo burocrático, da diversão, do culto e
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da repetição de frases, do sexo, e de inumeráveis outras fugas.
Vemos que essas fugas não trazem felicidade duradoura; elas
apenas dão um alívio temporário; fundamentalmente, não há
nada verdadeiro nelas, nenhum deleite duradouro. Penso que só
encontraremos esse prazer, esse êxtase, a verdadeira alegria de
sermos criativos, quando entendermos a nós mesmos. Não é fácil
entender a nós mesmos; esse entendimento requer certa vivaci
dade, certa percepção. Essa vivacidade, essa percepção só podem
surgir quando não nos condenamos, não nos justificamos; por
que, no momento em que há uma condenação ou uma justifica
ção, o processo de entendimento se encerra. Quando condenamos
alguém, deixamos de entender essa pessoa, e quando nos iden
tificamos com ela, novamente deixamos de entendê-la. Dá-se o
mesmo conosco. É difícil observar, ficar passivamente conscien
te de quem vocês são; mas dessa consciência advém um enten
dimento, uma transformação do que existe, e só nessa transfor
mação é que se abrem as portas para a realidade.
Então, nosso problema é a ação, o entendimento e a felici
dade. Não há base para o verdadeiro raciocínio a não ser que
conheçamos a nós mesmos. Sem o autoconhecimento não tenho
base para o pensamento — apenas posso viver num estado de
contradição, como faz a maioria de nós. Para provocar uma trans
formação no mundo, que é o mundo do relacionamento, tenho
de começar por mim mesmo. Vocês podem argumentar que “pro
vocar uma transformação do mundo desse modo exigirá um tem
po infinitamente longo”. Se estivermos buscando resultados ime
diatos, naturalmente acharemos que a demora será muito grande.
Os resultados imediatos são prometidos pelos políticos; mas re
ceio que para o homem que está em busca da verdade não há
resultados imediatos. E a verdade que transforma, não a ação
imediata; só quando cada um descobrir a verdade haverá felici
dade e paz no mundo. O nosso problema é viver no mundo sem
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pertencer a ele, e trata-se de um problema de uma busca das
mais sérias, porque não podemos nos recolher, não podemos re
nunciar, porém temos de ter a consciência de nós mesmos. Com
preender a si mesmo é o começo da sabedoria. Ter consciência
de nós mesmos é entender o nosso relacionamento com as coisas,
pessoas e idéias. Enquanto não compreendermos a importância
e o significado do nosso relacionamento com as coisas, pessoas
e idéias, a ação que implica o relacionamento inevitavelmente
provocará conflitos e lutas. Assim, um homem verdadeiramente
sério tem de começar por si mesmo; ele tem de ficar passivamente
consciente de todos os seus pensamentos, sentimentos e ações. No
vamente, não se trata de uma questão de tempo. Não há fim para
o autoconhecimento. Este só existe de momento para momento e,
portanto, há uma felicidade criativa a cada novo momento.
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puja, repetição de palavras, esperanças vagas não realizadas e
frustradas, a leitura de certos livros, a busca de gurus, idas oca
sionais ao templo e assim por diante? Por certo é isso o que a
religião é para a maior parte do nosso povo. Mas isso será reli
gião? Será a religião um costume, um hábito, uma tradição? Na
turalmente, a religião é algo que transcende tudo isso, não é
verdade? A religião implica a busca da realidade, o que nada
tem a ver com crença organizada, templos, dogmas ou rituais,
e, no entanto, nossos pensamentos, a verdadeira estrutura do nos
so ser está enredada, está presa a crenças, superstições, etc. Ob
viamente, o homem moderno não é religioso; portanto, sua so
ciedade não é sadia, equilibrada. Podemos seguir determinada
doutrina, adorar certas imagens ou criar uma nova religião esta
tal, porém é óbvio que todas essas coisas não são religião. Eu
disse que religião é a busca da realidade, mas essa realidade é
desconhecida; não se trata da realidade contida nos livros, não
é a experiência dos outros. Para encontrar essa realidade, para
revelá-la, para convidá-la a fazer parte da nossa vida, temos de
deixar de pensar no conhecido; a importância de todas as tradi
ções e crenças deve ser assimilada, entendida e descartada. Para
tanto, a repetição de rituais não tem sentido.
Portanto, um homem religioso por certo não pertence a ne
nhuma religião, a nenhuma organização; ele não é hinduísta nem
maometano, ele não pertence a nenhuma classe.
Agora, o que é o mundo moderno? O mundo moderno é feito
de técnica e de eficiência em organizações de massa. Há um
avanço extraordinário da tecnologia e uma má distribuição das
necessidades da massa; os meios de produção estão nas mãos de
umas poucas pessoas. Há nações em conflito, sempre repetindo
guerras por questões de soberania governamental, etc. Esse é o
mundo moderno, certo? Há avanço técnico sem avanço psicoló
gico, que é igualmente importante, e, assim, há um estado de
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desequilíbrio; temos extraordinárias conquistas científicas e, ao
mesmo tempo, miséria humana, corações e mentes vazios. Mui-
tas das técnicas que aprendemos têm que ver com construção de
aviões, com matar uns aos outros, e assim por diante. Então, esse
é o mundo moderno, que são vocês mesmos. O mundo não é
diferente de vocês. O seu mundo, que são vocês mesmos, é um
mundo de intelectos cultivados e corações vazios. Se vocês se
analisarem, verão que são o produto da civilização moderna. Vo-
cês sabem fazer uma porção de truques, técnicas e materiais, mas
não são seres humanos criativos. Vocês têm filhos, mas isso não
é ser criativo. Para sermos capazes de criar, temos de ter uma
extraordinária riqueza interior, e essa riqueza interior só pode
existir quando entendemos a verdade, quando somos capazes de
receber a verdade.
A religião organizada e o mundo moderno andam juntos;
ambos cultivam o coração vazio e essa é a parte infeliz da nossa
existência. Somos superficiais, intelectualmente brilhantes, ca-
pazes de grandes invenções e de produzir os mais destrutivos
meios de liquidarmos uns aos outros, e de criarmos cada vez
mais divisão entre nós mesmos. Mas não sabemos o que significa
amar; não temos uma canção em nosso coração.
Tocamos música, ouvimos o rádio, mas não há canções, de
vez que o nosso coração está vazio. Criamos um mundo total-
mente confuso, miserável, mas nossos relacionamentos são frá-
geis e superficiais. Sim, a religião organizada e o mundo moder-
no andam juntos, portanto ambos levam à confusão, a esta con-
fusão da religião organizada e do mundo moderno provém de
nós mesmos. Ela é a projeção de nós mesmos. Portanto, não
pode haver transformação no mundo exterior a menos que haja
uma transformação dentro de cada um de nós; e provocar essa
transformação não é problema do perito, do especialista, do líder
ou do sacerdote. E problema nosso, de cada um de nós. Se dei-
xarmos a solução para os outros, nos tomamos irresponsáveis e,
portanto, nosso coração se tomará vazio. Um coração vazio e
uma mente técnica não constituem um ser humano criativo, e
pelo fato de termos perdido esse estado criativo, criamos um
mundo que é totalmente miserável, confuso, destruído pelas
guerras, agitado por distinções de classe e por diferenças raciais.
E nossa responsabilidade provocar uma transformação radical
dentro de nós mesmos.
De Das Trevas para a Luz
Ouça!
Responda, amigo!
23
Do Diário de Krishnamurti,
6 de Abril de 1975
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se empoleirava nos densos eucaliptos durante o dia. Vocês po
diam vê-la, imóvel, de olhos fechados, redonda e grande. Os
coelhos desapareceram e o jardim floriu e o Pacífico azul fluía
sem esforço.
Só o homem traz desordem ao universo. Ele é impiedoso e
extremamente violento. Onde ele está, traz infelicidade e confu
são para si mesmo e para o mundo ao redor. Ele provoca o des
perdício e destrói, e não tem compaixão. Não há ordem nele e,
assim, o que ele toca se toma sujo e caótico. Sua política tor-
nou-se um gangsterismo primoroso de poder, de fraude, pessoal
ou nacional, de grupo contra grupo. Sua economia é restrita e,
assim, não é universal. Sua sociedade é imoral, quer na liberdade,
quer sob tirania. Ele não é religioso, embora acredite, adore e
pratique intermináveis rituais sem sentido. Por que ele ficou as
sim, tomando-se cruel, irresponsável e tão completamente ego
cêntrico? Por quê? Há centenas de explicações, e aqueles que
explicam isso, sutilmente, com palavras que nasceram do conhe
cimento contido em muitos livros e por meio de experiências
com animais, são apanhados no ninho da tristeza, da ambição,
do orgulho, da angústia humanas. A descrição não é o descrito;
a palavra não é o objeto. Será porque o homem está procurando
causas externas, o ambiente condicionando o homem, na espe
rança de que a mudança exterior transforme o homem interior?
Será porque ele está tão apegado aos seus sentidos, dominado
por suas exigências imediatas? Será porque vive tão completa
mente no movimento do pensamento e do conhecimento? Ou
será porque ele é tão romântico, sentimental, que se tomou de
sumano com seus ideais, pretextos e pretensões? Será porque ele
sempre é dominado, um seguidor, ou porque se toma um líder,
um gum?
Essa divisão em exterior e interior é o começo de seu conflito
e infelicidade, ele é apanhado nessa contradição, nessa tradição
etema. Preso nessa divisão sem sentido, ele está perdido e se
toma um escravo dos outros. O exterior e o interior são a ima-
ginação e a invenção do pensamento; como o pensamento é frag-
mentário, ele provoca desordem e conflito, o que é divisão. O
pensamento não pode criar a ordem, que é uma conseqüência
natural da virtude. A virtude não é uma repetição contínua de
memória, de prática. O conhecimento do pensamento significa
reter o tempo. O pensamento, por sua própria natureza e estru-
tura, não pode abranger todo o fluxo da vida, como um movi-
mento total. O conhecimento do pensamento é um vislumbre
dessa totalidade; ele não pode ter consciência dessa falta de
opção enquanto ficar como o que percebe, como o que está fora
olhando para dentro. O conhecimento do pensamento não tem
lugar na percepção. O pensador é o pensamento; o que percebe
é o que é percebido. Só então há um movimento espontâneo na
nossa vida diária.
27
Nova Delhi, 28 de Novembro de 1948
29
Assim sendo, temos de perguntar se o conflito é essencial e pro-
dutivo.
Estamos analisando o conflito em nós mesmos e com o am-
biente. O ambiente é o que somos em nós mesmos. Vocês e o
ambiente não são dois processos diferentes; vocês são o ambiente
e o ambiente é vocês — e esse é um fato óbvio. Vocês nasceram
num grupo particular de pessoas, quer na índia, na América, na
Rússia ou na Inglaterra; e esse mesmo ambiente com suas in-
fluências de clima, tradição, costumes sociais e religiosos formou
vocês — e são esse ambiente. Para descobrir se há algo mais do
que o mero resultado do ambiente, terão de estar livres do am-
biente, livres do seu conhecimento. Isso é óbvio, não é verdade?
Se analisarem cuidadosamente a si mesmos, verão que por terem
nascido neste país, são climática, social, religiosa e economica-
mente seu produto ou resultado. Ou seja, vocês são condiciona-
dos pelo ambiente. Para descobrir se há algo mais, algo maior
que o simples resultado de uma condição, vocês têm de estar
livres dessa condição. Ser condicionados simplesmente a indagar
se há algo mais, se há algo maior do que o mero produto do
ambiente não tem sentido. Obviamente, temos de estar livres da
condição, do ambiente, e só então podemos descobrir se existe
algo mais. Afirmar que há ou não algo mais, por certo é um
raciocínio falso. Temos de descobrir e, para descobrir, temos de
fazer experiências.
30
Varanasi, 22 de Novembro de 1964
31
a de que temos de trabalhar para obter algo. Não neste caso;
quando estão num estado de comunhão, não há trabalho; tudo
está aí, o perfume está aí, vocês não precisam trabalhar para
senti-lo.
Sendo assim, perguntem a si mesmos, se é que posso pedir-
lhes isto, se estão em comunhão com algo — se estão em co
munhão com uma árvore. Vocês já estiveram em comunhão com
uma árvore? Sabem o que significa observar uma árvore sem ter
nenhum pensamento, nenhuma lembrança interferindo na sua
observação, em seus sentimentos, na sua sensibilidade, no seu
estado nervoso de atenção, de tal forma que só exista a árvore
e não exista nem mesmo vocês observando a árvore? Provavel
mente, nunca fizeram isso; para vocês, uma árvore não tem sig
nificado. A beleza de uma árvore não tem nenhuma importância
porque, para vocês, beleza significa sexualidade. Portanto, vocês
têm de excluir a árvore, a natureza, o rio, as pessoas. E não estão
em contato nem mesmo com vocês mesmos! Estão em contato
com as próprias idéias, as próprias palavras, como seres humanos
em contato com as cinzas. Sabem o que acontece quando estão
em contato com as cinzas? Vocês estão mortos, foram reduzidos
a cinzas.
A primeira coisa de que é preciso tomar consciência, por
tanto, é da necessidade de descobrir a ação total que não criará
confusão em nenhum nível da existência, o que significa estar
em comunhão, em comunhão com vocês mesmos, não com o
seu Eu superior, não com o Atman, com Deus e com tudo isso,
mas estar de fato em contato com vocês mesmos, com a sua
cobiça, com a sua inveja, com a sua brutalidade, com a sua de
cepção, e então movimentar-se a partir daí. Descobrirão, a partir
de si mesmos — descobrirão, não ouvirão contar, o que não teria
sentido — que só existe ação total quando há completo silêncio
mental.
32
Vocês sabem que, no caso da maioria de nós, a mente é
inquieta, ela está constantemente tagarelando consigo mesma,
em solilóquios ou falando sobre algo ou tentando falar consigo
mesma para se convencer de algo; ela está sempre em movimen
to, é ruidosa. E a partir desse ruído, nós agimos. Toda ação nas
cida do ruído cria mais ruído, mais confusão. Mas, se observarem
e aprenderem o que significa comunicar-se, o que significa di
ficuldade de comunicação, de não-verbalização da mente — que
é a que comunica e a que recebe a comunicação —, irão então
em sua ação mover-se naturalmente, livremente, com facilidade,
sem nenhum esforço, para esse estado de comunhão. E nesse
estado de comunhão — se investigarem mais a fundo — desco
brirão que não só estão em comunhão com a natureza, com o
mundo, com tudo ao seu redor, mas também em comunhão com
vocês mesmos.
Estar em comunhão consigo mesmo significa estar em com
pleto silêncio, de tal forma que a mente possa ficar silenciosa
mente em comunhão consigo mesma acerca de tudo. A partir
daí, há ação total. Só a partir do vazio há ação total e criativa.
33
Varanasi, 28 de Novembro de 1964
35
dativamente, um depois do outro — é isso o que fazemos na
nossa vida.
A pessoa pode ser um grande cientista, mas o cientista do
laboratório é diferente do cientista em casa: uma pessoa patriota,
amargurada, zangada, ciumenta, que compete com os outros
cientistas por mais fama, popularidade e dinheiro. Ele não está
nem um pouco preocupado com os problemas humanos; preo
cupa-se com a descoberta de várias formas da matéria e com a
verdade de tudo isso.
Como seres humanos comuns, não como peritos ou especia
listas em algum setor particular de atividade, também estamos
comprometidos com certo padrão de comportamento, com certos
conceitos religiosos ou com o veneno do nacionalismo e, a partir
disso, lutamos para resolver o número sempre crescente dos pro
blemas.
Vocês sabem que as palavras e a leitura são intermináveis.
Palavras sempre podem ser substituídas, e a construção das fra
ses, a beleza da linguagem, a razão ou a irracionalidade do que
está sendo dito persuade ou dissuade vocês. Contudo, ler, acu
mular palavras e ouvir palestras ou discursos não é importante,
mas, antes, resolver o problema — o problema humano, o seu
problema — não gradativamente, não à medida que surge, nem
de acordo com as circunstâncias, pressões e tensões da vida mo
derna, porém, a partir de uma atividade totalmente diferente. Há
problemas humanos de cobiça, de inveja, de espírito mental
obtuso, de corações feridos, da apavorante insensibilidade do ho
mem, da brutalidade, da violência, do desespero profundo e da
ansiedade. Durante os dois milhões de anos que vivemos, tenta
mos resolver esses problemas de acordo com diferentes fórmulas,
sistemas, métodos, gurus, pontos de vista e perguntas. E, no en
tanto, continuamos ainda presos no infindável processo da an
siedade, da confusão e do desespero sem fim.
36
Será que existe um meio de resolver os problemas comple
tamente, de maneira a não tomarem a surgir e, se surgirem, de
maneira a podermos enfrentá-los, a resolvê-los, e eliminá-los
imediatamente? Será que há um modo integral de vida que não
dê origem a problemas? Há algum modo de vida — não o modelo
de um caminho, de um método, de um sistema, mas um modo
integral de viver — que não apresente problemas em momento
algum ou que, se eles se apresentarem, possam ser resolvidos de
imediato? Uma mente que carregue o fardo de um problema se
toma obtusa, pesada, estúpida. Eu não sei se vocês observaram
a própria mente, e se observaram a mente de suas esposas, ma
ridos e vizinhos. Quando a mente tem quaisquer tipos de pro
blemas, esses mesmos problemas — mesmo os de matemática,
não importa quão complexos, penosos, intrigantes, intelectuais
sejam — tomam a mente obtusa. Pela palavra problema entendo
uma questão difícil, um relacionamento difícil, um assunto difícil
que continue sem solução e com o qual se permanece dia após
dia. Então, estamos perguntando se há um modo de viver, se há
um estado mental que, por entender a totalidade da existência,
não tenha problemas, e que, quando surgir um problema, possa
resolvê-lo imediatamente. Pois quando permanecemos com um
problema nem que seja por um dia, por um minuto, ele toma a
mente pesada, obtusa, e a mente não tem sensibilidade para ana
lisar, para observar.
Haverá uma ação total, um estado da mente que resolva todo
problema assim que ele surge, e que, em si mesma, não tem
nenhum problema, em nenhuma profundidade, consciente ou in
consciente? Eu não sei se já fizeram essa pergunta a si mesmos
alguma vez. E provável que não, porque a maioria de nós é tão
triste, tão presa pelos problemas da existência cotidiana — ga
nhando o sustento e atendendo às exigências da sociedade que
psicologicamente gera uma estrutura de ambição, de cobiça, de
37
consumismo — que não temos tempo para questionar. Esta ma-
nhã, vamos investigar esse assunto, e depende de vocês a pro-
fundidade do questionamento, a clareza do mesmo e a intensi-
dade da observação.
Aparentemente, vivemos há dois milhões de anos — uma
idéia assustadora! E, provavelmente, viveremos outros dois mi-
lhões de anos como seres humanos apanhados na eterna dor da
existência. Haverá um modo, algo que livre o homem inteira-
mente disso, de modo que não viva nem por um segundo em
ansiedade? Que não invente uma filosofia que o satisfaça na sua
ansiedade? Que não crie uma fórmula que possa aplicar a todos
os problemas que surgirem, aumentando dessa forma esse pro-
blema? Existe! Há um estado mental que pode resolver imedia-
tamente os problemas e, portanto, a mente, em si mesma, não
tem problemas, conscientes ou inconscientes.
Iremos analisar isso. E embora o orador vá usar palavras e
penetrar tanto quanto possível através da comunicação das pa-
lavras, vocês têm de ouvir e entender. Vocês são seres humanos,
não indivíduos, porque vocês ainda estão no mundo, que é a
massa; vocês fazem parte desta terrível estrutura da sociedade.
Só há individualidade quando há um estado mental em que a
mente não tem problemas, quando ela se separou completamente
da estrutura social do consumismo, da cobiça e da ambição.
Dizemos que há um estado da mente que pode viver sem
nenhum problema ou que pode resolver instantaneamente qual-
quer problema que apareça. Vocês viram como é importante não
carregar um problema consigo, mesmo por um dia ou por um
segundo. Pelo fato de a maioria de vocês terem problemas sem
solução, quanto mais lhe derem espaço para desenvolverem raí-
zes, mais a mente, o coração e a sensibilidade serão destruídos.
Assim, é imperativo que o problema seja resolvido imediata-
mente.
38
É possível, depois de ter vivido durante dois milhões de anos
às voltas com o conflito, com a infelicidade e com a recordação
de muitos dias passados, é possível a mente livrar-se disso de
forma que fique completa, inteira, e não seja destruída? E para
descobrirmos isso, temos de analisar o tempo, porque os proble
mas e o tempo estão intimamente relacionados.
Portanto, iremos analisar o tempo. Ou seja, depois de termos
vivido por dois milhões de anos, será que temos de continuar
vivendo mais dois milhões de anos com tristeza, sofrimento, an
siedade, luta, morte? Será isso inevitável? A sociedade está pro
gredindo, está evoluindo desse modo — evoluindo por meio da
guerra, da pressão, da batalha entre Oriente e Ocidente, das várias
lutas da nacionalidade, do Mercado Comum, dos bloqueios deste
poder e daquele tipo de poder. A sociedade está se movendo, se
movendo, se movendo: lentamente, e, em certo sentido, está
adormecida, mas está se movendo. Pois bem, talvez em dois
milhões de anos, a sociedade se transforme em algum tipo de
estado onde se possa viver com outro ser humano sem compe
tição, mas com amor, com gentileza, com tranquilidade, com um
notável senso de beleza. Mas teremos de esperar dois milhões
de anos para chegar a isso? Não devemos ficar impacientes?
Estou usando a palavra impaciente no sentido correto: ser im
pacientes, não ter paciência com o tempo. Ou seja: não pode
mos resolver tudo, não em termos de tempo, mas imediata
mente?
Pensem nisso. Não digam que é impossível ou que é possível.
O que é o tempo? Há o tempo cronológico, o tempo marcado
pelo relógio — este é óbvio, é necessário; quando vocês tiverem
de construir uma ponte, terão de ter tempo, mas qualquer outra
forma de tempo, isto é, “terá de ser”, “eu farei”, “eu não devo”;
tudo isso é falso; é apenas uma invenção da mente, que diz “eu
farei isto”. Se não houver amanhã — e o amanhã não existe —
então, toda a atitude de vocês será diferente. E, na verdade, não
existe esse tempo — quando vocês estão com fome, quando que
rem fazer sexo ou quando estão repletos de desejo, vocês não
têm tempo, vocês querem isso imediatamente. Assim, entender
o tempo significa solucionar os problemas.
Por favor, analisem a felação íntima entre problema e tempo.
Por exemplo: há a tristeza. Vocês sabem o que é tristeza — não
a tristeza suprema, mas a tristeza de estarem sozinhos, a tristeza
de não conseguirem algo que desejam, a tristeza de não verem
com clareza, a tristeza da frustração, a tristeza de terem perdido
alguém a quem pensam amar e a tristeza de não conseguirem
compreendê-lo. E, além dessa tristeza, há uma tristeza ainda
maior: a do tempo. Porque é o tempo que alimenta a tristeza.
Atentem para isto, por favor. Aceitamos o tempo, que é o pro
cesso gradual da vida, o modo gradativo de evoluir, a mudança
gradativa disto para aquilo, da raiva para um estado gradativo
de não-raiva. Aceitamos o processo gradativo da evolução, e di
zemos que ele faz parte da existência, da vida, que é o plano de
deus, ou o plano dos comunistas, ou outro plano qualquer. Acei
tamos o fato, e não vivemos com isso idealmente, mas de ver
dade.
Ora, para mim, essa é a maior tristeza: permitir que o tempo
dite a mudança, a mutação. Terei de esperar dez mil anos ou
mais, terei de passar por esta miséria, pelo conflito por mais dez
mil anos, e lenta e gradativamente mudar pouco a pouco, esperar
meu tempo, mover-me devagar? Aceitar isso e viver nesse estado
é a maior tristeza.
42
Mas vocês têm de perceber a importância, a imensidão, a urgên
cia de resolverem a questão; não amanhã, não no dia ou na hora
seguintes, mas agora. E, para isto, vocês precisam de energia.
Só para enxergarem imediatamente — o catalisador que toma o
líquido sólido ou que o vaporiza não faz efeito se não lhe derem
tempo, nem que seja um segundo. Toda a nossa existência, todos
os nossos livros, toda a nossa esperança é amanhã, amanhã. Toda
essa aceitação do tempo é a maior tristeza.
Portanto, a questão do que fazer depende de vocês, não do
orador de quem estão esperando uma resposta. Não há resposta.
E nisso está a beleza da questão. Vocês podem sentar-se de per
nas cruzadas, respirar corretamente, ou colocar-se de cabeça para
baixo durante os dez mil anos que estão por vir. A menos que
tenham feito essa pergunta a si mesmos — não superficial, não
oral, não intelectualmente, mas com todo o seu ser — vocês
viverão com ela durante dois milhões de anos. Esses dois milhões
de anos podem ser apenas o amanhã. Portanto, os problemas e
o tempo estão intimamente relacionados — compreendem agora?
Uma mente que exige uma resposta para esta questão não
só tem de entender que ela é o resultado do tempo, mas também
de negar a si mesma para que possa estar fora da estrutura do
tempo, da sociedade. Se vocês ouviram, se realmente ouviram
com vontade de entender, com intensidade, vocês terão chegado
à seguinte conclusão — não só verbal mas efetivamente — de
que não estão mais presos nas garras do tempo. A mente, embora
seja o resultado de dois milhões de anos ou mais, está livre,
porque viu todo o processo e entendeu imediatamente. Podemos
chegar a essa conclusão — que é óbvia. Quando entendemos
isso, passa a ser uma brincadeira de criança. Embora vocês todos
sejam adultos, no momento em que virem isso, dirão: “O que eu
tenho feito com a minha vida!” Então, a mente não tem decepção,
não sofre pressões.
Quando a mente não tem problemas, não tem tensões, não
é condicionada, essa mente tem espaço, um espaço infinito tanto
na mente como no coração; é só nesse espaço infinito que pode
haver criação. Pelo fato de a tristeza, o amor, a morte e a criação
serem substância dessa mente, essa mente está livre da tristeza,
está livre do tempo. E assim, essa mente está num estado de
amor e, quando há amor, há beleza. Nesse sentido de beleza,
nesse sentido de vastidão, de espaço infinito, há criação. E ainda
mais além — “além” não no sentido de tempo — no de uma
sensação de amplo movimento.
Agora, vocês estão todos ouvindo o que digo na esperança
de captarem algo verbalmente, mas não captarão — não mais do
que podem captar o amor ao ouvir alguém falando sobre amor.
Para entender o amor, vocês têm de começar bem perto, ou seja,
dentro de vocês. E então, quando entenderem, quando derem o
primeiro passo — e este mesmo primeiro passo é o último — ,
então poderão ir bem longe, mais longe do que os foguetes que
vão para a lua, para Yênus ou para Marte. O todo destas coisas
é a mente religiosa.
De Comentários Sobre o Viver,
Segunda Série
45
lho, os lucros implícitos e a assustadora violência do mar. Algu
mas baleias pesavam centenas de toneladas. Era proibido matar
fêmeas com filhotes, e só era possível matar certo número de
baleias em determinado período de tempo. Ao que parecia, a
matança desses monstros enormes era feita de um modo bastante
“científico”; cada grupo tinha determinada função a cumprir e
era tecnicamente treinado para desempenhá-la. O cheiro do navio
principal era quase insuportável, mas as pessoas se acostumavam
com ele, assim como nos acostumamos com quase tudo. Além
disso, quando tudo corria bem, havia um lucro considerável. O
homem começou a falar sobre o estranho fascínio da matança,
porém, naquele momento, trouxeram os aperitivos, e o tema da
conversa foi mudado.
Os seres humanos gostam de matar, seja uns aos outros, seja
um inofensivo gamo de olhos claros na floresta, ou um tigre que
atacou o gado. Na estrada, passa-se deliberadamente por cima
de uma serpente; arma-se uma armadilha para pegar um lobo ou
um coiote. Pessoas bem vestidas e risonhas saem com suas po
derosas armas e matam os pássaros que cantam chamando uns
aos outros. Um menino mata um ruidoso gaio azul com sua es
pingarda de ar comprimido e os adultos ao seu redor nunca de
monstram tristeza nem censura; ao contrário, dizem que o garoto
atira bem. Matar pelo assim chamado esporte, para obter alimen
to, pelo país, pela paz — não há muita diferença nesses modos
de matar. A justificativa não é a resposta. Só há uma resposta;
não matar. No Ocidente, pensamos que os animais existem para
saciar nossa fome, ou para o prazer de matar, ou para tirarmos
sua pele. No Oriente, durante séculos, foi ensinado e repetido
pelos pais: não matem, sejam misericordiosos, tenham compai
xão. Aqui, os animais não têm alma, portanto, podem ser mortos
impunemente; lá, os animais têm alma, portanto, pensem nisso
e procurem sentir amor. Aqui, é considerado normal comer ani-
mais e pássaros; trata-se de algo aprovado pela Igreja e pela
propaganda; lá não é, e o homem ponderado, religioso, por tra
dição e cultura, jamais come essa carne. Mas isso também está
sendo rapidamente alterado. Aqui, sempre matamos em nome de
Deus e do país, e agora esse hábito foi adotado em todos os
lugares. A matança está se espalhando; quase que da noite para
o dia as culturas antigas estão sendo postas de lado e a eficiência,
a inquietação e os meios de destmição estão sendo cuidadosa
mente mantidos e fortalecidos.
A paz não depende do político nem do sacerdote, do advo
gado ou do policial. A paz é um estado mental quando há amor.
s
49
Por que motivo a sociedade está se desfazendo, está entrando
em colapso, do modo como está? Um dos principais motivos é
que o indivíduo, você, deixou de ser criativo. Explicarei o que
quero dizer. Vocês e eu nos tornamos imitativos; estamos co
piando, interior e exteriormente. Exteriormente, quando apren
demos uma técnica, quando nos comunicamos uns com os outros
no nível verbal, naturalmente tem de existir certa imitação, uma
cópia. Eu copio as palavras. Para me tomar engenheiro, primeiro
eu tenho de aprender a técnica, em seguida, tenho de usá-la para
construir uma ponte. Tem de haver certo nível de cópia, de imi
tação na técnica exterior, mas, quando há imitação interior, psi
cológica, por certo deixamos de ser criativos. Nossa educação,
nossa estrutura social, nossa assim chamada vida religiosa, estão
todas baseadas na imitação; ou seja, eu me enquadro em certa
fórmula social ou religiosa. Deixei de ser um indivíduo real. Psi
cologicamente, tornei-me uma simples máquina de repetição,
com certas respostas condicionadas, independentemente de se
rem elas dos hindus, dos cristãos, do budista, do alemão ou do
inglês. Nossas respostas são condicionadas de acordo com o pa
drão da sociedade, seja ela oriental ou ocidental, religiosa ou
materialista. Portanto, uma das causas fundamentais da desinte
gração da sociedade é a imitação, e um dos fatores de desinte
gração é o líder, cuja essência é a imitação.
De A Liberdade do Conhecido,
Capítulo 11
51
cegos pelas suas preocupações, vocês não podem ver a beleza
do pôr-do-sol. A maioria de nós perdeu o contato com a natureza.
A civilização está tendendo cada vez mais para a vida em grandes
cidades. Estamos cada vez mais nos tomando um povo urbano,
vivendo em apartamentos apertados e com pouco espaço para
olhar para o céu pela manhã e à tarde; por este motivo, estamos
perdendo o contato com grande quantidade de coisas belas. Não
sei se vocês notaram como são poucos os que observam um
pôr-do-sol, a aurora ou o luar; ou o reflexo da luz sobre a água.
Por termos perdido o contato com a natureza, é claro que
tendemos a desenvolver as capacidades intelectuais. Lemos um
grande número de livros, visitamos vários museus e comparece
mos a vários concertos, assistimos à televisão e participamos de
muitos outros divertimentos. Citamos interminavelmente idéias
de outras pessoas e falamos bastante sobre arte. Por que depen
demos tanto da arte? Trata-se de um meio de fuga, de estímulo?
Se estivessem diretamente em contato com a natureza, se obser
vassem o movimento do vôo dos pássaros, se vissem a beleza
de cada movimento no céu, observassem as sombras das mon
tanhas ou a beleza do rosto dos outros, precisariam ir aos museus
ver um quadro? Talvez seja porque vocês não sabem como olhar
para todas as coisas à sua volta: por isso, recorrem a alguma
droga para estimulá-los a ver melhor.
Há a história de um mestre espiritualista que costumava falar
todas as manhãs a seus discípulos. Certa manhã, ele subiu à pla
taforma e estava para começar a palestra quando um passarinho
surgiu, pousou na janela e começou a cantar; cantou com todo
o coração. Depois, parou e levantou vôo. E o mestre disse: “A
palestra desta manhã terminou.”
Parece-me que uma das maiores dificuldades de vocês é en
xergar por si mesmos, com clareza, não só as coisas exteriores
mas a vida interior. Quando dizemos que vemos uma árvore,
uma flor ou uma pessoa, nós de fato os vemos? Ou apenas vemos
a imagem que a palavra criou? Isto é, quando vocês olham para
uma árvore ou para uma nuvem numa tarde repleta de luz e de
alegria, de fato enxergam isso, não só com os olhos e intelec
tualmente, mas total e completamente?
Vocês já fizeram a experiência de olhar para alguma coisa
concreta como uma árvore sem nenhuma das associações, sem
nenhum conhecimento que adquiriram sobre ela, sem nenhum
preconceito, julgamento, sem nenhuma palavra formando uma
tela entre vocês e a árvore, impedindo-os de vê-la como de fato
é? Tentem fazer isso e atentem para o que de fato acontece quan
do observam a árvore com todo o seu ser, com a totalidade da
energia que lhes é peculiar. Com essa intensidade de observação,
notarão que fião existe nenhum observador, há somente atenção.
Quando vocês ficam desatentos existe observador e observado.
Quando estão olhando para algo com atenção total, não há espaço
para os conceitos, as fórmulas ou as lembranças. É importante
entender, porque vamos analisar algo que requer uma análise
muito cuidadosa.
A mente que observa uma árvore, as estrelas ou as águas
cintilantes de um rio com total abandono de si mesma é a única
que sabe o que é beleza; e, quando estamos enxergando, estamos
num estado de amor. Em geral, conhecemos a beleza por meio
da comparação ou do que o homem construiu, o que significa
que atribuímos a beleza a algum objeto. Vejo o que imagino ser
uma bela construção e essa beleza que aprecio se deve ao meu
conhecimento de arquitetura e à comparação com outras cons
truções que vi. Mas agora pergunto a mim mesmo: “Há beleza
sem objeto?”; quando há um observador que é censor, que ex
perimenta, que pensa, não há beleza, porque a beleza é algo ex
terior, algo que o observador vê e julga. Mas quando não há
observador — e isto requer uma boa dose de meditação, de aná
lise — existe a beleza sem o objeto.
A beleza está no total abandono do observador e do obser
vado, e só pode haver abandono de si mesmo quando há total
austeridade — não a austeridade do sacerdote com suas regras
rígidas e com suas sanções, normas e obediência, não a austeri
dade das roupas, das idéias, da alimentação e do comportamento
— mas a austeridade de ser completamente simples, o que é
humildade total. Então, não há conquista, não há escada a subir;
há apenas o primeiro passo, e o primeiro passo é o passo eterno.
Digamos que vocês estão caminhando sozinhos ou acompa
nhados, e que param de falar. Estão cercados pela natureza e não
há cães uivando, não há ruído de carros passando, nem mesmo
o rufiar das asas de um pássaro.
Vocês estão em completo silêncio e a natureza ao redor tam
bém está totalmente silenciosa. Neste estado de silêncio, tanto
no observador como no observado — quando o observador não
está traduzindo o que vê em pensamentos — nesse silêncio, há
uma qualidade diferente de beleza. Não há natureza nem obser
vador. Há um estado mental total, completo, único; estão sozi
nhos, não em isolamento, mas em tranqüilidade, e essa tranqüi-
lidade é a beleza. Quando vocês amam, há observador? Só existe
observador quando o amor é desejo e prazer. Quando o desejo
e o prazer não estão associados ao amor, esse amor é forte. Como
a beleza, ele é algo totalmente novo todos os dias. E como eu
disse, não há hoje nem amanhã.
Só quando vocês olharem para algo sem nenhuma idéia pre
concebida e sem nenhuma imagem, serão capazes de estar em
contato direto com tudo na vida. E todos os nossos relaciona
mentos são realmente imaginários — ou seja, baseados numa
imagem formada pelo pensamento. Se eu tenho uma imagem de
vocês e se vocês têm uma imagem de mim, é claro que não nos
vemos uns aos outros como de fato somos. O que vemos é a
imagem que temos de cada um dos outros, o que nos impede de
entrar em contato com eles, e por isso nossos relacionamentos
não dão certo.
Quando digo que conheço vocês, quero dizer que conhecia
vocês ontem. Não os conheço agora. Tudo o que conheço é a
imagem que tenho de vocês. Essa imagem é formada pelo que
vocês disseram me elogiando ou insultando; ela é formada pelo
que fizeram por mim; é formada de todas as lembranças que
tenho de vocês. E a imagem que vocês têm de mim foi criada
do mesmo modo; e são unicamente essas imagens que se rela-
cionam, que nos impedem de nos comunicarmos uns com os
outros de verdade.
Duas pessoas que vivem juntas durante muito tempo criam
uma imagem do outro que as impede de realmente se relaciona-
rem. Se entendermos os relacionamentos podemos cooperar, mas
provavelmente a cooperação não pode existir por meio de ima-
gens, de símbolos, de conceitos ideológicos. Só quando enten-
demos o verdadeiro relacionamento entre nós e os outros há pos-
sibilidade de amar; e não há amor quando nos baseamos em
imagens. Portanto, é importante entender, não intelectualmente,
mas efetivamente em sua vida diária, como criaram uma imagem
da esposa, do marido, do vizinho, do filho, do país, dos líderes,
dos políticos, dos deuses — vocês nada têm a não ser imagens.
Essas imagens criam a distância entre vocês e o que obser-
vam; e nessa distância há conflito. Portanto, agora vamos des-
cobrir juntos se é possível nos livrarmos da distância que cria-
mos, não só fora de nós mas também dentro, a distância que
afasta as pessoas em todos os seus relacionamentos.
A própria atenção que vocês dão a um problema é a energia
que soluciona esse mesmo problertia. Quando vocês — como
um todo — lhe dão total atenção, não existe observador. Há
apenas o estado de atenção que é energia total, e essa energia
total é a mais elevada forma de inteligência. Naturalmente, esse
estado mental tem de ser completamente silencioso, e esse silên
cio, essa quietude, surge quando há total atenção, não a tranqui
lidade disciplinada. Esse silêncio total no qual não há observador
nem o objeto observado é a forma mais elevada de uma mente
religiosa. Mas o que acontece nesse estado não pode ser dito
com palavras porque o que é dito com palavras não é o fato.
Para descobrir por vocês mesmos, terão de fazer a experiência.
Todo problema está relacionado com todos os outros proble
mas, de modo que, se conseguirem resolver completamente um
problema — não importa qual — verão que serão capazes de
resolver facilmente todos os outros. Estamos falando, é claro, de
problemas psicológicos. Já vimos que um problema só existe no
tempo, óu seja, quando enfrentamos um assunto de modo incom
pleto. Então, não só temos de ter consciência da natureza do
problema e da sua estrutura e analisá-lo completamente, mas
também enfrentá-lo assim que surgir, resolvendo-o imediatamen
te, para que não deite raízes na mente. Se permitirmos que um
problema perdure por um mês ou por um dia, ou até mesmo por
alguns minutos, ele distorce a mente. Assim, é possível enfrentar
um problema sem nenhuma distorção e nos livrarmos imediata
e completamente dele sem deixar uma lembrança, uma marca na
mente? Estas lembranças são as imagens que levamos conosco,
e elas compõem essa coisa extraordinária chamada vida; portan
to, há contradição e, conseqüentemente, conflito. A vida é muito
real: ela não é uma abstração — e quando você a enfrenta com
imagens há problemas.
Será possível enfrentar todos os assuntos sem esse intervalo
de espaço-tempo, sem essa brecha entre nós e a coisa de que
temos medo? Só é possível quando o observador não tem con
tinuidade, o observador que é o criador da imagem, o observador
que é uma coleção de lembranças e de idéias, que é um punhado
de abstrações.
Quando vocês olham para as estrelas, são vocês que as estão
olhando no céu; o céu está repleto de estrelas brilhantes, o ar é
fresco, e ali estão vocês, os observadores, pessoas que experi-
mentam, os pensadores, vocês com seus corações feridos, como
centro, criando distância. Vocês nunca entenderão a distância
entre vocês e as estrelas, entre vocês e suas esposas, seus mari-
dos, seus amigos, porque nunca olharam para algo sem a ima-
gem; e é por isso que não sabem o que é amor ou beleza. Vocês
falam sobre o amor, escrevem sobre ele, mas nunca o conhece-
ram, exceto talvez em raros momentos de total abandono. En-
quanto existir um centro criando distância à sua volta, não existe
beleza nem amor. Quando não existe centro nem circunferência,
há amor. E quando vocês amam, vocês são a beleza.
Quando vocês olham para um rosto diante do seu, estão ob-
servando a partir de um centro, e este gera a distância entre as
pessoas; é por isso que a nossa vida é tão vazia e árdua. Vocês
não podem cultivar o amor ou a beleza, nem podem inventar a
verdade, mas se estiverem conscientes do que fazem durante todo
o tempo, podem cultivar a consciência. E a partir dessa cons-
ciência começarão a perceber a natureza do prazer, do desejo e
da tristeza, e a total solidão e o tédio do homem; então, come-
çarão a entender essa coisa chamada “distância”.
Saibam que, quando há distância entre vocês e o objeto que
estão observando, não há amor, e, sem amor, por mais que se
esforcem por reformar o mundo ou criar uma nova ordem social,
por mais que falem sobre melhorias, só criarão ansiedade. Por-
tanto, depende de vocês. Não há líder, não há mestre, não há
ninguém que lhes diga o que fazer. Vocês estão sozinhos neste
mundo imenso e cruel.
De Cartas às Escolas Volume 2,
7- de Novembro de 1983
59
precisa ajudar o aluno a descobrir seu relacionamento com o
mundo, não com o mundo da imaginação nem do sentimentalis
mo romântico, mas o verdadeiro mundo em que estão ocorrendo
todos os fatos. E também com o mundo da natureza, com o de
serto, com a floresta, ou com as poucas árvores ao seu redor e
com os animais. Felizmente, os animais não são nacionalistas;
eles só caçam para sobreviver. Se o educador e o aluno perderem
seu vínculo com a natureza, com as árvores, com as ondas do
mar, por certo eles perderão seu vínculo com o homem.
O que é a natureza? Há muito falatório e esforço para pro
teger a natureza, os animais, os pássaros, as baleias e os golfi
nhos; para limpar os rios poluídos, os lagos, os campos verdes
e assim por diante. A natureza não é criada pelo pensamento,
como acontece com a religião, como acontece com a crença. A
natureza é o tigre, esse animal extraordinário, com sua energia,
seu grande senso de poder. A natureza é a árvore solitária no
campo, as campinas e o bosque; é o esquilo que se esconde ti
midamente atrás de um arbusto. A natureza é a formiga e a abelha
e todos os seres vivos sobre a terra. A natureza é o rio, não um
rio determinado, seja o Ganges, o Tâmisa ou o Mississipi. A
natureza são todas essas montanhas cobertas de neve, os vales
azuis-escuros e a cadeia de montanhas que se encontra com o
mar... temos de ter sensibilidade para tudo isso, não devemos
destruir nem matar só por prazer.
63
deve ser a sua carreira. Assim, o cérebro aceita o modo fácil, e
o modo fácil nem sempre é o correto. Pergunto-me se notaram
que ninguém mais gosta do trabalho que faz, exceto talvez alguns
cientistas, artistas, arqueólogos. Mas o homem comum raramente
gosta do que está fazendo. Ele é impelido pela sociedade, pelos
pais ou pela necessidade de ter mais dinheiro. Desse modo, pro
curem aprender observando com muito cuidado o mundo exte
rior, o mundo fora de vocês, e o mundo interior — ou seja, o
seu mundo.
De Palestras na Europa 1968,
Paris, 25 de Abril de 1968
66
cia mística, não-sensorial, mas algo que de fato pode ser reali
zado — viver numa dimensão em que há relacionamento com
todos os seres humanos.
Mas isso só pode acontecer quando entendemos o que é
amor. E para ser, para viver nesse estado, temos de entender o
praz
pr azer
er do pensam
pen samenento
to e de todo o seu mecanismo
meca nismo.. Então, todo
o complicado mecanismo que construímos para nós mesmos à
nossa volta pode ser percebido à primeira vista. Não temos de
passa
pa ssarr por
po r todo esse
ess e processo
proce sso analítico,
analíti co, ponto por
po r ponto. Toda
análise é fragmentária; portanto, não há resposta seguindo por
esse caminho.
Há o grande e complexo problema da existência com todos
os seus medòs, ansiedades, esperanças, felicidade passageira e
prazere
pra zeres,s, mas uma
um a análise
aná lise não irá resolvê-lo.
resol vê-lo. O que o resolver
reso lveráá
será captar tudo rapidamente, como um todo. Vocês sabem que
só entendem algo quando olham — não com o olhar treinado e
demorado, o olhar experiente de um artista, de um cientista ou
do homem que qu e se exercitou na “maneira de olhar” . Vocês o verão
quando olharem para par a ele com toda a atenção; vocês verão o todo
num único relance. E então verão que estão do lado de fora. fora. Fora
do tempo; o tempo parou e, portanto, a tristeza acabou. Um ho
mem que está triste ou com medo não está relacionado. Como
pode
pod e um home ho memm que está
es tá buscan
bus cando
do o poder
pod er ter um relacio
rela ciona
na
mento? Ele pode pod e ter uma família, dormir com a mulher, mas mas não
está relacionado. Um homem que esteja competindo com outro
não tem nenhum
nenh um relacionamento. E toda a nossa estrutura social, social,
com sua imoralidade, está baseada nisso. Estar fundamental e
essencialmente relacionado significa acabar com o eu que au
menta a separação e a tristeza.
67
De Palestras na Europa 1968,
Amsterdã, 22 de Maio de 1968
Q u a n d o observamos
observamos o que está acontec
acontecendo
endo no mundo,
mundo, o caos,
caos,
a confusão e a violência entre os homens, que nenhuma religião
ou ordem social — ou talvez desordem — foi capaz de evitar;
quando observamos as atividades dos políticos, dos economistas,
dos reformadores
reforma dores sociais,
sociais, em todo o mundo,
mundo, vemos que eles acar-
retaram cada vez mais confusão, cada vez mais infelicidade. As
religiões, essas crenças organizadas, certamente não ajudaram
de nenhuma maneira a trazer a ordem, uma felicidade profunda
duradoura ao homem. Mas também nenhuma das utopias, quer
do comunismo, quer daqueles grupos minoritários
minoritários que formaram
comunidades, trouxe uma clareza profunda e duradoura ao ho-
mem. Precisamos de uma grande revolução por todo o mundo;
é necessária uma
um a grande mudança. Não estamos falando
falando de uma
revolução exterior, mas de uma revolução interior no nível psi-
cológico, que obviamente é a única — se é que podemos usar
essa palavra — salvação para o homem. As ideologias trouxeram
a brutalidade, trouxeram várias formas de matança, de guerras;
as ideologias, conquanto nobres, são de fato bastante ignóbeis.
É preciso que haja uma total mudança na estrutura das células
do nosso cérebro, na própria estrutura do pensamento. E para
levar a cabo essa mudança
muda nça profunda e duradoura, essa revoluçã
revoluçãoo
69
ou mudança, precisamos de uma grande dose de energia. Preci
samos de um impulso, de uma intensidade mantida constante
mente, não do interesse casual ou do entusiasmo passageiro que
traz consigo certa qualidade de energia que logo se dissipa... E
essa energia o homem espera obter por meio da resistência, da
constante disciplina, da d a imitação, do conformismo... No entanto,
a resistência, o conformismo, a disciplina, a simples adaptação
a uma idéia não deram
de ram ao homem a energia e a força necessárinecessárias.
as.
Assim, temos de descobrir algo diferente que traga essa energia
necessária.
Na
N a atual estru
est rutu
tura
ra d a sociedade,
socieda de, no nosso relacionam
relaci onamento
ento
entre os homens, quanto mais ma is agimos, menos energia
energi a temos.
temos. Pois
nessa ação háh á contradição, fragmentação e, assim, assim, essa ação pro
voca o conflito e, portanto, desperdício de energia. Temos de
encontrar essa energia, que é revigorante, que é constante, que
não se dissipa. Penso que há uma ação que provoca essa quali
dade vital e necessária para uma profunda revolução radical na
mente. Para a maioria de nós, a ação — isto é, “fazer”, estar em
atividade — acontece de acordo com uma idéia, uma fórmula,
um conceito. Se observarem diariamente suas próprias ativida
des,
des, seu próprio
próprio movimento em ação, verão que formularam uma
idéia ou uma ideologia e agem de acordo com ela. Portanto, há
uma divisão entre a idéia do que devem fazer, ou do que devem
ser, ou de como devem agir e a verdadeira ação; vocês podem
ver isso em vocês mesmos com toda a clareza. Portanto, a ação
é sempre a aproximação da fórmula, do conceito, do ideal. E há
uma divisão, uma separação entre o que deveria ser e o que é,
o que provoca a dualidade, e, portanto, há conflito.
Por favor, não ouçam simplesmente uma série de palavras
— as palavras
pala vras não
nã o têm
tê m sentido por si mesmas,
me smas, as pala
p alavra
vrass nunc
nu ncaa
provoc
pro vocara
aramm nenh
ne nhumumaa transfo
tran sforma
rmação
ção radica
rad icall no homem; vocês
podem
pod em acumu
acu mular
lar palav
p alavras,
ras, transfo
tran sformá
rmá-las
-las numa
nu ma guirlanda,
guirlanda , como
com o
faz a maioria de nós, e viver de palavras, mas elas são cinzas,
elas não trazem a beleza à vida. As palavras não trazem o amor,
e se vocês estiverem apenas ouvindo uma série de palavras ou
de idéias, receio que irão embora de mãos vazias. Mas se ouvi-
rem, não apenas o orador, mas seus próprios pensamentos, se
atentarem para o ritmo de suas vidas, para o que está sendo dito,
não como algo fora de vocês, mas que de fato está ocorrendo
dentro de vocês, verão a realidade — ou a falsidade — do que
está sendo dito. Temos de ver o que é verdadeiro e o que é falso
para nós, não o que é verdadeiro e falso para outra pessoa. E,
para descobrir, vocês terão de ouvir, terão de dar atenção, afeto,
cuidado, o que significa ser muito sérios, e a vida exige que
sejamos sérios, porque só para a mente muito séria há vida —
há fartura de vida. Mas não há fartura de vida para o curioso,
para o intelectual, para o emotivo, nem para o sentimental.
74
cheguei a uma conclusão. Cheguei a este ponto, a esta atitude,
o que significa que a própria idéia de uma atitude é resistência;
portanto, isso em si mesmo é uma violência. Não podemos tomar
uma atitude com relação à violência ou à hostilidade. Isso sig-
nifica que a estaríamos interpretando de acordo com nossa pró-
pria conclusão, com a nossa fantasia, com a nossa imaginação,
com o nosso entendimento. O que perguntamos é o seguinte: é
possível perceber essa hostilidade em nós, esse criar inimizade
em nós mesmos, essa violência, essa brutalidade em nós mesmos,
sem tomar uma atitude para enxergar o fato como ele é? No
momento em que vocês têm uma atitude já estão prejulgando;
tomaram um partido e, portanto, não estão olhando, não estão
entendendo o fato dentro de vocês mesmos.
77
tigre, se isso fosse possível. Ao entardecer, saímos num carro
aberto e o motorista nos levou para dentro da floresta. Natural
mente, não vimos nada. Escurecia rapidamente e os faróis dian
teiros estavam acesos; quando demos a volta, lá estava ele, sen
tado exatamente no meio do caminho à nossa espera. O animal
era muito grande, o desenho do seu pêlo era belíssimo e seus
olhos brilhavam refletindo a luz dos faróis. O animal aproximou-
se urrando do carro, ia passar a uns poucos centímetros da minha
mão estendida para fora; o anfitrião advertiu: “Não toque nele,
isso é muito perigoso; seja rápido porque o tigre é mais ligeiro
do que a sua mão.” Mas podia-se sentir a energia desse grande
animal, sua vitalidade; era como um grande gerador de energia.
Quando passou, sentimos uma grande atração por ele, que desa
pareceu na floresta. [Krishnamurti conta seu encontro com o tigre
com mais detalhes em seu Diário .]
Aparentemente, o amigo vira muitos tigres e, quando jovem,
matara um desses animais; desde então, estava arrependido do
fato terrível. Agora, todas as formas de crueldade estão se espa
lhando pelo mundo. Provavelmente, o homem nunca foi tão cruel
e violento como nos dias de hoje. As igrejas e os padres do
mundo pregam sobre a paz na terra; desde a mais elevada hie
rarquia cristã até o padre da aldeia mais pobre dão palestras sobre
como levar uma boa vida sem ferir nem matar. Especialmente
os budistas e hinduístas de outrora diziam: “Não mates a mosca,
não mates ninguém, pois na próxima geração pagarás por isso.”
Essa é uma afirmação bastante rude; no entanto, alguns manti
veram aceso esse espírito, essa intenção de não matar nem ferir
outro ser humano. Mas a matança por meio das guerras continua.
O cão mata instantaneamente a lebre. O homem atira no outro
com suas máquinas mortíferas maravilhosas, ou talvez ele mes
mo leve um tiro. E esses assassinatos têm continuado milênio
após milênio. Alguns matam por esporte, outros por ódio, raiva,
78
ciúme; o assassinato organizado pelas nações com seus belos
armamentos continua. Ficamos imaginando se algum dia o ho
mem poderá viver pacificamente nesta bela terra, sem matar um
ser vivo, sem ser morto ou sem matar outro homem; vivendo
pacificamente com alguma divindade e amor em seu coração.
Nesta parte do mundo a que chamamos Ocidente, os cristãos
talvez tenham matado mais do que quaisquer adeptos de outra
religião. Estão sempre falando sobre a paz na terra. Contudo,
para termos paz, temos de viver pacificamente, e isso parece
impossível. Há argumentos contra e a favor da guerra, afirmando
que o homem sempre foi um assassino e sempre o será; há os
que afirmam que ele pode mudar e não matar mais. Esta é uma
velha história. A matança interminável transformou-se num há
bito, numa fórmula aceita, a despeito de todas as religiões.
Outro dia, estávamos observando uma águia de cauda ver
melha voando alto no céu, circulando sem esforço, sem mover
as asas, voando pelo mero prazer de voar, planando nas correntes
de ar. Outra águia veio fazer-lhe companhia, e ambas ficaram
voando juntas por bastante tempo. Eram criaturas maravilhosas
no céu azul, e feri-las de qualquer modo seria um crime contra
o céu. Naturalmente, o céu não existe; o homem o inventou por
esperança, pois sua vida se transformou num inferno, num con
flito incessante do nascimento até a morte, num vaivém contínuo,
ganhando dinheiro, trabalhando sem parar. Esta vida se transfor
mou num remoinho, num trabalho de luta etema. Imaginamos
se o homem, se um ser humano, alguma vez poderá viver paci
ficamente nesta terra. O conflito tem sido o seu modo de vida
— dentro e fora de si mesmo, na área da psique e na sociedade
que essa psique criou.
E provável que o amor tenha desaparecido totalmente deste
mundo. Amar implica generosidade e carinho, implica não ferir
ninguém, não fazer o outro se sentir culpado, mas significa ser
generoso, amável, e comportar-se de tal maneira que suas pala
vras e pensamentos nasçam da compaixão. É claro que vocês
não podem ser compassivos se pertencerem a religiões organi
zadas — grandes, poderosas, tradicionais, dogmáticas —, que
insistem na fé. Deve haver liberdade para amar. Esse amor não
é o prazer, o desejo, uma lembrança de coisas que ficaram no
passado. O amor não é o oposto do ciúme, do ódio e da raiva.
Tudo isso pode parecer utópico, idealístico, algo a que o
homem pode só aspirar. Mas se acreditarem assim vocês conti
nuarão a matar. O amor é tão real, tão forte quanto a morte. Isso
não tem nada que ver com imaginação nem com sentimento,
nem com romanticismo e, naturalmente, tampouco tem que ver
com poder, posição, prestígio. O amor é tão tranqüilo quanto as
águas do mar e tão forte quanto o oceano; é como as corredeiras
de um rio abundante fluindo incessantemente, sem começo nem
fim. Mas o homem que mata os cachalotes ou as enormes baleias
está preocupado com sua sobrevivência. Ele dirá: “Eu vivo disso,
esse é o meu comércio.” Ele não se preocupa nem um pouco
com o que chamamos de amor. É provável que ame a família
dele — ou pense que a ama — e não está muito preocupado com
o modo como ganha o sustento. Talvez este seja um dos motivos
pelos quais o homem vive uma vida fragmentada; ele nunca pa
rece gostar do que está fazendo — embora talvez algumas poucas
pessoas gostem. Se nos sustentássemos por meio de um trabalho
do qual gostássemos, a situação seria diferente — entenderíamos
a vida como um todo. Nós dividimos a vida em fragmentos: o
mundo dos negócios, o mundo artístico, o mundo científico, o
mundo político e o mundo religioso. Parecemos pensar que todos
os mundos são separados e que devem ser mantidos assim. Dessa
forma, nos tomamos hipócritas, fazendo algo feio, corrupto, no
mundo dos negócios, voltando depois para casa para viver tran-
80
qüilamente com a nossa família; isso alimenta a hipocrisia, um
padrão duplo de vida.
Esta de fato é uma terra maravilhosa. Aquele pássaro pou
sado na árvore mais alta tem estado ali todas as manhãs, tomando
conta do mundo, observando se chega um pássaro maior do que
ele e que possa matá-lo, olhando para as nuvens, para as sombras
errantes e para o grande crescimento desta terra, estes rios, flo
restas e todos os homens trabalhando da manhã até a noite. No
mundo psicológico, se pensássemos nisso, teríamos de ficar tris
tes. Também ficamos cogitando se algum dia o homem mudará
ou apenas mudarão uns poucos, muito poucos. Afinal, qual é o
relacionamento da minoria com a maioria? Ou qual é o relacio
namento da maioria com a minoria? A maioria não se relaciona
com a minoria. Mas a minoria precisa ter um relacionamento.
Sentado naquela rocha, olhando para o vale abaixo com um
lagarto ao seu lado, você não ousa se mover, caso contrário, o
lagarto poderia se perturbar ou ficar com medo. E o lagarto tam
bém está observando. E assim o mundo continua: inventando
deuses, seguindo a hirarquia dos deuses importantes. E toda a
simulação e a vergonha das ilusões provavelmente continuará,
os milhares de problemas tomando-se cada vez mais complexos
e intrincados. Só a inteligência do amor e da compaixão pode
resolver todos o problemas da vida. Essa inteligência é o único
instrumento que nunca fica embotado, inútil.
Brockwood Park,
10 de Setembro de 1970
83
Assim, o observador é o censor, condicionado segundo o seu
ambiente. E ele assumiu a autoridade do analista. E o resto dos
fragmentos também está assumindo a sua autoridade; cada frag
mento tem sua própria autoridade, e assim há luta. Dessa manei
ra, há conflito entre o observador e o observado. Para ficar livre
desse conflito, você tem de descobrir se pode olhar sem os olhos
de censor. Isso significa estar consciente, ter consciência de que
os olhos do censor são o resultado do seu condicionamento. E
podem esses olhos olhar com liberdade, olhar inocente e livre
mente?
84
consciência disso sem opção. E enquanto o observador está cons-
ciente dessas coisas, há distorção. Portanto, você pode olhar, a
mente pode observar sem o censor? Pode ouvir sem nenhuma
interpretação, sem nenhuma comparação, sem julgamento, sem
avaliação — pode ouvir a brisa, o vento, sem nenhuma interfe-
rência do passado?
Saanen, 13 de Julho de 1975
87
da verdade, não o amor do pensamento. Portanto, não há auto
ridade — Platão, Sócrates, Buda. E o cristianismo não se apro
fundou no assunto. Ele brincou com palavras e símbolos, fez do
sofrimento e de todo o resto uma paródia. Portanto, a mente
rejeita tudo isso.
88
De Krishnamurti para Si Mesmo,
25 de Fevereiro de 1983
89
em si mesma. O céu se toma vermelho, amarelo, verde, mas a
árvore fica quieta, oculta, e descansa durante a noite.
Se vocês se relacionarem com co m ela, vocês se relacionarão
relacionarão com
a humanidade. Então, vocês serãoserão responsáveis porp or aquela árvore
árvore
e pelas árvores do mundo. Mas se não se relacionarem com as
coisas vivas desta terra, poderão perder todo vínculo que têm
com a humanidade, com os seres humanos. Nunca olhamos em
profund
prof undida
idade
de pa
para
ra a qua
qualid
lidade
ade da árvore;
árvor e; nun
nunca ca a tocamos
tocam os de
verdade, nunca sentimos sua solidez, seu tronco áspero, nunca
ouvimos o som que faz parte da árvore. Não o som do vento
passando
pass ando po
porr entre
ent re as folhas, não o som da brisabr isa matuti
ma tutina
na que
agita as folhas, mas o seu próprio som, o som do tronco e o som
silencioso
silencioso das raízes. Vocês têm de ser extraordinariamente sen-
síveis para ouvir o som. Este som não é o ruído do mundo, não
é o ruído da tagarelice da mente, não é a vulgaridade das dis-
cussões e dos conflitos humanos, mas o som como parte do uni-
verso.
É estranho que tenhamos tão pouco relacionamento com a
natureza, com os insetos, com o sapo que salta e com a coruja
que se esconde nas montanhas, chamando seu companheiro.
Nunca
Nun ca parece
par ecemos
mos sensíveis
sensívei s às coisas vivas da terra. Se pudermos
puderm os
criar uma profunda e duradoura relação com a natureza, nunca
mataremos animais
anim ais para saciar nosso
nosso apetite,
apetite, nem faremos o mal,
nem dissecaremos um macaco, um cão, uma cobaia para nosso
benefício. Descob
Des cobrire
riremo
moss outros meios papara
ra nos
n os curar
cur ar de nossas
doenças, para curar nosso corpo. Mas a cura da mente é algo
totalmente diverso.
Essa cura acontece gradualmente, se vocês forem um com a
natureza, com aquela laranja na árvore, com a folha de grama
que irrompe através do cimento e com as montanhas cobertas,
escondidas pelas nuvens.
Isso não é imaginação sentimental ou romântica, mas a rea
lidade de um relacionamento com tudo o que vive e se move
sobre a terra. O homem matou milhões de baleias e ainda con
tinua matando-as. E tudo o que tiramos de sua matança pode ser
adquirido por outros meios. Mas, aparentemente, o homem gosta
de matar coisas:
coisas: o gamo em fuga, a maravilhosa gazela
gaze la e o grande
grande
elefante. Gostamos de matar
mat ar uns aos outros. A matança
ma tança de outros
seres humanos nunca parou através da história da vida do homem
nesta terra.
terra. Se pudermos — e devemos fazer isso — , estabelecer
estabelecer
um profundo, permanente e duradouro relacionamento com a
natureza, com as verdadeiras árvores, os arbustos, as flores, a
grama e as nuvens que se movimentam ligeiras, então nunca
mais mataremos nenhum outro ser humano, por nenhuma razão. razão.
Assassinato organizado é guerra.
Brockwood Pa
Park
rk,,
4 de Setembro de 1980
93
matando, não ferindo, não sendo violentos, não sendo naciona-
listas, mas sentindo amor pela humanidade como um todo, talvez
tivéssemos um relacionamento apropriado entre nós e a natureza.
Agora, estamos destruindo a terra, o ar, o mar, as criaturas do
mar porque somos o maior perigo para o mundo, com nossas
bombas atômicas — vocês sabem, todo esse tipo de coisas.
97
repletos de superstição de todos os tipos, sem nenhum sentindo,
apenas uma série de palavras que perderam todo o significado,
tanto no mundo cristão como no mundo Oriental. A repetição de
rituais, vocês sabem que ela continua. Isso não será corrupção?
Por favor, falemos sobre isso.
Acaso os ideais não são uma forma de corrupção? Podemos
ter ideais, digamos, por exemplo, o ideal da não-violência. Quan
do vocês têm ideais de não-violência que tentam pôr em prática,
nesse meio tempo vocês são violentos. Certo? Dessa forma, essa
não é a corrupção de um cérebro que desconsidera a ação para
acabar com a violência? Isto parece muito claro.
Acaso existe corrupção quando não existe nenhum amor,
mas só prazer, com o seu sofrimento? Há excesso de resistência
em todo o mundo contra essa palavra; estando associada ao sexo,
ao prazer, à ansiedade, ao ciúme e ao apego, isso não será cor
rupção? O apego não será em si mesmo uma corrupção? Quando
estamos apegados a um ideal, a uma casa ou a uma pessoa, as
conseqüências são o ciúme, a ansiedade, a possessividade, o do
mínio.
Assim, a questão se resume basicamente na sociedade em
que vivemos, que é essencialmente baseada no relacionamento
com o outro. Se não há amor, apenas exploração mútua, conforto
sexual mútuo e várias espécies de conforto, esse relacionamento
inevitavelmente terá de provocar corrupção. Assim, o que farão
a respeito? Essa é de fato a questão. O que farão, como seres
humanos que vivem neste mundo, que é um mundo maravilhoso?
A beleza da terra, a sensação da qualidade extraordinária de uma
árvore — estamos destruindo a terra, estamos nos destruindo:
portanto, o que vocês farão como seres humanos que vivem aqui?
Cada um de nós terá de tomar cuidado para não se tomar cor
rupto. Criamos a abstração a que chamamos sociedade. Se o nos
so relacionamento, de uns com os outros, for destrutivo — luta,
batalha, dor, desespero constante — criaremos inevitavelmente
um ambiente que representará tudo o que somos. Assim sendo,
o que faremos a respeito, cada um de nós? Será esta corrupção,
este senso de falta de integridade uma abstração? Será uma idéia
ou um fato real que queremos mudar? Depende de vocês.
100
destrutivo. Assim, o indivíduo é você; vocês são como o resto
da humanidade. Não sei se compreendem isto. Psicologicamente,
interiormente, vocês sofrem. Vocês estão ansiosos, são solitários,
competitivos; tentam ser algo, e este é o fator comum por todo
o mundo. Todo ser humano no mundo está fazendo isso; portan-
to, vocês são de fato como o resto da humanidade. Se perceberem
isso, e se provocarem um modo diferente de viver em si mesmos,
estão influenciando a consciência da humanidade como um todo.
Isso se forem de fato sérios e se dedicarem a fundo. Se não
fizerem isto, está certo, vocês decidem.
101
Saanen, 29 de Julho de 1981
103
tável. Podemos tentar nos esquivar dele, podemos tentar dizer
que não é, que sou um indivíduo e assim por diante, mas quando
olhamos para a questão objetivamente, de modo impessoal, des
cobrimos que a nossa consciência, psicologicamente, é como a
consciência de todos os seres humanos. Vocês podem ser altos,
podem ser loiros, ter cabelos castanhos; eu posso ser branco ou
preto, ou cor-de-rosa, ou de qualquer cor — mas, por dentro,
estamos todos passando por um período difícil. Todos temos uma
sensação de solidão desesperada. Vocês podem ter filhos, um
marido, família, mas, quando estão sozinhos, têm a sensação de
que não têm relacionamento com coisa nenhuma. Sentem-se to
talmente isolados. A maioria de nós tem essa sensação. Este é o
solo comum de toda humanidade. E seja lá o que for que aconteça
no campo dessa consciência, nós somos os responsáveis. Isso é,
se eu sou violento, estou adicionando violência a essa consciência
que é comum a todos nós. Se eu não sou violento, não estou
adicionando nada a ela; estou trazendo um fator totalmente novo
a essa consciência. Desse modo, sou profundamente responsável:
ou contribuo para essa violência, para essa confusão, ou, como
reconheço no fundo do meu coração, no meu sangue, nas pro
fundezas do meu ser que eu sou o resto do mundo, que eu sou
a humanidade, que eu sou o mundo, que o mundo não é separado
de mim, então me tomo totalmente responsável. E óbvio! Isto é
racional, objetivo, sensato. A outra hipótese é insanidade — cha
mar a si mesmo um hindu, um budista, um cristão e tudo o mais
— estes são apenas rótulos.
Quando se tem o sentimento de que a realidade, a verdade
de que todo ser humano que vive nesta terra é responsável não
só por si mesmo, mas por tudo o que está acontecendo, como
traduzir isso para a vida diária? Esse sentimento de vocês não é
uma conclusão intelectual, um ideal, etc. Então ele não tem rea
lidade. Mas se a verdade é que estão pisando no chão comum a
104
toda a humanidade, e se se sentem totalmente responsáveis, en
tão, qual é a ação de vocês diante da sociedade, diante do mundo
em que estão de fato vivendo? O mundo, como existe agora, está
cheio de violência. Suponham que eu compreenda que sou to
talmente responsável por ela. Qual é a minha ação? Devo me
juntar a um grupo de terroristas? É claro que não. A competiti
vidade clara entre as nações está destruindo o mundo. Quando
me sinto responsável por isso, naturalmente deixo de ser com
petitivo. E o mundo religioso, bem como o econômico, o mundo
social, está baseado num princípio hierárquico. Também tenho
este conceito de estrutura hierárquica? Obviamente não, porque
aquele que diz “eu sei” está adotando uma posição superior e
tem um status. Se vocês querem esse status vão procurá-lo; mas
estão contribuindo para a confusão do mundo.
Portanto, há ações reais, objetivas, sensatas quando vocês
percebem, quando compreendem, no âmago de seus corações,
que são como o resto da humanidade, e que estamos todos pi
sando no mesmo chão.
De Das Trevas para a Luz
A canção da vida
109
sapatos, de suas roupas. Falava muito bem inglês, embora fosse
um forasteiro. E, para o homem que estava sentado na praia ob
servando, ele disse que falara com um grande número de pessoas,
que discutira com alguns professores e eruditos, e que, enquanto
estava na índia, havia conversado com alguns dos pânditas. E,
ao que parece, a maioria deles, segundo ele, não estava preocu
pada com a sociedade, não se dedicava com profundidade a qual
quer reforma social ou à presente crise da guerra. Ele estava
muito preocupado com a sociedade em que estamos vivendo,
embora não fosse um reformador social. Ele não tinha certeza
de que a sociedade poderia ser mudada, de que ele pudesse fazer
algo a respeito. Mas percebia o que estava acontecendo: a grande
corrupção, o absurdo dos políticos, a insignificância, a vaidade
e a brutalidade que é excessiva no mundo.
Ele disse: “O que podemos fazer por esta sociedade? Não
pequenas reformas aqui e ali, troca de um presidente por outro,
de um primeiro-ministro por outro — eles todos pertencem mais
ou menos à mesma massa; eles não podem fazer muito porque
representam a mediocridade, ou até mesmo menos do que isso,
a vulgaridade; eles querem se exibir; nunca farão nada. Farão
pequenas reformas insignificantes aqui e ali, mas a sociedade
continuará existindo a despeito deles.” Ele observara várias so
ciedades e culturas. Fundamentalmente, elas não são tão diferen
tes. Ele parecia ser um homem muito sério mesmo sorrindo, e
falou sobre a beleza deste país, sobre a amplidão, a variedade
dos quentes desertos até as altas Montanhas Rochosas com seu
esplendor. Ouvi-o falar e observei o mar.
A sociedade não pode ser modificada a menos que o homem
mude. Homem, você e os outros criaram essas sociedades por
gerações e gerações; todos nós criamos essas sociedades a partir
da nossa insignificância, da nossa estreiteza, a partir da nossa
limitação, da nossa ganância, da nossa inveja, da nossa brutali
110
dade, da nossa violência, da nossa competição e assim por diante.
Somos responsáveis pela mediocridade, pela estupidez, pela vul
garidade, por toda loucura tribal e pelo sectarismo religioso. A
menos que cada um de nós mude radicalmente, a sociedade nunca
mudará. Ela existe, nós a fizemos, e, depois, ela nos faz. Ela nos
forma assim como a formamos. Ela nos coloca num molde e o
molde se põe numa estrutura que é a sociedade.
Assim, essa ação continua interminavelmente, como o mar
com a maré cheia e vazante, algumas vezes muito lenta, outras
vezes rápida demais, perigosa. Maré cheia e maré baixa; ação,
reação, ação. Esta parece ser a natureza do movimento, a menos
que haja uma ordem profunda em nós mesmos. Essa mesma or
dem trará ordem à sociedade não através da legislação, dos go
vernos e de toda essa azáfama — embora, enquanto houver de
sordem, confusão, a lei e a autoridade que foram criadas pela
nossa desordem continuarão a existir. A lei é uma criação do
homem, como o é a sociedade — o produto do homem é a lei.
Portanto, o interior, a psique cria o exterior de acordo com
a sua limitação; e o exterior, então, controla e molda o interior.
Os comunistas pensaram, e é provável que ainda pensem que,
controlando o exterior, criando determinadas leis, regulamentos,
instituições, certas formas de tirania, eles podem mudar o ho
mem. Mas até agora não foram bem-sucedidos, e nunca' terão
sucesso. Esta também é a atividade do Socialismo. Os capitalistas
fazem isso de outra maneira, mas é tudo a mesma coisa. O in
terior sempre supera o exterior, pois o interior é muito mais forte,
muito mais vital do que o exterior.
Poderá este movimento ter fim — a criação psicológica in
terior do movimento exterior, e o exterior, a lei, as instituições,
as organizações, tentando moldar o homem, o cérebro, no sentido
de agir de certo modo, e o cérebro, o interior, a psique, então
mudando o exterior, e tirando vantagem dele? Este movimento
111
tem continuado desde que o homem está na terra, a crueldade,
a superficialidade, algumas vezes de modo brilhante — sempre
existe o interior superando o exterior, como o mar com suas
marés em fluxo e refluxo. Devemos de fato indagar se esse mo-
vimento pode cessar um dia — ação e reação, ódio e mais ódio,
violência e mais violência. Há um fim quando há apenas obser-
vação, sem nenhum motivo, sem resposta, sem direção.
A direção começa a existir quando há acumulação. Mas, na
observação em que há atenção, consciência, e um grande sentido
de compaixão, há uma inteligência própria. Essa observação e
essa inteligência atuam. E essa ação não é o fluxo nem o refluxo.
No entanto, ver as coisas sem a palavra, sem um nome, sem
nenhuma reação exige grande atenção; nessa observação há uma
grande vitalidade, há paixão.
112
Madras, 27 de Dezembro de 1981
113
A vida se tomou extraordinariamente perigosa, insegura, sem
qualquer sentido. Vocês podem inventar muitos significados,
mas a vida cotidiana atual perdeu todo o seu sentido, exceto para
ganhar dinheiro, ser alguém, ser poderoso e assim por diante.
E não há político, quer da esquerda, quer da direita ou do
centro, que resolva qualquer de nossos problemas. Os políticos
não estão interessados em resolver problemas. Eles apenas se
preocupam consigo mesmos e em manter sua posição. E os gurus
e religiosos também traíram os homens. Vocês seguiram os Upa-
nishads, os Brahmasutras e o Bhagavad Gita; e há o jogo do guru
de ler esses livros em voz alta para uma audiência de supostos
iluminados, de pessoas inteligentes. Portanto, é possível que vo
cês não possam confiar nos políticos, ou seja, no governo, nem
nas escrituras, tampouco em nenhum guru, porque eles fizeram
este país ser o que é agora. Se procurarmos por outra liderança,
esta também nos levará pelo caminho errado. E visto que não há
ninguém que possa nos ajudar, temos de ser total, completamente
responsáveis pela nossa conduta, pelo nosso comportamento e
pelas nossas ações.
114
herança dos animais, do macaco e assim por diante. A violência
assume várias formas, não meramente ação brutal; trata-se de
um assunto muito complicado. A violência é imitação, é confor
mismo, é obediência; violência é pretenderem ser o que não são;
essa é uma forma de violência. Por favor, vejam a lógica de tudo
isso. Não é que estejamos fazendo afirmações para que vocês as
aceitem ou as neguem. Estamos descendo por um caminho, numa
floresta, por campos adoráveis, juntos, investigando sobre a vio
lência, como dois amigos que discutem os fatos, sem qualquer
persuasão, sem qualquer sentido de resolução do problema. Es
tamos falando juntos, estamos analisando juntos. Estamos cami
nhando pelo mesmo caminho, não o seu caminho ou o meu, mas
o caminho da investigação desses problemas.
116
sem todas as mágoas acumuladas e a lembrança de coisas que
já passaram. Façam isso agora. Observem. E, quando forem ca-
pazes de observar todas as imagens que construíram em tomo
de si mesmos e em tomo deles, então existirá o relacionamento
correto.
Quando vocês viverem todos os dias com “o que é” e ob-
servarem “o que é”, não só exterior mas interiormente, então
criarão uma sociedade sem conflitos.
117
Bombaim, 24 de Janeiro de 1982
119
ele. Vocês talvez olhem para ele, talvez nadem nele, mas a sen-
sação desse mar com a sua enorme vitalidade e energia, a beleza
de uma onda quebrando na praia — não há comunicação entre
esse maravilhoso movimento do mar e vocês mesmos. E, se não
têm relacionamento com isso, como podem ter relacionamento
com outro ser humano? Se não perceberem o mar, a qualidade
da água, das ondas, a grande vitalidade da maré em fluxo e re-
fluxo, como podem ter consciência, ou serem sensíveis ao rela-
cionamento humano? Por favor, é muito importante entender
isso, porque a beleza, se é que podemos falar sobre ela, não está
unicamente na forma física, mas a beleza em essência é essa
qualidade de sensibilidade, a qualidade da observação da natu-
reza.
120
Ojai, 1° de Maio de 1982
121
diante — e temos nossas tendências e experiências particulares,
que somos indivíduos separados. Agora iremos questionar essa
idéia; nós somos indivíduos?
Isso não significa que somos uma espécie de seres amorfos;
mas somos de fato indivíduos? O mundo todo sustenta a idéia
de que, tanto religiosamente como de outras maneiras, somos
indivíduos separados. E, a partir desse conceito, talvez dessa ilu
são, cada um de nós está tentando se realizar, tomar-se alguém,
competindo com os outros, lutando com as outras pessoas. As
sim, se adotarmos este tipo de vida, inevitavelmente estaremos
nos apegando às nacionalidades, ao tribalismo, à guerra. Por que
nos apegamos ao nacionalismo e à paixão que ele envolve, que
é o que está acontecendo agora? Por que damos tão extraordinária
importância ao nacionalismo que, em essência, é tribalismo? Por
quê? Será que é porque apegar-se a uma tribo, a um grupo, nos
dá certa segurança — não só segurança física mas também psi
cológica, um senso interior de completude, de plenitude? Se for
isso, então a outra tribo sente o mesmo; donde existe divisão e,
portanto, conflito, guerra.
Se de fato percebemos a verdade disso, não teoricamente, e
se quisermos viver nesta terra, que é a nossa terra, não sua nem
minha, nem americana, nem russa, nem hindu, então, não existe
nenhum nacionalismo. Há apenas a existência humana. Uma vida
— j—não se trata da sua nem da minha vida; trata-se de viver o
todo da vida. Mas essa tradição de individualidade tem sido per
petuada pelas religiões, tanto no Oriente quanto no Ocidente.
Ora, será isso assim? Vocês sabem, é muito bom duvidar, é
muito bom ter uma mente que questiona, que não aceita; uma
mente que diz: provavelmente não podemos viver mais desta
maneira, desta maneira brutal e violenta. Dessa forma, a dúvida,
o questionamento tem uma importância extraordinária; não con
vém aceitar apenas o modo de vida que vivemos talvez durante
122
trinta anos, ou o modo como o homem viveu por um milhão de
anos. Assim, estamos questionando a realidade da individualidade.
Ser consciente significa ter percepção, saber, perceber, ob-
servar. O conteúdo da consciência é a sua crença, o seu prazer,
a sua experiência, o conhecimento particular que vocês juntaram,
quer através da experiência externa, quer através dos seus medos,
apegos, dores, da agonia da solidão, da tristeza, da busca de algo
além da mera existência física; tudo isso é a nossa consciência
com seu conteúdo. O conteúdo faz a consciência. Sem conteúdo
não existe a consciência como a conhecemos. Essa consciência,
que é muito complexa, contraditória, com extraordinária vitali-
dade, é de vocês? O pensamento é de vocês? Ou existe um único
pensamento que não é nem do Oriente nem do Ocidente? Há
apenas um único pensamento, que é comum a toda a humanidade,
quer seja rica, quer pobre. Os técnicos, com sua extraordinária
capacidade, ou os monges que se retiraram do mundo e se con-
sagraram a uma idéia, ainda estão pensando.
Essa consciência será comum a toda a espécie humana? Para
onde quer que vamos, vemos sofrimento, dor, ansiedade, solidão,
loucura, medo, a premência do desejo. Isso é comum, é o chão
em que todos os seres humanos se encontram. A sua consciência
é a consciência da humanidade, do resto da humanidade. Se en-
tendermos a natureza disso — que vocês são o resto da huma-
nidade, embora tenhamos nomes diferentes, embora vivamos em
partes diferentes do mundo, embora sejamos educados de modos
diferentes, embora sejamos ricos ou muito pobres — quando
olharem por trás da máscara, vocês são o resto da humanidade:
neuróticos, magoados, sofrendo de solidão e desespero, acredi-
tando em algumas ilusões, e assim por diante. Quer vocês se
dirijam para o Oriente, quer para o Ocidente, isso é assim. Vocês
podem não gostar disso: talvez gostem de pensar que são total-
mente independentes, livres, individuais. Mas, quando analisam
em profundidade, vocês são o resto da humanidade.
Madras, 26 de Dezembro de 1982
127
Podemos ouvir isso interminavelmente; mas, se não fizerem
isso, qual é a vantagem de ouvir? Se de fato não estão conscientes
de si mesmos, das palavras, dos gestos, do modo de andar de
vocês, do modo como comem, do motivo por que bebem e fu-
mam, e de tudo o mais que os seres humanos estiverem fazendo
— se não estão conscientes de todas as coisas físicas, como po-
dem ter consciência do que se passa nas profundezas? Quando
não estamos conscientes, nos tomamos inferiores, burgueses,
medíocres. O significado real da palavra medíocre é “subir até
a metade do caminho que leva ao alto da montanha”, subir só
até a metade da montanha sem nunca alcançar o topo. Isso é
mediocridade. Ou seja, nunca exigir de nós mesmos a excelência,
nunca exigir de nós mesmos a bondade total nem a liberdade
completa — não a liberdade de fazer o que gostamos, isso não
é liberdade, isso é trivialidade, mas sermos livres de todas as
dores da ansiedade, da solidão, do desespero e de todo o resto.
Dessa maneira, para descobrirmos, para chegarmos a isso,
ou para vivermos para isso, é preciso haver um grande espaço e
silêncio — não o silêncio planejado, não o pensamento dizendo
que preciso ficar em silêncio. O silêncio entre dois ruídos. A paz
não existe entre duas guerras. O silêncio é algo que vem natu-
ralmente quando vocês estão observando, quando estão obser-
vando sem motivo, sem nenhum tipo de exigência, apenas por
observar, e ver a beleza de uma única estrela no céu, ou observar
uma árvore solitária no campo, ou observar seus maridos ou es-
posas, ou qualquer coisa que observarem. Observar com um
grande silêncio e demoradamente. Então, nessa observação, nes-
se estado de atenção, há algo que está além das palavras, além
de toda medida.
Usamos palavras para medir o imensurável. Desse modo,
temos de ter consciência também da rede de palavras, de como
as palavras nos enganam, de como as palavras significam tanto:
comunismo, para um capitalista, significa algo terrível. As pala
vras se tornam extraordinariamente importantes. Porém é preciso
ter consciência dessas palavras e viver com a palavra silêncio,
sabendo que a palavra não é o silêncio, mas viver com essa pa
lavra e sentir o peso dessa palavra, o conteúdo dessa palavra, a
beleza dessa palavra! Assim, começamos a compreender, quando
o pensamento está quieto; a observar que há algo além de toda
imaginação, de toda dúvida e busca. E isso existe — ao menos
para o orador. Mas o que o orador diz não tem valor para os
outros. Se ouvirem, aprenderem, observarem, se forem totalmen
te livres de todas as ansiedades da vida, haverá uma religião que
promoverá um a cultura nova, totalmente diferente. Nós não so
mos pessoas cultas. Vocês podem ser espertos nos negócios, po
dem ser tecnologicamente muito capazes, podem ser médicos ou
professores, mas ainda somos muito limitados.
O fim do eu, do “ego”: ser nada. A palavra nada significa
“nem uma coisa”. Não uma coisa criada pelo pensamento. Ser
nada: não ter imagem de si mesmo. Mas nós temos uma porção
de imagens de nós mesmos. Não ter nenhum tipo de imagem,
nenhuma ilusão, ser absolutamente nada. A árvore não é nada
para si mesma. Ela existe. E na sua própria existência é a coisa
mais bonita, como aquelas montanhas; elas existem. Elas não se
tomam alguma coisa, porque elas não podem. Como a semente
de uma macieira; ela é maçã; ela não tenta tomar-se uma pêra,
ou outra fruta — ela é. Vocês entendem? Isto é meditação. Este
é o fim da busca; e a verdade é.
Brockwood Park,
4 de Setembro de 1983
131
Ojai, 24 de Maio de 1984
133
as águas e que se envenenam uns aos outros. É isso o que estamos
fazendo à terra e a nós mesmos.
Será que podemos viver nesta terra com a sua grande beleza
e não trazer sofrimento ou morte aos outros? Esse é um problema
muito, muito sério. Viver uma vida sem causar sofrimento ou
morte para os outros: isso significa não matar nem um ser hu
mano, e também não matar nenhum animal por esporte, ou para
obter alimento. Vocês entendem tudo isso? Este é o problema.
Havia uma classe de pessoas na índia que jamais comia car
ne. Elas acreditavam que matar era errado. Eram chamadas, na
quela ocasião, de brâmanes. E a civilização ocidental jamais pon
derou sobre se matar é correto, se matar algum ser vivo é justi
ficável. O mundo ocidental destruiu raças inteiros. Certo? A
América do Norte destruiu os índios, varreu-os da face da terra
porque queria a terra deles, e tudo o mais. Assim, será que po
demos viver nesta terra sem matar, sem guerra? Posso responder
à pergunta, mas, então, que valor terá a resposta para vocês, se
estão matando? Eu não estou defendendo o vegetarianismo. (Um
autor escreveu há certo tempo: “O vegetarianismo está se espa
lhando como uma doença infecciosa por este país!”) Mas vocês
matam um repolho; portanto, onde fica a linha divisória? Vocês
fazem disso um problema? Vocês entenderam a minha pergunta?
Se vocês forem contra a guerra, como determinados seres
humanos, inclusive eu mesmo, se forem contra a guerra, contra
matar outro ser humano por algum motivo, então não podem
enviar uma carta! O selo que compram, a comida que obtêm,
parte do que pagam vai para o exército, para os armamentos. Se
comprarem petróleo (gasolina, neste país) parte do custo vai para
o exército, e assim por diante. Então, o que faremos? Se não
pagarem os impostos serão presos. Se não comprarem selos ou
gasolina, não poderão escrever cartas nem viajar. Desse modo,
vocês se recolhem a um canto. E viver num canto parece inútil.
Portanto, o que farão? Dirão: “Não viajarei, não escreverei uma
carta”? Tudo isso ajuda a manter o Exército e a Marinha —
percebem? — e tudo o que isso produz. Ou a abordagem de
vocês é diferente? Por que matamos? As religiões, especialmente
o cristianismo, mataram muitas pessoas; eles torturaram pessoas,
chamaram-nas de hereges, queimaram-nas. Vocês conhecem
essa história. Também os maometanos fizeram isso. Provavel
mente, os hindus e os budistas foram os únicos que não mataram
— sua religião os proíbe de fazer isso.
Como se pode viver nesta terra sem matar os outros e sem
causar sofrimento? Analisar esta questão em profundidade, de
fato é algo muitíssimo sério. Há algum aspecto no amor que
responda a esta questão? Se vocês amam outro ser humano, estão
dispostos a matá-lo? Vocês então deixariam de matar, exceto o
que precisam como alimento — os vegetais, as nozes e assim
por diante — , mas, a não ser por isso, deixariam de matar? Ana
lisem todas essas questões e vivam de modo coerente, pelo amor
de deus; não fiquem apenas falando sobre elas.
O que está dividindo o mundo são os ideais, a ideologia de
um grupo contra outro, essa divisão aparentemente duradoura
entre homem e mulher, e assim por diante. Tentaram solucionar
isso por meio da lógica, da razão, de várias instituições, funda
ções e organizações, e não tiveram nenhum tipo de sucesso. Este
é um fato. O conhecimento tampouco resolveu o problema — o
conhecimento no sentido da experiência acumulada e assim por
diante. E o pensamento por certo não resolve esse problema.
Isso nos conduz, pois, a uma única questão: descobrir o que
é o amor. O amor não é desejo, não é posse, não é uma atividade
egoísta, egocêntrica — eu em primeiro lugar, você em segundo!
Mas, aparentemente, esse amor não tem sentido para a maioria
das pessoas. Podem ter escrito livros sobre ele, mas ele não tem
sentido, portanto as pessoas tentaram inventar essa qualidade,
esse perfume, esse fogo, essa compaixão. E a compaixão tem
sua inteligência, essa é a suprema inteligência. Quando há essa
inteligência que nasce da compaixão, do amor, então todos esses
problemas são resolvidos de modo simples e tranqüilo. Mas nós
nunca analisamos profundamente a questão. Podemos persegui-
la intelectualmente, verbalmente, mas se vocês fizerem isso com
o coração, com a mente, com sua paixão, a terra continuará bela.
E haverá uma grande sensação de beleza em nós mesmos.
Do Diário de Krishnamurti,
4 de Abril de 1975
137
ponsáveis, fogem para as praias, para as bosques levando uma
arma por “esporte”.
Vocês podem saber de tudo isso, mas o conhecimento não
gera a transformação. Quando tiverem este senso da totalidade,
vocês terão um forte vínculo com o universo.
138
Rajghat, 12 de Novembro de 1984
139
O que acontece quando vocês vêem o rio na luz da manhã
com o sol acabando de nascer, traçando um caminho dourado
sobre as águas? Quando vocês olham para isso, o que acontece?
Vocês estão repetindo determinado mantra, ou no momento fi
cam completamente silenciosos? A beleza daquela luz sobre as
águas torna secundários todos os seus problemas, todas as suas
ansiedades, anula tudo por alguns segundos ou minutos, ou até
mesmo horas — o que significa que não há eu: o eu, a atividade
egoísta, concentrada em si mesma, e o interesse pessoal, desa
parecem. Tudo isso é banido pela grande beleza da nuvem repleta
de luz e de dignidade — nesse momento, o eu está ausente. As
sim, a beleza existe quando não há o eu? Não concordem com
isso, não digam que sim com a cabeça, nem digam, “Ele está
certo, que maravilha!” e depois continuem com seu egoísmo,
com a preocupação que sentem apenas com vocês mesmos, nem
falem lógica ou teoricamente sobre a beleza. A beleza é algo que
temos de perceber, não é algo a ser mantido na mente como uma
lembrança. Portanto, beleza é algo mais profundo, muito mais
profundo e amplo do que uma simples figura, um desenho, um
rosto bonito ou maneiras graciosas. Há beleza apenas quando
não há o eu. E essa é a primeira coisa necessária para entender
o que é uma mente religiosa.
E, para analisar isso, é preciso que haja um cérebro global,
não um cérebro provinciano, sectário e limitado. Ele tem de en
tender o complexo problema humano. Isto é, uma mente holís-
tica, um cérebro que compreenda o todo da existência. Não da
sua existência particular, dos seus problemas particulares, porque
para onde quer que vocês vão, seja para a América, para a Eu
ropa, para a índia ou para a Ásia, nós, seres humanos, sofremos
— nós somos sozinhos, ansiosos, medrosos, buscamos o confor
to, somos infelizes, deprimidos, irritados, com algum prazer e
alegria ocasionais e assim por diante.
Um cérebro holístico preocupa-se com a humanidade como
um todo, porque somos todos semelhantes. E também temos de
descobrir por nós mesmos qual é o relacionamento entre a na
tureza e cada um de nós. Isto faz parte da religião. Vocês podem
não concordar, mas considerem a questão, analisem-na. Vocês
têm algum vínculo com a natureza, com o pássaro, com as águas
daquele rio? Todos os rios são sagrados, mas estão ficando cada
vez mais poluídos; podem chamá-los de Ganges, Tâmisa, o Nilo,
o Reno, o Mississipi ou o Volga. Qual é o seu vínculo com tudo
isso — com as árvores, com os pássaros, com todos os seres
vivos a que chamamos natureza? Acaso não fazemos parte de
tudo isso? Acaso não somos o ambiente? Fico cogitando se não
estarei dizendo tolices, se vocês apenas estão me ouvindo por
acaso. Será que isso significa algo para vocês — tudo isso —
ou sou um estranho de Marte falando sobre algo com o que vocês
não têm nenhuma relação? Será que não significa nada? Depende
de vocês.
Madras, 29 de Dezembro de 1979
144
mente tem buscado aquela semente que o homem plantou desde
o início dos tempos, semente que nunca brotou, a semente da
verdadeira religiosidade. Porque, sem esse tipo de religião, não
pode haver uma nova civilização, nem uma nova cultura. Deve
haver novos sistemas, novas filosofias, novas estruturas sociais;
mas haverá os mesmos padrões repetidos para sempre.
Assim sendo, o que faremos? Vocês como seres humanos
que vivem nesta terra maravilhosa, com suas montanhas belís
simas e com suas paisagens, mares e rios, não se trata de poesia...,
basta olhar para essas coisas — o que podem fazer juntos para
vencer? — não criar novos sistemas sociais, novas ordens reli
giosas; nem novas crenças, ideais e dogmas; nem novos rituais,
porque o jogo acabou, e foi repetido inúmeras vezes. Para criar
um mundo diferente, se vocês forem sérios, a bondade terá de
existir. A palavra bom significa ser inteiro, não ser fragmentado;
dizer que um ser humano é bom significa dizer que não há nele
qualquer senso de divisão. Ele é completo em si mesmo, é inteiro,
sem nenhum conflito.
Nós estamos analisando juntos o que é a nossa crise presente
— não apenas econômica, social, mas a crise em nossa cons
ciência, em nosso próprio ser; não a crise de um novo sistema,
não a crise da guerra, etc. Trata-se da crise no âmago da huma
nidade. E de que maneira essa consciência pode ser transforma
da?
O que fará vocês mudarem? Uma crise? Uma pancada na
cabeça? A tristeza? Lágrimas? Tudo isso já aconteceu, em crises
seguidas. Derramamos lágrimas intermináveis e nada parece mu
dar o homem, porque vocês estão confiando em outra pessoa
para fazer o trabalho; estão confiando nos mestres, nos gurus,
nos livros, nos professores, no povo inteligente, senhor das novas
teorias. Ninguém diz “descobrirei”. Embora toda a história da
humanidade esteja em nós, nunca lemos nosso próprio livro!
145
Tudo está lá, mas nunca nos damos ao trabalho, nem temos a
paciê
pa ciênci
nciaa e a per
p ersis
sistên
tênci
ciaa para
pa ra investi
in vestigar.
gar. Preferim
Pref erimos
os viver
viv er neste
caos, nesta miséria.
Portanto, o que fará vocês mudarem? Por favor, perguntem
a si mesmos, mergulhem nessa questão, porque somos vítimas
do hábito. A sua casa está queimando, e, ao que parece, vocês
não prestam atenção. Assim, se não mudarem, a sociedade con
tinuará como está. E surgem então os espertos, dizendo que a
sociedade deve mudar, o que significa uma nova estrutura; e a
estmtura se toma mais importante do que o homem, como todas
as revoluções mostraram.
Depois de considerar tudo isso, há aprendizado, há o des
pertar
per tar da intelig
int eligênc
ência,
ia, há certo
cert o senso de ordem
orde m em nossa
no ssa vida,
ou voltaremos à mesma rotina? Se vocês tiverem essa inteligên
cia, essa bondade, esse grande amor, vocês criarão uma nova
sociedade
sociedade maravilhosa, onde todos poderão viver com felicidade felicidade..
Trata-se da nossa terra, não da terra dos indianos, dos ingleses
ou dos russos; é a nossa terra, onde podemos viver felizes, com
inteligência, sem oprimir os outros. Portanto, por favor, dedi
quem-se de corpo e alma a descobrir por que Vocês não mudam
— mesmo nas pequen peq uenasas coisas. PorPo r favor, prestem
pre stem atenção
atençã o à
vida. Vocês têm capacidades extraordinárias. Elas estão à espera
de que vocês abram a porta.
146
Do Diário de Krishnamurti,
24 de Outubro de 1961
14
pois o pensame
pens amento,
nto, seja como
com o for, é algo demasiad
dem asiadoo fútil e au
tomático; a emoção também não pode envolver-se com ela —
ela é ativa demais para o pensamento e a emoção. Tudo ocorre
numa profundeza
profu ndeza desconhecida, para par a a qual não há medida. Mas
existe uma grande tranqüilidade.
tranqüilidade. É surpreendente
surpreendente e nem um pou pou
co comum.
As folhas escuras estão brilhando e a lua se ergueu mais no
céu: ela segue ramo ao Ocidente e inunda o aposento de luz. A
aurora ainda está longe, faltam várias horas para o amanhecer e
não há ruído; até mesmo o latido dos cães da vila cessou. Ele
está ali, em vigília; o estranho está ali e é necessário acordar,
não dormir. Ficar consciente do que está acontecendo é inten
cional, ter consciência plena do que está acontecendo.
Adormecido, isso pode ser um sonho; uma sugestão do in
consciente, um traque do cérebro; mas, totalmente desperto, essa
estranha e desconhecida diversidade é uma realidade palpável,
um fato e não uma ilusão, um sonho. Ela tem uma qualidade —
se se pode usar esta palavra no caso — de ausência de peso e
uma força impenetrável. Novamente, essas palavras têm certa
importância, definida e comunicável, mas essas palavras perdem
todo o seu significado quando a diversidade tem de ser expressa
em palavras; palavras são símbolos, mas nenhum símbolo poderá
expressar a realidade. Ela está aí a í com tal força incorruptível
incorruptível que
nada poderá destruí-la, pois é inabordável. Vocês podem se apro
ximar de algo com que estão familiarizados; vocês têm de ter a
mesma
mesm a linguagem para pa ra se comunicar, algum tipo de processo de
pensame
pens amento,
nto, verbal
verb al e não-verbal
não-v erbal;; acima
aci ma de tudo,
tudo , tem de haver
reconhecimento mútuo. Não há nenhum. Do seu lado, vocês até
podem
pod em dizer
dize r que
q ue se trata
trat a disto
d isto ou daquilo,
daquil o, desta
des ta ou daq
d aquel
uelaa qua
qu a
lidade, mas no momento do acontecimento não há verbalização,
pois o cérebro
cére bro está
est á quieto, sem nen nenhum
hum movimento
movi mento do pen pensa
sa
mento. Mas a diversidade não tem vínculo com coisa nenhuma
1488
14
e todo pensamento é um processo de causa e efeito; assim, não
há entendimento nem relacionamento. É uma chama inacessível,
e vocês só podem olhar para ela mantendo-se a distância. E du
rante a vigília, de repente, ela surge. E com ela vem um inespe
rado êxtase, uma alegria irracional; não há motivo para ela e ela
nunca foi procurada nem perseguida. Semelhante êxtase há na
vigília, e novamente no horário habitual; ela está aí e continua
por um período mais longo de tempo.
25 de outubro
149
versidade dando as boas-vindas no quarto; está esperando ali
com um convite tão franco, que um pedido de desculpas parece
inútil. Algumas vezes, no Wilbledom Common [ele se lembra
de Londres, onde ficara numa casa em Wimbledon em maio],
bem distante daqui, embaixo de algumas árvores ao longo de um
caminho por onde seguiam muitas pessoas, ela estava esperando
numa curva do caminho; surpresos, ficamos em pé ali, perto da
quelas árvores, completamente absortos, vulneráveis, sem fala,
sem fazer um só movimento. Não era uma fantasia, uma ilusão;
e outra pessoa que por acaso estivesse ali também a sentiria. Em
algumas ocasiões ela chega, com as boas-vindas do amor abran
gente e é quase inacreditável. Cada vez apresenta um aspecto
novo, uma nova beleza, uma nova austeridade. É assim neste
aposento, algo totalmente novo e completamente inesperado.
Trata-se da beleza que deixa a mente tranqüila e o corpo
imóvel: ela deixa a mente, o cérebro e o corpo intensamente
alertas e sensíveis; faz o corpo tremer e, em alguns minutos, essa
diversidade complacente se vai, tão rapidamente como chegou.
Nenhum pensamento ou emoção fantasiosa podem conjurar este
acontecimento. O pensamento é insignificante, e o sentimento é
frágil e decepcionante; nenhum deles, por muito que façam, pode
se dar conta destes acontecimentos. Eles são imensuravelmente
grandes, imensos em sua força e pureza de pensamento ou senti
mento; eles têm e não têm raízes. Não devem ser convidados a
ficar, nem retidos: pensamento e sentimento podem fazer qualquer
tipo de truque esperto e fantástico, mas não podem inventar ou
conter a diversidade. Ela existe por si mesma e nada pode tocá-la.
28 de outubro
150
leito dos rios, a grande figueira-de-bengala, e vários tamarindei
ros; no entanto, só se vê essa flor vermelha. Ela é muito vistosa,
colorida. Não há outra cor: as manchas do céu azul, as nuvens
cintilantes de luz, as montanhas cor de violeta, o rico verde dos
campos de arroz, tudo isso desaparece e resta apenas o maravi
lhoso matiz daquela flor. Ela enche todo o céu e o vale: murchará
e morrerá, fenecerá e as montanhas sobreviverão. Mas esta ma
nhã ela é a eternidade, ela está além do tempo e do pensamento;
ela retém todo o amor e a alegria; não há sentimento e absurdos
românticos nela; nem ela é um símbolo qualquer. E ela mesma,
destinada a morrer ao entardecer, embora contenha toda a vida.
Não é algo sobre o que se raciocine, nem algo irracional, alguma
fantasia romântica: ela é tão real quanto aquelas montanhas e
aquelas vozes chamando umas às outras. E a completa meditação
da vida, e a ilusão só existe quando cessa o impacto desse fato.
Essa nuvem tão cheia de luz é uma realidade cuja beleza não
tem um impacto forte na mente que ela tomou obtusa e insensível
por influência, hábito, e a duradoura busca pela segurança. A
segurança da fama, do relacionamento, do conhecimento acaba
com a sensibilidade e dá início à deterioração. Essa flor, aquelas
montanhas e o mar azul agitado são um desafio, como as bombas
nucleares são uma ameaça à vida, e só uma mente sensível pode
responder totalmente a eles; só uma resposta íntegra não deixa
marcas de conflito, e o conflito indica uma resposta parcial.
Os assim chamados santos e saniasins contribuíram para a
obtusidade da mente e para a destmição da sensibilidade. Todo
hábito, repetição, ritual fortalecido pela crença e pelo dogma,
pela resposta sensorial pode ser aprimorado, mas a consciência
alerta, a sensibilidade é outro assunto. A sensibilidade é essencial
para nos interiorizarmos profundamente. Este movimento de nos
voltarmos para dentro não é uma reação ao que está fora; o ex
terior e o interior são um mesmo movimento — não estão sepa-
rados. A divisão deste movimento em exterior e interior alimenta
a insensibilidade. O fluxo natural do exterior é voltar para o in
terior, e o movimento do interior tem sua própria ação expressa
no exterior, embora não se trate de uma reação ao exterior. Sen
sibilidade é a consciência do todo deste movimento.
31 de outubro
7 de novembro
154
A diversidade é a mente sem o tempo; é o hálito da inocência e
da imensidão. As palavras não são a realidade; elas só são meios
de comunicação, contudo, não são a inocência e o imensurável.
O vazio está só.
155
Fontes e Agradecimentos
Extraído de The First and the Last Freedom, capítulo 3, copyright © 1954
Krishnamurti Writings, Inc.
156
Extraído de Freedomfrom the Known, capítulo 11, copyright © 1969 Krishnamurti
Foundation.
1
Extraído de From D arkness to Light: The Song o f Life, copyright © 1980
K. & R. Foundation.
158